28 de fevereiro de 2012

Crítica | Poder Sem Limites

Dane DeHaan em PODER SEM LIMITES (Chronicle)

★★★★

Chronicle, Reino Unido/EUA, 2011 | Duração: 1h24m03s | Lançado no Brasil em 2 de março de 2012, nos cinemas | História de Josh Trank e Max Landis. Roteiro de Max Landis | Dirigido por Josh Trank | Com Dane DeHaan, Alex Russell, Michael B. Jordan, Michael Kelly, Ashley Hinshaw, Bo Petersen.

Pôster/capa/cartaz nacional de PODER SEM LIMITES (Chronicle)"Grandes poderes trazem grandes responsabilidades". A frase, eternizada pelo Tio Ben em Homem-Aranha, resume perfeitamente a principal reflexão oferecida por histórias que, como a do herói aracnídeo ou a desse Poder Sem Limites, trazem pessoas comuns (e em ambos os casos, jovens) ganhando poderes sobre-humanos e tendo que aprender a administrá-los sem acarretar prejuízos para o restante da humanidade. Como diferencial, este longa de estreia do diretor Josh Trank traz essa passagem da vida dos jovens pelo ponto de vista deles próprios, através de uma abordagem documental que, mesmo enfraquecida por se esquivar de alguns desafios da linguagem, é suficientemente interessante e bem realizada, especialmente diante do reduzido orçamento do filme.

Escrito por Max Landis (filho do cineasta John Landis), o longa parte da decisão do adolescente Andrew (Dane DeHaan) de registrar em vídeo o seu próprio dia-a-dia, por razões que nunca ficam muito claras apesar de ele mesmo afirmar que aquilo "tem um propósito". Assim, passamos a acompanhar a filmagem amadora do garoto em casa cuidando da mãe enferma (Bo Peterson), esquivando-se do agressivo pai (Michael Kelly) ou sendo vítima de bullying dos valentões do colégio ou do bairro, dentre outras normalidades da vida um adolescente americano. Porém, essa rotina é radicalmente alterada quando Andrew, seu primo Matt (Alex Russell) e o principal candidato das eleições estudantis, Steve Montgomery (Michael B. Jordan), são expostos a um estranho artefato cravado em uma caverna subterrânea nas imediações de uma festa, já que o trio, inexplicavelmente, adquire e passa a desenvolver poderes telecinéticos - isto é, a habilidade de mover objetos apenas com o poder da mente.

Isso mesmo: a primeira parte de Poder Sem Limites nada mais é que uma concretização do sonho adolescente de ter superpoderes. Assim, o longa dedica vários minutos às peripécias dos garotos, não só para apresentar o aprimoramento de suas habilidades como também transmitindo com perfeição o deslumbramento deles (em parte, compartilhado pelo público) com toda aquela situação. E, nesse sentido, o mockumentary desempenha um papel fundamental: além de conferir um tom mais intimista à fascinação do trio com as novas descobertas, o registro documental nos concede o afastamento e o discernimento necessários para julgarmos o comportamento e as decisões dos rapazes, que inclui, claro, a opção em si de registrar todas aquelas situações nas quais utilizam seus poderes - e com isso, somos naturalmente levados a concluir que boa parte delas (especialmente a partir do momento em que passam a envolver terceiros), por mais bobas ou inofensivas que aparentem ser, apresentam um viés inconsequente. Assim, o momento em que a noção do que é certo e o que é errado começa a se diluir não só é esperado, como também ocorre com naturalidade.

Sem se preocupar em explicar como e por que imagens de tantas fontes diferentes foram obtidas e montadas de forma coerente (para um filme no qual o protagonista é capaz de elevar objetos com o poder da mente, esse é o menor dos problemas), Trank consegue encontrar algumas soluções interessantes para os momentos em que os personagens centrais não podem bancar os cinegrafistas, utilizando gravações de todo e qualquer equipamento que capte imagem e som, como sistemas de vigilância, câmeras acopladas a viaturas ou helicópteros policiais, ou, claro, celulares e filmadoras dos indispensáveis cinegrafistas amadores. Infelizmente, essas boas ideias são ofuscadas pela artificialidade de tantas outras: o romance de Matt com Casey (Ashley Hinshaw), por exemplo, além de dispensável, é quase inteiramente desenvolvido através de planos e contra-planos, justificados pelo injustificável hábito da garota de andar munida de uma filmadora. Além disso, se a princípio a levitação da câmera é fruto de uma aceitável curiosidade de Andrew, depois de certo tempo o aparelho parece adquirir vida própria, realizando planos-plongée, travellings e uma infinidade de enquadramentos interessantes enquanto o protagonista sequer parece lembrar-se de sua existência.

Dane DeHaan, Michael B. Jordan e Alex Russell em PODER SEM LIMITES (Chronicle)

Além disso, é difícil aceitar a qualidade absurda dos diálogos captados até mesmo por câmeras bastante afastadas dos interlocutores, o que só não é mais inexplicável do que a decisão de Andrew de circundar-se de câmeras digitais e celulares em determinada ocasião, possibilitando que uma discussão no clímax seja registrada através de diversos ângulos, mas, em contrapartida, sacrificando a organicidade da cena. Já os efeitos especiais, infelizmente, deixam um pouco a desejar desde a primeira aparição, soando bem mais naturais quando associados a efeitos práticos (como no caso do carro que é conduzido para fora da estrada) ou então menos forçados quando inseridos em cenas com uma câmera mais instável (como os voos dos garotos). Entretanto, isso não chega a prejudicar o clímax do filme, que, mesmo empenhado em driblar a linha documental, é intenso, corajoso e conta com um ótimo plano-sequência que, em última instância, consegue justificar o fato de Casey andar sempre com uma câmera.

Mas o que realmente transforma Poder Sem Limites em um filme interessante é a forma como seu protagonista é construído e desenvolvido (e pare de ler agora caso não queira saber detalhes importantes sobre a trama): torturado pela convivência familiar e pela dificuldade de se relacionar com os colegas, Andrew (vivido com talento pelo pouco conhecido Dane DeHaan) se torna uma pessoa visivelmente mais aberta e alegre quando os poderes adquiridos o ajudam a despertar a simpatia dos colegas e o permitem compartilhar momentos e segredos com Matt e Steve (Russell e Jordan também estão eficientes e naturais em seus papéis), sem que, com isso, deixe de exibir indícios da personalidade que viria a assumir no terceiro ato (com destaque, claro, para a cena em que, incomodado com uma buzina insistente, causa um acidente grave em uma estrada). Entretanto, a incapacidade do garoto de lidar com derrotas é potencializada por intrigas e pelo fato de ser acometido por um insucesso momentos depois de atingir o auge de sua popularidade (e consequente satisfação pessoal), levando-o diretamente de volta à fossa, mas agora com superpoderes a seu favor - e em meio a representações óbvias da psicopatia do rapaz, como o desmembramento de uma aranha, vemos também outras mais contundentes (o assalto sangrento é um bom exemplo) ou até mesmo mais sutis, como o momento em que abre caminho em uma poça d'água para a sua própria passagem, como se fosse um messias ou um ser superior.

Dessa forma, Trank e Landis merecem aplausos pela coragem de, após criar uma empatia do público pelos jovens, não hesitar em despertar seus instintos mais obscuros ou colocá-los em situações de risco para, se necessário, matá-los logo em seguida. E se esses jovens (Trank e Landis possuem ambos pouco mais de 25 anos) conseguiram fazer essa besteira divertida em suas estreias no cinema e com apenas aproximados 12 milhões de dólares, imaginem só do que seriam capazes caso tivessem sob suas responsabilidades maiores poderes!

Alex Russell e Dane DeHaan em PODER SEM LIMITES (Chronicle)