29 de fevereiro de 2012

Crítica | Anjos da Noite - O Despertar

Kate Beckinsale em ANJOS DA NOITE: O DESPERTAR (Underworld: Awakening)

★★

Underworld: Awakening, EUA, 2012 | Duração: 1h28m24s | Lançado no Brasil em 2 de março de 2012, nos cinemas | Baseado nos personagens criados por Kevin Grevioux e Len Wiseman & Danny McBride. História de Len Wiseman & John Hlavin. Roteiro de Len Wiseman & John Hlavin e J. Michael Straczynski e Allison Burnett | Dirigido por Måns Mårlind e Björn Stein | Com Kate Beckinsale, Stephen Rea, Michael Ealy, Theo James, India Eisley, Sandrine Holt, Charles Dance, Kris Holden-Ried, Wes Bentley.

Pôster/capa/cartaz nacional de ANJOS DA NOITE: O DESPERTAR (Underworld: Awakening)
Grosso modo, Anjos da Noite poderia ser descrita como a "saga" Crepúsculo dos filmes de ação; afinal, além de abordarem uma disputa de longa data entre seres míticos erroneamente chamados de vampiros e lobisomens, ambas trazem romances proibidos entre seres de naturezas diferentes (e que procriam gerando seres híbridos) como motivadores de seus conflitos, além de compartilharem a capacidade exímia de andar em círculos e repetir-se dentro de suas próprias propostas. Porém, apesar de a comparação soar como um ataque puro à série criada em 2003 por Len Wiseman, Danny McBride e Kevin Grevioux, é possível afirmar que, ao menos em Anjos da Noite (em particular, neste quarto exemplar), as boas sequências de ação conseguem justificar (em partes) toda a ladainha e compensar (também em partes) o tempo investido pelo espectador.

Fruto da associação de ideias oriundas de seis diferentes mentes - algo assombroso -, Anjos da Noite - O Despertar retorna à linha cronológica dos dois primeiros filmes com uma premissa até animadora: descobertos pelos humanos, vampiros e lycans (os tais lobisomens) são exterminados da face da Terra (se as poderosas raças enfrentam uma dificuldade tão grande de destruir uma à outra, não me pergunte como os humanos conseguiram o fazer), com exceção de um ou outro espécime mantido em estado criogênico em um laboratório farmacêutico. Porém, a alegria com as novas possibilidades para a série vislumbradas com o fim da tediosa guerra entre vampiros e lycans dura pouco, já que Selene (Kate Beckinsale), mantida inconsciente como cobaia por 12 anos, consegue fugir do laboratório e logo descobre que a erradicação de ambas as espécies é uma balela e que as pesquisas comandadas pelo inescrupuloso Dr. Jacob Lane (Stephen Rea) com base nela própria e na poderosa garota Eve (India Eisley) são, na verdade, motivadas por interesses obscuros.

Trazendo de volta aquele que sempre foi o grande chamariz fetichista da série - isto é, Kate Beckinsale com roupa coladinha, espartilho e sobretudo de couro distribuindo tiros, socos, pontapés e desempenhando coreografias em câmera lenta -, Anjos da Noite - O Despertar não parece empenhado em corrigir problemas dos filmes anteriores: mais uma vez, um retrospecto dos desinteressantes eventos que precedem a narrativa é feito através de um flashback que subestima (com razão) a memória do espectador, assim como, novamente, há um esforço descomunal e artificial de esconder a nudez de Beckinsale (esposa do produtor e roteirista Len Wiseman), enquanto a violência, por exemplo, é utilizada de forma extremamente questionável do ponto de vista moral (Selene não perdoa nem pessoas inocentes) e é apresentada sem nenhum pudor, com um grafismo extremo. Além disso, mesmo abandonando a predominância de cenas transcorridas em cenários decadentes como esgotos, porões e cavernas em noites sempre marcadas por relâmpagos, o longa parece inteiramente ambientado em locais com graves problemas na rede elétrica, já que inexplicáveis panes fazem com que luzes piscantes marquem presença na maior parte do tempo. Enquanto isso, a fotografia de Scott Keaven consegue fugir do azulão sem imaginação dos primeiros filmes, mas continua dominada por tons escuros e opressores que acabam prejudicando a profundidade propiciada pelo efeito 3D.

Theo James e Kate Beckinsale em ANJOS DA NOITE: O DESPERTAR (Underworld: Awakening)

Por outro lado, os diretores suecos Måns Mårlind e Björn Stein (Identidade Paranormal) fazem um bom trabalho na condução das cenas de ação, que, relevando a invencibilidade da protagonista (há pelo menos duas ocasiões nas quais, em condições normais, Selene teria morrido), abandonam os cenários do submundo e investem em perseguições de carro ou embates em edificações que dispõem de elevadores, dutos de circulação de ar, corredores ou garagens a serem explorados. Por sorte, mesmo tolo, o roteiro não perde muito tempo com bobagens como o intragável senso de superioridade de vampiros anciãos (aliás, se vampiros não envelhecem, qual a lógica de os anciãos serem sempre velhos?), partindo para a ação acrobática sempre que a história parece exigir que algo de um pouco mais complexo precise ser construído. Com isso, Kate Beckinsale volta a desempenhar um papel que depende muito mais de sua presença física (mérito dividido, claro, com sua dublê) do que de seu talento como intérprete - não muito diferente do restante do elenco, que sequer possui nomes de peso para serem desperdiçados (destaque para a curta participação de Wes Bentley, que apenas reforça o desprestígio que o ator tem alcançado ao longo dos últimos anos de sua carreira).

Por fim, Anjos da Noite - O Despertar ainda consegue ter sua credibilidade abalada ao ousar introduzir conceitos novos após três longos filmes (a tolerância a raios solares de Selene, por exemplo, é de uma arbitrariedade tremenda - e caso tenha sido mencionada nos filmes anteriores, valeria uma menção no flashback), de modo que se torna incompreensível que alguns deles não tenham sido utilizados anteriormente (como a técnica de ressurreição executada por Selene em certo personagem), enquanto outros sequer mantém uma coerência interna (como a sincronia de ondas cerebrais entre parentes próximos). Mas de modo geral, arrisco-me a dizer que, especialmente diante do desastroso Anjos da Noite - A Rebelião, este quarto episódio representa uma ligeira surpresa, ainda assim longe de tornar atraente a possibilidade de uma continuação deixada pelo gancho final.

Michael Ealy em ANJOS DA NOITE: O DESPERTAR (Underworld: Awakening)

28 de fevereiro de 2012

Crítica | Poder Sem Limites

Dane DeHaan em PODER SEM LIMITES (Chronicle)

★★★★

Chronicle, Reino Unido/EUA, 2011 | Duração: 1h24m03s | Lançado no Brasil em 2 de março de 2012, nos cinemas | História de Josh Trank e Max Landis. Roteiro de Max Landis | Dirigido por Josh Trank | Com Dane DeHaan, Alex Russell, Michael B. Jordan, Michael Kelly, Ashley Hinshaw, Bo Petersen.

Pôster/capa/cartaz nacional de PODER SEM LIMITES (Chronicle)"Grandes poderes trazem grandes responsabilidades". A frase, eternizada pelo Tio Ben em Homem-Aranha, resume perfeitamente a principal reflexão oferecida por histórias que, como a do herói aracnídeo ou a desse Poder Sem Limites, trazem pessoas comuns (e em ambos os casos, jovens) ganhando poderes sobre-humanos e tendo que aprender a administrá-los sem acarretar prejuízos para o restante da humanidade. Como diferencial, este longa de estreia do diretor Josh Trank traz essa passagem da vida dos jovens pelo ponto de vista deles próprios, através de uma abordagem documental que, mesmo enfraquecida por se esquivar de alguns desafios da linguagem, é suficientemente interessante e bem realizada, especialmente diante do reduzido orçamento do filme.

Escrito por Max Landis (filho do cineasta John Landis), o longa parte da decisão do adolescente Andrew (Dane DeHaan) de registrar em vídeo o seu próprio dia-a-dia, por razões que nunca ficam muito claras apesar de ele mesmo afirmar que aquilo "tem um propósito". Assim, passamos a acompanhar a filmagem amadora do garoto em casa cuidando da mãe enferma (Bo Peterson), esquivando-se do agressivo pai (Michael Kelly) ou sendo vítima de bullying dos valentões do colégio ou do bairro, dentre outras normalidades da vida um adolescente americano. Porém, essa rotina é radicalmente alterada quando Andrew, seu primo Matt (Alex Russell) e o principal candidato das eleições estudantis, Steve Montgomery (Michael B. Jordan), são expostos a um estranho artefato cravado em uma caverna subterrânea nas imediações de uma festa, já que o trio, inexplicavelmente, adquire e passa a desenvolver poderes telecinéticos - isto é, a habilidade de mover objetos apenas com o poder da mente.

Isso mesmo: a primeira parte de Poder Sem Limites nada mais é que uma concretização do sonho adolescente de ter superpoderes. Assim, o longa dedica vários minutos às peripécias dos garotos, não só para apresentar o aprimoramento de suas habilidades como também transmitindo com perfeição o deslumbramento deles (em parte, compartilhado pelo público) com toda aquela situação. E, nesse sentido, o mockumentary desempenha um papel fundamental: além de conferir um tom mais intimista à fascinação do trio com as novas descobertas, o registro documental nos concede o afastamento e o discernimento necessários para julgarmos o comportamento e as decisões dos rapazes, que inclui, claro, a opção em si de registrar todas aquelas situações nas quais utilizam seus poderes - e com isso, somos naturalmente levados a concluir que boa parte delas (especialmente a partir do momento em que passam a envolver terceiros), por mais bobas ou inofensivas que aparentem ser, apresentam um viés inconsequente. Assim, o momento em que a noção do que é certo e o que é errado começa a se diluir não só é esperado, como também ocorre com naturalidade.

Sem se preocupar em explicar como e por que imagens de tantas fontes diferentes foram obtidas e montadas de forma coerente (para um filme no qual o protagonista é capaz de elevar objetos com o poder da mente, esse é o menor dos problemas), Trank consegue encontrar algumas soluções interessantes para os momentos em que os personagens centrais não podem bancar os cinegrafistas, utilizando gravações de todo e qualquer equipamento que capte imagem e som, como sistemas de vigilância, câmeras acopladas a viaturas ou helicópteros policiais, ou, claro, celulares e filmadoras dos indispensáveis cinegrafistas amadores. Infelizmente, essas boas ideias são ofuscadas pela artificialidade de tantas outras: o romance de Matt com Casey (Ashley Hinshaw), por exemplo, além de dispensável, é quase inteiramente desenvolvido através de planos e contra-planos, justificados pelo injustificável hábito da garota de andar munida de uma filmadora. Além disso, se a princípio a levitação da câmera é fruto de uma aceitável curiosidade de Andrew, depois de certo tempo o aparelho parece adquirir vida própria, realizando planos-plongée, travellings e uma infinidade de enquadramentos interessantes enquanto o protagonista sequer parece lembrar-se de sua existência.

Dane DeHaan, Michael B. Jordan e Alex Russell em PODER SEM LIMITES (Chronicle)

Além disso, é difícil aceitar a qualidade absurda dos diálogos captados até mesmo por câmeras bastante afastadas dos interlocutores, o que só não é mais inexplicável do que a decisão de Andrew de circundar-se de câmeras digitais e celulares em determinada ocasião, possibilitando que uma discussão no clímax seja registrada através de diversos ângulos, mas, em contrapartida, sacrificando a organicidade da cena. Já os efeitos especiais, infelizmente, deixam um pouco a desejar desde a primeira aparição, soando bem mais naturais quando associados a efeitos práticos (como no caso do carro que é conduzido para fora da estrada) ou então menos forçados quando inseridos em cenas com uma câmera mais instável (como os voos dos garotos). Entretanto, isso não chega a prejudicar o clímax do filme, que, mesmo empenhado em driblar a linha documental, é intenso, corajoso e conta com um ótimo plano-sequência que, em última instância, consegue justificar o fato de Casey andar sempre com uma câmera.

Mas o que realmente transforma Poder Sem Limites em um filme interessante é a forma como seu protagonista é construído e desenvolvido (e pare de ler agora caso não queira saber detalhes importantes sobre a trama): torturado pela convivência familiar e pela dificuldade de se relacionar com os colegas, Andrew (vivido com talento pelo pouco conhecido Dane DeHaan) se torna uma pessoa visivelmente mais aberta e alegre quando os poderes adquiridos o ajudam a despertar a simpatia dos colegas e o permitem compartilhar momentos e segredos com Matt e Steve (Russell e Jordan também estão eficientes e naturais em seus papéis), sem que, com isso, deixe de exibir indícios da personalidade que viria a assumir no terceiro ato (com destaque, claro, para a cena em que, incomodado com uma buzina insistente, causa um acidente grave em uma estrada). Entretanto, a incapacidade do garoto de lidar com derrotas é potencializada por intrigas e pelo fato de ser acometido por um insucesso momentos depois de atingir o auge de sua popularidade (e consequente satisfação pessoal), levando-o diretamente de volta à fossa, mas agora com superpoderes a seu favor - e em meio a representações óbvias da psicopatia do rapaz, como o desmembramento de uma aranha, vemos também outras mais contundentes (o assalto sangrento é um bom exemplo) ou até mesmo mais sutis, como o momento em que abre caminho em uma poça d'água para a sua própria passagem, como se fosse um messias ou um ser superior.

Dessa forma, Trank e Landis merecem aplausos pela coragem de, após criar uma empatia do público pelos jovens, não hesitar em despertar seus instintos mais obscuros ou colocá-los em situações de risco para, se necessário, matá-los logo em seguida. E se esses jovens (Trank e Landis possuem ambos pouco mais de 25 anos) conseguiram fazer essa besteira divertida em suas estreias no cinema e com apenas aproximados 12 milhões de dólares, imaginem só do que seriam capazes caso tivessem sob suas responsabilidades maiores poderes!

Alex Russell e Dane DeHaan em PODER SEM LIMITES (Chronicle)

24 de fevereiro de 2012

Crítica | A Mulher de Preto

Daniel Radcliffe em A MULHER DE PRETO (The Woman in Black)

★★★

The Woman in Black, Reino Unido/Canadá/Suécia, 2012 | Duração: 1h34m23s | Lançado no Brasil em 24 de fevereiro de 2012, nos cinemas | Baseado no romance de Susan Hill. Escrito por Jane Goldman | Dirigido por James Watkins | Com Daniel Radcliffe, Ciarán Hinds, Shaun Dooley, Janet McTeer, Misha Handley, Roger Allam e Liz White.

Pôster/capa/cartaz nacional de A MULHER DE PRETO (The Woman in Black)
Pouco menos de 30 anos após suspender suas atividades na indústria cinematográfica graças, dentre outras razões, à saturação da própria fórmula e à competitividade do mercado, o estúdio britânico Hammer, consagrado por seus filmes de horror, voltou à ativa em 2007 sem grande expressividade: ignorando dois lançamentos menores, a produtora esteve envolvida no remake norte-americano do longa sueco Deixa Ela Entrar, produziu o embaraçoso A Inquilina e, agora, lança este A Mulher de Preto - o que não é muito animador para a nova sobrevida do estúdio, já que o filme não apresenta absolutamente nada de novo, apoia-se em uma infinidade de convenções do gênero e, mesmo que não ofenda a inteligência do espectador, tampouco a exercita.

Dirigido pelo promissor James Watkins (responsável pelo eficiente suspense Sem Saída, com Kelly Reilly e Michael Fassbender) e escrito por Jane Goldman (que colaborou com Matthew Vaughn em Stardust, Kick-Ass e X-Men: Primeira Classe) com base no romance homônimo de Susan Hill, o longa traz o jovem e viúvo advogado londrino Arthur Kipps (Daniel Radcliffe) sendo pressionado pela empresa em que trabalha a deixar para trás seu filho de três anos (Misha Handley) e dedicar alguns dias à papelada da venda da Casa Eel Marsh, uma antiga e isolada mansão abandonada após o falecimento de seus proprietários. Assim, Kipps parte para o remoto vilarejo de Crythin Gifford, onde é acolhido por Sam Daily (Ciarán Hinds), o mais abastado habitante do local, mas, em contrapartida, é tratado com rispidez e agressividade pelo restante da comunidade, afligida por mortes misteriosas de crianças e temerosa em relação a algum segredo envolvendo a mansão Eel Marsh - que Arthur logo descobre estar relacionado às estranhas aparições de uma mulher (Liz White) completamente vestida de preto.

Estabelecendo-se como mais um filme antagonizado por fantasmas rancorosos (O Chamado é uma lembrança recorrente), A Mulher de Preto não se intimida em permear sua narrativa com clichês, de modo que apenas quem nunca assistiu a um filme de terror ficará surpreso ao descobrir que a casa possui um ninho de corvos, papéis de parede que escondem mensagens sugestivas, cemitério próprio (obviamente usado pelo protagonista para fazer deduções sobre o passado dos moradores da mansão), encanamentos defeituosos que cospem água lamacenta (esses, em função da geografia do local, são bastante justificáveis) e as tradicionais fechaduras que chave nenhuma no mundo consegue abrir. Porém, por mais que saibamos que eventualmente a tal porta intransponível surgirá destrancada, é impossível compreender, por exemplo, as motivações do fantasma em adiar a entrada de Arthur naquele cômodo, dificuldade esta inserida apenas para ratificar que forças sobrenaturais poderosas estão atuando na mansão.

Por outro lado, relevando os comportamentos inexplicáveis dos fantasmas, é interessante que o longa evite manter a narrativa excessivamente confusa e esburacada para o espectador e assuma uma natureza clara para os diversos delírios de Kipps: das vozes no pântano enevoado aos estranhos eventos no interior do quarto supracitado, os devaneios se unem aos documentos estudados pelo advogado e dão forma ao tal episódio que acabou marcando a história daquela casa, de modo que quando as peças finalmente se juntam, a verdade sobre o caso não chega a constituir uma reviravolta propriamente, mas apenas uma conclusão natural do que havia sido mostrado até então.

Daniel Radcliffe em A MULHER DE PRETO (The Woman in Black)

Buscando uma atmosfera gótica através da decoração da mansão, da ambientação de época e da fotografia fria e dessaturada, A Mulher de Preto é beneficiado pelo ótimo design de produção de Kave Quinn, eficiente desde a escolha das locações (o isolamento da propriedade Eel Marsh é primoroso) até a concepção interna da casa, cuja arquitetura simples é absolutamente funcional na criação do suspense. Por outro lado, a trilha de Marco Beltrami, correta em boa parte do tempo, acaba recaindo nos sustos fáceis criados com a elevação do volume, enquanto a montagem de Jon Harris consegue com muito mais facilidade se tornar fundamental na criação do suspense - repare, por exemplo, como a simples expectativa por um corte em certo plano consegue gerar tensão na cena em que uma entidade (representada pela câmera subjetiva) se aproxima de Arthur pelas costas, uma vez que a inversão do eixo fatalmente revelaria essa assustadora presença.

Por fim, o elenco formado basicamente por rostos desconhecidos não desvia a atenção daqueles personagens que, no frigir dos ovos, realmente importam para a trama - e mesmo com seu aparente torcicolo crônico (que talvez também explique as caretas que faz quando engole saliva), Daniel Radcliffe consegue se desvencilhar do papel que marcou a última (e também a primeira) década de sua carreira e oferece uma performance satisfatória para o papel (que na versão produzida para a televisão em 1989, curiosamente, é vivido por Adrian Rawlins, ator que deu "vida" ao pai de Harry Potter na cinessérie), com destaque para a longa e bem construída sequência que narra a pernoite de Arthur na mansão e, de incrédulo que vai de encontro à assombração como um típico protagonista de filme de terror, o sujeito passa a fugir de miragens amedrontado e com um machadinho em punhos.

Trazendo modificações em relação ao desfecho original (sobre o qual desconheço detalhes), A Mulher de Preto é arrematado com - surpresa ou não - o clichê do "nunca termina quando acaba", compensado em partes por desconstruir outro clichê menor segundos depois - e alguns até podem tentar extrair explicações para a pieguice da moderadamente satisfatória resolução, o que não passa de uma tolice. Ao invés disso, deveriam começar a pensar em como tirar a imagem assustadora da mulher vestida de preto da cabeça sem que, para isso, precise ter o mesmo destino que alguns dos personagens.

Ciarán Hinds e Daniel Radcliffe em A MULHER DE PRETO (The Woman in Black)

22 de fevereiro de 2012

Crítica | Tão Forte e Tão Perto

Thomas Horn e Tom Hanks em TÃO FORTE E TÃO PERTO (Extremely Loud & Incredible Close)

★★★

Extremely Loud & Incredibly Close, EUA, 2011 | Duração: 2h09m15s | Lançado no Brasil em 24 de fevereiro de 2012, nos cinemas | Baseado no romance de Jonathan Safran Foer. Escrito por Eric Roth | Dirigido por Stephen Daldry | Com Thomas Horn, Tom Hanks, Sandra Bullock, Max von Sydow, Zoe Caldwell, Viola Davis, Jeffrey Wright e John Goodman.

Thomas Horn, que dá vida ao protagonista de Tão Forte e Tão Perto, é uma revelação: estreando no cinema, o talentoso garoto confere admirável naturalidade a Oskar Schell, um rapaz possivelmente acometido pela Síndrome de Asperger que, justamente em função disso, enfrenta uma dificuldade descomunal de superar a morte do pai, Thomas (Tom Hanks), no atentado terrorista às Torres Gêmeas. A boa atuação do ator mirim, entretanto, alcança resultados distintos: por um lado, consegue gerar comoção através das sutilezas que ressaltam a dimensão da dor do emocionalmente introspectivo garoto em sua busca por uma resposta racional para a fatalidade, mas por outro, somos levemente torturados por sua personalidade mimada, tagarelice e por uma narrativa que, assim como tudo na vida de Oskar, é permeada por informações irrelevantes.

Quarto trabalho de Stephen Daldry na direção (os anteriores foram Billy Elliot, As Horas e O Leitor), o longa, escrito por Eric Roth (O Curioso Caso de Benjamin Button) a partir do romance de Jonathan Safran Foer, acompanha o jovem Oskar um ano após a trágica morte do pai naquele que ele próprio passou a nomear como "o pior dia". Acostumado a embarcar em "expedições de reconhecimento" elaboradas por Thomas (algo semelhante a caças ao tesouro, possivelmente desenvolvidas com o intuito de obrigar o rapaz a enfrentar suas fobias e explorar o mundo), Oskar sai em uma busca pela fechadura compatível com uma chave encontrada junto aos pertences do pai, na esperança de que isso lhe traga algum conforto ou resposta para a fatalidade.

Narrado pelo ponto de vista do garoto, o filme não se atém a sutilezas ao apresentar a relação de Oskar com os pais: a mãe, Linda (vivida com competência por Sandra Bullock), permanece distante ou ausente durante a maior parte do tempo, enquanto o personagem de Tom Hanks exibe a simpatia natural do ator e surge, em sua breve participação, dedicando toda sua atenção ao filho. Porém, enquanto Bullock aproveita bem suas poucas oportunidades dramáticas para exibir seu talento (repare o convincente alívio de Linda ao se certificar que o filho chegou em segurança em casa mais uma vez, apesar de ser novamente esnobada por ele), Hanks se supera especialmente naquelas passagens que sequer exigem sua presença física em cena: as gravações na secretária eletrônica da residência dos Schell, registros de ligações feitas por Thomas minutos antes do desabamento, são tocantes e precisas em sua evolução, comprovando a competência do ator.

Max Von Sydow e Thomas Horn em TÃO FORTE E TÃO PERTO (Extremely Loud & Incredible Close)

Em uma situação oposta, o veterano Max von Sydow vive um homem misterioso que mora em um quarto alugado na casa da avó de Oskar (Zoe Caldwell) e, sem dizer uma palavra sequer, transmite uma gama admirável de emoções (repare como, depois de certo tempo, o personagem começa a gesticular como se estivesse prestes a pronunciar alguma coisa, como se pela primeira vez em anos sentisse a necessidade de se expressar oralmente) e estabelece uma dinâmica interessante com o garoto enquanto o acompanha na expedição por Nova York, desempenhando um papel fundamental nos rumos que esta acaba tomando. Infelizmente, a própria jornada constitui uma enorme perda de tempo: por mais que o filme tente nos convencer de algo diferente, as pessoas que Oskar e o inquilino visitam não passam de uma galeria típica de personagens exóticos que em nada acrescentam e apenas incham o filme, que certamente seria beneficiado caso 20 ou 30 minutos da duração fossem cortados.

Potencializando o trauma generalizado decorrente do 11 de setembro através das fobias de Oskar, Tão Perto e Tão Forte também se vale da personalidade do garoto para construir o complicado drama de superação: angustiado, impetuoso, curioso, sistemático, inteligente e apegado a dados irrelevantes do próprio dia-a-dia, Oskar acaba escolhendo um meio tortuoso de lidar com a perda do pai, acumulando o maior número possível de peças na ilusão de que estas formem um quebra-cabeça que lhe conforte. Assim, é tocante ver o garoto se torturando involuntariamente ao reconstruir seu trajeto da escola até a própria casa no "pior dia" e ao confrontar inadvertidamente a normalidade daquela sua manhã com a antecipação contida do pai momentos antes da catástrofe. Da mesma forma, é devastador vê-lo analisando a fundo uma fotografia de um homem caindo de um dos prédios antes do desabamento, sem perceber que as suposições sobre as circunstâncias exatas da morte do pai não levarão a lugar algum e apenas fomentam ainda mais sua própria dor.

Porém, por mais que o filme tente arrancar lágrimas do espectador a todo momento, o fato é que Tão Forte e Tão Perto é emocionalmente deficiente, já que Oskar beira o insuportável em várias passagens e só compadecemos plenamente pelo garoto quando este compreende que para certas perguntas não há resposta - e aí então, em retrospecto, concluímos: "É, sim. Foi mesmo difícil". Tanto para ele quanto para nós.

Sandra Bullock e Thomas Horn em TÃO FORTE E TÃO PERTO (Extremely Loud & Incredible Close)

10 de fevereiro de 2012

Crítica | O Despertar

Rebecca Hall em O DESPERTAR (The Awakening)

★★

The Awakening, Reino Unido, 2011 | Duração: 1h44m18s | Lançado no Brasil em 10 de fevereiro de 2012, nos cinemas | Escrito por Nick Murphy e Stephen Volk | Dirigido por Nick Murphy | Com Rebecca Hall, Dominic West, Imelda Staunton, Isaac Hempstead Wright, John Shrapnel, Joseph Mawle, Shaun Dooley.

Pôster/capa/cartaz nacional de O DESPERTAR (The Awakening)
Poucos gêneros dependem tanto de boas relações de pista e recompensa para funcionar quanto o terror ou, mais especificamente, o suspense. Grande parte do desafio de dirigir ou roteirizar um exemplar do gênero consiste justamente na capacidade de manter o espectador tenso, interessado e também confuso durante o desenvolvimento para, no fim, amarrar as pontas soltas e compensá-lo com uma explicação plausível que sustente bem e se conecte com o que fora construído até então. Não é o caso de O Despertar - que, após um desenvolvimento relativa e adequadamente tenso, interessante e confuso, é arrematado com uma explicação que abusa do bom senso e cuja arbitrariedade faz nosso investimento naquela história parecer uma enorme perda de tempo.

Dirigida por Nick Murphy e escrita por ele mesmo e Stephen Volk, a produção britânica é ambientada no ano de 1921 pressupondo que, em função da guerra e da gripe, aquele fora um período marcado por fantasmas. Nesse contexto, conhecemos Florence Cathcart (Rebecca Hall), uma mulher cética empenhada em desvendar armações por trás de aparições de supostos fantasmas, algo que a levou, inclusive, a escrever um livro sobre o assunto. No entanto, Florence acaba presenciando estranhos eventos que a obrigam a rever os próprios paradigmas, após ser convocada por Robert Mallory (Dominic West) a investigar uma suposta assombração em uma mansão onde funciona um colégio interno para garotos, antes usada como residência.

Jamais atingindo um nível desejável de tensão, O Despertar investe em sustos fáceis alcançados através do mais trivial dos recursos: a elevação da trilha sonora no exato momento em que algo alheio surge na tela. E não é só nesse aspecto que o trabalho do compositor Daniel Pemberton se revela óbvio: em mais de uma ocasião, a trilha recorre a acordes alegres que falham em induzir uma tranquilidade no espectador, já que não é muito difícil supor que um susto "inesperado" nos aguarda - o que sempre se confirma. Ainda nesse aspecto, há também o momento em que a presença de uma pessoa/vulto/fantasma estática em determinado ambiente não é musicalmente exaltada, apenas para que no instante seguinte, quando a câmera retorna e revela que a entidade não se faz mais presente naquele lugar, a trilha entre em cena com tudo para ressaltar a ausência, como quem quer dizer: "Vocês lembram que havia uma pessoa ali agora mesmo? Céus, onde ela foi parar?".

Dominic West e Rebecca Hall em O DESPERTAR (The Awakening)

Por outro lado, o ceticismo de Florence e as subtramas envolvendo a investigação sobre a morte de um aluno ou a agressividade de determinado personagem, mesmo não estabelecendo paralelo algum com o mistério central, ajudam a conferir ritmo à narrativa e a criar um clima de inquietação ("Eles [os fantasmas] devem odiar você", comenta Mallory sobre Florence em determinado instante), assim como nosso limitado conhecimento acerca daqueles personagens, algo que naturalmente nos leva a desconfiar das intenções de todos, de Robert à governanta Maud (Imelda Staunton), e jamais permite que nos sintamos à vontade com Judd (Joseph Mawley), zelador frequentemente visto em posse de uma espingarda, dividindo a tela com a protagonista. Porém, a cena de tensão mais bem construída é sem dúvida aquela que traz Florence explorando uma casa de boneca, réplica da própria mansão, que dispensa vultos, gritos ou escuridão em favor do medo puro, simples e crescente que toma conta da protagonista, tida até então como uma mulher difícil de se abalar - um benefício, também, da firmeza de Rebecca Hall, que desempenha maravilhosamente bem a evolução psicológica de uma personagem inteligente (ela é uma rara "mulher instruída", como muitos personagens insistem em observar) que, mesmo em seus momentos mais vulneráveis, parece capaz de manter um mínimo de sanidade e equilíbrio.

Mas nem mesmo essa ótima cena ou a boa atuação de Hall salvam o enorme tropeço que a revelação final constitui, algo iniciado quando certo personagem faz uma constatação não surpreendente vinda de um filme de fantasmas (e pare de ler aqui caso se incomode com spoilers leves): alguém ali não está vivo. Assim, o filme se torna particularmente embaraçoso quando o terror vivido até então por Florence se revela absurdo e infundado, demandando que explicações tolas para os sustos dados na mulher ao longo da hora anterior ou para a aparência assustadora do fantasma sejam formuladas às pressas. Para piorar, excetuando os pontos que sequer são explicados (por exemplo, como e por que a cigarreira some de um lugar e reaparece em outro?), a maioria dos acontecimentos estranhos da estadia de Florence na casa é amarrado por um amontoado de elementos importantes apresentados inteiramente às vésperas do desfecho propriamente dito, fazendo o flashback soar arbitrário e claro, terrivelmente anticlimático.

Assim, a concentração de carga dramática no terceiro ato se torna incompatível com todo o suspense visto até então, fazendo o filme soar como um O Orfanato (tematicamente semelhante, mas com um melhor equilíbrio entre suspense e drama) que não deu certo - e basta observar o tratamento forçado que o romance entre Cathcart e Mallory, por exemplo, recebe. Com isso, enquanto um dos personagens desperta de um longo e figurativo estado de dormência, o público é involuntariamente compelido a percorrer o caminho inverso - mas nesse caso, no sentido literal.

Rebecca Hall em O DESPERTAR (The Awakening)

9 de fevereiro de 2012

Crítica | Cada um Tem a Gêmea Que Merece

Adam Sandler, Rohan Chand e Adam Sandler em CADA UM TEM A GÊMEA QUE MERECE (Jack and Jill)


Jack and Jill, EUA, 2011 | Duração: 1h30m37s | Lançado no Brasil em 10 de fevereiro de 2012, nos cinemas | História de Ben Zook. Roteiro de Steve Koren & Adam Sandler | Dirigido por Dennis Dugan | Com Adam Sandler, Al Pacino, Katie Holmes, Nick Swardson, Tim Meadows, Eugenio Derbez, Rohan Chand, Elodie Tougne, David Spade e Johnny Depp.

Pôster/capa/cartaz nacional de CADA UM TEM A GÊMEA QUE MERECE (Jack and Jill)
Ligado em Você e Cada um Tem a Gêmea Que Merece são filmes de comédia que dividem algumas semelhanças temáticas que apenas os distanciam ainda mais artisticamente. O primeiro, dirigido pelos bem sucedidos irmãos Farrelly, traz um absurdo caso de irmãos gêmeos (siameses não idênticos), vividos por Matt Damon e Greg Kinnear, e conta com a participação especial de Cher interpretando uma personagem chamada... Cher; já o outro, marcando a sétima colaboração entre o diretor Dennis Dugan e o ator Adam Sandler, traz este último em dose dupla, interpretando gêmeos igualmente ilógicos (fraternos idênticos), e conta com a participação de ninguém menos que Al Pacino como ele mesmo. Porém, se Cher acertou ao topar contracenar com Damon e Kinnear e se expor em um papel mesquinho (note: ela vive uma versão de si mesma) no divertido Ligado em Você, Al Pacino ter se envolvido com Cada um Tem a Gêmea Que Merece nos leva a desconfiar que, diferentemente da cantora e atriz, o veterano ator oferece aqui uma atuação realmente fidedigna à sua própria pessoa - isto é, enlouqueceu de vez.

Mas Pacino, claro, está longe de ser o maior problema de um filme cujo chamariz, lembrem-se, é Adam Sandler vestido de mulher. Aliás, é assustador como os últimos filmes da dupla Dugan-Sandler têm estabelecido um péssimo padrão: o protagonista sempre nada mais é que um alter-ego do próprio Sandler, ou seja, um crianção quadragenário supostamente espirituoso que, a certa altura, invariavelmente, surgirá trajando bonés dos New York Yakees; a narrativa, frágil, investe na comédia de situações que, quando satura as gags permitidas pelo ambiente, exige que uma mudança de ares - isto é, uma viagem (vide Esposa de Mentirinha e Gente Grande) - ocorra para que novas situações sejam possíveis; Nick Swardson, David Spade, Rob Schneider ou quaisquer outros amigos de Sandler são bem vindos, por mais imperceptíveis ou piores que sejam suas colaborações; e por fim, como não poderia deixar de ser, flatulências, diarreias e derivados têm cadeira cativa - e quanto mais vezes surgirem, melhor.

Na história da vez, pensada por Ben Zook (Eu Odeio o Dia dos Namorados) e escrita pelo próprio Sandler e por Steve Koren (Click), Jack (Adam Sandler) é um publicitário que vive em Los Angeles com a esposa Erin (Katie Holmes) e os filhos Gary (Rohan Chand) e Sofia (Elodie Tougne). Às vésperas do feriado de ação de graças, o homem recebe como hóspede sua irmã gêmea Jill (Adam Sandler), uma solteirona burra, tagarela, expansiva, geniosa e inconstante, algo fundamental para que qualquer gag que a envolva nos seja enfiada goela abaixo. Porém, mesmo com todos os defeitos, a mulher consegue despertar o interesse de ninguém menos que Al Pacino, que, no auge dos seus setenta anos, propõe que Jack lhe conceda a irmã em troca de uma participação dele próprio em uma campanha publicitária que deve salvar a empresa do protagonista.

Apoiando-se em uma premissa absolutamente batida (a do parente inconveniente que desperta o interesse de alguém importante e pode ser usado como uma ponte para chegar a esta pessoa) que acaba denunciando o conflito central posterior, o longa não se intimida em investir em uma série de piadas óbvias e previsíveis que, em muitas ocasiões, sequer são justificadas ou finalizadas - bem como ocorre logo no início, quando Jack vai ao aeroporto buscar Jill e se depara com dezenas de malas (pessoas que não conseguem carregar apenas a bagagem necessária constituem o suprassumo do humor de Sandler), mas a dificuldade de transportá-las no carro ou dispô-las no quarto de hóspedes jamais é abordada. Além disso, Sandler e Koren insistem em fazer humor com estereótipos estrangeiros, religiosos e sociais sem o mínimo pudor ou propósito, com a mesma categoria com que se nivelam a Marcelo Madureira e Hubert ao criar nomes baseados em trocadilhos dignos de As Aventuras de Agamenon, como a cacatua Poopsie ou o pretendente Funbucket. Para completar, os roteiristas tentam emplacar piadas sustentadas unicamente pelo absurdo de situações ridículas (como a capacidade descomunal de Jill de elevar certo peso que nem fisiculturistas são capazes - o que, bem, não leva a lugar algum e não é engraçado), algo que só não é pior do que a já mencionada escatologia, que atinge seu auge quando uma refeição mexicana não cai bem em Jill e somos obrigados a ouvir uma infinidade de sons vindos de dentro de um banheiro.

Elodie Tougne, Adam Sandler, Katie Holmes e Rohan Chand em CADA UM TEM A GÊMEA QUE MERECE (Jack and Jill)

E se todas as situações do filme, por si só, já são suficientemente desinteressantes, os personagens envolvidos nelas em nada ajudam: a esposa vivida por Katie Holmes, por exemplo, é uma verdadeira e completa nulidade; já os filhos do casal, só servem mesmo para contrariar o pai ao simpatizar com a tia; o jardineiro mexicano Felipe (Eugenio Derbez) é um piadista detestável - e o pior - absolutamente sem graça; e se Jack, como já citado, é Adam Sandler por Adam Sandler, Jill e sua excentricidade permanecem em aberto para quaisquer modificações repentinas, de modo que ela consiga, por exemplo, deduzir por telefone a armação do irmão no terceiro ato apesar de seu óbvio QI reduzido (afinal, ela não sabe a diferença entre uma calculadora e um computador), além de receber de Adam Sandler um irritante tom de voz caricato, potencializado pela língua presa e por uma dentadura, e trejeitos nada femininos - e a incapacidade de Sandler de se entregar ao papel fica mais que evidente quando a personagem evita beijar a boca de um homem em uma cena que nitidamente exigia isso.

É uma pena, portanto, que um projeto tão desastroso conte com efeitos especiais tão competentes (apesar de pontuais e discretos), desde a cacatua banhando-se em chocolate até o jet ski na piscina de Jack, passando pelo exibicionismo puro da cena em que Jack e Jill pulam corda juntos. Bem menos feliz, por outro lado, é a trilha de Rupert Gregson-Williams, que vem se especializando em comédias produzidas por Sandler e chega ao cúmulo da obviedade quando explicita que uma mudança de pensamento está ocorrendo no terceiro ato, tornando ainda mais abrupta e forçada a nova visão que Jack passa a ter da irmã. Para completar, o figurino de Ellen Lutter ressalta ainda mais a concepção incoerente e irregular de Jill ao montar um guarda-roupa com uma salada de fruta de estilos, de colegial e jovial ao cafona e senhoril.

Entretanto, mesmo anos-luz de salvar o filme do desastre, uma ou outra passagem mais inspirada consegue tornar a tortura menos severa. Numa decisão surpreendente, uma piada faz o trabalho de rebaixar Rob Schneider ao merecido posto de antítese de astro do cinema ao mesmo tempo que permite que Sandler assuma o próprio mau gosto por ainda continuar dando alguma moral ao amigo em seus filmes, quando Jill declara: "Eu gosto dele..." sem muita confiança, ciente de que faz parte de uma minoria. Ainda assim, a aparição rápida e inofensiva de Johnny Depp como ele mesmo, trajando uma camisa de Justin Bieber em um jogo de basquete, por si só, consiste na melhor passagem do filme. Por fim, a piada envolvendo o fato de Al Pacino ter ganhado apenas um Oscar mesmo com oito indicações - ignorando-se, claro, o modo imbecil como se chega a esta menção - é uma das únicas passagens nas quais a participação do ator não gera constrangimento e lamentação por parte do público.

Porque não, não é fácil compreender o que levou Pacino a se envolver em um projeto que, condenado em todas as instâncias desde sua concepção, ainda o apresenta como uma pessoa a meio caminho da insanidade. Todavia, o veterano ator chega próximo à redenção quando, na derradeira cena, assiste ao vídeo do comercial que finalmente protagoniza e insiste que aquilo é uma porcaria, não presta e nunca deverá ser visto por ninguém. Se a intenção era deixar subentendido que a fala se aplica a sua própria participação no filme, então o eterno Michael Corleone está um pouco mais próximo de ser perdoado.

Adam Sandler e Adam Sandler em CADA UM TEM A GÊMEA QUE MERECE (Jack and Jill)

8 de fevereiro de 2012

Star Wars: Episódio I - A Ameaça Fantasma em 3D

STAR WARS: EPISÓDIO I - A AMEAÇA FANTASMA em 3D (Star Wars: Episode I - The Phantom Menace in 3D)

A meu ver, para que um filme concebido e filmado em 2D seja convertido para 3D com competência, é necessário um alto investimento; afinal, como a atual tecnologia consiste basicamente em criar dois filmes levemente diferentes, simulando pontos de vista ligeiramente distintos justamente para dar a sensação de tridimensionalidade proporcionada por nossos pares de olhos, o ideal seria que o filme inteiro fosse refeito, deslocando objetos e atores tanto quanto necessário, desenvolvendo moldes digitais destes para obter uma maior fidelidade tridimensional e recriando digitalmente o fundo que até então estes encobriam - além de todos os outros percalços ou desafios que uma arte complexa como o Cinema pode oferecer. Porém, mesmo com tudo isso, os técnicos encontrariam um obstáculo incontornável e que dificilmente permitiria que uma conversão se tornasse mais eficiente que um 3D legítimo: o fato de cada um ter sido inteiramente pensado e concebido visando um resultado específico dentro de sua própria linguagem e formato.

Mas a conversão, assim como o próprio 3D digital, ainda está engatinhando e, por isso, os estúdios aproveitam a falta de conhecimento técnico do público e a memória afetiva que determinadas produções despertam para encher os cofres de dinheiro - ou alguém acredita realmente que filmes como Gigolô Por Acidente, BloodRayne ou Glitter - O Brilho de uma Estrela ganharão versões em 3D dentro dos próximos, digamos, cem mil anos? Com isso, o investimento na conversão jamais alcança um nível desejável (li em algum lugar que o custo, atualmente, gira em torno de US$25 mil por minuto convertido - o que daria mais de US$3 milhões para este Star Wars), limitando-se a criar a sensação mínima suficiente para atrair ao mesmo tempo o público ainda deslumbrado com as possibilidades do 3D e os nostálgicos, que não perderiam a chance de rever um de seus filmes favoritos na tela grande, qualquer que fosse o formato.

É o caso de Episódio I - A Ameaça Fantasma, que, longe de ser um filme memorável, possui uma invejável legião de seguidores e volta aos cinemas em três dimensões na próxima sexta-feira, dia 10, com uma conversão no mínimo questionável. Quase 13 anos após seu lançamento oficial nos cinemas, o filme chega às telonas com uma ótima qualidade técnica (embora a resolução, vez ou outra, deixe a desejar), ressaltando os admiráveis efeitos especiais que, com exceção da animação de criaturas, mal parecem terem sido feitos há mais de uma década - e todas as criações digitais, de dróides a lasers, ganham um tratamento nitidamente mais eficiente na conversão. No entanto, o fato é que o filme possui uma infinidade de diálogos rodados em plano e contra-plano e, nesses casos, é fácil notar como a conversão foi feita: destacam-se os atores do cenário, posicionando-os em planos diferentes e pronto. Como resultado, temos cenas nas quais os personagens têm uma aparência chapada, planificada, e que muitas vezes não parecem olhar uns para os outros enquanto conversam.

Aliás, destacar atores ou objetos do fundo e posicioná-los em diferentes planos é a estratégia usada na maior parte do tempo, de modo que em raras ocasiões temos uma sensação real de profundidade nos cenários (em diversos planos mais abertos, a impressão que fica é que nada foi trabalhado). Por outro lado, é notável a atenção maior voltada para cenas mais importantes ou empolgantes - como é o caso da corrida de pods ou a luta entre Qui-Gon Jinn (Liam Neeson), Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor) e Darth Maul (Ray Park). Além disso, é possível notar o cuidado especial dado a cenas com potencial tridimensional, como a queda de Darth Maul em um poço, o jovem Anakin (Jake Lloyd) consertando seu pod em movimento ou a chuva de pétalas do desfecho - e, como não poderia deixar de ser, os tradicionais textos que introduzem o episódio parecem mais do que nunca afastar da plateia em direção ao espaço.

Porém, por pior que ela seja, há de se reconhecer um aspecto fundamental da conversão: o cuidado com objetos reflexíveis ou transparentes. Afinal, simplesmente destacar um holograma, por exemplo, do cenário e colocá-lo em seu devido plano não é o suficiente para que aquilo funcione em três dimensões; é necessário também recriar o que vemos através dele, algo bem mais complexo e trabalhoso. O mesmo vale para superfícies brilhantes, em planos mais fechados: repare, por exemplo, como enxergamos, com cada olho, reflexos diferentes vindos do chão no qual Qui-Gon Jinn jaz após um golpe de Darth Maul, algo certamente desafiador para a equipe da conversão - e infelizmente, notado e valorizado por poucos.

Mas, de modo geral, a verdade é que a versão em 3D de A Ameaça Fantasma em nada acrescenta, representando apenas uma chance rara para os fanáticos revisitarem um dos exemplares da cultuada saga na tela grande. Já aos cinéfilos comuns, só resta a esperança de que a onda de relançamentos como este não cresça demais e tome lugar de produções inéditas.

Pôster/capa/cartaz nacional de STAR WARS: EPISÓDIO I - A AMEAÇA FANTASMA em 3D (Star Wars: Episode I - The Phantom Menace in 3D)
Star Wars: Episode I - The Phantom Menace in 3D, EUA, 2012 | Duração: 2h16m01s | Lançado no Brasil em 10 de fevereiro de 2012, nos cinemas | Escrito por George Lucas | Dirigido por George Lucas | Com Liam Neeson, Ewan McGregor, Natalie Portman, Jake Lloyd, Ian McDiarmid, Pernilla August, Ahmed Best, Ray Park, Samuel L. Jackson, Terence Stamp, Kenny Baker, Warwick Davis, Keira Knightley, Sofia Coppola e as vozes de Anthony Daniels, Andrew Secombe, Lewis Macleod e Frank Oz.

3 de fevereiro de 2012

Crítica | Filha do Mal

Bonnie Morgan em FILHA DO MAL (The Devil Inside)


The Devil Inside, EUA, 2012 | Duração: 1h23m00s | Lançado no Brasil em 3 de fevereiro de 2012, nos cinemas | Escrito por William Brent Bell e Matthew Peterman | Dirigido por William Brent Bell | Com Fernanda Andrade, Simon Quarterman, Evan Helmuth, Ionut Grama, Suzan Crowley, Bonnie Morgan.

Quando escrevi sobre Atividade Paranormal 3, apontei que o desfecho era o maior problema dos filmes de terror do tipo found footage, já que a tragédia final era algo praticamente intrínseco à proposta do subgênero e conferia uma inadequada previsibilidade a esses projetos. Por essa razão, confesso que fiquei inesperadamente contente quando Filha do Mal teve início e notei que os registros subjetivos se aproximavam mais de um mockumentary (falso documentário) do que das tais gravações perdidas e passei a acreditar que o filme seria capaz de me surpreender de alguma forma - só não imaginava que o sentimento de contentamento seria tão fugaz e que a crença a respeito de ser surpreendido se confirmaria, mas de uma forma absolutamente oposta e negativa.

Escrito por Matthew Peterman (Stay Alive - Jogo Mortal) e William Brent Bell e dirigido por este último, Filha do Mal adota a estrutura de falso documentário para tentar estudar a suposta possessão de Maria Rossi (Suzan Crowley); 20 anos após assassinar brutalmente três religiosos durante uma sessão de exorcismo, a mulher, internada em uma clínica psiquiátrica, é procurada por sua filha, Isabella Rossi (interpretada pela brasileira Fernanda Andrade), que, junto com o cinegrafista Michael (Ionut Grama) e os padres Ben Rawlings (Simon Quarterman) e David Keane (Evan Helmuth), busca compreender a postura do Vaticano em relação à pratica do exorcismo e, ainda, em relação ao caso particular de sua mãe.

Iniciado com uma espécie de prólogo em found footage (como a inspeção da cena do crime não estava suficientemente aterrorizante, um vulto causador de uma queda da câmera é jogado na cena para encerrá-la, mas o que de fato aconteceu com os inspetores jamais é esclarecido), Filha do Mal chega aos dias atuais empenhado em perder rapidamente a pouca verossimilhança que havia apresentado nos primeiros minutos com suas imagens amadoras e envelhecidas. Logo de cara, o texto que informa que o Vaticano não apoiou a produção e o lançamento do filme surge como uma tentativa tola de antecipar o caráter "chocante" das revelações que serão feitas, ao passo que as constantes interrupções dos depoimentos dados por Isabella, Rawlings ou Keane para exibir imagens deles próprios passeando pelas ruas (visando, talvez, tornar as exposições menos maçantes) sacrificam o realismo, já que somos obrigados a questionar os critérios adotados pelo cinegrafista do "documentário": afinal, que diabos de material ele pretendia obter registrando os personagens perambulando tolamente pela cidade?

Além disso, mesmo que tente se passar por documentário (com direito a legendas que situam as imagens no tempo e espaço ou apresentam os personagens e suas ocupações), o longa enfrenta uma dificuldade crítica de se distanciar de uma narrativa assumidamente ficcional - o que fica claro, por exemplo, na montagem do próprio William Brent Bell e de Tim Mirkovich, que mantém cenas irrelevantes do ponto de vista documental apenas para alcançar outros objetivos narrativos, como uma tensão maior (a passagem da equipe de filmagem por um corredor escuro que culmina em um porão é um bom exemplo) ou até mesmo para fazer graça inútil (como o instante no qual um transeunte olha de forma nada discreta para as nádegas da protagonista). Ainda sobre a montagem, é fácil perceber que Bell não possui completo domínio sobre a linguagem adotada para o longa, confundindo em diversos momentos mockumentary com found footage - por exemplo, nos cortes secos que descontinuam falas, nos planos que se prolongam até o instante que alguém desliga a câmera ou em cenas como aquela na qual Isabella tenta compreender a dinâmica das câmeras dentro de um carro, passagens estas que jamais entrariam em qualquer documentário que se preze. Para completar, o diretor utiliza uma deselegante "montagem indireta", quando leva a protagonista a entrar em uma aula sobre exorcismo no exato instante em que um conceito importante para a história está sendo discutido, abrindo mão da verossimilhança que a cena poderia ter no contexto geral (e repare ainda o descuido - ou picaretagem - de Bell ao filmar a cena de dois ângulos distintos, sendo que o "documentário" conta com apenas um cinegrafista).

Simon Quarterman e Evan Helmuth em FILHA DO MAL (The Devil Inside)

Além disso, Filha do Mal também é prejudicado por um elenco, digamos, esforçado, mas constantemente sabotado pela estupidez do roteiro. Tirando o aceitável e surpreendente comportamento passivo dos personagens após um deles começar a agir de forma estranha (afinal, diferentemente deles, nós sabemos que aquilo é um filme de terror e somos naturalmente induzidos a desconfiar desse tipo de mudança comportamental), o longa é repleto de diálogos, exaltações e sotaques que a todo momento desafiam a inteligência e a boa vontade do espectador: quando Isabella descobre, por exemplo, que não há um modo legal de realizar um exorcismo na mãe, a garota é levada a acreditar que, em função disso, precisa compreender melhor os pormenores da prática - mas qual é a relação natural entre esses dois fatos? Ainda nesse aspecto, no instante em que o grupo tenta decifrar os cortes no braço de Maria, um dos personagens sugere que cruzes invertidas indicam possessão demoníaca e todos se dão por satisfeitos com a colocação - mas baseado em qual referencial eles concluem que as feridas em formato de cruz no braço da mulher estão de fato de ponta-cabeça?

Aliás, a lista de furos do roteiro é extensa, com uma infinidade de pistas que simplesmente não levam a lugar algum. Após ganhar uma considerável ênfase no primeiro ato (e uma interpretação particularmente perturbadora de Suzan Crowley), por que Maria passa a ser magistralmente ignorada na reta final? E o que ela queria dizer com seus repetitivos "conecte os cortes", também bastante enfatizados? Por que fora levada a fazer tratamento em Roma? Qual é a real importância do aborto de Isabella? Como e por que policiais chegaram à casa de determinado indivíduo possuído? Quais as consequências de determinado acidente de carro? Por que um dos alunos presentes na aula sobre exorcismo reaparece em um hospital? (Ou sou um fisionomista tão ruim assim?)

E todos esses problemas e perguntas não respondidas ocorrem graças àquele que é o maior erro do filme: o assassinato brutal do ritmo, com a minúscula duração de seu terceiro ato. Isso porque, após criar uma série de expectativas no público, William Brent Bell e Matthew Peterman se rendem completamente à moda do terror documental, frustram de vez as esperanças que mencionei no primeiro parágrafo e encerram a narrativa de forma tão abrupta, mas tão abrupta, que seria equivalente, por exemplo, a eu terminar este texto agora.

Obs.: se ao fim da narrativa você não estiver suficientemente insatisfeito, aguarde até o final dos créditos para ver a explicação dos roteiristas para a falta de criatividade do desfecho.

Suzan Crowley em FILHA DO MAL (The Devil Inside)

Crítica | À Beira do Abismo

Elizabeth Banks e Sam Worthington em À BEIRA DO ABISMO (Man on a Ledge)

★★★

Man on a Ledge, EUA, 2012 | Duração: 1h42m12s | Lançado no Brasil em 3 de fevereiro de 2012, nos cinemas | Escrito por Pablo F. Fenjves | Dirigido por Asger Leth | Com Sam Worthington, Elizabeth Banks, Jamie Bell, Ed Harris, Genesis Rodriguez, Anthony Mackie, Ed Burns, Titus Welliver, Kyra Sedgwick e Bill Sadler.

Pôster/capa/cartaz nacional de À BEIRA DO ABISMO (Man on a Ledge)
A premissa de À Beira do Abismo é, na pior das hipóteses, intrigante: um homem entra em um quarto do vigésimo primeiro andar de um hotel localizado no centro de Nova York, atravessa a janela e ameça se jogar. Em questão de minutos, uma mega operação envolvendo a polícia e os bombeiros é armada no local, enquanto uma diversificada multidão de curiosos se aglomera. Mas quem é esse homem? Ele pretende mesmo pular? Se não, qual é seu objetivo? E o mais importante: como isso pode render um filme de 102 minutos?

As respostas para todas essas perguntas são dadas, claro, aos poucos por Asger Leth e Pablo F. Fenjves, respectivamente diretor e roteirista do longa - e mesmo que nem sempre sejam satisfatórias, são o bastante para construir um thriller relativamente eficiente. Dessa forma, descobrimos que aquele homem é Nick Cassidy (Sam Worthington), um ex-policial foragido que aparentemente se colocou no parapeito daquele prédio para atrair a atenção da polícia, da imprensa e da população para, de alguma forma, provar sua inocência no crime pelo qual fora acusado e que o levou a ser sentenciado a 25 anos de prisão. A certa altura, ficamos sabendo também que a escolha do prédio não é arbitrária e que a negociadora Lydia Mercer (Elizabeth Banks) não é a única pessoa com a qual Nick se comunica, já que sua aparente tentativa de suicídio faz parte de um plano maior que envolve diretamente, em diferentes níveis, o irmão Joey (Jamie Bell), a cunhada Angie (Genesis Rodriguez) e o ricaço David Englander (Ed Harris).

Introduzindo gradativamente a que veio, À Beira do Abismo não enfrenta maiores dificuldades para fisgar o interesse do espectador nos primeiros minutos através do clima de apreensão e mistério, mas, assim que a participação de Joey e Angie no plano é revelada, o filme começa a apresentar problemas óbvios, oriundos da complexidade de suas tarefas. Assim, somos obrigados a aceitar, por exemplo, que uma empresa com cacife para instalar os mais sofisticados sistemas de segurança tem seus aparatos burlados por um louco correndo e disparando um extintor de incêndio. Além disso, na tentativa de injetar tensão nessa e em outras passagens, o diretor e o roteirista concebem cenas com alguns dos truques mais batidos do gênero, como o carro que atravessa a ferrovia milissegundos antes de um trem passar ou a personagem que deve cortar o fio certo de um dispositivo para evitar um desastre. Porém, o mau gosto atinge um de seus auges quando, por uma boba incredulidade de Mercer, Nick fica a dois segundos de se jogar da sacada após dar um prazo de longos 30 minutos para que determinada exigência fosse atendida.

Genesis Rodriguez e Jamie Bell em À BEIRA DO ABISMO (Man on a Ledge)

A segunda metade do filme, por outro lado, revela-se muito mais interessante, já que, dentre outras razões, possui um timing eficiente e a quantidade de personagens vai aos poucos sendo justificada - não o suficiente, claro, para que o personagem de Ed Burns deixe de ser apenas um policial insuportavelmente engraçadinho ou que a repórter vivida por Kyra Sedgwick seja mais que um estereótipo ofensivo de jornalista sensacionalista e inescrupulosa. E se Jamie Bell, Genesis Rodriguez, Ed Harris e Titus Welliver encarnam criaturas unidimensionais que em nada os desafiam como intérpretes, Sam Worthington surpreende e consegue transmitir a aflição e o empenho do personagem com bastante competência (repare a importância do gestual e da intensidade do ator em um momento no qual ameça se jogar) - algo fundamental para que o filme funcione bem como suspense, especialmente se pensarmos que Asger Leth falha miseravelmente, por exemplo, em causar vertigens no público com a situação do protagonista (chega a ser grotesca a incompetência da teleobjetiva de um ângulo baixo que percorre a fachada do prédio e torna ainda mais absurdo o fato de uma idosa ter sido a primeira a enxergá-lo no parapeito).

E não é só nesse ponto que a inexperiência de Leth fica evidente. Qual a importância da ferida nas juntas dos dedos de Nick, que justifique tantos planos-detalhe na mão do homem? E se já é bastante difícil aceitar que Nick observa movimentações em um prédio vizinho, por que em nenhum momento o diretor nos coloca em seu ponto de vista, para nos certificarmos que é sim possível acompanhá-las? Por outro lado, como já mencionado, Leth conduz com eficácia (e com a ajuda do montador Kevin Stitt) a perseguição que se sucede após o instante que o protagonista abandona o parapeito, salvando o longa do completo desastre.

Por fim, é lamentável que todo o plano de Nick dependa de vários fatores teoricamente imprevisíveis a princípio, em especial a postura e as reações da multidão de curiosos, que acabam sendo elementos definidores para que tudo saia nos conformes e tornando a narrativa ainda mais inverossímil. Por outro lado, é curioso que o roteiro encaminhe a narrativa para um momento no qual Nick é levado a tomar uma atitude emblemática, mas que, infelizmente, logo é eclipsada por uma postura simplesmente incompreensível por parte da polícia.

Diferentemente dos esforços de Nick para provar sua inocência, a impressão que fica é que a tentativa de Leth e Fenjves de provar competência não recebeu a mesma dedicação - o que é uma pena, já que nas mãos certas, À Beira do Abismo poderia ser um thriller exemplar.

Sam Worthington e Anthony Mackie em À BEIRA DO ABISMO (Man on a Ledge)

2 de fevereiro de 2012

Crítica | Viagem 2: A Ilha Misteriosa

Dwayne Johnson, Luis Guzmán, Michael Caine, Vanessa Hudges e Josh Hutcherson em VIAGEM 2: A ILHA MISTERIOSA (Journey 2: The Mysterious Island)

★★

Journey 2: The Mysterious Island, EUA, 2012 | Duração: 1h34m01s | Lançado no Brasil em 3 de fevereiro de 2012, nos cinemas | Escrito por Richard Outten e Brian Gunn & Mark Gunn. Roteiro de Brian Gunn & Mark Gunn | Dirigido por Brad Peyton | Com Josh Hutcherson, Dwayne Johnson, Vanessa Hudgens, Luis Guzmán, Michael Caine e Kristin Davis.

Pôster/capa/cartaz nacional de VIAGEM 2: A ILHA MISTERIOSA (Journey 2: The Mysterious Island)
Grosso modo, Viagem 2: A Ilha Misteriosa é uma espécie de Alvin e os Esquilos 3 voltado para um público um pouco mais velho e teoricamente mais exigente. Assim, em comparação, essa aventura de um grupo de personagens aprendendo lições de vida enquanto tentam escapar ilesos de uma ilha, por um lado, é salva por não conter cantorias estridentes e séries de eventos particularmente ilógicos, mas, por outro, o filme não está imune a um mínimo senso crítico de seu público, que eventualmente o relegará a um rápido e merecido esquecimento.

Roteirizado pelos primos Brian e Mark Gunn (responsáveis por alguns produtos adolescentes para TV e home video, como uma das diversas continuações de As Apimentadas) com base em uma história concebida juntamente com Richard Outten, o filme traz de volta Sean Anderson (Josh Hutcherson), o jovem aventureiro verneano que há quatro anos partiu na jornada-título de Viagem ao Centro da Terra - O Filme e agora está prestes a embarcar em uma nova aventura, motivado por uma mensagem codificada de rádio decifrada com a ajuda de seu cético padrasto, Hank Parsons (Dwayne Johnson). Preocupado com a sanidade mental do enteado, Hank parte com o garoto para Palau, nas ilhas Carolinas, para provar que as coordenadas que sugerem a existência de uma ilha desconhecida no meio do Pacífico não levam a lugar algum - o que, claro, não se confirma.

Lançado quatro anos após seu antecessor, que carregava o título de primeiro filme em live action produzido com o novo 3D digital, Viagem 2 não exibe a mínima preocupação em evoluir junto à linguagem da tecnologia - e, assim, cenas nas quais objetos voam "pra fora" da tela são recorrentes, gritantes e injustificáveis em certas ocasiões, como aquela na qual Dwayne Johnson rebate frutinhas com o peitoral. Em contrapartida, o péssimo uso do 3D encontra uma rara exceção próximo ao final, em um plano que desafia a percepção do espectador sobre o real tamanho de um tubarão nos arredores da ilha. Por outro lado, o diretor Brad Peyton (Como Cães e Gatos 2) praticamente não consegue explorar a beleza e a grandiosidade tanto das paisagens reais quanto das digitais, algo que fica claro na insossa panorâmica executada quando o grupo chega pela primeira vez no interior da ilha. Por outro lado, os efeitos especiais são geralmente bem executados, porém não o suficiente para que algumas criações digitais deixem de exibir uma inadequada plasticidade ou para que as paisagens de fundo não pareçam, em alguns momentos, os fundos digitalmente inseridos na pós-produção que são.

Sem perder tempo com explicações para o sumiço de personagens do longa anterior e partindo de uma ideia interessante e absurda - a de que Julio Verne, Robert Louis Stevenson e Jonathan Swift descreveram em seus A Ilha Misteriosa, A Ilha do Tesouro e As Viagens de Gulliver, respectivamente, diferentes territórios de uma mesma ilha -, o roteiro dos Gunn constrói sua narrativa misturando elementos das três histórias clássicas, de modo a dispor de uma maior gama de obstáculos e soluções para o grupo. Mesmo assim, os personagens enfrentam basicamente o perigo propiciado pela fauna e flora redimensionada da ilha (isto é, plantas e animais normalmente pequenos aqui surgem grandes, e vice-versa), algo que, além de relativo e antropocêntrico, confere aos animais uma nova e inexplicável natureza, da agressividade de um lagarto à passividade de abelhas. Somando-se ainda um afundamento da ilha cuja velocidade varia de acordo com as necessidades do roteiro, as liberdades artísticas do filme podem (e precisam) ser facilmente relevadas, uma vez que tanto o desapego à realidade (quais as chances de códigos e esboços de mapas arrancados de três livros diferentes se complementarem com perfeição?) quanto a despreocupação em dar maiores explicações para certos eventos (como o desfecho da queda do helicóptero) são posições introduzidas antes mesmo de Sean e Hank desembarcarem na ilha.

Josh Hutcherson, Michael Caine e Dwayne Johnson em VIAGEM 2: A ILHA MISTERIOSA (Journey 2: The Mysterious Island)

Por outro lado, o lar selvagem construído pelo avô de Sean, vivido por Michael Caine, é um dos exemplos nos quais o filme extrapola e abusa da boa vontade do público, já que, por mais engraçadinho que seja ver um aviso de "favor não jogar folhas na privada" ou todos os outros apetrechos irrelevantes que transformam a residência do avô Anderson em um lar rústico e elaborado, tudo aquilo é ofensivamente inconcebível e lança o espectador para fora e bem longe do filme. Em contrapartida, algumas outras tentativas de humor conseguem alcançar resultados mais interessantes, como o desfecho de uma absurda conversa entre Sean e Hank (quem assistir ao filme identificará facilmente a passagem), que faz graça com a escalação de uma pessoa do porte físico de Dwayne Johnson para o papel, assim como o guia turístico Gabato, vivido por Luis Guzmán, que funciona na maior parte do tempo como um alívio cômico que utiliza bem sua persona cinematográfica sem se apoiar explicitamente em seu estrangeirismo. Enquanto isso, Josh Hutcherson (que até outro dia era uma criança bonitinha apaixonada em ABC do Amor e agora já é um homem feito) exibe carisma suficiente para o papel e, mesmo sem entregar uma performance particularmente marcante (e convenhamos, precisaria?), consegue ser mais natural em sua reação de surpresa ao acordar com uma mão submersa na água, por exemplo, do que a gesticulação de Dwayne Johnson procurando um apoio no helicóptero em turbulência.

Já Michael Caine faz o que pode para transformar o vovô aventureiro em uma figura estimulante, compensando sua limitação física (da qual excluo a capacidade de atuar debaixo d'água, algo que o veterano ator tira de letra) com sua vivacidade e energia, mesmo sendo obrigado a encenar uma imatura rivalidade entre seu personagem e o de Johnson. Fora isso, é compreensível que Kailani (Vanessa Hudgens), filha do personagem de Guzmán, seja apresentada soltando os cabelos durante uma batida tomada em câmera lenta, já que a beleza da personagem é provavelmente a única característica capaz de atrair a atenção de Sean e sustentar o romance bobo que se prolonga até o desfecho. Aliás, todas as tentativas de conferir alguma profundidade aos personagens e a seus dramas são terríveis, desde a pieguice da relação entre Sean e Hank até o tolo dilema de Kailani que, de tão relevante, só é apresentado às vésperas do terceiro ato com a intenção clara de adicionar novos desafios ao clímax do filme.

Ousando repetir piadas velhas (coisas semelhantes a "Se morrermos, mamãe nos mata!" aparecem ao menos duas vezes ao longo da projeção) e revolucionário a ponto de criar um inédito diálogo expositivo entre pessoas em ambientes diferentes ("O que é isso?" - "É o som de uma ilha naufragando!"), Viagem 2 é uma aventura tipicamente prejudicada pela previsível invulnerabilidade de seus personagens (o fôlego deles debaixo d'água não me deixa mentir), algo dedutível se associarmos a faixa etária do público-alvo ao reduzido elenco. Isso significa que, se algo minimamente surpreendente surgir em algum instante da projeção, já será um lucro para o público - e eu não recomendaria criar falsas esperanças de sair desse filme com o saldo muito positivo.

Obs.: vale aqui uma menção ao descaso com a legendagem da versão 3D do filme para os cinemas. Além de não traduzir What a Wonderful World, cantada pelo personagem de Dwayne Johnson em determinada cena com uma série de modificações pertinentes à história, as legendas em diversos momentos não se adequam à tridimensionalidade do filme, embaralhando a vista do espectador.

Luis Guzmán, Vanessa Hudges, Michael Caine, Dwayne Johnson e Josh Hutcherson em VIAGEM 2: A ILHA MISTERIOSA (Journey 2: The Mysterious Island)