
★★★★
The Dark Knight Rises, EUA/Reino Unido, 2012 | Duração: 2h44m14s | Lançado no Brasil em 27 de julho de 2012, nos cinemas | Baseado nos personagens de "Batman" criados por Bob Kane. Escrito por Christopher Nolan & David S. Goyer. Roteiro de Jonathan Nolan e Christopher Nolan | Dirigido por Christopher Nolan | Com Christian Bale, Tom Hardy, Gary Oldman, Anne Hathaway, Joseph Gordon-Levitt, Marion Cotillard, Morgan Freeman, Michael Caine, Matthew Modine, Alon Moni Aboutboul, Ben Mendelsohn, Burn Gorman, Nestor Carbonell, Daniel Sunjata, Brett Cullen, Juno Temple.

Há 7 anos, com Batman Begins, o diretor Christopher Nolan dava início àquela que viria a se tornar uma das mais bem sucedidas e maduras adaptações de HQs já produzidas, graças, sobretudo, à inserção de temas e personagens complexos em tramas policiais cuja afinidade com o realismo, incomum em filmes do gênero, surgia como um de seus grandes méritos e diferenciais. Produzida no tempo necessário para que a afobação e a exaustão não interferissem no resultado criativo (Nolan ainda encontrou tempo para comandar os excelentes O Grande Truque e A Origem nos intervalos entre os filmes), a trilogia é agora encerrada com este competente Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge, que, mesmo descendo um tom do nível de excelência estabelecido pelos antecessores, repete o feito de se manter narrativamente admirável tanto frente ao arco geral do herói quanto isoladamente.
Iniciado com uma impactante sequência de ação que consegue fazer referência às introduções de ambos os filmes anteriores (do primeiro, o poço que marca o início do drama do protagonista sendo projetado no avião verticalizado e, do segundo, a participação a princípio velada do vilão no golpe), o longa salta oito anos em relação ao desfecho de Batman - O Cavaleiro das Trevas e nos apresenta a uma Gotham que, abraçando o falso relato do assassinato de Harvey Dent por Batman (Christian Bale), deu sequência ao trabalho iniciado pelo promotor e alcançou um aparente controle da criminalidade local. Acomodadas, as autoridades da cidade passam a encarar como neurose a dedicação desmedida e o estado de alerta constante do Comissário Gordon (Gary Oldman) e acabam abrindo espaço para que o terrorista Bane (Tom Hardy) comande uma operação envolvendo um uso nefasto de um reator nuclear - financiado pelas empresas Wayne e supervisionado pela engenheira ambiental Miranda Tate (Marion Cotillard) -, que pode resultar na ruína da cidade.
Escrito pelos irmãos Christopher e Jonathan Nolan e por David S. Goyer, Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge traz Bruce Wayne como um homem recluso e debilitado que, quase uma década após aposentar seu uniforme de homem-morcego, permanece avesso ao convívio social e intensamente amargurado com a morte de sua amada Rachel - abatimento bem representado por Christian Bale, que, mais uma vez em sua carreira, surge em cena (aparentemente) com alguns quilos a menos para, mais adiante, retornar à boa forma. Assim, Bruce acaba se tornando uma vítima fácil da arisca e misteriosa Selina Kyle (Anne Hathaway), que involuntariamente desperta sua atenção para os acontecimentos obscuros que estão por vir e, claro, para sua obrigação de intervir. Com isso, os conflitos de identidade do herói são naturalmente resgatados, algo fundamental para que o desfecho da trajetória do personagem e a resolução do conflito central, batidos à primeira vista, ganhem um contorno que os diferencie de outros tantos semelhantes, como os vistos em Os Vingadores - The Avengers ou Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras - apenas para citar exemplos desse ano. Por outro lado, os roteiristas já não conseguem mais conter a revelação desenfreada da identidade do herói, que agora surge como um fator determinante para o desenrolar dos fatos.
Repetindo algumas parcerias estabelecidas em A Origem, Nolan tem a sua disposição um elenco com nomes fortes que, de modo geral, executam bem suas tarefas - e o destaque dessa vez recai sobre o veterano Michael Caine, que representa de forma tocante o peso dos sacrifícios a que o mordomo Alfred deve se sujeitar por amor ao patrão. Enquanto isso, a bela Anne Hathaway confere sensualidade e dualidade a Selina Kyle e se sai particularmente bem nas cenas de luta que participa, ao passo que o objetivo principal dos roteiristas por trás do comportamento do jovem policial John Blake, vivido com energia por Joseph Gordon-Levitt, fica claro desde sua primeira aparição em tela - e sua frustração por não conseguir evitar o desabamento de uma ponte ou ao encarar o desfecho fatal de um confronto corporal contra dois adversários simboliza bem o despreparo do rapaz e altera a perspectiva do desfecho concebido para o personagem. E se Gary Oldman e Morgan Freeman reprisam seus papéis com a competência habitual, a bela Marion Cotillard decepciona e se revela o elo fraco do elenco, permanecendo indecifrável durante boa parte do tempo e se entregando à caricatura em dois momentos cruciais da trama. Para completar, a participação surpresa de certo ator é inspirada não só pelo insano deslumbramento do personagem com o poder, como também pela sutil composição de seu figurino, que evoca seu alterego através do estado de conservação de seu paletó.

Fechando o elenco, Tom Hardy compensa a limitação imposta pela máscara de Bane (eficiente em sua aparência ameaçadora, lembrando presas) com seu surpreendente porte físico e um olhar intenso, dominador, analítico e ligeiramente insano - ou, eventualmente, outras expressões precisas e adequadas para seus respectivos contextos. Além disso, Hardy é extremamente feliz em seu excelente trabalho vocal, causando estranheza pela adoção de um sotaque exótico e de diversas entonações inesperadas (em vários momentos, Bane parece estar se deliciando de uma forma bastante particular com suas ações) que, juntamente com o eco e a distorção eletrônica, preenchem o ambiente e ressaltam a imprevisibilidade e o caráter impositor do personagem - e nesse aspecto, a ausência da expressividade de parte do rosto do ator é uma benção e evita que o vilão se torne uma figura grotesca e patética. Além disso, a meticulosidade do plano de Bane e a vantagem que possui em relação a seu opositor transformam o vilão em uma ameaça palpável e pungente - e é uma pena que o funcionamento do regime anárquico instaurado pelo personagem seja tão mal explorado, dificultando que o espectador compre a ideia.
Arriscando-se a brincar com os próprios clichês ("Então esta é a sensação?" pergunta-se Batman ao ser deixado falando sozinho por Selina em certa ocasião), o filme ainda é beneficiado pela trilha evocativa do sempre ótimo Hans Zimmer, que cria um tema retumbante para Bane com base em gritos de guerra intimamente ligados à gênese do vilão. Já os efeitos especiais correspondem ao investimento feito, apesar de o desempenho da nave bat falhar por não conseguir romper a incredulidade do espectador - e é um alívio que o exibicionismo da manobra mirabolante executada com a batpod em Batman - O Cavaleiro das Trevas seja contido aqui, já que a liberdade de movimento do eixo do veículo é usada de forma orgânica para contornar sua instabilidade e permitir manobras repentinas.
Com um terceiro ato tenso e intenso, que quase nos leva a relevar os problemas de ritmo de passagens anteriores, Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge até decepciona pontualmente (ter uma informação fundamental para uma importante reviravolta sendo induzida por um fantasma é lamentável), mas explora o potencial de questões levantadas nos filmes anteriores de forma honesta e coerente - e não é todo dia que podemos ir ao cinema assistir a uma superprodução que coloca seu protagonista para escalar simbolicamente o poço em que havia caído em nosso primeiro contato, respeitando e fazendo valer um investimento emocional de quase uma década.
