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Jack and Jill, EUA, 2011 | Duração: 1h30m37s | Lançado no Brasil em 10 de fevereiro de 2012, nos cinemas | História de Ben Zook. Roteiro de Steve Koren & Adam Sandler | Dirigido por Dennis Dugan | Com Adam Sandler, Al Pacino, Katie Holmes, Nick Swardson, Tim Meadows, Eugenio Derbez, Rohan Chand, Elodie Tougne, David Spade e Johnny Depp.
Ligado em Você e Cada um Tem a Gêmea Que Merece são filmes de comédia que dividem algumas semelhanças temáticas que apenas os distanciam ainda mais artisticamente. O primeiro, dirigido pelos bem sucedidos irmãos Farrelly, traz um absurdo caso de irmãos gêmeos (siameses não idênticos), vividos por Matt Damon e Greg Kinnear, e conta com a participação especial de Cher interpretando uma personagem chamada... Cher; já o outro, marcando a sétima colaboração entre o diretor Dennis Dugan e o ator Adam Sandler, traz este último em dose dupla, interpretando gêmeos igualmente ilógicos (fraternos idênticos), e conta com a participação de ninguém menos que Al Pacino como ele mesmo. Porém, se Cher acertou ao topar contracenar com Damon e Kinnear e se expor em um papel mesquinho (note: ela vive uma versão de si mesma) no divertido Ligado em Você, Al Pacino ter se envolvido com Cada um Tem a Gêmea Que Merece nos leva a desconfiar que, diferentemente da cantora e atriz, o veterano ator oferece aqui uma atuação realmente fidedigna à sua própria pessoa - isto é, enlouqueceu de vez.
Mas Pacino, claro, está longe de ser o maior problema de um filme cujo chamariz, lembrem-se, é Adam Sandler vestido de mulher. Aliás, é assustador como os últimos filmes da dupla Dugan-Sandler têm estabelecido um péssimo padrão: o protagonista sempre nada mais é que um alter-ego do próprio Sandler, ou seja, um crianção quadragenário supostamente espirituoso que, a certa altura, invariavelmente, surgirá trajando bonés dos New York Yakees; a narrativa, frágil, investe na comédia de situações que, quando satura as gags permitidas pelo ambiente, exige que uma mudança de ares - isto é, uma viagem (vide Esposa de Mentirinha e Gente Grande) - ocorra para que novas situações sejam possíveis; Nick Swardson, David Spade, Rob Schneider ou quaisquer outros amigos de Sandler são bem vindos, por mais imperceptíveis ou piores que sejam suas colaborações; e por fim, como não poderia deixar de ser, flatulências, diarreias e derivados têm cadeira cativa - e quanto mais vezes surgirem, melhor.
Na história da vez, pensada por Ben Zook (Eu Odeio o Dia dos Namorados) e escrita pelo próprio Sandler e por Steve Koren (Click), Jack (Adam Sandler) é um publicitário que vive em Los Angeles com a esposa Erin (Katie Holmes) e os filhos Gary (Rohan Chand) e Sofia (Elodie Tougne). Às vésperas do feriado de ação de graças, o homem recebe como hóspede sua irmã gêmea Jill (Adam Sandler), uma solteirona burra, tagarela, expansiva, geniosa e inconstante, algo fundamental para que qualquer gag que a envolva nos seja enfiada goela abaixo. Porém, mesmo com todos os defeitos, a mulher consegue despertar o interesse de ninguém menos que Al Pacino, que, no auge dos seus setenta anos, propõe que Jack lhe conceda a irmã em troca de uma participação dele próprio em uma campanha publicitária que deve salvar a empresa do protagonista.
Apoiando-se em uma premissa absolutamente batida (a do parente inconveniente que desperta o interesse de alguém importante e pode ser usado como uma ponte para chegar a esta pessoa) que acaba denunciando o conflito central posterior, o longa não se intimida em investir em uma série de piadas óbvias e previsíveis que, em muitas ocasiões, sequer são justificadas ou finalizadas - bem como ocorre logo no início, quando Jack vai ao aeroporto buscar Jill e se depara com dezenas de malas (pessoas que não conseguem carregar apenas a bagagem necessária constituem o suprassumo do humor de Sandler), mas a dificuldade de transportá-las no carro ou dispô-las no quarto de hóspedes jamais é abordada. Além disso, Sandler e Koren insistem em fazer humor com estereótipos estrangeiros, religiosos e sociais sem o mínimo pudor ou propósito, com a mesma categoria com que se nivelam a Marcelo Madureira e Hubert ao criar nomes baseados em trocadilhos dignos de As Aventuras de Agamenon, como a cacatua Poopsie ou o pretendente Funbucket. Para completar, os roteiristas tentam emplacar piadas sustentadas unicamente pelo absurdo de situações ridículas (como a capacidade descomunal de Jill de elevar certo peso que nem fisiculturistas são capazes - o que, bem, não leva a lugar algum e não é engraçado), algo que só não é pior do que a já mencionada escatologia, que atinge seu auge quando uma refeição mexicana não cai bem em Jill e somos obrigados a ouvir uma infinidade de sons vindos de dentro de um banheiro.

E se todas as situações do filme, por si só, já são suficientemente desinteressantes, os personagens envolvidos nelas em nada ajudam: a esposa vivida por Katie Holmes, por exemplo, é uma verdadeira e completa nulidade; já os filhos do casal, só servem mesmo para contrariar o pai ao simpatizar com a tia; o jardineiro mexicano Felipe (Eugenio Derbez) é um piadista detestável - e o pior - absolutamente sem graça; e se Jack, como já citado, é Adam Sandler por Adam Sandler, Jill e sua excentricidade permanecem em aberto para quaisquer modificações repentinas, de modo que ela consiga, por exemplo, deduzir por telefone a armação do irmão no terceiro ato apesar de seu óbvio QI reduzido (afinal, ela não sabe a diferença entre uma calculadora e um computador), além de receber de Adam Sandler um irritante tom de voz caricato, potencializado pela língua presa e por uma dentadura, e trejeitos nada femininos - e a incapacidade de Sandler de se entregar ao papel fica mais que evidente quando a personagem evita beijar a boca de um homem em uma cena que nitidamente exigia isso.
É uma pena, portanto, que um projeto tão desastroso conte com efeitos especiais tão competentes (apesar de pontuais e discretos), desde a cacatua banhando-se em chocolate até o jet ski na piscina de Jack, passando pelo exibicionismo puro da cena em que Jack e Jill pulam corda juntos. Bem menos feliz, por outro lado, é a trilha de Rupert Gregson-Williams, que vem se especializando em comédias produzidas por Sandler e chega ao cúmulo da obviedade quando explicita que uma mudança de pensamento está ocorrendo no terceiro ato, tornando ainda mais abrupta e forçada a nova visão que Jack passa a ter da irmã. Para completar, o figurino de Ellen Lutter ressalta ainda mais a concepção incoerente e irregular de Jill ao montar um guarda-roupa com uma salada de fruta de estilos, de colegial e jovial ao cafona e senhoril.
Entretanto, mesmo anos-luz de salvar o filme do desastre, uma ou outra passagem mais inspirada consegue tornar a tortura menos severa. Numa decisão surpreendente, uma piada faz o trabalho de rebaixar Rob Schneider ao merecido posto de antítese de astro do cinema ao mesmo tempo que permite que Sandler assuma o próprio mau gosto por ainda continuar dando alguma moral ao amigo em seus filmes, quando Jill declara: "Eu gosto dele..." sem muita confiança, ciente de que faz parte de uma minoria. Ainda assim, a aparição rápida e inofensiva de Johnny Depp como ele mesmo, trajando uma camisa de Justin Bieber em um jogo de basquete, por si só, consiste na melhor passagem do filme. Por fim, a piada envolvendo o fato de Al Pacino ter ganhado apenas um Oscar mesmo com oito indicações - ignorando-se, claro, o modo imbecil como se chega a esta menção - é uma das únicas passagens nas quais a participação do ator não gera constrangimento e lamentação por parte do público.
Porque não, não é fácil compreender o que levou Pacino a se envolver em um projeto que, condenado em todas as instâncias desde sua concepção, ainda o apresenta como uma pessoa a meio caminho da insanidade. Todavia, o veterano ator chega próximo à redenção quando, na derradeira cena, assiste ao vídeo do comercial que finalmente protagoniza e insiste que aquilo é uma porcaria, não presta e nunca deverá ser visto por ninguém. Se a intenção era deixar subentendido que a fala se aplica a sua própria participação no filme, então o eterno Michael Corleone está um pouco mais próximo de ser perdoado.
