29 de julho de 2012

Crítica | 31 Minutos - O Filme

por Eduardo Monteiro

31 Minutos, la Película, Brasil/Chile/Espanha, 2008 | Duração: 1h24m03s | Lançado no Brasil em 3 de Agosto de 2012, nos cinemas | Escrito por Álvaro Díaz, Pedro Peirano, Daniel Castro e Rodrigo Salinas | Dirigido por Álvaro Díaz e Pedro Peirano | Com as vozes de Daniel de Oliveira, Márcio Garcia, Mariana Ximenes e Guilherme Briggs.

É simplesmente impossível levar a sério personagens vividos por fantoches ou marionetes - e é justamente aí que reside a grande graça de filmes estrelados por bonecos desse tipo. Inexpressivos por natureza, seres como Kermit e Miss Piggy d'Os Muppets conseguem conquistar o público graças ao trabalho de roteiristas, dubladores e titereiros que, driblando as limitações de suas tarefas, conferem alma e personalidade a seres de pano, espuma, borracha, plástico ou qualquer que seja o material de que são feitos. No caso de 31 Minutos - O Filme, o trabalho irregular dos roteiristas acaba comprometendo o sucesso dessa construção, já que a narrativa elaborada por eles jamais se torna suficientemente interessante para compensar os esforços dos profissionais que dão vida a seus personagens.

Chegando aos cinemas brasileiros com quatro anos de atraso, a adaptação da série de tevê chilena homônima conta a história de Juanín, o workaholic e ingênuo produtor do jornalístico 31 Minutos que, no dia do aniversário de seu egocêntrico patrão, amigo e ídolo Tulio, é despedido pelo próprio em função de um mal entendido. Desamparado, Juanín é raptado e levado para a ilha particular da vilã Cachirula, onde passa a integrar sua coleção particular de animais raros. Assim, Tulio, o repórter Bodoque e o restante da equipe do programa lançam-se ao mar em uma aventuresca missão de resgate.

Co-produzido por Chile, Brasil e Espanha, o filme conta em sua versão nacional com as vozes de atores famosos cujas contribuições, ainda que satisfatórias, jamais se equiparam ao trabalho feito pelos profissionais especializados - e não à toa, o Bodoque dublado pelo excelente Guilherme Briggs rouba todas as cenas de que participa. Voltando a se aventurar no universo da dublagem após trabalhar nas versões nacionais de O Galinho Chicken Little e Happy Feet, Daniel de Oliveira usa um tom calmo e doce que ressalta de forma certeira a personalidade passiva e ingênua de Juanín, enquanto Márcio Garcia (que deu voz a Diego na franquia A Era do Gelo) jamais consegue entrar em sintonia com os picos de excentricidade de Tulio. Fechando o elenco principal, Mariana Ximenes (que trabalhou com Daniel em O Galinho Chicken Little) acerta ao investir na histeria caricata para Cachirula - e quando precisa alterar o tom de voz para adequar-se ao contexto de determinada cena, a responsabilidade do resultado insatisfatório não recai sobre a atriz, mas sim sobre o design do fantoche, com seus olhos semicerrados que transmitem um tipo de desdém ausente naquele momento (e, vale mencionar, em vários outros da projeção).

A concepção dos bonecos, aliás, não é das mais inspiradas. Por um lado, é inegável que a aparência artesanal (Tulio é claramente inspirado em bonecos de meia) e a diversidade de materiais de que são feitos agregam charme àquelas criaturas (gosto particularmente do policial criado a partir da junção de uma smiley face com um desentupidor de ralos ou do "animal" que se resume a uma luva de boxe com olhos). Em contrapartida, algumas formas ou costuras excessivamente rústicas ou a opção de usar olhos de formatos e tamanhos diferentes em um mesmo personagem criam uma estética estranha e incômoda - e se isso funcionava bem para a televisão (algo que não posso afirmar), causa uma estranheza desnecessária quando transferido para a tela grande.

Entretanto, o maior problema de 31 Minutos é mesmo sua história: como se não bastasse inflar a já batida trama com bobagens como a baleia que engole e "peida" os personagens, o roteiro falha ao desenvolver a relação, o conflito e a reconciliação de Tulio e Juanín de forma extremamente artificial e formulaica, impedindo que nos importemos com o destino de ambos. Assim, com uma moral em mente e um público-alvo bem definido, os roteiristas Álvaro Díaz, Pedro Peirano, Daniel Castro e Rodrigo Salinas criam uma narrativa excessivamente mastigada, previsível, repleta de clichês (quando ligam a televisão, em determinado momento, os personagens descobrem todas as informações que precisavam saber para continuar a jornada) e frases de extremo mau gosto ("Não acredito mais na amizade. Agora só consigo acreditar na maldade" afirma Juanín em certo instante), com direito até mesmo a um número musical absolutamente desinteressante. Dessa forma, o que salva 31 Minutos são os raros momentos que investem em um humor mais nonsense, como a nova e abrupta civilização criada pelos personagens na ilha de Cachirula, a disciplina militar repentinamente desenvolvida no terceiro ato ou as brincadeiras com o próprio Cinema ("Você está levando essa figuração muito a sério", diz um peixe sendo devorado por uma gaivota).

Contando ainda com efeitos visuais satisfatórios e uma trilha que consegue emplacar uma ou outra brincadeira de gênero, 31 Minutos é uma distração tola que dificilmente permanecerá na mente do espectador após a sessão por um tempo maior que aquele sugerido por seu título.

27 de julho de 2012

Crítica | Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge

Tom Hardy em BATMAN - O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE (The Dark Knight Rises)

★★★★

The Dark Knight Rises, EUA/Reino Unido, 2012 | Duração: 2h44m14s | Lançado no Brasil em 27 de julho de 2012, nos cinemas | Baseado nos personagens de "Batman" criados por Bob Kane. Escrito por Christopher Nolan & David S. Goyer. Roteiro de Jonathan Nolan e Christopher Nolan | Dirigido por Christopher Nolan | Com Christian Bale, Tom Hardy, Gary Oldman, Anne Hathaway, Joseph Gordon-Levitt, Marion Cotillard, Morgan Freeman, Michael Caine, Matthew Modine, Alon Moni Aboutboul, Ben Mendelsohn, Burn Gorman, Nestor Carbonell, Daniel Sunjata, Brett Cullen, Juno Temple.

Pôster/capa/cartaz nacional e crítica de BATMAN - O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE (The Dark Knight Rises)(Este texto pode conter algumas informações classificadas como spoilers. Evite a leitura antes de conferir o filme)

Há 7 anos, com Batman Begins, o diretor Christopher Nolan dava início àquela que viria a se tornar uma das mais bem sucedidas e maduras adaptações de HQs já produzidas, graças, sobretudo, à inserção de temas e personagens complexos em tramas policiais cuja afinidade com o realismo, incomum em filmes do gênero, surgia como um de seus grandes méritos e diferenciais. Produzida no tempo necessário para que a afobação e a exaustão não interferissem no resultado criativo (Nolan ainda encontrou tempo para comandar os excelentes O Grande Truque e A Origem nos intervalos entre os filmes), a trilogia é agora encerrada com este competente Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge, que, mesmo descendo um tom do nível de excelência estabelecido pelos antecessores, repete o feito de se manter narrativamente admirável tanto frente ao arco geral do herói quanto isoladamente.

Iniciado com uma impactante sequência de ação que consegue fazer referência às introduções de ambos os filmes anteriores (do primeiro, o poço que marca o início do drama do protagonista sendo projetado no avião verticalizado e, do segundo, a participação a princípio velada do vilão no golpe), o longa salta oito anos em relação ao desfecho de Batman - O Cavaleiro das Trevas e nos apresenta a uma Gotham que, abraçando o falso relato do assassinato de Harvey Dent por Batman (Christian Bale), deu sequência ao trabalho iniciado pelo promotor e alcançou um aparente controle da criminalidade local. Acomodadas, as autoridades da cidade passam a encarar como neurose a dedicação desmedida e o estado de alerta constante do Comissário Gordon (Gary Oldman) e acabam abrindo espaço para que o terrorista Bane (Tom Hardy) comande uma operação envolvendo um uso nefasto de um reator nuclear - financiado pelas empresas Wayne e supervisionado pela engenheira ambiental Miranda Tate (Marion Cotillard) -, que pode resultar na ruína da cidade.

Escrito pelos irmãos Christopher e Jonathan Nolan e por David S. Goyer, Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge traz Bruce Wayne como um homem recluso e debilitado que, quase uma década após aposentar seu uniforme de homem-morcego, permanece avesso ao convívio social e intensamente amargurado com a morte de sua amada Rachel - abatimento bem representado por Christian Bale, que, mais uma vez em sua carreira, surge em cena (aparentemente) com alguns quilos a menos para, mais adiante, retornar à boa forma. Assim, Bruce acaba se tornando uma vítima fácil da arisca e misteriosa Selina Kyle (Anne Hathaway), que involuntariamente desperta sua atenção para os acontecimentos obscuros que estão por vir e, claro, para sua obrigação de intervir. Com isso, os conflitos de identidade do herói são naturalmente resgatados, algo fundamental para que o desfecho da trajetória do personagem e a resolução do conflito central, batidos à primeira vista, ganhem um contorno que os diferencie de outros tantos semelhantes, como os vistos em Os Vingadores - The Avengers ou Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras - apenas para citar exemplos desse ano. Por outro lado, os roteiristas já não conseguem mais conter a revelação desenfreada da identidade do herói, que agora surge como um fator determinante para o desenrolar dos fatos.

Repetindo algumas parcerias estabelecidas em A Origem, Nolan tem a sua disposição um elenco com nomes fortes que, de modo geral, executam bem suas tarefas - e o destaque dessa vez recai sobre o veterano Michael Caine, que representa de forma tocante o peso dos sacrifícios a que o mordomo Alfred deve se sujeitar por amor ao patrão. Enquanto isso, a bela Anne Hathaway confere sensualidade e dualidade a Selina Kyle e se sai particularmente bem nas cenas de luta que participa, ao passo que o objetivo principal dos roteiristas por trás do comportamento do jovem policial John Blake, vivido com energia por Joseph Gordon-Levitt, fica claro desde sua primeira aparição em tela - e sua frustração por não conseguir evitar o desabamento de uma ponte ou ao encarar o desfecho fatal de um confronto corporal contra dois adversários simboliza bem o despreparo do rapaz e altera a perspectiva do desfecho concebido para o personagem. E se Gary Oldman e Morgan Freeman reprisam seus papéis com a competência habitual, a bela Marion Cotillard decepciona e se revela o elo fraco do elenco, permanecendo indecifrável durante boa parte do tempo e se entregando à caricatura em dois momentos cruciais da trama. Para completar, a participação surpresa de certo ator é inspirada não só pelo insano deslumbramento do personagem com o poder, como também pela sutil composição de seu figurino, que evoca seu alterego através do estado de conservação de seu paletó.

Christian Bale em BATMAN - O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE (The Dark Knight Rises)

Fechando o elenco, Tom Hardy compensa a limitação imposta pela máscara de Bane (eficiente em sua aparência ameaçadora, lembrando presas) com seu surpreendente porte físico e um olhar intenso, dominador, analítico e ligeiramente insano - ou, eventualmente, outras expressões precisas e adequadas para seus respectivos contextos. Além disso, Hardy é extremamente feliz em seu excelente trabalho vocal, causando estranheza pela adoção de um sotaque exótico e de diversas entonações inesperadas (em vários momentos, Bane parece estar se deliciando de uma forma bastante particular com suas ações) que, juntamente com o eco e a distorção eletrônica, preenchem o ambiente e ressaltam a imprevisibilidade e o caráter impositor do personagem - e nesse aspecto, a ausência da expressividade de parte do rosto do ator é uma benção e evita que o vilão se torne uma figura grotesca e patética. Além disso, a meticulosidade do plano de Bane e a vantagem que possui em relação a seu opositor transformam o vilão em uma ameaça palpável e pungente - e é uma pena que o funcionamento do regime anárquico instaurado pelo personagem seja tão mal explorado, dificultando que o espectador compre a ideia.

Arriscando-se a brincar com os próprios clichês ("Então esta é a sensação?" pergunta-se Batman ao ser deixado falando sozinho por Selina em certa ocasião), o filme ainda é beneficiado pela trilha evocativa do sempre ótimo Hans Zimmer, que cria um tema retumbante para Bane com base em gritos de guerra intimamente ligados à gênese do vilão. Já os efeitos especiais correspondem ao investimento feito, apesar de o desempenho da nave bat falhar por não conseguir romper a incredulidade do espectador - e é um alívio que o exibicionismo da manobra mirabolante executada com a batpod em Batman - O Cavaleiro das Trevas seja contido aqui, já que a liberdade de movimento do eixo do veículo é usada de forma orgânica para contornar sua instabilidade e permitir manobras repentinas.

Com um terceiro ato tenso e intenso, que quase nos leva a relevar os problemas de ritmo de passagens anteriores, Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge até decepciona pontualmente (ter uma informação fundamental para uma importante reviravolta sendo induzida por um fantasma é lamentável), mas explora o potencial de questões levantadas nos filmes anteriores de forma honesta e coerente - e não é todo dia que podemos ir ao cinema assistir a uma superprodução que coloca seu protagonista para escalar simbolicamente o poço em que havia caído em nosso primeiro contato, respeitando e fazendo valer um investimento emocional de quase uma década.

Anne Hathaway em BATMAN - O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE (The Dark Knight Rises)

20 de julho de 2012

Crítica | Weekend

Tom Cullen e Chris New em WEEKEND

★★★★

Weekend, Reino Unido, 2011 | Duração: 1h36m42s | Lançado no Brasil em 8 de junho de 2012, nos cinemas | Escrito por Andrew Haigh | Dirigido por Andrew Haigh | Com Tom Cullen, Chris New, Jonathan Race, Laura Freeman, Loretto Murray.

Pôster/capa/cartaz nacional de WEEKEND
Russell (Tom Cullen) é um homem jovem, bonito e inteligente, com um emprego estável e dono de um apartamento pequeno, mas aconchegante. Quando criança, passou por diversos lares adotivos, onde conheceu pessoas que viriam a se tornar amigos amorosos e atenciosos. Vez ou outra, frequenta casas noturnas em busca de companhias para suprir seus desejos sexuais, estabelecendo parcerias que podem durar uma ou algumas noites - nunca algo mais sério ou duradouro que isso. Entretanto, quando perguntado sobre a própria felicidade, o homem não consegue ir além de um mero "Estou bem". A razão, como já sabemos àquela altura da projeção, é simples e melancólica: falta a Russell a liberdade de poder falar abertamente sobre amor e sexo ou trocar carícias com outra pessoa em público sem que o teor homossexual dessas ações o torne vítima de ódio e discriminação, nas mais diversas formas que esta pode assumir.

Escrito e dirigido por Andrew Haigh, Weekend tem início com a passagem rápida e esquiva do personagem de Tom Cullen por uma festa na casa do amigo Jamie (Jonathan Race), ocasião em que o rapaz jamais parece plenamente à vontade. Dali, Russell segue para uma boate voltada para o público gay e, após algumas bebidas e flertes contidos, acaba retornando ao seu apartamento na companhia de Glen (Chris New), com quem passa o restante da noite. Depois de superado o embaraço do despertar e do consequente retorno à sobriedade, Russell e Glen embarcam em uma troca de experiências que, em questão de horas, evolui para uma evidente afeição mútua - mas antes mesmo que surja a possibilidade de a relação avançar para algo mais sério, entram em pauta as distintas relações que cada um possui com a própria sexualidade e uma viagem definitiva de Glen agendada para aquele fim-de-semana.

Remetendo naturalmente a Antes do Amanhecer e Antes do Pôr-do-Sol, de Richard Linklater, Weekend aposta no poder dos diálogos em detrimento da ação para desenvolver a relação entre seus personagens, através de planos longos que, em geral, mantém a câmera próxima aos atores e a profundidade de campo reduzida, captando bem as atuações intimistas do pequeno elenco. Sem conseguir fugir da previsibilidade imposta pela estrutura adotada, o roteiro de Haigh investiga com calma as personalidades complexas e distintas do casal principal, valendo-se ainda de suas discordâncias para incitar discussões pertinentes sobre os percalços vivenciados por homossexuais no dia-a-dia sem, contudo, tornar-se panfletário.

As transformações graduais sofridas por Russell e Glen (especialmente pelo primeiro), entretanto, são o que transformam o encontro dos dois homens em algo tão interessante. Como fica claro desde o princípio, Glen é sexualmente bem resolvido e parece disposto a enfrentar qualquer um que tente ameaçar sua liberdade, além de se revelar um homem sem amarras em busca do lugar ideal para estabelecer suas raízes. Assim, seu projeto artístico inacabado e o fato de dividir um apartamento com uma amiga só não são mais sintomáticos que sua decisão de abandonar tudo isso e partir para os EUA em busca de novas possibilidades - e essa volatilidade, juntamente com experiências traumáticas do passado, talvez explique sua aversão a relacionamentos. Por isso, a decisão do rapaz de contar ao parceiro sobre a viagem logo no fim do primeiro encontro comprova tanto sua leitura correta daquela situação quanto a preocupação com a integridade emocional de Russell, revelando a afeição que Glen também alimenta e que acaba abalando sua noção sobre relacionamentos sérios (a inversão de papéis, quando Glen leva café para Russell na cama, é emblemática nesse sentido).

Tom Cullen e Chris New em WEEKEND

Russell, por outro lado, reserva sua orientação sexual apenas às pessoas de maior confiança e vive em um constante estado defensivo: quando ouve no metrô um grupo de pessoas julgando um conhecido por sua postura afeminada, por exemplo, o rapaz retira discretamente sua boina, temendo que aquele símbolo de vaidade (e peça de vestuário muitas vezes associada a homossexuais) possa ser usado como pretexto para torná-lo centro de uma conversa semelhante, algo que invariavelmente abalaria seu psicológico. Assim, quando notamos o apreço especial que Russell demonstra pelo - heterossexual e casado - melhor amigo (vivido com confiança e ternura por Jonathan Rice), podemos supor uma das razões que deram origem à introspecção sentimental do personagem, já que Jamie é uma companhia extremamente confortante como pessoa e amigo, mas inalcançável como amante.

Tom Cullen acerta ao adotar, tanto no dia-a-dia do personagem quanto na intimidade, postura e expressão neutras que vão pouco a pouco sendo amaciadas pelo parceiro, através da construção de um ambiente agradável e seguro que, para Russell, representam uma rara oportunidade de se livrar de máscaras, receios ou pudores comuns em sua vida - afinal, enquanto não derrotar o próprio preconceito, seu maior inimigo continuará sendo ele mesmo. Desse modo, se no primeiro encontro o protagonista hesita em falar abertamente sobre seus interesses sexuais e renuncia atitudes que possam escancarar sua homossexualidade para os vizinhos, mais adiante não se intimida em trocar beijos com Glen diante da janela do apartamento ou em se entregar ao ato sexual sem as ressalvas de antes, já que aquelas decisões condizem com seus sentimentos e suas vontades genuínas daqueles momentos. Além disso, é curioso que os pouquíssimos atos de homofobia da narrativa ocorram sem grande alarde (fora de campo, em alguns casos), mas pareçam, de certa forma, virtualmente onipresentes, graças à já mencionada postura defensiva de Russell diante da sociedade.

Tentando abraçar o mundo em alguns momentos (as circunstâncias da discussão em um bar não ficam muito claras e o tema discutido recebe melhor tratamento em outras ocasiões), Weekend acerta em pelo menos um dos tópicos levantados: a rejeição que conversas acaloradas ou trabalhos artísticos enfrentam quando fogem do padrão heterossexual - como é o caso do próprio filme, que, bem como discuti em meu texto sobre Contracorrente, chega ao Brasil em circuito limitado e sob um selo de distribuição exclusivo para filmes com temática gay, segregando involuntariamente o público. Fica claro, mais do que nunca, que ainda há um longo caminho a ser trilhado pela sociedade para que a busca pela felicidade plena do ser humano seja aceita, apreciada e respeitada sem o fantasma da rotulação.

Chris New e Tom Cullen em WEEKEND

19 de julho de 2012

Crítica | Valente

VALENTE (Brave)

★★★

Brave, EUA, 2012 | Duração: 1h33m27s | Lançado no Brasil em 20 de julho de 2012, nos cinemas | História de Brenda Chapman. Roteiro de Mark Andrews & Steve Purcell e Brenda Chapman & Irene Mecchi | Dirigido por Mark Andrews, Brenda Chapman e Steve Purcell | Com as vozes de Kelly Macdonald, Billy Connolly, Emma Thompson, Julie Walters, Robbie Coltrane, Kevin McKidd, Craig Ferguson e John Ratzenberger.

Pôster/capa/cartaz nacional de VALENTE (Brave)
Lendas são, de modo geral, narrativas econômicas e fantasiosas cujos pormenores acabam se perdendo à medida que são passadas de pessoa para pessoa ou simplesmente inexistem desde o princípio, de modo a não desviar o foco da moral ou dos ensinamentos contidos em sua essência. O episódio vivido por Merida (Kelly Macdonald) em Valente, por exemplo, tem um enorme potencial de se tornar lendário para gerações futuras daquela comunidade, graças às lições sobre valentia, confiança e fraternidade contidos nele - e tendo em vista as diversas fragilidades de seu desenrolar, é provável que, para aquele povo, a lenda ganhe força como tal a partir do momento em que suas minúcias começarem a ser esquecidas.

O processo de criação, obviamente, percorre o caminho inverso: os roteiristas Mark Andrews, Steve Purcell e Irene Mecchi se juntaram a Brenda Chapman para preencher as lacunas e transformar em um longa coeso a lenda de uma princesa destemida e aventureira que decide desafiar os costumes de seu reino e assumir as rédeas da própria vida, causando transtornos quase catastróficos para sua família e seu povo. Mais especificamente, nos tempos antigos da Escócia, três clãs são convocados pelo rei Fergus (Billy Connolly) a apresentar seus respectivos primogênitos como pretendentes para sua filha, a habilidosa arqueira Merida. Pressionada pela rainha Elinor (Emma Thompson) a seguir as tradições e a se portar com a etiqueta esperada de uma princesa, a jovem acaba recorrendo a uma bruxa excêntrica e senil (Julie Walters) que elabora um feitiço com base em conclusões equivocadas sobre os anseios de Merida. Desse modo, o resultado inesperado da magia obriga mãe e filha a trabalharem juntas e correrem contra o tempo para reverter o feitiço e evitar um iminente embate entre os clãs.

Décimo terceiro longa-metragem animado da Pixar, Valente é também o primeiro da empresa protagonizado por uma mulher, que não empalidece diante de antecessores como Woody, Buzz, Carl ou Remy: remetendo à Rapunzel de Enrolados, Merida é uma garota audaciosa e independente que, sufocada pelo conservadorismo que a cerca, luta constantemente pelo direito de decidir os rumos da própria vida - ambição esta refletida em seus longos cabelos encaracolados que, além de conferir-lhe uma aparência jovial e despojada, são formados por cachos de formas e tamanhos distintos que crescem e se movimentam com irrefreável liberdade. A animação de cabelos, aliás, é o grande destaque técnico da produção: apesar de descrito pelos animadores como semirrealista, o desempenho das madeixas ruivas de Merida alcança resultados que impressionam pela proximidade com a realidade, desde o volume, a elasticidade e o modo como contornam o rosto da personagem até a forma natural como interagem com o arco quando este se encontra repousado em seu ombro.

Não que os outros aspectos técnicos sejam menos impressionantes: encravados nos terrenos montanhosos galeses, o castelo e a floresta, visualmente elaborados e de geografia simples, facilitam a compreensão do espectador (quando necessário) sobre a dinâmica das cenas, ao passo que os figurinos ajudam a caracterizar e distinguir os vários personagens, como os lordes de cada clã e seus herdeiros. Além disso, os animadores provam ter feito a lição de casa ao reproduzir a flexão sofrida por uma flecha quando o atiramento é visto em câmera lenta, algo que ressalta o cuidado da equipe com detalhes. Enquanto isso, a trilha composta pelo escocês Patrick Doyle (com a presença de gaitas de fole, como não poderia deixar de ser) revela-se mais eficiente que as canções inócuas compostas por Alex Mandel, que ao menos não ganham destaque suficiente para incomodar. Já a animação dos personagens mantém a fluidez e o padrão de excelência estabelecidos pela Pixar ao longo dos anos (repare a desenvoltura de Merida pegando um prato de comida sem ser notada pela cozinheira), frequentemente apostando em sutilezas - e nesse sentido, o destaque fica por conta do trabalho feito com um urso, que alterna com precisão entre a selvageria irracional e a complexidade da natureza humana presa a um corpo estranho.

VALENTE (Brave)

É uma pena, portanto, que a narrativa peque em criatividade e não consiga reprisar a originalidade e o primor de trabalhos anteriores da Pixar, limitando-se a resgatar e costurar uma série de elementos bastante característicos e exaustivamente explorados especialmente pela Disney. Adaptando a estrutura vista em produções como o ótimo Como Treinar o Seu Dragão (jovem desacreditado e deslocado deve convencer seu colérico pai que uma suposta monstruosidade é na verdade afável e, com isso, provar seu próprio valor), da concorrente PDI/Dreamworks, para uma história de princesa, Valente ainda usa a ideia de transformar um personagem em animal sem agregar nada que já não tenha sido visto e trabalhado em filmes como A Princesa e o Sapo, A Nova Onda do Imperador, Irmão Urso ou A Bela e a Fera - apenas para citar exemplos da própria Disney -, além de não conseguir justificá-la satisfatoriamente.

Aliás, o comportamento excêntrico e relapso da bruxa não exclui o fato de que toda a atrapalhada magia executada é extremamente conveniente e possui um timing exageradamente adequado, fora as diversas dúvidas que deixa no ar (não leia o restante do parágrafo caso não queira saber informações importantes sobre a trama): a "mudança" solicitada por Merida a princípio acaba ficando no limiar entre causadora e consequência do esfíngico contrafeitiço, isto é, mãe e filha são unidas pela dificuldade de resolver o enigma e essa união é responsável por trazer Elinor de volta à forma humana; então, toda aquela desventura foi ou não algo premeditado pela bruxa? Se sim, por que submeter mãe e filha a tamanhos riscos e como explicar a reação da feiticeira ao perceber que entendera errado o pedido inicial de Merida? E por que ela não interveio naquele exato momento? Ainda nesse sentido, os espectros azuis que conduzem a princesa aos lugares certos nas horas certas jamais estabelecem um padrão que disfarce seu uso baseado na conveniência e arbitrariedade.

E apesar de contar com várias inserções eficientes de humor, Valente também peca pelo excesso de personagens periféricos que, geralmente sem funções determinantes para o arco geral, assumem o papel de alívios cômicos, desde os jovens e travessos trigêmeos e a governanta Maudie até o corvo de estimação da bruxa ou os lordes e seus herdeiros - e não é à toa que um dos clãs recebe o nome de MacGuffin, termo criado por Hitchcock para designar elementos que ajudam a mover a trama sem desempenhar um papel fundamental nesta (há também um outro nomeado de Macintosh, numa clara homenagem a Steve Jobs). Por outro lado, os diretores Mark Andrews, Brenda Chapman e Steve Purcell acertam na construção do simbolismo (óbvio, é verdade, mas bem representativo) de Merida libertando-se da clausura de seu apertado vestido no momento em que decide subverter os costumes locais e conseguem construir de forma discreta e legítima a aproximação entre a rainha e a princesa, distanciando-se com eficiência da passagem em que a falta de comunicação entre mãe e filha é representada por ambas - separadas fisicamente e aproximadas pela montagem - ensaiando um diálogo de desabafo com base em suposições (corretas) sobre as reações de suas almejadas interlocutoras.

Valente é, portanto, mais capítulo bem sucedido da história da lendária Pixar que, apesar dos tropeços recentes (Carros 2 manda lembranças), ainda consegue nos presentear com aquilo que sabe conceber melhor: o encanto de seus personagens.

Obs.: há uma cena extra após os créditos finais.

VALENTE (Brave)