

Sherlock Holmes: A Game of Shadows, EUA, 2011 | Duração: 2h05m55s | Lançado no Brasil em 13 de Janeiro de 2012, nos cinemas | Escrito por Michele Mulroney & Kieran Mulroney | Dirigido por Guy Ritchie | Com Robert Downey Jr., Jude Law, Jared Harris, Noomi Rapace, Kelly Reilly, Stephen Fry, Geraldine James, Eddie Marsan e Rachel McAdams.

Dando continuidade ao desfecho do longa de 2009, quando o professor James Moriarty era sugerido com um antagonista em potencial para uma provável continuação, o roteiro escrito por Michele e Kieran Mulroney (do indie Tempo de Crescer) traz de volta o detetive Sherlock Holmes (Downey Jr.) ainda mais afetado que antes e em meio a uma investigação que transcorre sem a ajuda de seu antigo parceiro, Dr. John Watson (Law), em função da aproximação de seu casamento com Mary (Reilly). Porém, pelas forças das circunstâncias, Watson acaba unindo-se novamente a Holmes para desvendar o ambicioso plano de Moriarty (que agora ganha um rosto, o de Jared Harris), que, como eles descobrem, envolve o radical irmão da cigana Madame Simza (Rapace), a iminência de uma guerra e a indústria armamentista.
Pegando como base o humor da nova roupagem introduzida no longa anterior, este novo exemplar faz uma mistura entre elementos de filmes de espionagem/conspiração e o ludismo de Piratas do Caribe e transpõe para a Europa do século XIX - o que nos dá um Sherlock Holmes com invulnerabilidade, gama de habilidades e vigor físico típicos do espião James Bond juntamente com a comicidade e a imprevisibilidade esperadas do Capitão Jack Sparrow. Dessa forma, situações como Holmes usando o cachorro Gladestone novamente como cobaia para testes de sedativos (até quando?), transformando o 221B da Baker Street em uma pequena floresta ou bebendo formol com certa consciência são inseridas no roteiro, na maioria das vezes, sem a menor preocupação de esboçar explicações plausíveis para tais atitudes - e tudo isso só não torna-se embaraçoso porque Robert Downey Jr., agora com os cabelos mais longos e modernos, bilha mais uma vez no papel do detetive, conquistando pelo bom humor e carisma ao mesmo tempo que confere veracidade à percepção diferenciada do personagem, que em diversos momentos mantém-se recluso nos próprios pensamentos enquanto processa informações ou percorre e avalia todo o ambiente com os olhos.
As deduções de Holmes aqui, porém, condizem com a má qualidade do roteiro, decepcionando ocasionalmente pela complexidade (repare como a descoberta de uma passagem secreta em determinado cômodo é confusa e repleta de suposições no mínimo improváveis) e, quando envolvem o caso central, na maior parte das vezes revelam-se apenas meras associações interpessoais que, por fim, sempre acabam levando a Moriarty. Dessa forma, as cenas de ação, por mais que nem sempre acrescentem algo ao desenvolvimento da trama ou dos personagens, representam o ponto alto do filme: conduzidas com energia, intensidade e agilidade por Guy Ritchie, essas sequências superam em todos os aspectos aquelas vistas no filme anterior - e, infelizmente, as melhores delas (como a do trem ou a do bar, onde conhecem Madame Simza) ocorrem em sua maioria na primeira metade. Porém, é na segunda metade que o grande destaque técnico ocorre e impede que o tédio não domine a reta final: quando
Aliás, a câmera lenta volta a aparecer de forma notável em diversos outros momentos do longa, em especial nas ocasiões em que Holmes prevê as ações de seus oponentes durante certas lutas - mas até essas acabam prejudicadas quando a necessidade latente de subverter a ideia original toma conta das sequências e fere a própria lógica (a espécie de diálogo mental que transcorre em um confronto próximo ao desfecho não faz nenhum sentido). Por outro lado, a ótima fotografia do francês Philippe Rousselot ressalta a bela recriação de época, que agora expande sua abrangência para outros territórios da Europa seguindo a já mencionada afinidade com filmes de espionagem como as franquias 007 e Missão: Impossível ou a trilogia Bourne, que nunca contentam-se em sediar sua história em apenas uma nação. Para completar, Hans Zimmer faz um ótimo trabalho readaptando os acordes criados por ele mesmo no filme anterior, chegando até mesmo a remeter, ainda que involuntariamente, à trilha de Piratas do Caribe, da qual também participou e que compatibiliza-se com o comportamento afetado de Sherlock Holmes.
Brincando novamente com a evolução tecnológica do final do século XIX, (carros e armas mais parecem protótipos), Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras é um filme que traz em seu próprio subtítulo uma sugestão exagerada sobre sua narrativa, que jamais oferece pistas suficientes para que o espectador seja envolvido pelo tal jogo de aparências e crie suas próprias teorias sobre o que pode estar acontecendo. Aliás, é difícil aceitar que Holmes e Moriarty tenham estado cara-a-cara por tantas ocasiões sem que este último tenha tomado medidas mais incisivas para que o protagonista não voltasse a intervir em seus planos, permitindo que Holmes, Watson e Simza sempre se desvencilhem e retornem à fase de buscar informações sobre pessoas conectadas a Moriarty, para posteriormente voltar a encontrá-lo. Por fim, a forma como o plano do vilão acaba sendo desvendado e passa a ser ameaçado por Holmes decepciona pela simplicidade e pela falta de conexão com tudo o que foi trabalhado nas quase duas horas anteriores da projeção.
Pior que isso, Michele e Kieran Mulroney conseguem a proeza de inserir elementos cuja aleatoriedade denuncia imediatamente seu uso posterior (Watson ganha de aniversário uma ampola com um antídoto. Isso mesmo: uma ampola, com um antídoto!) ou outros que nos levam até mesmo a questionar a esperteza do detetive - e não precisa ser muito inteligente para concluir que os disfarces camuflados que Holmes veste em duas cenas são uma fraude, já que o funcionamento deles depende exclusivamente da posição estática da câmera, o que exclui, por exemplo, o efeito que cada traje teria sobre Watson, que move-se em cena em ambos os casos. Sem contar, é claro, o tempo e o trabalho empregados na confecção das roupas que jamais justificariam seu uso único, especialmente nas situações bobas vistas no filme.
E tudo isso me leva a questionar se a ambiguidade da interrogação vista na última cena do filme será notada apenas por mim. Afinal, nada impede que a continuidade sugerida - como quem diz: "aguarde o próximo filme" - seja interpretada como incredulidade - como quem pergunta: "Foi só isso mesmo?"
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