29 de janeiro de 2012

Repercutindo na mídia

Saiu no Estado de Minas desse domingo uma reportagem sobre blogueiros de cinema de Belo Horizonte. E lá estou eu, dando declarações polêmicas e expondo publicamente toda minha simpatia.

Se você está chegando aqui pela primeira vez, graças ao jornal, seja bem-vindo!

Clique aqui para ampliar.


Como diria Borat Sagdiyev: "Great success!". Obrigado à Thaís Pacheco pela atenção e por não desvirtuar minhas declarações. Só espero que meu avô não leia "A engenharia é completamente alienante" e me deserde por conta disso!

Update: O Estado de Minas divulgou a mesma reportagem no site do jornal. Novamente, comigo em destaque. Clique aqui para ver.

26 de janeiro de 2012

Crítica | Millennium: Os Homens Que Não Amavam as Mulheres

MILLENNIUM: OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES (The Girl with the Dragon Tattoo)

★★★★

The Girl with the Dragon Tattoo, EUA/Suécia/Reino Unido/Alemanha, 2011 | Duração: 2h37m53s | Lançado no Brasil em 27 de janeiro de 2012, nos cinemas | Baseado no livro de Stieg Larsson. Roteiro de Steven Zaillian | Dirigido por David Fincher | Com Daniel Craig, Rooney Mara, Stellan Skarsgård, Christopher Plummer, Robin Wright, Steven Berkoff, Yorick van Wageningen, Joely Richardson, Geraldine James, Donald Sumpter, Josefin Asplund, Ulf Friberg, Per Myrberg, Tony Way, Alan Dale e Moa Garpendal.

Pôster/capa/cartaz nacional de MILLENNIUM: OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES (The Girl with the Dragon Tattoo)
Diferentemente do que ocorre entre os brasileiros, os espectadores estadunidenses têm uma ótima desculpa para justificar a preguiça de ler legendas no cinema: em um país que anualmente lança grande parte das maiores e mais relevantes produções cinematográficas da atualidade, é natural que o hábito disseminado de assistir a longas falados em inglês tenha como contraponto a dificuldade de encarar filmes com intervenções textuais constantes, mesmo que seja injustificável ignorar estes últimos por conta disso - algo que boa fatia do público de lá deve fazer. Dessa forma, mesmo que nem sempre ocorra em função do idioma, dezenas de filmes "estrangeiros" de destaque em seus países de origem ganharam ao longo dos anos suas próprias versões norte-americanas - e muitas delas acabaram marcadas pelos resultados inferiores, seja pela diluição de suas essências, pela falta de pretensão artística determinada pelo descaso do ritmo industrial de produção ou até mesmo pela própria falta de propósito dos projetos.

Contudo, há exceções. A eficiente versão norte-americana de Violência Gratuita, por exemplo, não deixa nada a desejar em relação à austríaca, uma vez que ambas foram comandadas pelo mesmo Michael Haneke e estão separadas apenas por 10 anos, atores, locações e idiomas diferentes, ao passo que a versão estadunidense de Morte no Funeral parece o único exemplo de remake feito exclusivamente para ofender a memória do filme original, uma produção britânica lançada apenas três anos antes (e falada, obviamente, também em inglês). E há aqueles raros casos em que as refilmagens encontram um viés que lhes permite superar os originais - e se não fosse mais uma readaptação do primeiro livro da trilogia Millennium escrita por Stieg Larsson do que um remake do longa sueco dirigido por Niels Arden Oplev, Millennium: Os Homens Que Não Amavam as Mulheres certamente entraria com louvor nesse seleto grupo.

Adaptado por Steven Zaillian e dirigido por David Fincher, o filme introduz a investigação de um desaparecimento e suposto assassinato apenas para preparar o terreno para que testemunhemos o encontro inusitado de dois personagens: de um lado, enquanto sofre um processo que resulta em seu afastamento da revista Millennium, o jornalista Mikael Blomkvist (Daniel Craig) é contratado por Henrik (Christopher Plummer), patriarca da família Vanger, para investigar o tal crime cometido há décadas contra a jovem Harriet (Moa Garpendal) durante um evento na ilha particular da família e, em função de circunstâncias da ocasião, todos os Vanger são suspeitos; de outro, a punk, investigadora e hacker Lisbeth Salander (Rooney Mara), após ter investigado o próprio Blomkvist a trabalho, entra em conflito com Nils Bjurman (Yorick van Wageningen), tutor que passa a administrar de forma abusiva as finanças da garota em virtude de alegados problemas psicológicos. Porém, após juntar pistas que indicam a atividade de um serial killer responsável pelo assassinato brutal de mulheres, Mikael acaba indo de encontro a Lisbeth, que passa a colaborar de forma decisiva e ativa para a resolução do mistério.

Marcado por diálogos, o roteiro traz uma série de pequenas mudanças na história (me refiro ao longa sueco, já que não li o livro) que ajudam a tornar as exposições de informações menos maçantes e que conferem maior coesão e polidez à investigação e à trajetória dos personagens. Repare, por exemplo, como uma série de intervenções e informações irrelevantes são inseridas na primeira conversa entre Mikael e Henrik, algo que confere uma maior naturalidade a um diálogo entre indivíduos que acabaram de se conhecer e que não sabem quais informações sobre a ocasião a ser investigada são de fato relevantes para a resolução. Além disso, a inclusão de um gato de estimação ou da filha de Mikael vêm a calhar por tornar certas descobertas menos forçadas e, da mesma forma, a razão que leva Blomkvist a embarcar na investigação soa muito mais natural, clara e coesa aqui do que no roteiro daquele outro filme.

Rooney Mara e Daniel Craig em MILLENNIUM: OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES (The Girl with the Dragon Tattoo)

Porém, é no desenvolvimento e no encontro dos dois personagens principais que o filme de Fincher realmente se supera. Mais seca, irônica e introspectiva que a encarnação de Noomi Rapace, a Lisbeth de Rooney Mara surge como uma personagem sofrida, solitária e em constante estado defensivo (repare como ela solta rapidamente uma explicação fisiológica para sua magreza quando interpreta mal uma pergunta de um personagem, pressupondo de imediato que está sendo julgada por ele), obrigada frequentemente a apresentar recomendações para acessar locais que facilitem a investigação e cuja aparência exótica e inconstante reflete o afastamento que esta parece buscar da humanidade em função de conturbadas experiências de vida. Dessa forma, mesmo que não a torne uma pessoa particularmente aberta ou simpática, o encontro com Mikael promove uma clara mudança em sua vida, já que, após sofrer diversos abusos por parte do sexo oposto, Lisbeth parece sentir uma rara segurança na presença de um homem, que a respeita e, como ela mesma suspeitava enquanto o investigava, é digno de confiança. Assim, não só a aproximação sexual entre os dois se torna mais aceitável, como também a psicológica, com Lisbeth passando a enxergá-lo também como uma espécie de figura paterna ou mentor - algo sugerido, por exemplo, quando ela pede autorização a Mikael para executar determinada ação no clímax da projeção.

Por tudo isso (e aí incluo também o desfecho melancólico), é fácil entender por que os americanos tenham optado por alterar a essência do título sueco original (em inglês, o filme se chama The Girl with the Dragon Tattoo, ou A Garota com a Tatuagem de Dragão), que tira as atenções da investigação em si e volta-se para aquela que é sem dúvidas a protagonista do projeto - e de fato, o caso do desaparecimento de Harriet é apenas um bom pano de fundo para acompanharmos aqueles personagens e suas particularidades. Mesmo conduzida com eficiência, a investigação por vezes soa confusa e nunca chega a ser intrigante o suficiente, sendo obrigada a recorrer, por exemplo, a uma boba tentativa de homicídio contra Mikael para movimentar a história, o que só não é pior que as posteriores deduções óbvias do tipo: "Quase fui atingido por um tiro. Fulano tem espingardas em casa. Logo, Fulano é suspeito". Por outro lado, diferentemente do longa sueco, é um alívio que Millennium não perca tempo martelando insistentemente determinadas pistas na cabeça do espectador (como os nomes seguidos de números de telefone ou as fotos de Harriet assistindo a um desfile) ou obrigando Mikael e Lisbeth a investigarem individualmente os assassinatos cometido pelo serial killer, o que seria uma tremenda perda de tempo. Aliás, a relativamente curta participação de Lisbeth na investigação é um dos grandes acertos dessa versão de Fincher, já que complementa a pesquisa feita até então por Blomkvist dentro de suas limitações como repórter, reafirma a eficiência da garota e não estende demais o segundo ato da projeção.

Tecnicamente, como era de se esperar de um filme de Fincher, Millennium é impecável. Trabalhando novamente com câmeras digitais, o diretor conta com o bom trabalho de fotografia de Jeff Cronenweth que, juntamente com a direção de arte, ressalta a frieza do ambiente e da família Vanger, além de se sair particularmente bem nas cenas noturnas ou ainda ao conferir uma correta claustrofobia às cenas de abuso sexual ou à posterior retaliação. Voltando a colaborar com Fincher após terem recebido o Oscar pelo ótimo trabalho em A Rede Social, Trent Reznor e Atticus Ross criam uma trilha discreta e incômoda que confere um tom de suspense e perigo que praticamente inexistia no longa sueco e que a trama, por si só, parece incapaz de alcançar. Além disso, os montadores Kirk Baxter e Angus Wall permitem que as tramas paralelas coexistam em harmonia e se desenvolvam da maneira adequada para uma satisfatória convergência, enquanto o departamento de som faz um ótimo trabalho tanto com os diálogos, sempre claros e limpos, quanto com os sons diegéticos trabalhando a favor da narrativa, como o ruído de certa enceradeira ou um aspirador de pó ouvido durante uma incômoda cena no escritório do tutor de Lisbeth. Por fim, a escolha de rostos pouco conhecidos do grande público ajuda a nos colocar na posição de desconhecimento e suspeita que os próprios investigadores se encontram.

Millennium: Os Homens Que Não Amavam as Mulheres é, portanto, um ótimo filme que, mesmo não suavizando os elementos pesados da trama, não chega nem perto da subversão sugerida, por exemplo, pelos excepcionais créditos iniciais (que, com uma ótima versão de Immigrant Song, se estabelece como um dos pontos altos da projeção) ou pelas notícias que destacavam o excesso de estupro anal do filme e detalhes dos adereços íntimos da personagem de Mara. Livre de expectativas desse tipo, o espectador pode se deparar com um suspense investigativo interessante e eficiente protagonizado por personagens idem, que acaba de ser juntar a Clube da Luta, Zodíaco e A Rede Social na galeria de boas adaptações para o cinema comandadas por David Fincher.

Daniel Craig e Rooney Mara em MILLENNIUM: OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES (The Girl with the Dragon Tattoo)

20 de janeiro de 2012

Crítica | A Música Segundo Tom Jobim

por Eduardo Monteiro

A Música Segundo Tom Jobim, Brasil, 2012 | Duração: 1h24m26s | Lançado no Brasil em 20 de Janeiro de 2012, nos cinemas | Roteiro de Miucha Buarque de Holanda e Nelson Pereira dos Santos | Dirigido por Dora Jobim e Nelson Pereira dos Santos.

Não sou um grande conhecedor da vida e obra de Tom Jobim. Aliás, arrisco-me a dizer que, antes de ir ao cinema ver A Música Segundo Tom Jobim, seria incapaz de reconhecer sua fisionomia ou até mesmo apontar com plena convicção alguma composição de sua autoria, mesmo que soubesse reconhecer sua importância para a música brasileira. Contudo, após assistir ao filme, fui acometido por poucas mudanças: não tenho nenhum tipo de receio em afirmar que Garota de Ipanema ou Águas de Março foram compostas por Jobim, tenho uma boa noção do alcance internacional de suas letras e melodias e conheço, por alto, aquilo que há de mais importante em sua obra, mas continuo sem um maior conhecimento sobre sua vida e ainda não reconheceria o artista caso o visse em alguma fotografia.

Dirigido por Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim (neta de Tom), o documentário musical faz um levantamento da carreira de Antônio Carlos Jobim através de imagens de arquivo - sejam elas fotográficas ou audiovisuais - de diversos artistas interpretando as canções do compositor, além dele próprio, e... só. Sem qualquer tipo de narração e tendo as interferências textuais limitadas aos créditos iniciais e finais, o filme transfere para o público a tarefa de atribuir sentido e significado àquela colcha de retalhos, cuja apreciação depende intimamente da imersão do espectador na experiência sensorial oferecida pela coletânea.

Sem uma estrutura facilmente identificável, o filme salta de um número musical para o outro sem muito critério, jamais informando ao espectador o intérprete, a canção ou o ano de cada apresentação. Desse modo, o longa torna-se particularmente frustrante para os leigos, que não conseguem acompanhar com o mesmo prazer o desenrolar das apresentações e são obrigados a tentar extrair informações fundamentais sobre as imagens através de indícios contidos nelas, como a qualidade de som e imagem ou o surgimento de equipamentos ou penteados que denunciem a época em que foram registradas - ou em último caso, aguardamdo a chegada dos créditos finais, quando então todas as informações fundamentais sobre as participações finalmente são listadas. Como exemplo, cito a antologia que reúne as mais variadas versões do mega sucesso Garota de Ipanema, que reserva para seu final um dueto de Jobim com um artista cuja importância supus justamente pela forma como a apresentação fora encaixada ali, mas tive que esperar os créditos para descobrir que se tratava de ninguém menos que Frank Sinatra.

Além disso, mesmo que não seja sua proposta, o documentário parece tentar pincelar algumas passagens da vida de Tom Jobim, mas estas nunca ficam muito claras (novamente, do ponto de vista de um leigo), já que pequenos bilhetes ou anotações que vez ou outra dominam a tela não possuem uma caligrafia legível o bastante e fotografias ou imagens de Jobim fora dos palcos raramente ganham mais que alguns segundos na tela e na maioria das vezes não dizem muita coisa, necessitando então de uma narração que poderia esclarecer como todo aquele quebra-cabeça se forma e qual sua importância para a carreira musical do cantor. Dessa forma, saí do cinema com a nítida impressão que a carreira de Jobim se resumiu a: ficar famoso rápido, partir para a carreira internacional, voltar para o Brasil, fazer parcerias diversas e envelhecer do dia para a noite - e ainda não sei onde encaixar a construção de Brasília (que recebe um certo destaque) nessa história toda.

Porém, o documentário é suficientemente eficiente naquilo que se propõe: oferecer ao público uma oportunidade de apreciar a grandiosidade das músicas escritas por Jobim. Desse modo, é delicioso ver a sintonia do cantor em suas parcerias com Elis Regina ou Vinícius de Morais, assim como observar o interesse e a admiração que o trabalho do compositor despertou em artistas internacionais, que acabaram motivados a adaptar as letras ou o ritmo das músicas para a realidade cultural de seus países, estilos ou épocas ou até mesmo a interpretar as músicas em suas versões originais, num esforçado e irregular português que diverte e encanta, por exemplo, a plateia da canadense Diana Krall, durante uma apresentação ao vivo no Rio de Janeiro.

Não fosse o bom trabalho de pesquisa e restauração do material selecionado, A Música Segundo Tom Jobim poderia facilmente passar direto pelos cinemas e ser vendido por vinte e nove e noventa no varejo mais próximo, e certamente animaria festas ou marcaria presença na coleção de quaisquer brasileiros dotados de bom gosto musical. Tom Jobim é inegavelmente um grande nome da música brasileira, mas isso não é desculpa para endeusar sua carreira e imagem a ponto de tomar como verdade citações como aquela que surge logo antes dos créditos finais e justifica o documentário: "A linguagem musical basta". Mais de cem anos de Cinema, dos quais o próprio documentário agora passa a fazer parte, estão aí para provar que por mais poética que a colocação seja, ela não é das mais brilhantes - ao menos do ponto de vista cinematográfico.

19 de janeiro de 2012

Crítica | As Aventuras de Tintim

por Eduardo Monteiro

The Adventures of Tintim, EUA/Nova Zelândia, 2011 | Duração: 1h46m43s | Lançado no Brasil em 20 de Janeiro de 2012, nos cinemas | Baseado em "As Aventuras de Tintim" de Hergé. Roteiro de Steven Moffat e Edgar Wright & Joe Cornish | Dirigido por Steven Spielberg | Com as vozes de Jamie Bell, Andy Serkis, Daniel Craig, Nick Frost, Simon Pegg, Daniel Mays, Gad Elmaleh, Toby Jones, Joe Starr, Enn Reitel, Mackenzie Crook, Tony Curran, Sonje Fortag, Cary Elwes.

Faço parte do time de pessoas que não tiveram suas infâncias marcadas por livros, graphic novels ou desenhos animados de Tintim. Minoria ou não, o fato é que fui receoso ao cinema conferir As Aventuras de Tintim, em função tanto das irregularidades técnicas e narrativas apresentadas pelos últimos longas produzidos com a técnica de animação em motion capture quanto das altas expectativas generalizadas criadas em torno da nostalgia que o filme poderia despertar, onda na qual eu obviamente não estava incluído - e qual não foi minha surpresa ao constatar que não, não é preciso qualquer tipo de conhecimento ou sentimento prévios em relação aos personagens para se encantar com a produção, e sim, a técnica do motion capture não só é muitíssimo bem executada, como também desempenha um papel fundamental na construção de uma curiosa atmosfera cartunesca que invariavelmente despertará recordações infantis em qualquer um que ainda possua um coração batendo dentro do peito.

Misturando elementos de três diferentes histórias (O Segredo de Licorne, O Caranguejo das Tenazes de Ouro e O Tesouro de Rackham, o Terrível) criadas por Georges Remi sob o pseudônimo de Hergé, o roteiro de Steven Moffat, Edgar Wright e Joe Cornish traz o jovem e aventureiro jornalista Tintim (Bell) sendo perseguido por Ivan Ivanovitch Sakharin (Craig), este último motivado por preciosas informações escondidas em uma réplica em miniatura do majestoso galeão Licorne recém adquirida pelo protagonista. Dessa forma, Tintim acaba sendo raptado e levado ao cargueiro Karaboudjan, onde o beberrão Capitão Archibald Haddock (Serkis) é mantido como prisioneiro, uma vez que Sakharin planeja usá-lo para decifrar pistas sobre a localização de um tesouro e, depois disso, colocar em prática um acerto de contas oriundo de uma antiga rivalidade iniciada pelos ancestrais de ambos.

Partindo de créditos iniciais simples e simpáticos, que parecem despreocupados em adiantar a dimensão dos eventos que ainda estão por vir, As Aventuras de Tintim introduz com calma e objetividade a trama e, junto dela, os personagens, que contam com uma dualidade curiosa em seu design: sem qualquer fidelidade com a fisionomia dos atores que lhes dão vida (diferentemente de A Lenda de Beowulf ou O Expresso Polar), os bonecos digitais criados pela Weta Digital de Peter Jackson apresentam formação óssea, musculatura, pelos e veias sobressalentes absolutamente convincentes e estão praticamente livres da aparência borrachuda e dos olhos vidrados de outros trabalhos de motion capture - e se por um lado, proporções corporais, texturas e movimentos contam com uma considerável dose de realismo (especialmente o visual de Tintim, que surge como o mais realista e convincente), algo que aproxima o espectador e justifica o emprego dessa técnica de animação em particular, por outro, alguns poucos traços caricaturais (especialmente narizes) e a falsidade sutil, mas notável, inerente à técnica, dão um tom mais fantasioso ao universo que, dominado por situações amplamente exploradas em cartoons como os Looney Tunes (de pássaros - reais, não imaginários - orbitando a cabeça de alguém após uma pancada a personagens que, durante uma queda, atravessam varais cheios de roupas e chegam ao chão vestidos) parece abrigar personagens estacionados na divisa entre o real e o cartunesco.

Aproveitando-se dessa abordagem, o diretor Steven Spielberg abraça com vigor a ampla liberdade permitida pela animação computadorizada e cria várias de ótimas sequências que jamais seriam possíveis em um filme live action, a não ser, é claro, se fossem realizadas com uma cavalar dose dos mais sofisticados efeitos especiais e trucagens. Assim, quando não está executando bobagens graças ao deslumbramento com as imensas possibilidades (vide as tomadas nas quais a "câmera" atravessa vidros ou frestas pequenas), o diretor concebe diversos enquadramentos ou travellings sofisticados e milimetricamente calculados, além de realizar com a colaboração do montador Michael Kahn diversas transições belíssimas e curiosas, como toda a sequência em que o capitão Haddock recorda das (também espetaculares) batalhas navais de seus antepassados. Porém, o destaque óbvio fica por conta do sensacional plano-sequência no qual Tintim, Haddock e Sakharin atravessam o vilarejo de Bagghar em uma perseguição alucinante, que torna-se ainda mais interessante por acompanhar, sem cortes, diversas ações simultâneas e por utilizar com maestria e bom humor a geografia do local e os objetos de cena.

Porém, por mais deslumbrantes que as sequências de ação e a direção de arte sejam, os meandros que unem estes elementos não contam com a mesma boa forma. Para começar, o primeiro ato peca pelo excesso de exposição; basta ver como o protagonista faz questão de compartilhar toda e qualquer informação com o cachorro Milu. E se por um lado é razoável abrir uma série de concessões e passar a encarar o desenrolar da trama de forma menos crítica (diferentemente do que ocorria em Gamer, em As Aventuras de Tintim é muito mais fácil aceitar que uma pessoa regurgite álcool para ser usado como combustível), é difícil engolir, por exemplo, a forma forçada como os divertidos policiais Dupond e Dupont (Pegg e Frost) são trazidos de volta para a trama no terceiro ato. Por outro lado, vale mencionar que o filme consegue acertar e divertir até mesmo quando dedica atenção a uma ação deliberadamente inútil para a evolução da trama em si, como o caso particular do momento em que Tintim deve alcançar um molho de chaves no dormitório da tripulação do Karaboudjan que, além de contar com um eficiente e bem humorado mise en scène, ajuda a moldar a personalidade do então recém apresentado capitão Haddock.

Adotando uma boa profundidade de campo na maior parte do tempo, que permite que a versão em 3D seja apreciada sem maiores incômodos, As Aventuras de Tintim é um filme envolvente e empolgante que, evitando tanto exagerar na violência quanto ignorá-la, é absolutamente recomendado para todos os públicos, de todas as idades. Agora, só nos resta a esperança de que parcerias como a de Steven Spielberg e Peter Jackson, dois apaixonados confessos pelo material com o qual trabalham e em momentos inspirados de suas carreiras, não tardem a se repetir. Se com o filme conseguimos revisitar nossas infâncias, não custa nada sonhar com essa possibilidade.

18 de janeiro de 2012

Crítica | 50%

por Eduardo Monteiro

50/50, EUA, 2011 | Duração: 1h39m56s | Lançado no Brasil em 18 de Janeiro de 2012, em DVD e Blu-ray | Roteiro de Will Reiser | Dirigido por Jonathan Levine | Com Joseph Gordon-Levitt, Seth Rogen, Anna Kendrick, Bryce Dallas Howard, Anjelica Huston, Serge Houde, Philip Baker Hall, Matt Frewer, Andrew Airlie.

Na primeira cena de 50%, enquanto vemos um trecho da saudável rotina de exercícios físicos de Adam (Gordon-Levitt), o título do filme surge sem avisos, de maneira abrupta e deselegante, e domina a tela. Numa pequena extrapolação, não é difícil relacionar essa introdução à premissa do longa em si, já que o raro tumor na coluna descoberto pelo protagonista pega de surpresa um jovem saudável, prudente, careta, que não bebe nem fuma e cuja maior transgressão é ter um amigo interpretado pelo desbocado Seth Rogen, e redefine a vida e a rotina dele próprio e das pessoas que o cercam, nenhuma delas suficientemente preparada para lidar com a complexidade e a gravidade da situação.

Inspirado na luta contra o câncer do produtor e roteirista estreante Will Reiser (que faz uma breve aparição como uma das pessoas inconvenientes que tentam consolar Adam em uma festa), o roteiro de 50% surge com a missão ingrata de frustrar expectativas predefinidas a respeito de "dramalhões sobre câncer" - e quanto a isso, alcança resultados adversos. Pesando para o lado desfavorável da balança, o destaque fica por conta de toda a atenção voltada para os interesses românticos do protagonista que, além de soarem falsos e forçados (a evidente falta de química entre Gordon-Levitt e Dallas Howard desde o princípio denuncia o que irá acontecer), em momento algum fogem do lugar comum e parecem apenas tentar ratificar as nuances da trajetória emocional do rapaz.

Por outro lado, o texto de Reiser é repleto de acertos - a começar pelos aspectos cômicos, que compactuam com a dificuldade inicial de assimilar a gravidade da doença ao mesmo tempo que funcionam como uma forma de defesa encontrada pelos personagens para conviver com ela. Além disso, a ideia de inserir Katherine (Kendrick) no tratamento de Adam, uma terapeuta jovem e inexperiente que parece ter na ponta da língua uma explicação teórica e engessada para cada sintoma psicológico do rapaz, é uma ótima sacada, já que contribui para a frustração do protagonista e ainda incita uma reflexão sobre o modo ocasionalmente impessoal e sistematizado com que pacientes são tratados (algo também representado, de forma bem menos sutil, pela frieza do médico que comanda o tratamento), além de nos levar a questionar se seguir um protocolo pré-estabelecido é sempre a melhor forma de tratar um paciente - e nesse sentido, é interessante notar como a relação entre Adam e Katherine só passa a surtir algum efeito positivo quando a garota quebra as regras predefinidas para a relação terapeuta-paciente e passa a usar, por exemplo, o toque no rapaz não como uma lição de casa da faculdade, mas como um afago intencional e pessoal.

Ainda nesse aspecto, o roteiro acerta ao não dedicar-se demais ao tratamento diferenciado que portadores de doenças graves recebem e suas naturais insatisfações quanto a isso, algo que é basicamente compactado na cena da absurda festa organizada pelo amigo Kyle (Rogen) que, por pouco, não o estabelece como um amigo desnaturado que enxerga na enfermidade de Adam uma oportunidade imperdível de aproximar-se de mulheres. Dessa forma, o delicado tema é explorado de forma mais interessante em outras frentes, como através da postura superprotetora da mãe de Adam, vivida com imenso talento por Anjelica Huston, que, além de sofrer com o tocante drama pessoal da solidão (o marido sofre de Alzheimer e o filho não retribui sua preocupação), empenha-se ao máximo em proporcionar conforto e suporte ao filho, ou até mesmo do comportamento imaturo de Kyle que, representando uma fiel encarnação da persona cinematográfica de Seth Rogen, jamais parece conseguir acostumar-se com a ideia de perder o amigo e, dessa forma, suas várias atitudes inapropiradas são compensadas por seu otimismo e pela fidelidade ao amigo.

Porém, como não poderia deixar de ser, 50% também traz as velhas discussões sobre a completa sujeição e impotência que uma enfermidade como o câncer causa em sua vítima, o que leva, naturalmente, às boas reflexões sobre a efemeridade da vida, potencializadas pela pouca idade do protagonista. Dessa forma, a boba cena em que Adam caminha por um corredor de hospital chapado por bombons de maconha só não é desastrosa por trazer o protagonista sendo obrigado a rir até mesmo da ideia da morte, tornando-se quase emblemática ao marcar o início da abdicação de algumas posturas excessivamente cautelosas que talvez o tivessem feito aproveitar a própria vida menos do que sua juventude teria permitido. Nesse sentido, o desabafo de Adam às vésperas de uma delicada cirurgia surge como um dos pontos altos do longa, quando o rapaz finalmente extravasa sua óbvia frustração diante da possibilidade de deixar o mundo sem nunca ter "visitado o Canadá" ou dito a uma mulher que a amava.

Tudo isso, claro, só é transmitido com eficiência graças à boa atuação de Joseph Gordon-Levitt que, escalado às pressas após James McAvoy abandonar o projeto por motivos pessoais, volta a exibir talento e carisma (tenho vontade de abraçá-lo quando, após descobrir sobre o tumor e com um sorriso simpático no rosto, ele diz ao médico: "Isso não faz sentido. Eu não fumo, não bebo. Faço reciclagem...") que criam um contraste adequado com a fisionomia mais dura, rígida, quase como um escudo, de quando o abatimento finalmente o alcança  - o que é natural para uma pessoa que não consegue nem mesmo aliviar as tensões através do prazer carnal, por sentir uma intolerável dor nas costas durante o ato sexual. Além disso, a cena em que Adam e seus pais aguardam a chamada para a cirurgia é tão tocante quanto deveria ser e, graças aos belos desempenhos de Gordon-Levitt, Anjelica Huston e Serge Houde, representa um verdadeiro chute nas glândulas lacrimais até mesmo nos mais insensíveis mortais.

Com uma direção contida e discreta de Jonathan Levine (que ainda não havia lançado nenhum trabalho muito expressivo), a narrativa é conduzida de modo a permitir que sensibilidade e bom humor coexistam, conseguindo, por exemplo, encontrar um tom adequado para o desfecho que, bem como as chances de cura de Adam, possuiria a mesma probabilidade de problemas para cada uma das duas possibilidades, já que tanto um final feliz quanto um triste poderiam ser desastrosos nas mãos erradas (como não estamos vendo a novela das nove, a tensão durante o pronunciamento da cirurgiã após a operação existe sem que para isso haja pausas dramáticas).

Contando ainda com uma trilha que encontra espaço para canções de bandas como Pearl Jam e Radiohead e composições do sempre eficiente Michael Giacchino, 50% é um bom filme cujas possibilidades de premiação encontram ressonância em Juno, de 2007 - isto é, baixíssimas, apesar da badalação em torno do filme na ocasião do lançamento. Possivelmente não ficará marcado na história do cinema, mas isso não significa que deva ser esquecido ou mereça ser ignorado.

13 de janeiro de 2012

Crítica | Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras

por Eduardo Monteiro

Sherlock Holmes: A Game of Shadows, EUA, 2011 | Duração: 2h05m55s | Lançado no Brasil em 13 de Janeiro de 2012, nos cinemas | Escrito por Michele Mulroney & Kieran Mulroney | Dirigido por Guy Ritchie | Com Robert Downey Jr., Jude Law, Jared Harris, Noomi Rapace, Kelly Reilly, Stephen Fry, Geraldine James, Eddie Marsan e Rachel McAdams.

Independente da abordagem ou da mídia em que se encontra, o suspense é uma característica imprescindível para qualquer história protagonizada por Sherlock Holmes. Assim, é esperado que várias pistas aparentemente desconexas sejam lançadas ao longo da narrativa para, em algum momento próximo ao fim, serem amarradas graças ao exímio poder de dedução do personagem-título, de forma coerente e inteligente. Por isso, talvez, Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras seja tão decepcionante: investindo em um caso cuja maior parte da investigação ocorreu antes do início da narrativa, o novo longa de Guy Ritchie se atém na maior parte do tempo à etapa braçal da resolução do mistério e explora com um quê a mais todos os elementos de sucesso do filme anterior - e o roteiro certamente não era um deles.

Dando continuidade ao desfecho do longa de 2009, quando o professor James Moriarty era sugerido com um antagonista em potencial para uma provável continuação, o roteiro escrito por Michele e Kieran Mulroney (do indie Tempo de Crescer) traz de volta o detetive Sherlock Holmes (Downey Jr.) ainda mais afetado que antes e em meio a uma investigação que transcorre sem a ajuda de seu antigo parceiro, Dr. John Watson (Law), em função da aproximação de seu casamento com Mary (Reilly). Porém, pelas forças das circunstâncias, Watson acaba unindo-se novamente a Holmes para desvendar o ambicioso plano de Moriarty (que agora ganha um rosto, o de Jared Harris), que, como eles descobrem, envolve o radical irmão da cigana Madame Simza (Rapace), a iminência de uma guerra e a indústria armamentista.

Pegando como base o humor da nova roupagem introduzida no longa anterior, este novo exemplar faz uma mistura entre elementos de filmes de espionagem/conspiração e o ludismo de Piratas do Caribe e transpõe para a Europa do século XIX - o que nos dá um Sherlock Holmes com invulnerabilidade, gama de habilidades e vigor físico típicos do espião James Bond juntamente com a comicidade e a imprevisibilidade esperadas do Capitão Jack Sparrow. Dessa forma, situações como Holmes usando o cachorro Gladestone novamente como cobaia para testes de sedativos (até quando?), transformando o 221B da Baker Street em uma pequena floresta ou bebendo formol com certa consciência são inseridas no roteiro, na maioria das vezes, sem a menor preocupação de esboçar explicações plausíveis para tais atitudes - e tudo isso só não torna-se embaraçoso porque Robert Downey Jr., agora com os cabelos mais longos e modernos, bilha mais uma vez no papel do detetive, conquistando pelo bom humor e carisma ao mesmo tempo que confere veracidade à percepção diferenciada do personagem, que em diversos momentos mantém-se recluso nos próprios pensamentos enquanto processa informações ou percorre e avalia todo o ambiente com os olhos.

As deduções de Holmes aqui, porém, condizem com a má qualidade do roteiro, decepcionando ocasionalmente pela complexidade (repare como a descoberta de uma passagem secreta em determinado cômodo é confusa e repleta de suposições no mínimo improváveis) e, quando envolvem o caso central, na maior parte das vezes revelam-se apenas meras associações interpessoais que, por fim, sempre acabam levando a Moriarty. Dessa forma, as cenas de ação, por mais que nem sempre acrescentem algo ao desenvolvimento da trama ou dos personagens, representam o ponto alto do filme: conduzidas com energia, intensidade e agilidade por Guy Ritchie, essas sequências superam em todos os aspectos aquelas vistas no filme anterior - e, infelizmente, as melhores delas (como a do trem ou a do bar, onde conhecem Madame Simza) ocorrem em sua maioria na primeira metade. Porém, é na segunda metade que o grande destaque técnico ocorre e impede que o tédio não domine a reta final: quando Harry, Rony e Hermione Holmes, Watson e Simza fogem alucinadamente dos Comensais da Morte capangas de Moriarty por uma floresta, Ritchie encarna Zack Snyder (300, Sucker Punch - Mundo Surreal) e utiliza em abundância técnicas como slow motion ou câmeras presas a objetos ou ao corpo dos atores (criando uma sensação incômoda ao manter determinado ponto do objeto ou da pessoa fixo no quadro), o que gera belos planos nos quais troncos de árvores são estraçalhados por balas de canhão, explosões lançam terra para todos os lados ou closes revelam detalhes dos mecanismos internos de armas e canhões.

Aliás, a câmera lenta volta a aparecer de forma notável em diversos outros momentos do longa, em especial nas ocasiões em que Holmes prevê as ações de seus oponentes durante certas lutas - mas até essas acabam prejudicadas quando a necessidade latente de subverter a ideia original toma conta das sequências e fere a própria lógica (a espécie de diálogo mental que transcorre em um confronto próximo ao desfecho não faz nenhum sentido). Por outro lado, a ótima fotografia do francês Philippe Rousselot ressalta a bela recriação de época, que agora expande sua abrangência para outros territórios da Europa seguindo a já mencionada afinidade com filmes de espionagem como as franquias 007 e Missão: Impossível ou a trilogia Bourne, que nunca contentam-se em sediar sua história em apenas uma nação. Para completar, Hans Zimmer faz um ótimo trabalho readaptando os acordes criados por ele mesmo no filme anterior, chegando até mesmo a remeter, ainda que involuntariamente, à trilha de Piratas do Caribe, da qual também participou e que compatibiliza-se com o comportamento afetado de Sherlock Holmes.

Brincando novamente com a evolução tecnológica do final do século XIX, (carros e armas mais parecem protótipos), Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras é um filme que traz em seu próprio subtítulo uma sugestão exagerada sobre sua narrativa, que jamais oferece pistas suficientes para que o espectador seja envolvido pelo tal jogo de aparências e crie suas próprias teorias sobre o que pode estar acontecendo. Aliás, é difícil aceitar que Holmes e Moriarty tenham estado cara-a-cara por tantas ocasiões sem que este último tenha tomado medidas mais incisivas para que o protagonista não voltasse a intervir em seus planos, permitindo que Holmes, Watson e Simza sempre se desvencilhem e retornem à fase de buscar informações sobre pessoas conectadas a Moriarty, para posteriormente voltar a encontrá-lo. Por fim, a forma como o plano do vilão acaba sendo desvendado e passa a ser ameaçado por Holmes decepciona pela simplicidade e pela falta de conexão com tudo o que foi trabalhado nas quase duas horas anteriores da projeção.

Pior que isso, Michele e Kieran Mulroney conseguem a proeza de inserir elementos cuja aleatoriedade denuncia imediatamente seu uso posterior (Watson ganha de aniversário uma ampola com um antídoto. Isso mesmo: uma ampola, com um antídoto!) ou outros que nos levam até mesmo a questionar a esperteza do detetive - e não precisa ser muito inteligente para concluir que os disfarces camuflados que Holmes veste em duas cenas são uma fraude, já que o funcionamento deles depende exclusivamente da posição estática da câmera, o que exclui, por exemplo, o efeito que cada traje teria sobre Watson, que move-se em cena em ambos os casos. Sem contar, é claro, o tempo e o trabalho empregados na confecção das roupas que jamais justificariam seu uso único, especialmente nas situações bobas vistas no filme.

E tudo isso me leva a questionar se a ambiguidade da interrogação vista na última cena do filme será notada apenas por mim. Afinal, nada impede que a continuidade sugerida - como quem diz: "aguarde o próximo filme" - seja interpretada como incredulidade - como quem pergunta: "Foi só isso mesmo?"

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12 de janeiro de 2012

Crítica | A Hora da Escuridão

por Eduardo Monteiro

The Darkest Hour, EUA/Rússia, 2011 | Duração: 1h29m06s | Lançado no Brasil em 13 de Janeiro de 2012, nos cinemas | História de Leslie Bohem & M.T. Ahern e Jon Spaihts. Roteiro de Jon Spaihts | Dirigido por Chris Gorak | Com Emile Hirsch, Olivia Thirlby, Max Minghella, Rachael Taylor, Joel Kinnaman, Veronika Ozerova, Dato Bakhtadze, Gosha Kutsenko, Artur Smolyaninov.

Em certo instante de A Hora da Escuridão, o pequeno grupo principal de sobreviventes do apocalipse alienígena encontra um rádio de comunicação estacionado dentro de uma gaiola na abandonada embaixada dos Estados Unidos em Moscou. Com o auxílio de uma haste, um deles consegue ligar o aparelho, que aparentemente só funciona ali dentro - mas isso não parece gerar qualquer tipo de espanto nos personagens. Eu, que nunca faltei às aulas de Física, imediatamente associei o caso ao conceito da Gaiola de Faraday, e fiquei bastante surpreso ao constatar que o filme, absurdamente explicativo até então, não se propôs a detalhar o conceito físico por trás daquela cena. O espanto, porém, não durou muito e, alguns minutos depois, a explicação é dada por algum dos personagens quando o grupo é levado a um apartamento onde um homem (que também não deve ter faltado às aulas de Física) cercara com grades todo o perímetro do local. Nesse instante, confirmei duas suspeitas que vinha tendo até então sobre o longa: 1) não haverá surpresas e 2) o espectador não é inteligente o suficiente e, por isso, tudo (mesmo!) será explicado.

Dirigido pelo inexperiente Chris Gorak (se em algum momento você pensou que o filme era comandado pelo "visionário cineasta Timur Bekmambetov" - que apenas produz -, então você caiu no golpe da campanha de divulgação), o longa acompanha um grupo de turistas americanos em Moscou que sobrevive à chegada nada amigável de seres alienígenas à Terra, em meio a uma tempestade elétrica que, como esperado, compromete mundialmente o fornecimento de energia elétrica e as telecomunicações. Após passarem alguns dias reclusos na despensa subterrânea de um bar, os jovens decidem ir até a embaixada dos Estados Unidos em busca de ajuda - e não desistem nem mesmo após andarem por horas pela cidade sem cruzar com uma vivalma sequer. Cientes da natureza elétrica dos alienígenas que, invisíveis, denunciam-se sempre que se aproximam de lâmpadas ou aparelhos eletrônicos, os jovens passam a evitar translados diurnos e, após algum tempo desempenhando atividades potencialmente perigosas, descobrem que uma embarcação para sobreviventes partirá em breve da cidade, o que alimenta neles uma esperança de sobrevivência e continuidade da espécie humana.

Escrito por Jon Spaihts a partir de uma história criada por ele mesmo juntamente com Leslie Bohem e M.T. Ahern, o roteiro de A Hora da Escuridão não parece preocupado em criar algo novo e, dessa forma, limita-se a repetir elementos e até mesmo sequências inteiras de eventos vistos em outros filmes apocalípticos ou sobre invasões alienígenas: sobreviventes alojarem-se em um shopping center, por exemplo, é algo que Madrugada dos Mortos já havia explorado; a cauterização dos humanos vista aqui, mesmo eficiente em sua intensidade PG-13, não difere muito da desintegração promovida pelos invasores de Guerra dos Mundos; e por fim, os jovens vislumbrarem um apartamento aceso em meio à escuridão da cidade, irem até lá e encontrarem um homem de meia idade e uma jovem bem adaptados àquele caos e, em seguida, ouvirem em um rádio uma transmissão militar que reacende a esperança de salvação, impulsionando-nos a percorrer um trajeto arriscado, é algo que já foi explorado, na mesmíssima ordem, em Extermínio, de Danny Boyle.

Dessa forma, se a natureza invisível e elétrica dos alienígenas é uma característica que poderia ter tornado o filme diferenciado de alguma forma, o modo como ela é explorada pelo roteiro surge como um completo desserviço e sabota qualquer potencial que a ideia poderia ter. Para começar, a invisibilidade até consegue gerar, de forma bastante literal, uma tensão advinda do temor por aquilo que não é visto (como ocorria, de outro modo, com os personagens-título de Alien, o Oitavo Passageiro ou Tubarão), até o momento em que nossa falta de domínio sobre a posição ou a velocidade de deslocamento dos invasores passa a ser um pretexto para que os protagonistas saiam ilesos de situações de alto risco - o que, de tabela, também diminui o impacto das cenas em que algum deles eventualmente acaba sendo vitimado, já que em ambos os casos o sucesso ou não dos ataques soa arbitrário e parece muito mais uma conveniência do roteiro do que uma relação clara de causa e consequência.

Repare, por exemplo, a cena em que Sean (Hirsch) e Ben (Minghella) são surpreendidos por um alienígena em plena luz do dia, na Praça Vermelha (o que seria deles se não houvesse um cachorro para alertá-los da aproximação dos alienígenas?): neste caso, não só a decisão aparentemente calculada de esconderem-se embaixo de uma viatura policial é ligeiramente absurda (como se eles, assim como nós, tivessem conhecimento da trajetória percorrida pelo alienígena), como também a certeza, alcançada segundos depois, de que não correm mais perigo é absolutamente incompatível com o que esperaríamos de pessoas que passaram mais de oitenta horas trancafiadas em um mesmo local por medo daqueles seres. Além disso, os roteiristas acovardam-se com a simplicidade da ideia inicial dos extraterrestres e, sob os cuidados da equipe de direção de arte, concebem um monstrengo com os traços mais tradicionais possíveis no comando da esfera eletromagnética invisível, algo que apenas reforça o desapego pela originalidade.

O maior problema do roteiro, porém, não reside nos alienígenas, que - coitados! - apenas tiveram a infelicidade de escolher o único astro habitado do sistema solar (quiçá da galáxia) para extrair recursos também abundantes em outros corpos celestes. O que incomoda de verdade é a unidimensionalidade dos personagens (também é impressionante a forma gritante como os roteiristas estabelecem a hierarquia entre eles, de modo que não é muito difícil supor quais deverão morrer e em qual ordem), que mesmo com intérpretes moderadamente simpáticos, jamais conquistam o público e, para piorar, julgam que somos tão burros quanto eles próprios. Dessa forma, somos torturados com diálogos que fazem questão de mastigar toda informação nova sempre que alguma surge (Ben: "Não sabemos se eles podem ver ou ouvir". Sean: "Mas sabemos que podem matar"), na maioria das vezes sem a menor necessidade, como o que ocorre quando o grupo descobre que outras grandes capitais do mundo também foram atacadas (o interior, como sempre, não é interessante o suficiente para os alienígenas) e Natalie (Thirlby) toma a palavra para nos informar o óbvio: "Então Skyler (Kinnaman) estava certo" apenas para que, em seguida, insatisfeita, Anne (Taylor) reformule: "Não existe mais 'casa'...".

Aliás, se a ideia de situar a trama em Moscou tinha como intenção prestar uma homenagem à capital russa, o resultado alcançado é quase oposto, já que além de pensarem que todos os territórios externos aos Estados Unidos formam uma imensa nação cuja língua oficial é o espanhol, os quatro sobreviventes parecem ter uma necessidade quase patológica de abandonar o local, chegando ao extremo quando o personagem de Hirsch solta a possível pior fala do filme: "De que adianta salvar a vida das pessoas se não pode levá-las para casa?". Por outro lado, Gorak (que, além de ter dirigido Toque de Recolher, já havia trabalhado com Direção de Arte e Desenho de Produção) conduz com eficiência e segurança técnica a maior parte da projeção, explorando bem as paisagens russas (os efeitos especiais, que garantem a destruição e o abandono de grandes monumentos, também são eficientes), mas falhando sempre que o roteiro exige que imbecilidades sejam transformadas em imagens (como transformar uma cena na qual um personagem insiste em carregar uma arma, mesmo consciente de sua inutilidade, em algo convincente?) ou nos momentos em que precisa lembrar ao espectador que o filme é em 3D (inútil, diga-se de passagem), graças à ótima pontaria dos alienígenas, que sempre erram suas vítimas mas sempre acertam a câmera.

Com direito a pessoas bêbadas que não conseguem esboçar nenhuma reação diante de fenômenos curiosos ocorrendo no céu, descargas elétricas que não eletrocutam, ônibus desgovernados que terminam suas trajetórias em locais convenientes e pessoas que acreditam que duas dúzias de lâmpadas (ou "dispositivos de alerta", como os próprios personagens fazem questão de explicar) jogadas no chão de um espaço pequeno não são suficientes para denunciar a presença dos alienígenas e, assim, precisam lançar mais umas duas dúzias, A Hora da Escuridão é um filme cujo maior mérito é a pequena duração (pouco mais de oitenta minutos), que parece o único aspecto realmente consciente da besteira que o longa é. Isso, claro, caso você realmente decida por assistí-lo e precise procurar algo de bom nele.

10 de janeiro de 2012

Crítica | As Aventuras de Agamenon - O Repórter

por Eduardo Monteiro

As Aventuras de Agamenon - O Repórter, Brasil, 2012 | Duração: 1h19m15s | Lançado no Brasil em 6 de Janeiro de 2012, nos cinemas | Roteiro de Marcelo Madureira e Hubert | Dirigido por Victor Lopes | Com Hubert, Marcelo Adnet, Luana Piovani, Pedro Bial, Marcelo Madureira, Ruy Castro, Luiz Carlos Miele, Alcione Mazzeo, Paulo Coelho, Gulhermina Guinle, Tonico Pereira, Russo e a narração de Fernanda Montenegro.

Quando criança, eu, muito brincalhão (e modesto, como devem supor), tinha por hábito criar pequenas anedotas cuja graça residia exclusivamente na falta de nexo das situações ou falas apresentadas. Se não me falha a memória, a título de exemplo, a principal delas era: "Um garoto perguntou: 'Mãe, me dá uma bicicleta?'. E ela respondeu: 'Não, meu filho, você já tem uma cama'. Depois daquele dia, o menino nunca mais comeu macarrão". No entanto, os anos chegaram e, com eles, a maturidade me fez perceber que aquilo não era mais suficiente para arrancar boas risadas dos meus amigos - a não ser, é claro, que estes estivessem suficientemente alterados sob efeito de algum tipo de entorpecente. Porém, prestes a completar 21 anos de idade, deparo-me com algo absolutamente desanimador: As Aventuras de Agamenon - O Repórter, filme nacional com um roteiro (escrito por dois cidadãos cujas idades somadas ultrapassam em 5 vezes a minha) voltado para o público adulto que parece acreditar que a falta de nexo por si só é algo ridiculamente engraçado - além, claro, da busca incessante por risadas contínuas, através de uma overdose de trocadilhos e piadas sexuais e escatológicas gratuitas jogadas a esmo.

Adotando uma estrutura que mescla (bondade minha) documentário com ficção, o filme se propõe a contar a história do jornalista fictício Agamenon Mendes Pedreira (Adnet, na fase jovem, e Hubert, na fase adulta), uma espécie de Forrest Gump brasileiro: mentalmente desfavorecido, o sujeito participa (certas vezes, de forma ativa) de diversos momentos da história mundial recente enquanto interage com o robô (talvez seja um ser humano, mas não posso precisar) Pedro Bial ou, mais diretamente, com a esposa Isaura (Piovani) e o psicoproctologista... er... Jacintho Leite Aquino Rêgo (Madureira), ambos inseridos exclusivamente para encaixar piadas sobre, respectivamente, traição e exame de próstata.

Episódico como uma sitcom repleta de pequenos esquetes, o longa dirigido por Victor Lopes sequer tenta disfarçar a linguagem televisiva enraizada e a própria falta de objetivo e limita-se a entregar um torturante episódio estendido de Casseta & Planeta (como não associar, por exemplo, as geringonças mirabolantes às Organizações Tabajara?), utilizando a profissão de seu protagonista como pretexto para abraçar todo e qualquer fato histórico que permita uma ou duas piadas. Incapazes de perceber que insinuações sobre tamanho do pênis não são a forma mais sofisticada de se fazer humor, Hubert e Madureira (que passaram - pasmem! - dois anos desenvolvendo o roteiro) não se intimidam nem mesmo em inserir grandes desastres dentre os eventos comicamente presenciados por Agamenon, rebaixando fatos como o ataque ao World Trade Center, a bomba atômica detonada em Hiroshima ou a morte da princesa Diana a situações dignas de chacota.

Dessa forma, adequando o desenvolvimento (bondade minha) da história à demanda por piadas, o diretor e os roteiristas criam uma verdadeira bagunça cinematográfica que, até para os padrões do próprio filme, assusta pela incoerência e pelo excesso de pontas soltas (como relacionar de forma coerente, por exemplo, o assassinato visto no começo do filme com os acontecimentos do desfecho?). Além disso, ignorando os óbvios problemas de ritmo (um clímax até é esboçado, mas o longa logo é encerrado de forma abrupta - o que no fundo acaba sendo um alívio), o filme apresenta uma série de problemas de linguagem, algo que não surpreende por tratar-se de um filme derivado de uma coluna escrita do Jornal O Globo produzida para o cinema por incompetentes - e repare, por exemplo, como o relato da infância de Agamenon se enquadraria perfeitamente em um show de stand-up ("Quando eu era criança, era tão pobre que todo mundo lá em casa usava uma roupa só: o vestido de noiva da minha mãe" - pausa para risos da plateia) mas, transformado em audiovisual, torna-se algo embaraçosamente sem graça.

Para piorar, a mediocridade dos roteiristas volta a ficar evidente quando uma série de piadas, que já eram sofríveis a princípio, são repetidas sem pudor algum ao longo do próprio filme, desde citações a fatos ou personalidades em épocas anteriores às suas existências até as recorrentes sugestões de que certos xingamentos são na verdade elogios. Além disso, a insistência em exibir seus personagens repetindo os próprios nomes, concebidos através de trocadilhos infantis (como o já citado Jacintho Leite Aquino Rêgo ou o Barão do Pau Barbado), só não é mais irritante que a importância dada à mediocridade da imprensa marrom brasileira, desde a ressurreição do caso do jogador Ronaldo com os travestis (céus, alguém ainda se importa com isso?) até as diversas menções ao Big Brother Brasil, possibilitadas graças à participação vexatória do apresentador Pedro Bial. E como se isso não fosse suficiente para datar o humor do filme, Hubert e Madureira ainda inserem paródias desconexas a produções nacionais (Bruna Surfistinha, Chico Xavier e Cidade de Deus), que certamente deixariam orgulhosos os americanos Aaron Seltzer e Jason Friedberg (Os Vampiros Que Se Mordam, Espartalhões, Deu a Louca em Hollywood). Ainda por cima, os roteiristas demonstram uma completa estagnação de seus sensos de humor, em especial, quando tentam emplacar piadas envolvendo a sexualidade de Leonardo DiCaprio que, derivadas de um ciúme masculino bobo e generalizado da época de Titanic, quando o ator fazia sucesso entre as mulheres, ignoram os mais quase quinze anos de carreira que se sucederam dali e que foram mais que suficientes para enterrar a sete palmos esse preconceito estúpido.

Surpresa ou não, tecnicamente, o filme também deixa bastante a desejar - a não ser, é claro, que o bunker (um trocadilho para "bunda", como descobri com o filme) de Hitler visto em certo momento seja uma homenagem enrustida aos cenários do seriado Chaves, produzido para a televisão na década de 70. Há de se reconhecer, entretanto, que os efeitos utilizados na transmutação do Agamenon jovem no adulto são eficientes, mas nem isso mascara a preguiça dos autores de criar uma explicação decente para a mudança repentina de aparência do protagonista e nem diminui o fardo da constatação de que dali para frente seremos obrigados a aturar em tempo integral a caricata performance de Hubert. Aliás, tirando Luana Piovani, que não é obrigada a usar dentaduras ou perucas que mais parecem assessórios do Pânico na TV, e Russo, o lendário assistente de palco da Rede Globo que, sumido há anos, aqui surge em uma ponta no único esquete minimamente divertido de todo o longa (aquele envolvendo a disputa que definirá o próximo papa), todos os profissionais envolvidos na produção deveriam se envergonhar de suas colaborações, alguns em maior grau (o falso depoimento de Fernando Henrique Cardoso é embaraçoso) e outros com menor vigor (shame on you, Fernanda Montenegro!).

O que nos leva, claro, à participação do ótimo Marcelo Adnet, tida como única esperança de salvação de um projeto que aparentemente já nasceu condenado. E não, nem o comediante consegue salvar as cenas que protagoniza, já que elas invariavelmente sofrem dos mesmos problemas citados anteriormente e obrigam o ator a entregar uma interpretação irregular, caricata e repleta de tiques falsos e irritantes, que talvez funcionassem em seus programas na MTV - quando, então, ele teria o benefício de texto, talento e criatividade próprios. E já que citei sua carreira televisiva, a (péssima e deslocada) cena em que Agamenon interpreta um funk em um navio militar é claramente inspirada nas paródias ou composições improvisadas que marcaram (e ainda marcam) os programas que elevaram Adnet ao estrelato, mas que, por outro lado, contavam com o descompromisso de estarem inseridas em um programa de TV, algo assumidamente descartável, despretensioso e passageiro.

Por fim, após muito sofrimento vendo Agamenon, pensando em Agamenon e escrevendo sobre Agamenon, ao menos um privilégio irei me autoconceder: o de encerrar o texto referenciando uma das piadas do filme. As Aventuras de Agamenon - O Repórter até que não é um filme ruim. É um filme péssimo (risos - ou não, né!).

8 de janeiro de 2012

Crítica | Cavalo de Guerra

por Eduardo Monteiro

War Horse, EUA, 2011 | Duração: 2h26m24s | Lançado no Brasil em 6 de Janeiro de 2012, nos cinemas | Baseado na história de Michael Morpurgo. Roteiro de Lee Hall e Richard Curtis | Dirigido por Steven Spielberg | Com Jeremy Irvine, Peter Mullan, Emily Watson, Niels Arestrup, David Thewlis, Tom Hiddleston, Benedict Cumberbatch, Celine Buckens, Toby Kebbell, Patrick Kennedy, David Kross, Leonard Carow, Matt Milne, Robert Emms e Eddie Marsan.

Mesmo que a temática da guerra seja uma marca forte na carreira de Steven Spielberg, Cavalo de Guerra é apenas o segundo filme do diretor no qual o termo aparece no título original (o anterior foi Guerra dos Mundos). Também é somente nesses dois longas que, curiosamente, a temática está presente sem ter a Segunda Guerra Mundial como pano de fundo, sendo que aqui a inovação vai além ao trazer um animal como o protagonista - e o fato de isso ser bastante claro não é suficiente para diminuir o caráter episódico do longa, já que as tentativas de humanizar o cavalo Joey não excluem nossa maior identificação com os personagens humanos, que nem sempre contam com a atenção e o espaço adequados para que suas subtramas sejam desenvolvidas de forma satisfatória.

Dando início à narrativa juntamente com o nascimento do cavalo Joey, o roteiro, escrito por Lee Hall e Richard Curtis com base no livro de Michael Morpurgo, usa boa parte de seu primeiro ato para retratar a fascinação que o equídeo exerce sobre o jovem camponês Albert Narracott (Irvine), que rapidamente é compartilhada também pelo espectador. Agitado, arredio e aparentemente insubmisso, Joey passa a ser treinado pelo garoto e, muito mais que uma companhia, o cavalo (juntamente com a dedicação de Albert em treiná-lo) torna-se uma esperança para Ted (Mullan) e Rosie (Watson), pais do rapaz, que enfrentam problemas financeiros graças à baixa produtividade da fazenda em que vivem. Entretanto, quando a prosperidade do local entra em crise e a permanência da família na propriedade passa a ser ameaçada pelo senhorio Sr. Lyons (Thewlis), Ted procura o exército britânico e arrenda Joey ao capitão Nicholls (Hiddleston) que, comovido pela amizade entre o garoto e o cavalo, promete tentar retornar com o animal vivo. Porém, como a realidade da guerra é dura e imprevisível, o cavalo acaba circulando por diferentes ambientes e marcando a vida de várias pessoas diretamente atingidas pelos conflitos.

Com ecos de Império do Sol, também de Spielberg, o filme constrói sua narrativa a partir do contraste de um ser puro e inocente (lá, a criança vivida por Christian Bale e, aqui, o cavalo Joey) sendo obrigado a encarar os horrores da guerra - e por mais que o diretor repita-se nessa representação, não há como negar que ele acerta em diversos momentos, como nas ótimas cenas de confronto armado (dentre as quais se destaca aquela em que o cavalo corre solitário em meio a tiros e bombardeios, utilizando efeitos especiais de forma discreta e orgânica). Por outro lado, Spielberg volta a exibir a tendência de suavizar momentos potencialmente violentos, o que, novamente, não vem a calhar: a falta de sangue e grafismo nos confrontos e a opção de esconder o destino de certos personagens por trás da hélice de um moinho em movimento apenas diminuem o impacto que as cenas poderiam e deveriam ter, transformando o filme em uma espécie de fábula da Disney voltada para adultos.

Beneficiado por um bom trabalho de adestramento do cavalo, Spielberg tenta, até certo ponto, manter o comportamento de Joey dentro do limite de sua irracionalidade, mesmo usando-o como alívio cômico (de forma aceitável, eu diria) e adotando movimentos de câmera que parecem tentar atribuir intenção e significado a cada ação do animal - mas sacrifica todo o trabalho na cena em que Joey parece se prontificar a desempenhar determinada tarefa que outro cavalo parece incapaz de fazer. E como já citado, nem isso é suficiente para que nos importemos menos com os personagens humanos e, por isso, é decepcionante que as subtramas do capitão Nicholls, do avô com sua neta e dos jovens soldados irmãos desertores sejam tão mal desenvolvidas, abruptas e prejudicadas pela artificialidade de estrangeiros comunicando-se em inglês, criando uma interrupção longa e vazia na trama central do filme.

Contando com um elenco diversificado encabeçado pelo irregular Jeremy Irvine, Spielberg erra a mão ao carregar demais no melodrama em algumas passagens (especialmente mais próximo ao desfecho), com a colaboração da trilha de John Williams que, mesmo interessante e forte, busca em várias passagens exacerbar as emoções vistas na tela. Por outro lado, a fotografia de Janusz Kaminski ressalta o talento de Spielberg na composição de quadros, contrastando a imensidão e a beleza dos campos e do céu que acolhem os personagens no início do filme com a sujeira vista posteriormente nas cenas de guerra - e claro, não poderia deixar de comentar o belíssima cena que encerra a projeção, com um majestoso contraluz dourado que reflete bem o clima meloso do desfecho.

Prejudicado ainda pela condução equivocada da cena em que dois soldados adversários abrem uma brecha para desempenhar determinada tarefa, que, absurda por natureza, ainda ganha toques que a tornam mais inacreditável (a tomada em que vários alicates são lançados é de um amadorismo assustador), Cavalo de Guerra é um filme irregular que, tentando a todo custo comover o espectador, pode acabar gerando em muitos uma reação contrária: a tristeza de constatar que a associação do nome de Steven Spielberg a um projeto é cada vez mais um motivo muito mais de suspeita e desconfiança do que de boas expectativas. Ficamos agora na esperança que As Aventuras de Tintim pelo menos ajude a reverter essa situação.

5 de janeiro de 2012

Crítica | Alvin e os Esquilos 3

por Eduardo Monteiro

Alvin and the Chipmunks: Chipwrecked, EUA, 2011 | Duração: 1h25m15s | Lançado no Brasil em 6 de Janeiro de 2012, nos cinemas | Escrito por Jonathan Aibel & Glenn Berger | Dirigido por Mike Mitchell | Com Jason Lee, David Cross, Jenny Slate, Andy Buckley, Phyllis Smith e as vozes de Justin Long, Matthew Gray Gubler, Jesse McCartney, Amy Poehler, Anna Faris, Christina Applegate e Alan Tudyk.

Criados graças à demanda oriunda do sucesso estrondoso de algumas músicas desenvolvidas por Ross Bagdasarian há mais de 50 anos e cantadas com aquela vozinha estridente que conhecemos hoje, os personagens de Alvin e os Esquilos são, desde o princípio, frutos muito mais de ambições financeiras do que de aspirações artísticas. A recente franquia cinematográfica, iniciada em 2007 (após anos sem aparições dos esquilos cantores), não contradiz essa lógica: o deplorável primeiro longa, responsável unicamente por apresentar os personagens a uma nova geração, foi um grande sucesso de bilheteria, justificativa suficiente para que uma continuação igualmente lastimável fosse desenvolvida, exclusivamente para introduzir a versão feminina do trio de esquilos. Agora, os cinemas de todo o mundo recebem o terceiro exemplar da franquia, comandado por profissionais com carreiras questionáveis e desenvolvido sem um argumento bom o bastante para disfarçar o fato de se tratar apenas de um amontoado de recortes de situações exaustivamente abordadas anteriormente na própria franquia ou em outras produções.

Na história, Dave (Lee), os Esquilos e as Esquiletes estão de volta com suas personalidades desinteressantes e, de férias, embarcam em um cruzeiro para protagonizar uma espécie de episódio d'A Turma do Didi, com direito a patacoadas como o tropeço de uma pessoa com uma bandeja cheia de copos e muitas crianças pentelhas atormentando a tranquilidade dos adultos. Porém, o egoísmo e a irresponsabilidade de Alvin (Long) faz com que os Esquilos e as Esquiletes tornem-se náufragos e acabam sendo levados para uma ilha aparentemente deserta, onde deverão se virar sozinhos para sobreviver até que sejam resgatados. Todavia, por ação do rotei... digo, destino, o vilanesco e falido ex-produtor musical Ian (Cross) é jogado na história e acaba sendo levado para a mesma ilha na companhia de Dave em sua missão de resgate.

Isento de originalidade e sem a preocupação de exibir personalidade própria, o roteiro de Jonathan Aibel e Glenn Berger (responsáveis pelo segundo filme, por Monstros vs. Alienígenas e pelos dois Kung Fu Panda) atira para todos os lados e altera o foco sempre que as situações exigem que algo de inesperado aconteça, apelando para besteiras e clichês como travessias perigosas sobre abismos ou tesouros perdidos. Como se não bastasse, a inteligência do espectador (qualquer que seja sua idade) é trivializada a todo momento, desde a forma como os esquilos deduzem a existência de um vulcão na ilha (isto é, graças às águas termais, e não ao visualizar uma montanha cuspindo fumaça) ou o modo como uma pipa com dificuldade de elevar cinco esquilos de, sei lá, cem gramas cada um, consegue arrastar com facilidade um adulto de pelo menos oitenta quilos. Além disso, os roteiristas trazem de seus trabalhos em animações da DreamWorks a tendência de inundar o texto com referências pop, homenageando forçosamente Glee, O Senhor dos Anéis, 007, Titanic e Os Caçadores da Arca Perdida - isso sem contar a excessiva apropriação de elementos de Náufrago, ou o Simone (Tudyk), aborrecida encarnação francesa de Simon (Gubler), claramente inspirada no Buzz espanhol de Toy Story 3.

Por outro lado, há de se reconhecer o mérito de Mike Mitchell (Shrek Para SempreGigolô por Acidente), que realiza com relativa eficiência as tomadas nas quais nada acontece (para que só depois a animação seja inserida), por mais que todo o filme tenha sido dirigido com o mesmo automatismo com o qual o roteiro foi escrito. Enquanto isso, a animação dos esquilos e a interação com o ambiente continuam bem executadas - não o suficiente para nos convencer que um número de dança das Esquiletes seja melhor que de um trio de humanas - enquanto a trilha sonora volta a adotar músicas de grande sucesso do universo pop, dessa vez marcada por canções de Lady GaGa, Katy Perry e Rihanna.

Porém, uma das coisas que mais incomoda desde o primeiro Alvin e os Esquilos - além, claro, das vozes estridentes - é a personalidade de seus personagens, especialmente a do protagonista. É simplesmente impossível entender o que passa na cabeça de alguém que confere à sua criação principal traços de egoismo, arrogância, presunção e egocentrismo e ainda espera que esta seja amada. Sim, Alvin pode ser fofinho e seus defeitos poderiam ser justificados pela esperada mudança de comportamento ao longo das narrativas, mas até os próprios filmes parecem convencidos que Alvin não tem conserto - e o que é pior - parecem enxergar uma graça nisso. Basta ver a cena extra exibida durante os créditos, que parece inserida apenas para enfatizar que essa sua índole é crônica e aparentemente irremediável - o que, claro, abre espaço para que mais uma continuação seja produzida.

Trazendo ainda belas mensagens para o público infantil (a mais inspiradora talvez seja: se estiver à beira da morte, lamente por não ter conseguido chegar ao Festival Internacional de Música), Alvin e os Esquilos 3 é um produto aparentemente inofensivo mas que, em análise mais profunda, pode ser até mesmo nocivo para o desenvolvimento da molecada, uma vez que parece tentar a todo momento romantizar a imprudência, a competição, a vaidade, o egoísmo e, de forma praticamente literal, o desprezo pela palavra "responsabilidade". Resta agora aos pais decidirem se vale a pena aturar oitenta e tantos minutos de vozes irritantes para, pela terceira vez, correr o risco de transmitir valores desse tipo para seus filhos.