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E Aí... Comeu?, Brasil, 2012 | Duração: 1h44m14s | Lançado no Brasil em 22 de junho de 2012, nos cinemas | Baseado na peça "E aí, Comeu?" de Marcelo Rubens Paiva. Roteiro de Marcelo Rubens Paiva e Lusa Silvestre | Dirigido por Felipe Joffily | Com Bruno Mazzeo, Marcos Palmeira, Emilio Orciollo Netto, Dira Paes, Juliana Schalch, Laura Neiva, Tainá Müller, Seu Jorge, Murilo Benício, José de Abreu, Katiuscia Canoro, Renata Castro Barbosa, Juliana Alves, Paula Cohen, Laila Zaid.
A ficção machista parece enxergar apenas três perfis distintos de indivíduos do sexo masculino: primeiro, há o solteiro convicto cujo privilégio (e quase obrigação) consiste em se relacionar com o maior número possível de exemplares do sexo oposto, renunciando qualquer envolvimento emocional que possa levar a um relacionamento sério e duradouro. Em seguida, temos o pai de família preso a um casamento em que a frieza, a falta de diálogo e a desconfiança mútua reinam e destroem gradativamente a relação, levando um ou ambos a buscar fora do matrimônio soluções alternativas para suas carências. Por fim, há o homem assombrado pelo rompimento recente de um relacionamento, com os ciúmes e os ressentimentos desencadeando um processo de vilanização (injusta e misógina, na maioria das vezes) da ex-companheira. Não fortuitamente, acabo de descrever os três personagens centrais de E aí... Comeu?, seres unidimensionais como suas descrições sugerem e machistas como suas posturas denunciam.
Adaptado da peça homônima de Marcelo Rubens Paiva por ele próprio em parceria com Lusa Silvestre (Estômago), o longa se desenrola boa parte no Bar Harmonia, onde os personagens de Bruno Mazzeo, Marcos Palmeira e Emílio Orciollo Netto se reúnem assiduamente para trocar ideias sobre mulheres e sexo, eventualmente relacionando-as com suas vidas amorosas. Fernando (Bruno Mazzeo), pouco depois de ser deixado pela esposa Vitória (Tainá Müller), se vê encantado pela vizinha adolescente Gabi (Laura Neiva), que parece retribuir o sentimento; Honório (Marcos Palmeira), casado com a bela Leila (Dira Paes) e pai de três garotinhas, mantém uma relação fria com a esposa, que frequentemente se ausenta de casa em programas noturnos sobre os quais jamais dá satisfação ao marido; e Fonsinho (Emílio Orciollo Netto) é um escritor rico, fracassado e ninfomaníaco, com tara por mulheres casadas e cujos principais gastos são pornografia e prostitutas de luxo, preferencialmente a bela e jovem Alana (Juliana Schalch), por quem parece alimentar algo mais próximo de uma afeição.
Todavia, bem como seus personagens, nenhuma das tramas foge do lugar-comum ou oferece surpresas ao espectador, servindo apenas como pano de fundo para que os roteiristas exibam suas habilidades de criar diálogos despudorados sobre sexo, que, apesar do excesso de inspiração e teatralidade (repare como o personagem de Mazzeo menciona os problemas pessoais de alimentação apenas para construir o duplo sentido já contido no próprio título do filme), acabam funcionando bem graças à naturalidade da dinâmica do trio de atores e ao cenário aconchegante do Bar Harmonia, cujas dimensões reduzidas aproximam os personagens sem sufocá-los. Dessa forma, é relativamente fácil deglutir a filosofia de boteco tricotada pelos amigos nas cenas iniciais, já que as recorrentes expressões de reprovação das mulheres de uma mesa vizinha em resposta à franqueza excessiva (e aceitável) dos rapazes parecem preparar o terreno para uma transformação de suas mentalidades deturpadas e mesquinhas mais adiante - algo que, na prática, lamentavelmente não se concretiza. E se considerarmos que as mulheres e seus olhares censurantes ganham relativo destaque mesmo sem desempenhar qualquer função na narrativa, suas presenças acabam se revelando um artifício pífio para tentar suavizar o teor machista das ideias apresentadas, como se ter alguém em cena condenando cada linha de diálogo dos marmanjos tornasse menos ofensivas colocações como "mulheres inteligentes têm rabo grande", "ruivas sabem dar" ou o adjetivo "adestrada" sendo usado para descrever uma mulher sexualmente experiente. Para piorar, as diferenças entre os dois grupos são simplesmente ignoradas a partir de certo ponto - e o motivo da conciliação abrupta final permanece um verdadeiro mistério.
Porém, a natureza machista do projeto não se limita às conversas de Fernando, Honório e Fonsinho sob efeito dos aperitivos servidos no Bar Harmonia - situação que seria até compreensível, uma vez que a necessidade latente de contar vantagens somada à embriaguez causada pelos sucessivos chopps poderia ser encarada como um sintoma de suas próprias inseguranças. Ao invés disso, porém, os roteiristas não se intimidam em povoar o longa com uma galeria de mulheres desvigoradas ou figuras típicas do imaginário masculino: Gabi, vivida por Laura Neiva (À Deriva), é a ninfeta com a fantasia de se relacionar com um homem mais velho e jamais exibe qualquer traço identificável de atração afetiva por Fernando (também é válida a recíproca); já a Vitória de Tainá Müller é digna de compaixão e pena, tanto por ser obrigada a agir de forma estúpida apenas para criar um conflito na trama monotônica do ex-esposo quanto por ser encarada como antagonista, devendo ainda enfrentar as consequências da imaturidade crônica do personagem de Mazzeo até mesmo após a separação; enquanto isso, a Leila vivida pela talentosa Dira Paes exibe um esboço de dramaticidade que nunca alcança o contorno desejado, jogado finalmente às traças quando, em um momento decisivo, fica sujeito à arbitrariedade de mudanças comportamentais absurdas e à artificialidade dos diálogos (Honório: "Quer gelo [no seu uísque]?". Leila: "Não. Eu quero calor [na nossa relação]!" - lembrando que os trechos entre colchetes não são ditos); por fim, há a lésbica despachada, a advogada incompetente (que faz piada durante uma audiência) e, é claro, as prostitutas de luxo, que se mostram bastante atenciosas com clientes prolixos até o momento em que o rendimento financeiro de seus turnos seja ameaçado - o que também se aplica à personagem de Juliana Schalch (Os 3), cuja relação com Fonsinho não goza de clareza para o público.

Já os personagens masculinos, como observado, não se saem muito melhor: o de Bruno Mazzeo, mesmo sendo o único capaz de elaborar uma linha de pensamento que considere o ponto de vista feminino (quando aponta a disparidade entre a abordagem das promiscuidades masculina e feminina), não consegue admitir que a ex-esposa dê seguimento à própria vida e se comporta como uma criança em boa parte do tempo (repare sua incapacidade de disfarçar a insatisfação de estar em determinada festa); já o de Marcos Palmeira nos leva a questionar se Honório é seco com Leila porque a mulher sai de casa sem dar satisfações ou se ela sai sem dar satisfações porque o marido é naturalmente seco, além de demonstrar uma inteligência fora do comum ao buscar discrição e privacidade dentro do local de trabalho para efetuar uma ligação telefônica enquanto esquece de fechar o site bandeiroso do qual extraiu o contato; por fim, o de Emilio Orciollo Netto se estabelece como o primeiro autor fracassado que não consegue terminar um livro por... ter finais demais redigidos e não conseguir decidir-se por um, revelando que a oportunidade de criar uma gag envolvendo uma pilha de pastas com etiquetas como "final mela cueca" ou "final hitchcockiano" suplanta a possibilidade de se aprofundar em sua inabilidade de redigir uma história convincente sobre amor. Entretanto, a composição do carismático Orciollo Netto se sobressai por conferir uma espécie de ingenuidade ao personagem, algo que fica evidente quando o rapaz decide pedir em namoro uma mulher notavelmente esquiva ou na cena em que Fonsinho, completamente embriagado, faz uma delicada proposta para certa personagem. Por fim, Seu Jorge confere uma bem-vinda simplicidade à tradicional figura do garçom-amigo, ao passo que Murilo Benício, em sua breve participação, consegue divertir ao transformar o publicitário Wôlney em um sujeito importuno e expansivo, incapaz de conter a própria excitação ao rever um velho conhecido.
Assinando seu terceiro trabalho na direção de longas (ainda não me recuperei totalmente do mais recente, o traumático e desastroso Muita Calma Nessa Hora), Felipe Joffily até consegue extrair boas interpretações de seu elenco e criar um ou outro momento divertido (dentre os quais não podem ser incluídos, por exemplo, os tutoriais apresentados por Marcos Palmeira, que alteram a linguagem do filme na tentativa de criar gags tolas), mas abusa da boa vontade do espectador ao contrariar o despudor dos diálogos e trazer personagens transando completamente vestidos (a pressa - um elemento fundamental do contexto da cena em questão - não justifica a inviabilidade mecânica) ou desempenhando sexo oral de um modo que só seria possível caso o praticante tivesse um pênis de, no mínimo, cinquenta centímetros. Fora isso, Joffily alterna momentos de maior obviedade (como a chegada dos personagens em festas, vista sempre em câmera lenta) com outros mais inspirados (o raccord sonoro que nos leva do banheiro de Fonsinho para o de Fernando é o exemplo mais marcante), enquanto a trilha de Plínio Profeta (O Palhaço) é repleta de acertos, como ao confrontar as expectativas do trio na entrada de uma festa com a posterior realidade frustrante de suas passagens insignificantes pelo local.
Nivelando o espectador sempre por baixo (eu certamente infartaria de surpresa caso a cena que traz Bruno Mazzeo posando um livro sobre a virilha e cruzando as pernas com relativa discrição após vislumbrar Laura Neiva de biquíni não fosse seguida por um dos amigos alardeando as ações com um expositivo "Ficou de pau duro, né? Pode falar!"), E aí... Comeu? desperdiça a chance de usar o discurso aberto e despudorado em benefício próprio - e confesso que o teor sexual ficou tão entranhado em minha mente que, sem entender a função das sucessivas falhas da moto de Honório em certa passagem, acabei encarando-as como uma analogia à ejaculação precoce, em função da irritação e da sensação de impotência vivenciadas pelo personagem graças às periódicas interrupções no funcionamento do motor. Não ingeri qualquer tipo de bebida alcoólica para teorizar tamanha tolice, mas começo a desconfiar que talvez tivesse sido mais recompensador assistir ao filme inteiro sob efeito de alucinógenos.
