13 de janeiro de 2012

Crítica | Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras

por Eduardo Monteiro

Sherlock Holmes: A Game of Shadows, EUA, 2011 | Duração: 2h05m55s | Lançado no Brasil em 13 de Janeiro de 2012, nos cinemas | Escrito por Michele Mulroney & Kieran Mulroney | Dirigido por Guy Ritchie | Com Robert Downey Jr., Jude Law, Jared Harris, Noomi Rapace, Kelly Reilly, Stephen Fry, Geraldine James, Eddie Marsan e Rachel McAdams.

Independente da abordagem ou da mídia em que se encontra, o suspense é uma característica imprescindível para qualquer história protagonizada por Sherlock Holmes. Assim, é esperado que várias pistas aparentemente desconexas sejam lançadas ao longo da narrativa para, em algum momento próximo ao fim, serem amarradas graças ao exímio poder de dedução do personagem-título, de forma coerente e inteligente. Por isso, talvez, Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras seja tão decepcionante: investindo em um caso cuja maior parte da investigação ocorreu antes do início da narrativa, o novo longa de Guy Ritchie se atém na maior parte do tempo à etapa braçal da resolução do mistério e explora com um quê a mais todos os elementos de sucesso do filme anterior - e o roteiro certamente não era um deles.

Dando continuidade ao desfecho do longa de 2009, quando o professor James Moriarty era sugerido com um antagonista em potencial para uma provável continuação, o roteiro escrito por Michele e Kieran Mulroney (do indie Tempo de Crescer) traz de volta o detetive Sherlock Holmes (Downey Jr.) ainda mais afetado que antes e em meio a uma investigação que transcorre sem a ajuda de seu antigo parceiro, Dr. John Watson (Law), em função da aproximação de seu casamento com Mary (Reilly). Porém, pelas forças das circunstâncias, Watson acaba unindo-se novamente a Holmes para desvendar o ambicioso plano de Moriarty (que agora ganha um rosto, o de Jared Harris), que, como eles descobrem, envolve o radical irmão da cigana Madame Simza (Rapace), a iminência de uma guerra e a indústria armamentista.

Pegando como base o humor da nova roupagem introduzida no longa anterior, este novo exemplar faz uma mistura entre elementos de filmes de espionagem/conspiração e o ludismo de Piratas do Caribe e transpõe para a Europa do século XIX - o que nos dá um Sherlock Holmes com invulnerabilidade, gama de habilidades e vigor físico típicos do espião James Bond juntamente com a comicidade e a imprevisibilidade esperadas do Capitão Jack Sparrow. Dessa forma, situações como Holmes usando o cachorro Gladestone novamente como cobaia para testes de sedativos (até quando?), transformando o 221B da Baker Street em uma pequena floresta ou bebendo formol com certa consciência são inseridas no roteiro, na maioria das vezes, sem a menor preocupação de esboçar explicações plausíveis para tais atitudes - e tudo isso só não torna-se embaraçoso porque Robert Downey Jr., agora com os cabelos mais longos e modernos, bilha mais uma vez no papel do detetive, conquistando pelo bom humor e carisma ao mesmo tempo que confere veracidade à percepção diferenciada do personagem, que em diversos momentos mantém-se recluso nos próprios pensamentos enquanto processa informações ou percorre e avalia todo o ambiente com os olhos.

As deduções de Holmes aqui, porém, condizem com a má qualidade do roteiro, decepcionando ocasionalmente pela complexidade (repare como a descoberta de uma passagem secreta em determinado cômodo é confusa e repleta de suposições no mínimo improváveis) e, quando envolvem o caso central, na maior parte das vezes revelam-se apenas meras associações interpessoais que, por fim, sempre acabam levando a Moriarty. Dessa forma, as cenas de ação, por mais que nem sempre acrescentem algo ao desenvolvimento da trama ou dos personagens, representam o ponto alto do filme: conduzidas com energia, intensidade e agilidade por Guy Ritchie, essas sequências superam em todos os aspectos aquelas vistas no filme anterior - e, infelizmente, as melhores delas (como a do trem ou a do bar, onde conhecem Madame Simza) ocorrem em sua maioria na primeira metade. Porém, é na segunda metade que o grande destaque técnico ocorre e impede que o tédio não domine a reta final: quando Harry, Rony e Hermione Holmes, Watson e Simza fogem alucinadamente dos Comensais da Morte capangas de Moriarty por uma floresta, Ritchie encarna Zack Snyder (300, Sucker Punch - Mundo Surreal) e utiliza em abundância técnicas como slow motion ou câmeras presas a objetos ou ao corpo dos atores (criando uma sensação incômoda ao manter determinado ponto do objeto ou da pessoa fixo no quadro), o que gera belos planos nos quais troncos de árvores são estraçalhados por balas de canhão, explosões lançam terra para todos os lados ou closes revelam detalhes dos mecanismos internos de armas e canhões.

Aliás, a câmera lenta volta a aparecer de forma notável em diversos outros momentos do longa, em especial nas ocasiões em que Holmes prevê as ações de seus oponentes durante certas lutas - mas até essas acabam prejudicadas quando a necessidade latente de subverter a ideia original toma conta das sequências e fere a própria lógica (a espécie de diálogo mental que transcorre em um confronto próximo ao desfecho não faz nenhum sentido). Por outro lado, a ótima fotografia do francês Philippe Rousselot ressalta a bela recriação de época, que agora expande sua abrangência para outros territórios da Europa seguindo a já mencionada afinidade com filmes de espionagem como as franquias 007 e Missão: Impossível ou a trilogia Bourne, que nunca contentam-se em sediar sua história em apenas uma nação. Para completar, Hans Zimmer faz um ótimo trabalho readaptando os acordes criados por ele mesmo no filme anterior, chegando até mesmo a remeter, ainda que involuntariamente, à trilha de Piratas do Caribe, da qual também participou e que compatibiliza-se com o comportamento afetado de Sherlock Holmes.

Brincando novamente com a evolução tecnológica do final do século XIX, (carros e armas mais parecem protótipos), Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras é um filme que traz em seu próprio subtítulo uma sugestão exagerada sobre sua narrativa, que jamais oferece pistas suficientes para que o espectador seja envolvido pelo tal jogo de aparências e crie suas próprias teorias sobre o que pode estar acontecendo. Aliás, é difícil aceitar que Holmes e Moriarty tenham estado cara-a-cara por tantas ocasiões sem que este último tenha tomado medidas mais incisivas para que o protagonista não voltasse a intervir em seus planos, permitindo que Holmes, Watson e Simza sempre se desvencilhem e retornem à fase de buscar informações sobre pessoas conectadas a Moriarty, para posteriormente voltar a encontrá-lo. Por fim, a forma como o plano do vilão acaba sendo desvendado e passa a ser ameaçado por Holmes decepciona pela simplicidade e pela falta de conexão com tudo o que foi trabalhado nas quase duas horas anteriores da projeção.

Pior que isso, Michele e Kieran Mulroney conseguem a proeza de inserir elementos cuja aleatoriedade denuncia imediatamente seu uso posterior (Watson ganha de aniversário uma ampola com um antídoto. Isso mesmo: uma ampola, com um antídoto!) ou outros que nos levam até mesmo a questionar a esperteza do detetive - e não precisa ser muito inteligente para concluir que os disfarces camuflados que Holmes veste em duas cenas são uma fraude, já que o funcionamento deles depende exclusivamente da posição estática da câmera, o que exclui, por exemplo, o efeito que cada traje teria sobre Watson, que move-se em cena em ambos os casos. Sem contar, é claro, o tempo e o trabalho empregados na confecção das roupas que jamais justificariam seu uso único, especialmente nas situações bobas vistas no filme.

E tudo isso me leva a questionar se a ambiguidade da interrogação vista na última cena do filme será notada apenas por mim. Afinal, nada impede que a continuidade sugerida - como quem diz: "aguarde o próximo filme" - seja interpretada como incredulidade - como quem pergunta: "Foi só isso mesmo?"

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