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The Devil Inside, EUA, 2012 | Duração: 1h23m00s | Lançado no Brasil em 3 de fevereiro de 2012, nos cinemas | Escrito por William Brent Bell e Matthew Peterman | Dirigido por William Brent Bell | Com Fernanda Andrade, Simon Quarterman, Evan Helmuth, Ionut Grama, Suzan Crowley, Bonnie Morgan.
Quando escrevi sobre Atividade Paranormal 3, apontei que o desfecho era o maior problema dos filmes de terror do tipo found footage, já que a tragédia final era algo praticamente intrínseco à proposta do subgênero e conferia uma inadequada previsibilidade a esses projetos. Por essa razão, confesso que fiquei inesperadamente contente quando Filha do Mal teve início e notei que os registros subjetivos se aproximavam mais de um mockumentary (falso documentário) do que das tais gravações perdidas e passei a acreditar que o filme seria capaz de me surpreender de alguma forma - só não imaginava que o sentimento de contentamento seria tão fugaz e que a crença a respeito de ser surpreendido se confirmaria, mas de uma forma absolutamente oposta e negativa.
Escrito por Matthew Peterman (Stay Alive - Jogo Mortal) e William Brent Bell e dirigido por este último, Filha do Mal adota a estrutura de falso documentário para tentar estudar a suposta possessão de Maria Rossi (Suzan Crowley); 20 anos após assassinar brutalmente três religiosos durante uma sessão de exorcismo, a mulher, internada em uma clínica psiquiátrica, é procurada por sua filha, Isabella Rossi (interpretada pela brasileira Fernanda Andrade), que, junto com o cinegrafista Michael (Ionut Grama) e os padres Ben Rawlings (Simon Quarterman) e David Keane (Evan Helmuth), busca compreender a postura do Vaticano em relação à pratica do exorcismo e, ainda, em relação ao caso particular de sua mãe.
Iniciado com uma espécie de prólogo em found footage (como a inspeção da cena do crime não estava suficientemente aterrorizante, um vulto causador de uma queda da câmera é jogado na cena para encerrá-la, mas o que de fato aconteceu com os inspetores jamais é esclarecido), Filha do Mal chega aos dias atuais empenhado em perder rapidamente a pouca verossimilhança que havia apresentado nos primeiros minutos com suas imagens amadoras e envelhecidas. Logo de cara, o texto que informa que o Vaticano não apoiou a produção e o lançamento do filme surge como uma tentativa tola de antecipar o caráter "chocante" das revelações que serão feitas, ao passo que as constantes interrupções dos depoimentos dados por Isabella, Rawlings ou Keane para exibir imagens deles próprios passeando pelas ruas (visando, talvez, tornar as exposições menos maçantes) sacrificam o realismo, já que somos obrigados a questionar os critérios adotados pelo cinegrafista do "documentário": afinal, que diabos de material ele pretendia obter registrando os personagens perambulando tolamente pela cidade?
Além disso, mesmo que tente se passar por documentário (com direito a legendas que situam as imagens no tempo e espaço ou apresentam os personagens e suas ocupações), o longa enfrenta uma dificuldade crítica de se distanciar de uma narrativa assumidamente ficcional - o que fica claro, por exemplo, na montagem do próprio William Brent Bell e de Tim Mirkovich, que mantém cenas irrelevantes do ponto de vista documental apenas para alcançar outros objetivos narrativos, como uma tensão maior (a passagem da equipe de filmagem por um corredor escuro que culmina em um porão é um bom exemplo) ou até mesmo para fazer graça inútil (como o instante no qual um transeunte olha de forma nada discreta para as nádegas da protagonista). Ainda sobre a montagem, é fácil perceber que Bell não possui completo domínio sobre a linguagem adotada para o longa, confundindo em diversos momentos mockumentary com found footage - por exemplo, nos cortes secos que descontinuam falas, nos planos que se prolongam até o instante que alguém desliga a câmera ou em cenas como aquela na qual Isabella tenta compreender a dinâmica das câmeras dentro de um carro, passagens estas que jamais entrariam em qualquer documentário que se preze. Para completar, o diretor utiliza uma deselegante "montagem indireta", quando leva a protagonista a entrar em uma aula sobre exorcismo no exato instante em que um conceito importante para a história está sendo discutido, abrindo mão da verossimilhança que a cena poderia ter no contexto geral (e repare ainda o descuido - ou picaretagem - de Bell ao filmar a cena de dois ângulos distintos, sendo que o "documentário" conta com apenas um cinegrafista).

Além disso, Filha do Mal também é prejudicado por um elenco, digamos, esforçado, mas constantemente sabotado pela estupidez do roteiro. Tirando o aceitável e surpreendente comportamento passivo dos personagens após um deles começar a agir de forma estranha (afinal, diferentemente deles, nós sabemos que aquilo é um filme de terror e somos naturalmente induzidos a desconfiar desse tipo de mudança comportamental), o longa é repleto de diálogos, exaltações e sotaques que a todo momento desafiam a inteligência e a boa vontade do espectador: quando Isabella descobre, por exemplo, que não há um modo legal de realizar um exorcismo na mãe, a garota é levada a acreditar que, em função disso, precisa compreender melhor os pormenores da prática - mas qual é a relação natural entre esses dois fatos? Ainda nesse aspecto, no instante em que o grupo tenta decifrar os cortes no braço de Maria, um dos personagens sugere que cruzes invertidas indicam possessão demoníaca e todos se dão por satisfeitos com a colocação - mas baseado em qual referencial eles concluem que as feridas em formato de cruz no braço da mulher estão de fato de ponta-cabeça?
Aliás, a lista de furos do roteiro é extensa, com uma infinidade de pistas que simplesmente não levam a lugar algum. Após ganhar uma considerável ênfase no primeiro ato (e uma interpretação particularmente perturbadora de Suzan Crowley), por que Maria passa a ser magistralmente ignorada na reta final? E o que ela queria dizer com seus repetitivos "conecte os cortes", também bastante enfatizados? Por que fora levada a fazer tratamento em Roma? Qual é a real importância do aborto de Isabella? Como e por que policiais chegaram à casa de determinado indivíduo possuído? Quais as consequências de determinado acidente de carro? Por que um dos alunos presentes na aula sobre exorcismo reaparece em um hospital? (Ou sou um fisionomista tão ruim assim?)
E todos esses problemas e perguntas não respondidas ocorrem graças àquele que é o maior erro do filme: o assassinato brutal do ritmo, com a minúscula duração de seu terceiro ato. Isso porque, após criar uma série de expectativas no público, William Brent Bell e Matthew Peterman se rendem completamente à moda do terror documental, frustram de vez as esperanças que mencionei no primeiro parágrafo e encerram a narrativa de forma tão abrupta, mas tão abrupta, que seria equivalente, por exemplo, a eu terminar este texto agora.
Obs.: se ao fim da narrativa você não estiver suficientemente insatisfeito, aguarde até o final dos créditos para ver a explicação dos roteiristas para a falta de criatividade do desfecho.
