


War Horse, EUA, 2011 | Duração: 2h26m24s | Lançado no Brasil em 6 de Janeiro de 2012, nos cinemas | Baseado na história de Michael Morpurgo. Roteiro de Lee Hall e Richard Curtis | Dirigido por Steven Spielberg | Com Jeremy Irvine, Peter Mullan, Emily Watson, Niels Arestrup, David Thewlis, Tom Hiddleston, Benedict Cumberbatch, Celine Buckens, Toby Kebbell, Patrick Kennedy, David Kross, Leonard Carow, Matt Milne, Robert Emms e Eddie Marsan.
Dando início à narrativa juntamente com o nascimento do cavalo Joey, o roteiro, escrito por Lee Hall e Richard Curtis com base no livro de Michael Morpurgo, usa boa parte de seu primeiro ato para retratar a fascinação que o equídeo exerce sobre o jovem camponês Albert Narracott (Irvine), que rapidamente é compartilhada também pelo espectador. Agitado, arredio e aparentemente insubmisso, Joey passa a ser treinado pelo garoto e, muito mais que uma companhia, o cavalo (juntamente com a dedicação de Albert em treiná-lo) torna-se uma esperança para Ted (Mullan) e Rosie (Watson), pais do rapaz, que enfrentam problemas financeiros graças à baixa produtividade da fazenda em que vivem. Entretanto, quando a prosperidade do local entra em crise e a permanência da família na propriedade passa a ser ameaçada pelo senhorio Sr. Lyons (Thewlis), Ted procura o exército britânico e arrenda Joey ao capitão Nicholls (Hiddleston) que, comovido pela amizade entre o garoto e o cavalo, promete tentar retornar com o animal vivo. Porém, como a realidade da guerra é dura e imprevisível, o cavalo acaba circulando por diferentes ambientes e marcando a vida de várias pessoas diretamente atingidas pelos conflitos.
Com ecos de Império do Sol, também de Spielberg, o filme constrói sua narrativa a partir do contraste de um ser puro e inocente (lá, a criança vivida por Christian Bale e, aqui, o cavalo Joey) sendo obrigado a encarar os horrores da guerra - e por mais que o diretor repita-se nessa representação, não há como negar que ele acerta em diversos momentos, como nas ótimas cenas de confronto armado (dentre as quais se destaca aquela em que o cavalo corre solitário em meio a tiros e bombardeios, utilizando efeitos especiais de forma discreta e orgânica). Por outro lado, Spielberg volta a exibir a tendência de suavizar momentos potencialmente violentos, o que, novamente, não vem a calhar: a falta de sangue e grafismo nos confrontos e a opção de esconder o destino de certos personagens por trás da hélice de um moinho em movimento apenas diminuem o impacto que as cenas poderiam e deveriam ter, transformando o filme em uma espécie de fábula da Disney voltada para adultos.
Beneficiado por um bom trabalho de adestramento do cavalo, Spielberg tenta, até certo ponto, manter o comportamento de Joey dentro do limite de sua irracionalidade, mesmo usando-o como alívio cômico (de forma aceitável, eu diria) e adotando movimentos de câmera que parecem tentar atribuir intenção e significado a cada ação do animal - mas sacrifica todo o trabalho na cena em que Joey parece se prontificar a desempenhar determinada tarefa que outro cavalo parece incapaz de fazer. E como já citado, nem isso é suficiente para que nos importemos menos com os personagens humanos e, por isso, é decepcionante que as subtramas do capitão Nicholls, do avô com sua neta e dos jovens soldados irmãos desertores sejam tão mal desenvolvidas, abruptas e prejudicadas pela artificialidade de estrangeiros comunicando-se em inglês, criando uma interrupção longa e vazia na trama central do filme.
Contando com um elenco diversificado encabeçado pelo irregular Jeremy Irvine, Spielberg erra a mão ao carregar demais no melodrama em algumas passagens (especialmente mais próximo ao desfecho), com a colaboração da trilha de John Williams que, mesmo interessante e forte, busca em várias passagens exacerbar as emoções vistas na tela. Por outro lado, a fotografia de Janusz Kaminski ressalta o talento de Spielberg na composição de quadros, contrastando a imensidão e a beleza dos campos e do céu que acolhem os personagens no início do filme com a sujeira vista posteriormente nas cenas de guerra - e claro, não poderia deixar de comentar o belíssima cena que encerra a projeção, com um majestoso contraluz dourado que reflete bem o clima meloso do desfecho.
Prejudicado ainda pela condução equivocada da cena em que dois soldados adversários abrem uma brecha para desempenhar determinada tarefa, que, absurda por natureza, ainda ganha toques que a tornam mais inacreditável (a tomada em que vários alicates são lançados é de um amadorismo assustador), Cavalo de Guerra é um filme irregular que, tentando a todo custo comover o espectador, pode acabar gerando em muitos uma reação contrária: a tristeza de constatar que a associação do nome de Steven Spielberg a um projeto é cada vez mais um motivo muito mais de suspeita e desconfiança do que de boas expectativas. Ficamos agora na esperança que As Aventuras de Tintim pelo menos ajude a reverter essa situação.
