8 de abril de 2012

Crítica | A Vida em um Dia

A VIDA EM UM DIA (Life in a Day)

★★★★★

Life in a Day, EUA/Reino Unido, 2011 | Duração: 1h34m27s | Lançado no Brasil em 27 de janeiro de 2011, no YouTube | Dirigido por Kevin MacDonald e por usuários do YouTube.

Pôster/capa/cartaz nacional de A VIDA EM UM DIA (Life in a Day)
O que você fez ao longo do dia 24 de julho de 2010? Eu, particularmente, não consigo lembrar. Segundo consta em minhas anotações de filmes vistos nos últimos anos, assisti a Homem-Aranha 2, Borat! e 300, uma combinação extremamente inusitada que indica que permaneci boa parte daquele sábado de férias trancado dentro de casa. Pode ser que eu tenha tido companhia vendo os filmes ou que tenha saído à noite, mas não posso precisar. Em suma, aquele foi um dia absolutamente normal em minha vida - e não fosse A Vida em um Dia chamar minha atenção, dificilmente pararia para pensar como aquela e todas as voltas completas seguintes da Terra em torno do próprio eixo podem e devem ter sido, cada uma a seu modo, ocasiões especiais para pessoas em outros cantos do planeta. Nesse sentido, o documentário surge para abrir os olhos daqueles que levam existências inertes e monótonas e vem provar que, para transformar uma data qualquer em um dia especial, não é preciso muito: basta querer que ela o seja.

Resultado da peneiragem de mais de 4500 horas de imagens registradas em 24 de julho de 2010 por pessoas de mais de 190 nacionalidades diferentes, A Vida em um Dia (não confundir com o péssimo A Vida Num Só Dia, com Amy Adams e Frances McDormand) é um documentário concebido como uma cápsula do tempo para mostrar às gerações futuras como era estar vivo em meados de 2010 - mas vai além, retratando de forma espetacular a diversidade cultural e comportamental do ser humano e estabelecendo a internet como um ambiente definitivo para o intercâmbio cultural. Imaginar que tudo o que é mostrado no filme acontece quase simultaneamente é algo fascinante e, mesmo que nem todos tenham cumprido o combinado proposto pelo diretor Kevin MacDonald (O Último Rei da Escócia, Desafio Vertical) e pelos produtores Ridley e Tony Scott de enviar registros feitos exclusivamente na data predeterminada, o simples fato de que tudo aquilo pode ter acontecido em um mesmo dia é o bastante para despertar o mesmo fascínio.

Diante da imensidão de material disponível e considerando que o filme é uma co-produção entre EUA e Reino Unido, é compreensível que os produtores tenham dado prioridade aos registros de pessoas falando em inglês e com maior qualidade de som e imagem - e, querendo ou não, o projeto acabou consistindo em uma oportunidade única para cineastas desconhecidos de todo o mundo tentarem fazer seus trabalhos alcançarem o grande público, já que muitos dos cinegrafistas sequer podem ser classificados como amadores, executando técnicas sofisticadas como stablishing shot, plano-detalhe, time lapse, rack focus, super slow motion, e por aí vai. As exceções ficam por conta, claro, daqueles registros reveladores sobre tradições e culturas curiosas (como o pai japonês viúvo que se esforça para criar o filho pequeno e tem como hábito saudar a imagem da falecida esposa, usando uma lente grande angular que, propositalmente ou não, ressalta a desordem do pequeno apartamento em que vivem em Tóquio) ou situações arrebatadoras que simplesmente não poderiam ficar de fora em função da qualidade técnica ou do idioma - como a filmagem imprecisa de um parto que, possivelmente feita pelo pai-coruja, é interrompida quando este ganha o chão em um desmaio, sendo rapidamente socorrido pelos médicos em um bom e claro português.

A VIDA EM UM DIA (Life in a Day)

Porém, por mais que busque durante a maior parte do tempo alimentar um sentimento de humanidade e tocar o espectador com registros sensíveis, divertidos ou alegres (poderia citar o senhor de idade hospitalizado demonstrando sua gratidão por toda a ajuda que recebe; o jovem que confessa por telefone para a avó que é gay; o casal de idosos que renova com bom humor os votos de casamento; o encontro esporádico de um rapaz com seu rabugento pai, que lhe cobra estudos e sucesso profissional mas, a seu modo, demonstra carinho pelo filho; e por aí vai), o filme também não ignora adversidades presentes em nosso dia-a-dia, como violência, morte, intolerância e preconceito, incluindo cenas capazes até mesmo de gerar reações inesperadas no espectador, como quando somos levados a sentir pena (e não necessariamente repulsa) da ignorância de um homem humilde que "teme o homossexualismo" já que, segundo ele, isto é uma doença, e doenças devem ser evitadas e combatidas. Enquanto isso, a breve aparição de um homem com uma camisa de um time de futebol brasileiro agredindo covardemente outro homem impede que os brasileiros tenham muito orgulho da participação do país no filme. Por outro lado, é difícil compreender o que passou pela cabeça de MacDonald e do montador Joe Walker ao inserir imagens de cheerleaders ou de uma limusine abarrotada de mulheres provocantes em uma montagem intensa voltada fundamentalmente para emoções negativas, como se tentasse fazer uma crítica vazia, superficial e desonesta à objetificação da mulher que simplesmente não se encaixa naquele momento.

Engrandecido por uma trilha sonora espetacular de Harry Gregson-Williams e Matthew Herbert, A Vida em um Dia apresenta um ritmo impecável ao tomar como centrais algumas poucas e pequenas histórias (como a do ciclista coreano, por exemplo) e ao compatibilizar sua cronologia com a evolução natural de um dia (com um ritmo mais lento durante as primeiras horas do dia ou após o almoço, por exemplo), ambos impedindo que o espectador encare aquilo tudo como uma compilagem aleatória de vídeos. Além disso, MacDonald e Walker ainda inserem, durante o desenvolvimento, algumas pequenas e interessantes antologias, como os trechos dedicados a nascimentos ou às respostas para as perguntas propostas pelos produtores (O que você ama? Do que tem medo? O que tem nos bolsos?). Além disso, o trabalho de Walker na montagem merece aplausos pela inteligência alcançada em determinados instantes, como aquele em que peraltices de soldados norte-americanos em atividade são seguidas por registros de um homem afegão empenhado em desmitificar a imagem negativa de seu país, imagens estas que por sua vez são alternadas com as etapas da preparação de uma mulher para uma video-conferência com o marido - e mesmo que o filme não confirme isso, não seria uma extrapolação muito grande supor que o homem seja um soldado em atividade e que o distanciamento do casal tenha sido imposto pela guerra.

Para completar, após vivenciarmos incontáveis tipos de emoções diferentes, somos presenteados com um desfecho absolutamente tocante: uma mulher, obrigada a trabalhar em pleno sábado, registra seu próprio desabafo ao constatar que, próximo à meia-noite, nada de especial ou inusitado aconteceu em sua vida naquele dia - mas suas próprias palavras acabam conduzindo à reflexão e à conclusão que levantei no primeiro parágrafo. Isto é: basta querer para transformar um dia em uma ocasião especial - e 24 de julho de 2011 definitivamente foi uma dessas.

A VIDA EM UM DIA (Life in a Day)