★★★★
Chronicle, Reino Unido/EUA, 2011 | Duração: 1h24m03s | Lançado no Brasil em 2 de março de 2012, nos cinemas | História de Josh Trank e Max Landis. Roteiro de Max Landis | Dirigido por Josh Trank | Com Dane DeHaan, Alex Russell, Michael B. Jordan, Michael Kelly, Ashley Hinshaw, Bo Petersen.

Escrito por Max Landis (filho do cineasta John Landis), o longa parte da decisão do adolescente Andrew (Dane DeHaan) de registrar em vídeo o seu próprio dia-a-dia, por razões que nunca ficam muito claras apesar de ele mesmo afirmar que aquilo "tem um propósito". Assim, passamos a acompanhar a filmagem amadora do garoto em casa cuidando da mãe enferma (Bo Peterson), esquivando-se do agressivo pai (Michael Kelly) ou sendo vítima de bullying dos valentões do colégio ou do bairro, dentre outras normalidades da vida um adolescente americano. Porém, essa rotina é radicalmente alterada quando Andrew, seu primo Matt (Alex Russell) e o principal candidato das eleições estudantis, Steve Montgomery (Michael B. Jordan), são expostos a um estranho artefato cravado em uma caverna subterrânea nas imediações de uma festa, já que o trio, inexplicavelmente, adquire e passa a desenvolver poderes telecinéticos - isto é, a habilidade de mover objetos apenas com o poder da mente.
Isso mesmo: a primeira parte de Poder Sem Limites nada mais é que uma concretização do sonho adolescente de ter superpoderes. Assim, o longa dedica vários minutos às peripécias dos garotos, não só para apresentar o aprimoramento de suas habilidades como também transmitindo com perfeição o deslumbramento deles (em parte, compartilhado pelo público) com toda aquela situação. E, nesse sentido, o mockumentary desempenha um papel fundamental: além de conferir um tom mais intimista à fascinação do trio com as novas descobertas, o registro documental nos concede o afastamento e o discernimento necessários para julgarmos o comportamento e as decisões dos rapazes, que inclui, claro, a opção em si de registrar todas aquelas situações nas quais utilizam seus poderes - e com isso, somos naturalmente levados a concluir que boa parte delas (especialmente a partir do momento em que passam a envolver terceiros), por mais bobas ou inofensivas que aparentem ser, apresentam um viés inconsequente. Assim, o momento em que a noção do que é certo e o que é errado começa a se diluir não só é esperado, como também ocorre com naturalidade.
Sem se preocupar em explicar como e por que imagens de tantas fontes diferentes foram obtidas e montadas de forma coerente (para um filme no qual o protagonista é capaz de elevar objetos com o poder da mente, esse é o menor dos problemas), Trank consegue encontrar algumas soluções interessantes para os momentos em que os personagens centrais não podem bancar os cinegrafistas, utilizando gravações de todo e qualquer equipamento que capte imagem e som, como sistemas de vigilância, câmeras acopladas a viaturas ou helicópteros policiais, ou, claro, celulares e filmadoras dos indispensáveis cinegrafistas amadores. Infelizmente, essas boas ideias são ofuscadas pela artificialidade de tantas outras: o romance de Matt com Casey (Ashley Hinshaw), por exemplo, além de dispensável, é quase inteiramente desenvolvido através de planos e contra-planos, justificados pelo injustificável hábito da garota de andar munida de uma filmadora. Além disso, se a princípio a levitação da câmera é fruto de uma aceitável curiosidade de Andrew, depois de certo tempo o aparelho parece adquirir vida própria, realizando planos-plongée, travellings e uma infinidade de enquadramentos interessantes enquanto o protagonista sequer parece lembrar-se de sua existência.

Além disso, é difícil aceitar a qualidade absurda dos diálogos captados até mesmo por câmeras bastante afastadas dos interlocutores, o que só não é mais inexplicável do que a decisão de Andrew de circundar-se de câmeras digitais e celulares em determinada ocasião, possibilitando que uma discussão no clímax seja registrada através de diversos ângulos, mas, em contrapartida, sacrificando a organicidade da cena. Já os efeitos especiais, infelizmente, deixam um pouco a desejar desde a primeira aparição, soando bem mais naturais quando associados a efeitos práticos (como no caso do carro que é conduzido para fora da estrada) ou então menos forçados quando inseridos em cenas com uma câmera mais instável (como os voos dos garotos). Entretanto, isso não chega a prejudicar o clímax do filme, que, mesmo empenhado em driblar a linha documental, é intenso, corajoso e conta com um ótimo plano-sequência que, em última instância, consegue justificar o fato de Casey andar sempre com uma câmera.
Mas o que realmente transforma Poder Sem Limites em um filme interessante é a forma como seu protagonista é construído e desenvolvido (e pare de ler agora caso não queira saber detalhes importantes sobre a trama): torturado pela convivência familiar e pela dificuldade de se relacionar com os colegas, Andrew (vivido com talento pelo pouco conhecido Dane DeHaan) se torna uma pessoa visivelmente mais aberta e alegre quando os poderes adquiridos o ajudam a despertar a simpatia dos colegas e o permitem compartilhar momentos e segredos com Matt e Steve (Russell e Jordan também estão eficientes e naturais em seus papéis), sem que, com isso, deixe de exibir indícios da personalidade que viria a assumir no terceiro ato (com destaque, claro, para a cena em que, incomodado com uma buzina insistente, causa um acidente grave em uma estrada). Entretanto, a incapacidade do garoto de lidar com derrotas é potencializada por intrigas e pelo fato de ser acometido por um insucesso momentos depois de atingir o auge de sua popularidade (e consequente satisfação pessoal), levando-o diretamente de volta à fossa, mas agora com superpoderes a seu favor - e em meio a representações óbvias da psicopatia do rapaz, como o desmembramento de uma aranha, vemos também outras mais contundentes (o assalto sangrento é um bom exemplo) ou até mesmo mais sutis, como o momento em que abre caminho em uma poça d'água para a sua própria passagem, como se fosse um messias ou um ser superior.
Dessa forma, Trank e Landis merecem aplausos pela coragem de, após criar uma empatia do público pelos jovens, não hesitar em despertar seus instintos mais obscuros ou colocá-los em situações de risco para, se necessário, matá-los logo em seguida. E se esses jovens (Trank e Landis possuem ambos pouco mais de 25 anos) conseguiram fazer essa besteira divertida em suas estreias no cinema e com apenas aproximados 12 milhões de dólares, imaginem só do que seriam capazes caso tivessem sob suas responsabilidades maiores poderes!
