9 de março de 2012

Crítica | John Carter: Entre Dois Mundos

Willem Dafoe e Taylor Kitsch em JOHN CARTER: ENTRE DOIS MUNDOS (John Carter)

★★★

John Carter, EUA, 2012 | Duração: 2h11m48s | Lançado no Brasil em 9 de março de 2012, nos cinemas | Baseado no livro "Uma Princesa de Marte", de Edgar Rice Burroughs. Roteiro de Andrew Stanton & Mark Andrews e Michael Chabon | Dirigido por Andrew Stanton | Com Taylor Kitsch, Lynn Collins, Willem Dafoe, Samantha Morton, Mark Strong, Dominic West, Ciarán Hinds, Thomas Haden Church, James Purefoy, Daryl Sabara, Bryan Cranston, Polly Walker.

Antes de iniciar a análise sobre o primeiro longa em live-action de Andrew Stanton (WALL•E, Procurando Nemo), é importante mencionar que o material que inspirou o roteiro escrito pelo próprio Stanton em parceria com Mark Andrews e Michael Chabon tem, de cara, um fortíssimo argumento em sua defesa: criadas há nada menos que 100 anos por Edgar Rice Burroughs, as aventuras de John Carter são dotadas de certo pioneirismo no universo da ficção científica, de modo que, mesmo sendo pouquíssimo conhecidas pelo público brasileiro (aparentemente, o livro Uma Princesa de Marte, usado como base para esta adaptação, foi lançado pela primeira vez por aqui há pouco menos de dois anos), muitas de suas características acabaram influenciando uma enorme variedade de produções lançadas durante o último século. Dessa forma, é compreensível que sua trama, em particular, esteja longe de se estabelecer como uma referência de originalidade, mas ignorando as circunstâncias de sua concepção e analisando-a inserida no contexto atual - bem como todo filme deve ser analisado -, é simplesmente impossível ignorar seus problemas e o prejuízo que estes trazem para o resultado final.

Uma espécie de Avatar com pinceladas de Star Wars (o que é natural, já que tanto James Cameron quanto George Lucas já assumiram publicamente a inspiração na obra de Burroughs), John Carter: Entre Dois Mundos se inicia com uma desnecessária contextualização que, mesmo bastante explicativa, falha pela introdução excessiva de nomes desconhecidos e por tentar martelar o conflito do universo do filme, que poderia ser compreendido gradativamente ao longo da narrativa (por que não esperar para explicar, por exemplo, que o planeta Barsoom se trata de Marte quando o próprio protagonista descobre isso?). Pouco depois, conhecemos o personagem-título, um veterano da Guerra Civil americana que, durante a caçada por uma caverna cravada de pedras de ouro, é misteriosamente transportado para o desértico planeta Barsoom. Surpreendido por um incremento em sua força e pela capacidade de desempenhar grandes saltos em solo marciano (resultados da diferente força gravitacional agindo sobre ele), John Carter (Taylor Kitsch) acaba se tornando uma figura decisiva na guerra entre humanoides que se sucede entre a cidade itinerante Zodanga, cujo jeddak Sab Than (Dominic West) age sob influência do hekkador dos thern Matai Shang (Mark Strong), e Helium, liderada pelo jeddak Tardos Mors (Ciarán Hinds), que acredita que o casamento do oponente Sab Than com sua filha, a guerreira e cientista Dejah Thoris (Lynn Collins), dará fim aos conflitos civis.

Apesar da esperada confusão que as nomenclaturas complicadas poderiam causar, John Carter não possui uma narrativa difícil de acompanhar, especialmente pela sensação recorrente de estar assistindo a uma versão alternativa de Avatar: assim como ocorria com Jake Sully no filme de James Cameron, John Carter é acolhido por um grupo de nativos extraterrestres guerreiros e esguios (os tharks) com um misto de interesse e rispidez, passa a ser tratado por um nome errado (lá, "Jakesully" e aqui, "Virgínia") que ressalta as dificuldades de comunicação entre os diferente seres, recebe um título que destaca sua relevância no embate em que se envolve (o Dotar Sojat daqui não soa muito diferente do Toruk Mato de lá), recorre a um monumento sagrado em busca de respostas para os conflitos daquele mundo, apaixona-se pela filha do líder de certa comunidade, estabelece uma ligação com o planeta que redefine seu futuro pessoal e, em especial, torna-se uma liderança fundamental dentro daquele contexto - e é curioso notar que, intencionalmente ou não, Carter surge coberto de sangue azul na cena em que finalmente conquista a confiança dos tharks, remetendo à versão Na'vi de Jake Sully do clímax de Avatar. Por outro lado, os misticismos barsoomianos não contam com a mesma facilidade de compreensão, o que condena parte da atenção voltada para o tal Nono Raio monopolizado por Zodanga, mas acaba sendo positivo, por exemplo, para a concepção dos misteriosos e poderosos therns, que se mantém incógnitos tanto para os personagens quanto para o público.

Taylor Kitsch e Lynn Collins em JOHN CARTER: ENTRE DOIS MUNDOS (John Carter)

Lançando mão da mesma técnica de performance capture utilizada no recente Planeta dos Macacos: A Origem ou em Avatar (olha ele aí de novo), com a qual tanto a movimentação corporal quanto as nuances das expressões faciais dos atores são mapeadas e empregadas nas criaturas digitais, a equipe de Stanton consegue transformar os tharks em seres bastante convincentes, dotados de características exóticas sempre funcionais (repare como, mais de uma vez, são dadas funções para cada um dos quatro braços de Tars Tarkas, interpretado por Willem Dafoe). Além disso, os cenários mesclam com competência paisagens reais e elementos digitais, ao passo que o design de produção impressiona pela grandiosidade e detalhamento das cidades ou pela interessante concepção dos figurinos, enquanto a trilha do sempre competente Michael Giacchino não se sobressai, mas também não decepciona. A única ressalva, entretanto, fica por conta do 3D, já que, mesmo possuindo uma enorme quantidade de cenas com predominância de elementos digitais (que permitem o efeito tridimensional), o filme não foi rodado com câmeras equipadas com a tecnologia, de modo que a mise-en-scène dos atores, especialmente em cenários físicos, conta com uma profundidade extremamente deficitária.

Porém, a técnica admirável e a direção segura de Andrew Stanton perdem parte da importância quando falham em extrair emoção da história. Os grandes saltos de John Carter parecem ser o suficiente para torná-lo um herói impetuoso e invencível - algo bem representado por Taylor Kitsch, que confere bastante energia ao personagem -, reduzindo consideravelmente o perigo de suas ações (em determinada cena, ele derrota sozinho um exército inteiro de selvagens, impulsionado quase que exclusivamente pela angústia de recordações melancólicas) e deixando para seu bobo drama do passado o trabalho ingrato de torná-lo uma figura menos unidimensional. Além disso, assim que o casamento forçado de Dejah Toris (vivida por uma Lynn Collins mais inexpressiva que o ideal) e Sab Than (Dominic West em mais um papel que não lhe exige talento) é anunciado, a narrativa se torna fundamentalmente previsível e rasteira, ligando os fatos com argumentos fracos ou cenas de ação que apenas direcionam os personagens para a resolução do conflito central - e mais adiante, para a reviravolta boba e o desfecho da subtrama envolvendo o sobrinho de Carter na Terra, Edgar Rice Burroughs (Daryl Sabara - e não sei dizer por que o personagem recebe o nome do autor). Para completar, os roteiristas preferem não esclarecer para o público a razão que permite que o protagonista passe a entender o idioma alienígena, além de nunca deixarem claro como a exploração mineralógica feita por Zodanga compromete o planeta por completo e por que o embate em prol da salvação de Barsoom se limita apenas àquele microcosmo (teria J.K. Rowling se inspirado em John Carter ao restringir a batalha épica que afligiu o mundo bruxo à Inglaterra em Harry Potter?).

Repleto de diálogos tolos que apenas enfatizam os diversos clichês que o longa é obrigado a abraçar ("Eu já cheguei tarde uma vez e não quero que aconteça de novo"), John Carter: Entre Dois Mundos é um filme que funciona bem como um entretenimento vazio, mas que talvez teria funcionado bem mais caso tivesse sido lançado antes de tudo aquilo que a obra de Burroughs veio a influenciar. Tendo em vista o centenário da primeira publicação, parece que, infelizmente, o longa chegou mesmo um pouco atrasado.

Taylor Kitsch, Willem Dafoe e Lynn Collins em JOHN CARTER: ENTRE DOIS MUNDOS (John Carter)