10 de maio de 2012

Crítica | Piratas Pirados!

PIRATAS PIRADOS! (The Pirates! Band of Misfits)

★★★★

The Pirates! Band of Misfits, Reino Unido/EUA, 2012 | Duração: 1h28m56s | Lançado no Brasil em 11 de maio de 2012, nos cinemas | Baseado no livro de Gideon Defoe. Escrito por Gideon Defoe | Dirigido por Peter Lord | Com as vozes de Hugh Grant, Martin Freeman, David Tennant, Imelda Staunton, Russell Tovey, Brendan Gleeson, Ashley Jensen, Lenny Henry, Jeremy Piven, Salma Hayek e Brian Blessed.

Pôster/capa/cartaz nacional de PIRATAS PIRADOS! (The Pirates! Band of Misfits)
Após lançar dois ótimos e bem sucedidos longas estrelados por bonecos de plasticina (nome técnico para massa de modelar, ou simplesmente massinha) com um intervalo de cinco anos entre eles, o tradicional estúdio britânico Aardman Animations voltou seus esforços criativos para a animação computadorizada e lançou, em 2006, o bom Por Água Abaixo e, mais recentemente, o ótimo Operação Presente. O elevado padrão de qualidade mantido nesses últimos lançamentos, porém, não foi suficiente para evitar que o afastamento do estúdio da técnica que o consagrou (o stop-motion) fosse acompanhado por um comportamento semelhante do público em relação aos filmes e, assim, ambos amarguraram resultados insatisfatórios nas bilheterias mundiais. Agora, sete anos após nos presentear com Wallace & Gromit - A Batalha dos Vegetais, seu segundo e até então último longa em stop-motion, a Aardman retorna às suas raízes com Piratas Pirados!, uma produção que cumpre muitíssimo bem a promessa de divertir e impressiona pela riqueza e pelo preciosismo do design de produção.

Escrito por Gideon Defoe com base em seu próprio livro, o filme gira em torno dos esforços do desastrado Capitão Pirata (Hugh Grant) para vencer o concurso de Pirata do Ano, título concedido àquele comandante que obtiver um acúmulo de tesouros superior ao dos demais concorrentes. Azarados em suas sucessivas tentativas de surrupiar riquezas de outras embarcações, o Capitão e sua esforçada tripulação, formada por tipos curiosos como o ingênuo Pirata Albino (Russell Tovey) ou o esquivo Pirata Espantosamente Curvilíneo (Ashley Jensen), acabam trombando com Charles Darwin (David Tennant) que, em uma de suas primeiras expedições, não possui em seu navio nenhum objeto cujo valor supere o puramente científico. Entretanto, prestes a perder as esperanças, o Capitão Pirata vê uma luz no fim do túnel quando o cientista lhe informa que sua fiel e gorducha companheira Polly não é um papagaio, mas uma espécie rara e ameaçada de extinção cuja descoberta seria digna de uma grande riqueza como premiação em uma convenção de cientistas realizada em Londres. Com isso, toda a trupe desponta para a capital inglesa, onde seus interesses acabarão entrando em conflito com a obsessão por espécies raras e o ódio por piratas da Rainha Vitória (Imelda Staunton).

Repetindo o feito dos filmes anteriores, Piratas Pirados! consegue entreter crianças e adultos com sua vasta galeria de gags, que não deixa de incluir referências que só os mais velhos compreenderão - com o destaque óbvio para a participação de versões modificadas de figuras históricas, de Charles Darwin e Jane Austen a Joseph Merrick, o Homem Elefante (o fato de nem todos serem contemporâneos é uma liberdade artística que certamente será notada por um número ainda menor de espectadores). Além disso, o diretor Peter Lord e sua equipe voltam a brincar despretensiosamente com a metalinguagem, desde os vários momentos em que somos despertados para o fato de a trilha sonora estar sendo executada, na realidade, por um dos piratas da tripulação, até outras sacadas isoladas, mas não menos divertidas, como a ganância do Capitão Pirata sendo ressaltada por um típico som de máquina registradora, que descobrimos logo em seguida existir de fato no universo diegético do filme. Para completar, os realizadores são incrivelmente bem sucedidos nas gags envolvendo o chipanzé Sr. Bobo e suas plaquinhas de comunicação, que surpreendem por passar de forma bem humorada as mesmas emoções que seriam transmitidas caso o animal falasse: como exemplo, podemos citar a mudança de tom em um diálogo (ao acatar uma solicitação do dono e substituir um "MAS..." por um "mas..."), a dramaticidade de certa ocasião (como a ênfase dada a um "Tchan" em um momento de suspense teatral), ou até a representação da surpresa do próprio símio diante de circunstâncias inesperadas (como é o caso da interjeição formada pelos cartões caindo em um alçapão).

PIRATAS PIRADOS! (The Pirates! Band of Misfits)

Como não poderia deixar de ser, a expressividade do Sr. Bobo e de todos os demais personagens jamais decepciona, impressionando especialmente pela atenção voltada para os pequenos detalhes: repare, por exemplo, como Polly move suavemente as pálpebras quando é afagado por seu dono, ou a divertida apreensão do Pirata Curvilíneo sempre que sua verdadeira identidade parece prestes a ser revelada. Aliás, o próprio design dos personagens parece ter sofrido um grande avanço em relação aos demais filmes (ignorando, evidentemente, Operação Presente, que fugia completamente dos designs clássicos da Aardman), abrindo mão das bocas excessivamente largas e dos olhos grudados em prol de formas mais harmônicas e simpáticas, ainda que bastante estilizadas. Enquanto isso, a direção de arte se revela um espetáculo à parte, desde os exuberantes salões do palácio real até as elaboradas embarcações - e tamanha é a riqueza de detalhes que o filme concede uma segunda chance aos espectadores de desbravar as paredes dos cenários durante os créditos finais.

Misturando elementos de faroeste, ação e muita comédia, Defoe cria uma narrativa leve e fluida que toma como base a amizade e a fidelidade da tripulação do Capitão Pirata, vistas nos rostos e na dedicação quase cega de todos eles ao seu comandante. Além disso, o roteirista mantém a narrativa sempre em movimento, evitando passagens desnecessárias e não abrindo mão de suas ideias diante de desafios que o stop-frame possa oferecer. Nesse sentido, os artistas da Aardman sempre procuram soluções para evitar que as limitações da técnica prejudiquem a parte criativa do filme (a barba vistosa do protagonista, por exemplo, só foi possível graças a um sistema recente e avançado de modelagem de bocas intercambiáveis), mas em casos extremos, acabam tendo que recorrer à animação computadorizada, como é o caso da água, de alguma ação vista em segundo plano ou da mistura expansiva que desempenha um papel decisivo no clímax do filme. Por fim, Defoe acerta ao criar uma resolução que independe de fatalismos, apostando em uma série de eventos que culminam em uma conclusão mais do que adequada à natureza dos personagens.

Brincando ainda com a representação de viagens em mapas de uma forma semelhante àquela vista recentemente em Os Muppets e contando com cenas de ação brilhantemente orquestradas, Piratas Pirados! prova que o stop-motion, uma das mais antigas e artesanais técnicas de animação, ainda pode nos trazer grandes alegrias - e é uma imensa satisfação perceber que a Aardman, entrando em sua quinta década de existência e já tendo experimentado as vantagens da animação computadorizada, continua empenhada em gastar, em média, uma semana para que cada unidade produza quatro segundos de filme (conforme informações do próprio estúdio) para nos brindar com seus charmosos personagens e suas divertidas e empolgantes histórias.

PIRATAS PIRADOS! (The Pirates! Band of Misfits)