2 de junho de 2012

Crítica | Branca de Neve e o Caçador

Kristen Stewart em BRANCA DE NEVE E O CAÇADOR (Snow White and the Huntsman)


Snow White and the Huntsman, EUA, 2012 | Duração: 2h07m07s | Lançado no Brasil em 1º de junho de 2012, nos cinemas | Escrito por Evan Daugherty. Roteiro de Evan Daugherty e John Lee Hancock e Hossein Amini | Dirigido por Rupert Sanders | Com Kristen Stewart, Charlize Theron, Chris Hemsworth, Sam Claflin, Sam Spruell, Ian McShane, Bob Hoskins, Ray Winstone, Nick Frost, Eddie Marsan, Toby Jones, Johnny Harris, Brian Gleeson, Vincent Regan, Lily Cole, Noah Huntley.

Pôster/capa/cartaz nacional de BRANCA DE NEVE E O CAÇADOR (Snow White and the Huntsman)
A certa altura de Branca de Neve e o Caçador, mais nova adaptação do clássico conto dos irmãos Grimm, a protagonista vivida por Kristen Stewart surge inserida numa robusta armadura que, tornando seus movimentos desajeitados ao mesmo tempo que destaca a jovialidade de seu rosto à mostra, transmite perfeitamente bem o ímpeto da garota e a inadequação de sua presença no violento confronto que transcorre naquele momento. Todavia, esse talvez seja o único instante das mais de duas horas de projeção em que a escalação de Stewart para o papel principal se revela adequada, já que no restante do tempo a aparentemente insuperável apatia da atriz sabota de várias formas o roteiro escrito por Evan Daugherty, John Lee Hancock e Hossein Amini - que, a seu próprio modo, também não parece muito empenhado em evitar a própria ruína.

Comandado pelo estreante Rupert Sanders, o filme conta a origem da jovem princesa Branca de Neve (Kristen Stewart) e a ascensão de sua vaidosa e invejosa madrasta, Ravenna (Charlize Theron), cuja incontestável beleza custou a vida do Rei (Noah Huntley), bem como a prosperidade do reino. Um belo dia, porém, a rainha é informada por seu espelho mágico que a enteada, mesmo aprisionada por anos sob maus-tratos na mais alta torre do castelo, tem saúde suficiente para roubar-lhe o posto de mulher mais bela - e somente após descobrir que sua vida corre risco, a mocinha planeja e executa sua fuga triunfal do cativeiro. Possessa, a rainha ordena que seu irmão e capacho Finn (Sam Spruell) envie um bom conhecedor da Floresta Negra em uma missão de resgate - e é aí que o Caçador (Chris Hemsworth) entra na história. Mas espere: Kristen Stewart é mais bela que Charlize Theron? Foi isso mesmo que o espelho disse?

Sim, exatamente isso - e aqui aprendemos a primeira grande lição do filme: nunca confie em um espelho côncavo. E é então que, ciente desse ligeiro absurdo e tentando reverter o gosto amargo deixado pela ideia, o roteiro altera os conceitos da versão mais popular da história clássica e traz o coração da garota sendo cobiçado não como uma evidência de sua morte (e, portanto, soberania da beleza da rainha), mas como o único item capaz de fazer funcionar um feitiço que garantiria beleza eterna à madrasta, não necessitando mais sugar a juventude de seus súditos para reverter o envelhecimento causado pelo uso indiscriminado de magia (uma espécie de fusão, portanto, da personagem de Michelle Pfeiffer em Stardust - O Mistério da Estrela com a de Monica Bellucci em Os Irmãos Grimm). Daí, não demora muito para que o Caçador se alie à princesa e parta em busca de reforços para derrotar a vilã, percorrendo florestas onde se deparam com muita lama, corvos, seres peçonhentos, personagens descartáveis, romances forçados, uma penca de anões, trolls, fadas e toda a sorte de criaturas fantasiosas que possam inchar o filme e fazer valer o investimento nos efeitos especiais. Para completar, somos informados por um anão bêbado e demente que Branca de Neve sofre do clichê de ser a escolhida, a eleita, para qualquer coisa parecida com salvar o mundo.

Mantendo as mesmas boca entreaberta e expressão de insatisfação constante que vêm marcando sua composição de Bella na "saga" Crepúsculo, Kristen Stewart entrega um desempenho inadequado para o papel central, até mesmo para o padrão sombrio e lúgubre da adaptação: falhando especialmente em se provar mais bela que Charlize Theron (qualquer hipótese baseada na ideia de "beleza interior" é estúpida, já que a história perderia completamente o sentido), a atriz apresenta um vigor físico em cena que jamais compensa a apatia e a insipidez que confere à personagem - uma incompatibilidade que fica mais que evidente no terrível discurso motivacional feito pela princesa para seu exército ("Prefiro morrer hoje a viver mais um dia dessa morte" é uma das pérolas proferidas), que, em um contexto verídico, levaria seus ouvintes às gargalhadas, e não às urras de entusiasmo. Dessa forma, a inexpressividade da atriz impõe diversas barreiras para que nos importemos com o destino da personagem - tarefa sabotada ainda mais por sua dificuldade quase patológica de esboçar um sorriso no encerramento do longa (remetendo diretamente à cena do casamento em Amanhecer - Parte 1) ou pela expressão de aparente constrangimento ao dançar com um anão na floresta.

Charlize Theron em BRANCA DE NEVE E O CAÇADOR (Snow White and the Huntsman)

E por falar nos anões, vale mencionar que os pequeninos recebem do roteiro uma importância reduzida - uma opção acertada, já que se revelam mais aborrecidos do que o esperado. Vividos por atores de estatura normal (submetidos, claro, a eficientes efeitos especiais ou trucagens de câmera) e de rostos conhecidos (para facilitar a identificação do público), os oito anões (a "polêmica" envolvendo este número é irrelevante, já que em momento algum é possível contar quantos eles realmente são) falham em conquistar o público e permanecem a maior parte do tempo tentando ser engraçados, ganhando apenas no terceiro ato uma participação mais efetiva no desenrolar da trama - e chega a ser patética a forçada aproximação da protagonista com um anão específico, visando apenas conferir um peso dramático maior à cena posterior que revela o futuro do homenzinho. E enquanto o Caçador de Chris Hemsworth ganha a enfadonha tarefa de proteger a mocinha e a ridícula função de subverter expectativas quanto aos interesses românticos da protagonista, a Ravenna de Charlize Theron rouba a cena justamente graças àquilo que a atriz possui de melhor: sua beleza e presença física, já que, em meio a cenas em que surge exuberante e graciosa proferindo ordens ou semi-nua em seus tratamentos de beleza, o roteiro não lhe reserva muitas oportunidades de transformar a madrasta em uma figura menos unidimensional, ficando sujeita a falas tolas como: "Não posso ir pessoalmente à Floresta Negra. Meus poderes não funcionam por lá".

A perigosa e vil Floresta Negra, aliás, surge como um dos clichês mais canalhas do projeto, funcionando como um coringa que se molda arbitrariamente para se adaptar às exigências específicas de cada situação: além de ser usada para postergar o reencontro de Branca de Neve com Ravenna (justificada pela tolice transcrita no final do parágrafo anterior), a floresta não oferece grandes desafios à travessia dos personagens-título, a despeito de sua fama consensual de intransponível - e no retorno da caravana ao castelo, então, o obstáculo sequer é mencionado. Em contrapartida, o pânico vivido por Branca de Neve no primeiro contato com a floresta - apesar da necessidade de alucinógenos - é construído com eficiência por Sanders e sua equipe, representando ainda uma das poucas referências claras e diretas à animação clássica da Disney de 1937.

Aliás, os elogios referentes à parte técnica do filme se estendem aos mais diversos âmbitos da produção, desde a majestosa direção de arte creditada a uma porção de profissionais e supervisionada por David Warren (A Invenção de Hugo Cabret) ou trechos mais impactantes da trilha sonora de James Newton Howard (especialmente na primeira metade do filme) até os excelentes efeitos especiais, tanto os empregados nas criaturas (como o convincente troll ou as desenvoltas fadas) quanto aqueles dedicados à rainha, dos mais sutis (o desaparecimento instantâneo de pequenos poros e rugas do rosto de Theron) aos mais exibicionistas (a rainha exposta ao fogo). Para completar, a direção do estreante Rupert Sanders não consegue contornar os problemas do roteiro e, em algumas sequências, acaba alcançado resultados que remetem ao pior de Robin Hood de Ridley Scott, mas é possível afirmar que os esforços estéticos do diretor acabam criando passagens que funcionam bem como espetáculo puramente visual - geralmente envolvendo Ravenna e, claro, muitas câmeras lentas.

Repleto de personagens e subtramas descartáveis e mal desenvolvidos (a aldeia de mulheres com cicatrizes nos rostos, o drama do passado do Caçador e mais uma porção de personagens não mencionados são subaproveitados) e dotado de um final decepcionante, Branca de Neve e o Caçador utiliza tão pouco o potencial do material em que é baseado e se desvia tanto de seus conceitos básicos que nos leva a questionar a real necessidade de se promover como uma adaptação do conto clássico. Talvez o longa fosse mais honesto com o público caso trouxesse o Caçador e o aspirante a príncipe, William (Sam Claflin), disputando deliberadamente em uma aborrecida batalha épica o coração da insossa, indecisa e acossada mocinha, interpretada obrigatoriamente por Kristen Stewart. Interessados em conferir o resultado certamente não faltariam.

Chris Hemsworth e Kristen Stewart em BRANCA DE NEVE E O CAÇADOR (Snow White and the Huntsman)