
Pouco antes do início da sessão inaugural de Morte Cega, realizada hoje no Cine Humberto Mauro, aqui em Belo Horizonte, o diretor e roteirista Pablo Villaça, o produtor Guilherme Fiúza e os atores Maurício Canguçu, Carlos Magno Ribeiro e Geraldo Magela, em meio a gentis e honestas trocas de elogios, teceram agradecimentos aos envolvidos no projeto e fizeram questão de enfatizar as dificuldades de realizar uma produção como aquela - o que não era nenhuma novidade para mim, que acompanhei com curiosidade todas as informações divulgadas sobre o curta ao longo dos últimos meses. Não fosse isso (e meus singelos e humildes conhecimentos sobre produção cinematográfica), dez minutos depois eu estaria duvidando ferozmente dos discursos daqueles homens: os ótimos trabalhos de todos os envolvidos na produção unem-se de forma tão natural e orgânica que extrair da projeção as tais dificuldades enfrentadas é uma tarefa ardilosa, tamanha a eficiência técnica da obra e a facilidade de envolver-se com a narrativa.
Segunda experiência do crítico de cinema como diretor e roteirista (o trabalho anterior foi o curta A_ética), Morte Cega faz jus à promessa de Villaça e se estabelece como uma válida declaração de amor ao Cinema. Metalinguístico ao extremo, o filme conta a história de um cineasta fracassado que, durante um sonho, tem uma ideia para um curta altamente dependente da participação de Geraldo Magela como protagonista. E isso é tudo que você precisa saber sobre o filme; descobrir o restante ao longo da projeção faz toda a diferença.
Para começo de conversa, o filme se destaca pela ótima sintonia entre a direção de arte de Renata Martins e a fotografia de Alexandre Baxter, que, juntas, confrontam a informalidade da cena ambientada em um bar com a atmosfera mais rígida daquela passada em um sofisticado restaurante, além de conceberem o quarto de Francis como um local constantemente mergulhado em sombras, com paredes repletas de cartazes de filmes de suspense (que resumem as idolatrias do sujeito) dividindo espaço com um determinado certificado que, enquadrado como se fosse uma verdadeira honraria, revela bastante sobre a situação do protagonista em sua própria profissão. Além disso, os figurinos de Rizza desempenham bem suas funções (vide a cor e a fineza dos trajes de Magela na cena do restaurante), bem como a montagem de Marco Aurélio Ribeiro e a trilha de Felipe Fantoni e Marcio Brant, que se destacam especialmente nas últimas cenas.
Povoado por personagens batizados com nomes bastante sugestivos (Francis, Martinho e Geraldo Magela), Morte Cega também conta com bons trabalhos de seu pequeno elenco, desde a breve participação de Carlos Magno Ribeiro até toda a evolução de Maurício Canguçu como Francis, desempenhada de forma absolutamente satisfatória. O destaque, porém, fica por conta da participação de Geraldo Magela: estreando no Cinema, o consagrado comediante topa conceder seu nome e imagem a uma inusitada e divertida desconstrução de sua própria pessoa ao mesmo tempo que tem sua carreira homenageada e, talentoso como é, alcança um resultado que certamente agradará a muitos - diferentemente, por exemplo, da vexatória participação de Al Pacino em Cada um Tem a Gêmea Que Merece.
Para completar, Pablo Villaça (que novamente ressalta a importância das contribuições de cada membro da equipe ao encabeçar os créditos finais com "Um filme de...") mostra-se bastante seguro na direção, aplicando bem os conceitos adquiridos ao longo de anos de estudo e paixão pelo Cinema sem jamais perder o foco com exercícios de estilo. Porém, essa competência pouco adiantaria caso a ideia central não fosse boa, bem desenvolvida e satisfatoriamente amarrada - e felizmente, Morte Cega é tudo isso (gosto bastante, particularmente, do plano final). Assim, sou levado a crer que aspectos autobiográficos oriundos da metalinguagem sejam realmente minoria aqui; afinal, diferentemente de Francis, Pablo é um cineasta em plena ascensão - e mesmo que a mudança de profissão não pareça estar em pauta, Morte Cega prova que perder um dos maiores críticos do país para a produção cinematográfica talvez não seria um prejuízo tão grande assim.
