19 de janeiro de 2012

Crítica | As Aventuras de Tintim

por Eduardo Monteiro

The Adventures of Tintim, EUA/Nova Zelândia, 2011 | Duração: 1h46m43s | Lançado no Brasil em 20 de Janeiro de 2012, nos cinemas | Baseado em "As Aventuras de Tintim" de Hergé. Roteiro de Steven Moffat e Edgar Wright & Joe Cornish | Dirigido por Steven Spielberg | Com as vozes de Jamie Bell, Andy Serkis, Daniel Craig, Nick Frost, Simon Pegg, Daniel Mays, Gad Elmaleh, Toby Jones, Joe Starr, Enn Reitel, Mackenzie Crook, Tony Curran, Sonje Fortag, Cary Elwes.

Faço parte do time de pessoas que não tiveram suas infâncias marcadas por livros, graphic novels ou desenhos animados de Tintim. Minoria ou não, o fato é que fui receoso ao cinema conferir As Aventuras de Tintim, em função tanto das irregularidades técnicas e narrativas apresentadas pelos últimos longas produzidos com a técnica de animação em motion capture quanto das altas expectativas generalizadas criadas em torno da nostalgia que o filme poderia despertar, onda na qual eu obviamente não estava incluído - e qual não foi minha surpresa ao constatar que não, não é preciso qualquer tipo de conhecimento ou sentimento prévios em relação aos personagens para se encantar com a produção, e sim, a técnica do motion capture não só é muitíssimo bem executada, como também desempenha um papel fundamental na construção de uma curiosa atmosfera cartunesca que invariavelmente despertará recordações infantis em qualquer um que ainda possua um coração batendo dentro do peito.

Misturando elementos de três diferentes histórias (O Segredo de Licorne, O Caranguejo das Tenazes de Ouro e O Tesouro de Rackham, o Terrível) criadas por Georges Remi sob o pseudônimo de Hergé, o roteiro de Steven Moffat, Edgar Wright e Joe Cornish traz o jovem e aventureiro jornalista Tintim (Bell) sendo perseguido por Ivan Ivanovitch Sakharin (Craig), este último motivado por preciosas informações escondidas em uma réplica em miniatura do majestoso galeão Licorne recém adquirida pelo protagonista. Dessa forma, Tintim acaba sendo raptado e levado ao cargueiro Karaboudjan, onde o beberrão Capitão Archibald Haddock (Serkis) é mantido como prisioneiro, uma vez que Sakharin planeja usá-lo para decifrar pistas sobre a localização de um tesouro e, depois disso, colocar em prática um acerto de contas oriundo de uma antiga rivalidade iniciada pelos ancestrais de ambos.

Partindo de créditos iniciais simples e simpáticos, que parecem despreocupados em adiantar a dimensão dos eventos que ainda estão por vir, As Aventuras de Tintim introduz com calma e objetividade a trama e, junto dela, os personagens, que contam com uma dualidade curiosa em seu design: sem qualquer fidelidade com a fisionomia dos atores que lhes dão vida (diferentemente de A Lenda de Beowulf ou O Expresso Polar), os bonecos digitais criados pela Weta Digital de Peter Jackson apresentam formação óssea, musculatura, pelos e veias sobressalentes absolutamente convincentes e estão praticamente livres da aparência borrachuda e dos olhos vidrados de outros trabalhos de motion capture - e se por um lado, proporções corporais, texturas e movimentos contam com uma considerável dose de realismo (especialmente o visual de Tintim, que surge como o mais realista e convincente), algo que aproxima o espectador e justifica o emprego dessa técnica de animação em particular, por outro, alguns poucos traços caricaturais (especialmente narizes) e a falsidade sutil, mas notável, inerente à técnica, dão um tom mais fantasioso ao universo que, dominado por situações amplamente exploradas em cartoons como os Looney Tunes (de pássaros - reais, não imaginários - orbitando a cabeça de alguém após uma pancada a personagens que, durante uma queda, atravessam varais cheios de roupas e chegam ao chão vestidos) parece abrigar personagens estacionados na divisa entre o real e o cartunesco.

Aproveitando-se dessa abordagem, o diretor Steven Spielberg abraça com vigor a ampla liberdade permitida pela animação computadorizada e cria várias de ótimas sequências que jamais seriam possíveis em um filme live action, a não ser, é claro, se fossem realizadas com uma cavalar dose dos mais sofisticados efeitos especiais e trucagens. Assim, quando não está executando bobagens graças ao deslumbramento com as imensas possibilidades (vide as tomadas nas quais a "câmera" atravessa vidros ou frestas pequenas), o diretor concebe diversos enquadramentos ou travellings sofisticados e milimetricamente calculados, além de realizar com a colaboração do montador Michael Kahn diversas transições belíssimas e curiosas, como toda a sequência em que o capitão Haddock recorda das (também espetaculares) batalhas navais de seus antepassados. Porém, o destaque óbvio fica por conta do sensacional plano-sequência no qual Tintim, Haddock e Sakharin atravessam o vilarejo de Bagghar em uma perseguição alucinante, que torna-se ainda mais interessante por acompanhar, sem cortes, diversas ações simultâneas e por utilizar com maestria e bom humor a geografia do local e os objetos de cena.

Porém, por mais deslumbrantes que as sequências de ação e a direção de arte sejam, os meandros que unem estes elementos não contam com a mesma boa forma. Para começar, o primeiro ato peca pelo excesso de exposição; basta ver como o protagonista faz questão de compartilhar toda e qualquer informação com o cachorro Milu. E se por um lado é razoável abrir uma série de concessões e passar a encarar o desenrolar da trama de forma menos crítica (diferentemente do que ocorria em Gamer, em As Aventuras de Tintim é muito mais fácil aceitar que uma pessoa regurgite álcool para ser usado como combustível), é difícil engolir, por exemplo, a forma forçada como os divertidos policiais Dupond e Dupont (Pegg e Frost) são trazidos de volta para a trama no terceiro ato. Por outro lado, vale mencionar que o filme consegue acertar e divertir até mesmo quando dedica atenção a uma ação deliberadamente inútil para a evolução da trama em si, como o caso particular do momento em que Tintim deve alcançar um molho de chaves no dormitório da tripulação do Karaboudjan que, além de contar com um eficiente e bem humorado mise en scène, ajuda a moldar a personalidade do então recém apresentado capitão Haddock.

Adotando uma boa profundidade de campo na maior parte do tempo, que permite que a versão em 3D seja apreciada sem maiores incômodos, As Aventuras de Tintim é um filme envolvente e empolgante que, evitando tanto exagerar na violência quanto ignorá-la, é absolutamente recomendado para todos os públicos, de todas as idades. Agora, só nos resta a esperança de que parcerias como a de Steven Spielberg e Peter Jackson, dois apaixonados confessos pelo material com o qual trabalham e em momentos inspirados de suas carreiras, não tardem a se repetir. Se com o filme conseguimos revisitar nossas infâncias, não custa nada sonhar com essa possibilidade.