31 de dezembro de 2012

Os Melhores e Os Piores Filmes de 2012

Antes mesmo de qualquer julgamento, 2012 já pode ser considerado um grande ano para o Cinema - e basta imaginar que dificilmente conseguiríamos apontar uma translação completa da Terra que tenha nos trazido de uma só vez novos trabalhos (independente da qualidade) de cineastas como Martin Scorsese, Steven Spielberg, Roman Polanski, Ridley Scott, Woody Allen, Clint Eastwood, David Cronenberg, Ang Lee, Oliver Stone, David Fincher, Christopher Nolan, Peter Jackson, Wes Anderson, Steven Soderbergh, Sam Mendes, Tim Burton, Yimou Zhang, Wim Wenders, Abbas Kiarostami, Leos Carax, Luc Besson, Nelson Pereira dos Santos, Fernando Meirelles, Walter Salles, Beto Brant e Andrucha Waddington.

Além disso, 2012 também foi marcado por um número expressivo de dobradinhas: tivemos duas animações em stop-motion homenageando clássicos do terror (ParaNorman e Frankenweenie); duas reimaginações do conto da Branca de Neve (Espelho, Espelho Meu e Branca de Neve e o Caçador); dois longas sobre suicidas no beiral de prédios (À Beira do Abismo e A Tentação); dois musicais com "Hit Me With Your Best Shot" em seus repertórios (Rock of Ages - O Filme e A Escolha Perfeita); dois documentários sobre a obra de Pina Bausch (Pina e Sonhos em Movimento); dois créditos finais de filmes nacionais embalados por "O Que É, O Que É?" (Gonzaga - De Pai Pra Filho e Totalmente Inocentes); e dois filmes difíceis, cujos personagens são levados de limusine a diversos compromissos (Cosmópolis e Holy Motors). Além disso, também pudemos testemunhar algumas reuniões notáveis: de monstros clássicos do cinema (Hotel Transilvânia), de astros de ação dos anos 80 (Os Mercenários 2), de seres míticos do imaginário infantil (A Origem dos Guardiões) e dos badalados heróis da Marvel (Os Vingadores - The Avengers). Para completar, alguns diretores deram as caras mais de uma vez em nossas salas de cinema: Steven Spielberg (As Aventuras de Tintim e Cavalo de Guerra), Steven Soderbergh (A Toda Prova e Magic Mike), Tim Burton (Sombras da Noite e Frankenweenie), David Cronenberg (Um Método Perigoso e Cosmópolis), Breno Silveira (À Beira do Caminho e Gonzaga - De Pai Pra Filho), Michel Hazanavicius (O Artista e um segmento de Os Infiéis), Pablo Trapero (Elefante Branco e um segmento de 7 Dias em Havana) e até mesmo Roberto Santucci (Até Que a Sorte nos Separe e De Pernas Pro Ar 2), já que nem tudo são flores.

Foram aproximadamente 320 filmes (em média, 6 por semana) lançados comercialmente no Brasil ao longo dos últimos 12 meses, além de seis relançamentos (quatro conversões para 3D e duas restaurações de obras clássicas) - e a seguir, trago alguns dados que podem interessar. Desse total, pouco mais de 80 (ou 25%) são produções ou co-produções brasileiras - e se a porcentagem expressiva causa algum espanto é porque, naturalmente, boa parte desses lançamentos foram limitados. Quase 40 filmes (12% do total) com a tecnologia 3D chegaram aos nossos cinemas, sendo um terço em versões falsas, convertidas. Continuações, prequels remakes, spin-offs e reboots respondem por 13% do total de filmes lançados - e dentre as sequências, tivemos 11 segundos longas, 6 fechamentos de trilogia, outros 6 chegando ao quarto exemplar e, por último, mais 4 ultrapassando o quinto lançamento de suas respectivas franquias.

Em um feito inédito em minha vivência como cinéfilo, assisti a nada menos que 639 filmes ao longo dos últimos 365 dias, dos quais 542 nunca tinha visto antes. Dos já mencionados 320 lançamentos de 2012, tive o privilégio de assistir a 206 (quase 65% do total) - e para evitar a confusão que foi ano passado (quando optei por incluir filmes lançados em home video, na tevê ou até mesmo na internet), os rankings desse ano irão se ater exclusivamente aos filmes até então inéditos nos Cinemas brasileiros e lançados comercialmente em algum canto do país entre 1º de Janeiro e 31 de Dezembro (o que me obrigará, por exemplo, a reprisar uma menção enfática ao documentário A Vida em um Dia, que, apesar de disponível no YouTube há quase dois anos, foi lançado em uma sala de cinema no final de abril).

Antes de partir para as listas propriamente ditas, porém, gostaria de agradecer a todos que suportam o trabalho que venho desenvolvendo e confessar que tenho imenso orgulho das parcerias e amizades criadas ao longo dos últimos meses graças a essa atividade. Ter a oportunidade de conhecer, trocar ideias e interagir com alguns colegas sutilmente extraordinários é o que faz tudo isso valer - e, portanto, o trabalho que venho desenvolvendo é inteiramente dedicado a todos vocês; nomes são dispensáveis quando a amizade e o companheirismo são evidentes.

Partamos, então, para os famigerados rankings. Em função da expressiva quantidade de filmes a que assisti em 2012, tomei a liberdade de ampliar as listas de melhores e piores, dando mais chances de lugar ao sol a preciosidades memoráveis e desastres faraônicos. Divirtam-se. Em 2013 tem mais.

Eduardo Monteiro

OS MELHORES

1) A Separação (Jodaeiye Nader az Simin, Irã, 2011)


2) Drive  (Drive, EUA, 2011)


3) O Artista (The Artist, França/ Bélgica/ EUA, 2011)


4) O Homem da Máfia (Killing Them Softly, EUA, 2012)


5) As Vantagens de Ser Invisível  (The Perks of Being a Wallflower, EUA, 2012)


6) A Vida em um Dia  (Life in a Day, EUA/ Reino Unido, 2011)


7) Quem Se Importa  (Quem se Importa, Brasil/ EUA/ Tanzânia/ Suíça/ Peru/ Alemanha/ Canadá, 2012)


8) No (No, Chile/ França/ EUA, 2012)


9) Vou Rifar Meu Coração (Vou Rifar Meu Coração, Brasil, 2011)


10) Holy Motors (Holy Motors, França/ Alemanha, 2012)


11) Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge  (The Dark Knight Rises, EUA/ Reino Unido, 2012)


12) As Aventuras de Tintim  (The Adventures of Tintin, EUA/ Nova Zelândia, 2011)


13) O Impossível  (Lo Imposible, Espanha, 2012)


14) Moonrise Kingdom (Moonrise Kingdom, EUA, 2012)


15) Argo  (Argo, EUA, 2012)


16) Ruby Sparks - A Namorada Perfeita  (Ruby Sparks, EUA, 2012)


17) Raul: O Início, O Fim e O Meio (Raul - O Início, O Fim e O Meio, Brasil, 2012)


18) Polissia (Polisse, França, 2011)


19) Looper - Assassinos do Futuro (Looper, EUA/China, 2012)


20) O Homem Que Mudou o Jogo (Moneyball, EUA, 2011)


Outros destaques positivos:

007 - Operação Skyfall
À Beira do Caminho 
L'Apollonide - Os Amores da Casa de Tolerância
As Aventuras de Pi
Os Candidatos
Essential Killing
Febre do Rato
Girimunho
Headhunters 
Intocáveis
Marcados Para Morrer
Millennium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres
Mistérios de Lisboa
Onde a Coruja Dorme
A Origem dos Guardiões
Paralelo 10
Piratas Pirados!
Poder Sem Limites
Precisamos Falar Sobre o Kevin
Shame
Ted
Os Vingadores - The Avengers
Weekend
Xingu

OS PIORES

1) E a Vida Continua... (E a Vida Continua..., Brasil, 2012)


2) A Saga Molusco: Anoitecer  (Breaking Wind, EUA, 2011)


3) As Aventuras de Agamenon - O Repórter  (As Aventuras de Agamenon - O Repórter, Brasil, 2012)


4) O Mar Não Está Pra Peixe: Tubarões à Vista! (The Reef 2: High Tide, Coreia do Sul/EUA, 2012)


5) Projeto Dinossauro  (The Dinosaur Project, Reino Unido, 2012)


6) Até Que a Sorte Nos Separe  (Até Que a Sorte Nos Separe, Brasil, 2012)


7) Área Q (Area Q, EUA/Brasil, 2011)


8) Totalmente Inocentes (Totalmente Inocentes, Brasil, 2012)


9) O Diário de Tati (O Diário de Tati, Brasil, 2012)


10) Outback - Uma Galera Animal  (The Outback, Coreia do Sul/EUA, 2012)


11) Filha do Mal  (The Devil Inside, EUA, 2012)


12) Alvin e os Esquilos 3  (Alvin and the Chipmunks: Chipwrecked, EUA, 2011)


13) De Pernas Pro Ar 2  (De Pernas Pro Ar 2, Brasil, 2012)


14) Fausto (Faust, Rússia, 2011)


15) Cada um Tem a Gêmea Que Merece  (Jack and Jill, EUA, 2011)


16) Armadilha  (ATM, EUA/Canadá, 2012)


17) Resident Evil 5 - Retribuição (Resident Evil: Retribution, Alemanha/Canadá, 2012)


18) Como Agarrar Meu Ex-Namorado (One for the Money, EUA, 2012)


19) Motoqueiro Fantasma: Espírito de Vingança (Ghost Rider: Spirit of Vengeance, EUA/ Emirados Árabes Unidos, 2011)


20) A Era do Gelo 4 (Ice Age: Continental Drift, EUA, 2012)


Outros destaques negativos: 

12 Horas
31 Minutos - O Filme
Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros
Os Acompanhantes
Anjos da Noite - O Despertar
A Arte da Conquista
Atividade Paranormal 4
Azul Profundo 
Battleship - A Batalha dos Mares
Beleza Adormecida
Billi Pig
Branca de Neve e o Caçador
Busca Implacável 2
A Casa Silenciosa
Chernobyl
O Corvo
O Despertar
Diário de um Banana: Dias de Cão
E aí... Comeu?
Flor da Neve e o Leque Secreto
Fúria de Titãs 2
Guerra é Guerra!
Um Homem de Sorte
A Hora da Escuridão
Hotel Transilvânia
Kaboom
O Legado Bourne
Lola
O Lorax: Em Busca da Trúfula Perdida
Os Mercenários 2
Movimento Browniano
O Que Esperar Quando Você Está Esperando
O Pacto
Os Penetras 
Pequenos Espiões 4
Poder Paranormal
Possessão
Procura-se um Amigo Para o Fim do Mundo
Projeto X - Uma Festa Fora de Controle
Quatro Amigas e um Casamento
Reis e Ratos
Resident Evil 5 - Retribuição
A Serbian Film - Terror Sem Limites
A Última Casa da Rua
Verão em L.A.
Viagem 2: A Ilha Misteriosa
Vizinhos Imediatos de 3º Grau

Para finalizar, listo tudo o que vi, mas não se destacou positiva e nem negativamente:

360
2 Coelhos
À Beira do Abismo
A Toda Prova
American Pie: O Reencontro
Amor Impossível
Anderson Silva: Como Água
Anjos da Lei
Apenas Uma Noite
Aqui é o Meu Lugar
Até a Eternidade
Bel Ami - O Sedutor
Cavalo de Guerra
Cara ou Coroa
Conspiração Americana
Corações Sujos
Cosmópolis
Curvas da Vida
Os Descendentes
Deus da Carnificina
Dia de Preto
Diário de um Jornalista Bêbado
O Ditador
Um Divã Para Dois
Dredd
Em Nome de Deus
A Entidade 
Entre o Amor e a Paixão
A Escolha Perfeita 
Espelho, Espelho Meu
O Espetacular Homem-Aranha
O Espião Que Sabia Demais
Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios
O Exótico Hotel Marigold
Flores do Oriente
A Fonte das Mulheres
Frankenweenie
Gonzaga - De Pai Pra Filho
O Grande Milagre
A Guerra Está Declarada
Heleno
Histórias Cruzadas
O Hobbit: Uma Jornada Inesperada
Os Infiéis
Os Infratores
A Invenção de Hugo Cabret
J. Edgar
Jogos Vorazes
John Carter: Entre Dois Mundos
Jovens Adultos
Katy Perry: Part of Me
Luto em Luta
Madagascar 3: Os Procurados
Magic Mike
Menos Que Nada
Um Método Perigoso
MIB³ - Homens de Preto 3
Minha Felicidade
O Moinho e a Cruz
A Mulher de Preto
As Mulheres do Sexto Andar
A Música Segundo Tom Jobim
Na Estrada
Na Terra de Amor e Ódio
As Neves do Kilimanjaro
As Palavras
Para Roma Com Amor
Para Sempre
Paraísos Artificiais
ParaNorman
A Perseguição
Pina
Plano de Fuga
O Porto
O Príncipe do Deserto
Prometheus
Protegendo o Inimigo
Relação Explosiva
Rock of Ages: O Filme
A Saga Crepúsculo: Amanhecer - Parte 2
Selvagens
Sete Dias com Marilyn
Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras
Solteiros Com Filhos
Sombras da Noite
Tão Forte e Tão Perto
Tinker Bell: O Segredo das Fadas
A Tentação
Tomboy
Tropicália
A Última Estrada da Praia
Valente
Um Verão Escaldante
O Vingador do Futuro
Violeta Foi Para o Céu
Virando Bicho

E que venha 2013!

27 de dezembro de 2012

Melhores e Piores de 2012 segundo os usuários do IMDb

Qualquer cinéfilo que se preze sabe que o IMDb (Internet Movie Database) é um dos melhores e mais confiáveis sítios para se encontrar informações sobre a enorme maioria das produções cinematográficas existentes. Além disso, o banco de dados virtual oferece ao público a possibilidade avaliar os filmes, operação que resulta em notas médias, estatísticas e rankings que, de modo geral, tentam transmitir um parecer aproximado de uma maioria sobre determinada produção. Digo aproximado porque, evidentemente, não é possível certificar que todas as pessoas de fato viram os filmes antes avaliá-los e nem mesmo se a opinião registrada é sincera, em vez de valores arbitrários e extremos que visam apenas impulsionar uma alteração da média geral em benefício de seu gosto pessoal - e não é raro encontrar filmes sendo massacrados ou supervalorizados apenas pelo que representam ou pelo elenco, por exemplo. Para completar, a amostragem de votantes varia bastante - e da mesma forma que é possível encontrar filmes avaliados por mais de meio milhão de pessoas, páginas exibindo o resultado do posicionamento de apenas algumas dúzias de usuários não são raras.

Os rankings abaixo foram montados a partir da média exibida na página de cada filme lançado comercialmente no Brasil em 2012 e, por tudo o que foi dito, representam mais uma curiosidade tola e distrativa do que, de fato, uma realidade incontestável. Os melhores filmes, em particular, devem trazer um resultado mais confiável, em função das maiores amostragens. Para ler a relação de 2011, clique aqui.

Divirtam-se!

OS MELHORES


1) Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge  (The Dark Knight Rises, EUA/Reino Unido, 2012)
2) Intocáveis (Intouchables, França, 2011)
3) O Hobbit - Uma Jornada Inesperada (The Hobbit: An Unexpected Journey, EUA/Nova Zelândia, 2012)
4) A Separação (Jodaeiye Nader az Simin, Irã, 2011)
5) Os Vingadores - The Avengers  (The Avengers, EUA, 2012)
6) As Aventuras de Pi (Life of Pi, EUA/China, 2012)
7) As Vantagens de Ser Invisível  (The Perks of Being a Wallflower, EUA, 2012)
8) Argo  (Argo, EUA, 2012)
9) O Artista (The Artist, França/Bélgica/EUA, 2011)
10) 007 - Operação Skyfall (Skyfall, Reino Unido/EUA, 2012)

OS PIORES


1) A Saga Molusco - Anoitecer  (Breaking Wind, EUA, 2011)
2) As Aventuras de Agamenon, O Repórter  (As Aventuras de Agamenon - O Repórter, Brasil, 2012)
3) O Mar Não Está Pra Peixe: Tubarões à Vista! (The Reef 2: High Tide, Coreia do Sul/EUA, 2012)
4) Cada um Tem a Gêmea Que Merece  (Jack and Jill, EUA, 2011)
5) Lola (LOL, EUA, 2012)
6) Pequenos Espiões 4 (Spy Kids: All the Time in the World in 4D, EUA, 2011)
7) Billi Pig (Billi Pig, Brasil, 2012)
8) Filha do Mal  (The Devil Inside, EUA, 2012)
9) Alvin e os Esquilos 3  (Alvin and the Chipmunks: Chipwrecked, EUA, 2011)
10) Área Q (Area Q, EUA/Brasil, 2011)

18 de dezembro de 2012

Crítica | O Impossível

por Eduardo Monteiro

Lo Imposible, Espanha, 2012 | Duração: 1h51m11s | Lançado no Brasil em 21 de Dezembro de 2012, nos cinemas | Escrito por Sergio G. Sánchez | Dirigido por Juan Antonio Bayona | Com Naomi Watts, Tom Holland, Ewan McGregor, Samuel Joslin, Oaklee Pendergast, Ploy Jindachote, Sönke Möhring, Marta Etura e Geraldine Chaplin.

Embora eu me emocione frequentemente com filmes, é raro que algum deles me arranque lágrimas, não só em função do bloqueio causado pela consciência de estar assistindo a algo encenado (referindo-me, é claro, a produções não documentais), mas também porque, pessoalmente, tendo a reagir a temas ou fatos potencialmente emotivos de forma ligeiramente racional, permanecendo em um estado controlado de comoção. Por essa razão, qual não foi minha surpresa ao constatar que, com apenas 15 minutos de projeção de O Impossível, minha mente estava tomada pelo esforço sem precedentes de evitar o vexame de chorar descontroladamente durante a sessão realizada para a imprensa.

Obviamente, minha reação particular não constitui um argumento que possa ser usado a favor do longa, mas é uma consequência de escolhas cujas eficácia e legitimidade serão discutidas ao longo do texto. Escrito por Sergio G. Sáchez com base em uma história verídica, o roteiro acompanha o desfecho trágico da viagem da família Bennett à Tailândia no Natal de 2004, depois que um tsunami mortal devastou a costa sudeste da Ásia. Pegos de surpresa pela fúria marítima, Maria (Watts) e o primogênito Lucas (Holland) são feridos pela imensidão de entulhos e arrastados pela correnteza para longe de Henry (McGregor) e dos dois caçulas, Thomas (Joslin) e Simon (Pendergast). Após serem socorridos por nativos e outros sobreviventes, mãe e filho são levados para um hospital caótico onde todas as dores da tragédia se manifestam, da angústia pela precariedade da comunicação com entes queridos até a falta de estrutura hospitalar para atender a todos os feridos.

O maior mérito do trabalho do diretor espanhol Juan Antonio Bayona (O Orfanato) é, sem dúvida, a visceralidade aterrorizante que confere à reconstituição da catástrofe. Deixando no chinelo a sequência que rendeu ao fraquíssimo Além da Vida uma indicação ao Oscar de Efeitos Especiais na última edição da premiação, o avanço do mar sobre o continente em O Impossível é filmado por Bayona de forma extremamente impactante e realista, em uma sequência longa e tensa beneficiada tanto pelos excelentes e imperceptíveis efeitos especiais quanto pelas performances apavoradas de Watts e Holland. Além disso, os momentos que antecedem a chegada da onda à área de lazer do resort também são conduzidos com maestria, imprimindo perfeitamente bem a impotência dos personagens diante da repentinidade com que são alcançados pela massa d'água (acho particularmente marcante o ângulo baixo subaquático que mostra um Lucas apavorado buscando instintiva e apressadamente refúgio na piscina do resort, décimos de segundo antes de ser atingida por lama e escombros).

Mas não é só a recriação do tsunami que surpreende pelo grafismo, já que Bayona também não poupa o espectador das consequências do arrastamento - e até a decisão de mostrar as mutilações sofridas por Maria de forma breve (ainda que sem trucagens que tentem suavizá-las) é acertada, por expressar o esforço empregado pela própria mulher para esquecer as feridas e conviver com aquela adversidade até que algo possa ser feito a respeito. Competente na criação dos ferimentos ou na representação do agravamento do estado de saúde de certa personagem, o departamento de maquiagem ainda merece reconhecimento pelo cuidado com pequenos detalhes, como o caminho aberto por lágrimas na lateral do rosto ensanguentado de Maria, simbolizando que o estancamento do sangramento não representa, nem de perto, o fim do sofrimento da mulher. E enquanto a trilha sonora revela-se irregular por apostar em melodias apelativas em algumas passagens, os trabalhos da direção de arte e design de produção impressionam pela competente reprodução das condições catastróficas e paisagens devastadas em locações da Espanha e da Tailândia.

Voltando a provar-se uma escolha inequívoca para papéis de mulheres sofridas (vide Violência Gratuita, 21 Gramas ou até mesmo O Chamado), a excelente Naomi Watts brilha mais uma vez com uma atuação poderosa e completa, conseguindo exprimir com talento e autenticidade ímpares, por exemplo, o pânico de Maria quando esta se encontra agarrada a uma palmeira logo no início do tsunami. Acompanhando a atriz na maior parte do tempo, o jovem estreante Tom Holland revela-se um verdadeiro achado e, apesar do olhar demasiadamente lúcido e de alguns comportamentos artificiais imediatamente após o desastre, transforma Lucas em um garoto corajoso e perseverante, mas também vulnerável e amedrontado quando as circunstâncias o obrigam a ser. Por fim, Ewan McGregor volta a demonstrar uma inaptidão aparentemente incontornável de simular choro em cena que quase compromete um dos momentos de maior carga emocional do personagem, mas, ator talentoso que é, faz o que pode para conferir peso a Henry no restante do tempo.

Porque infelizmente, é a partir do momento em que o personagem de McGregor passa a receber mais atenção do roteiro que O Impossível se torna menos interessante, ganhando uma injeção de positivismo que se choca com o que vinha sido trabalhado até então e plantando as sementes do que se tornará um terceiro ato cujas coincidências e pieguice comprometem significativamente o desfecho. Não que a primeira metade não tenha seus problemas: a recorrência de objetos como uma latinha de refrigerante ou uma bola de plástico forçam simbolismos tolos, ao passo que alguns obstáculos e desencontros vivenciados pelos personagens investem em truques que o público consegue antecipar com relativa facilidade - mas, em última instância, o senso de humanidade e compaixão entranhado nos clichês e na pieguice torna mais fácil a tarefa de perdoá-los.

Pecando por colocar os turistas como as grandes vítimas da catástrofe (quando Lucas percorre os corredores do hospital com o objetivo de promover o reencontro de familiares, se depara com uma variedade atípica de nacionalidades), O Impossível consegue evocar com vigor e competência a tragédia particular dos Bennett, mas sem ignorar a coletiva - e o melancólico olhar aéreo que encerra o longa reforça o efeito devastador não só da onda sobre aquela região, mas também do filme sobre todos nós.

13 de dezembro de 2012

Crítica | Azul Profundo

por Eduardo Monteiro

Apnoia, Grécia, 2010 | Duração: 1h25m49s | Lançado no Brasil em 14 de Dezembro de 2012, nos cinemas | Escrito por Yiannis Tsiros | Dirigido por Aris Bafaloukas | Com Sotiris Pastras, Youlika Skafida, Giorgos Karamihos, Andrianna Babali, Antonis Karistinos, Nikos Nikolaou, Lydia Fotopoulou, Akilas Karazisis, Iro Moukiou.

Durante a prática da apneia (suspensão temporária da respiração para desempenhar um mergulho prolongado), o jovem nadador Dimitri (Pastras) se desliga completamente do mundo ao redor, colocando-se em uma posição de isolamento que mistura serenidade, inércia e um fundo de solidão. Atleta determinado, perseverante e competitivo, o rapaz fracassa pessoalmente por sair da piscina levando consigo a frieza e o individualismo da técnica de imersão - e não é errado supor que, assim como ocorre fisiologicamente nos treinos, o sufocamento psicológico de Dimitri nessas condições é uma inevitável questão de tempo.

Essa metáfora, que ficaria explícita no título brasileiro caso este respeitasse o original ao invés de tentar referenciar Imensidão Azul, de Luc Besson (que tinha a apneia como um dos temas), é talvez o único grande mérito de Azul Profundo, cuja narrativa decepciona pelo desenvolvimento negligente. Dirigida pelo estreante em longas-metragens Aris Bafaloukas e escrita por Yiannis Tsiros, a produção grega traz o nadador profissional Sotiris Pastras no papel de Dimitri e introduz o relacionamento estremecido do rapaz com a ativista ambiental Elsa (Skafida), que, após um desentendimento com o namorado, parte com o casal de amigos Aris (Karamihos) e Anthi (Babali) para uma ilha cujos golfinhos enfrentam a ameaça de pescadores locais. Quando Elsa desaparece deixando poucos e inconclusivos vestígios, o nadador se desloca até o local para auxiliar nas buscas e passa a ser consumido pela angústia e pelo sentimento de culpa pelo provável destino trágico da mulher.

Nesse ínterim, Azul Profundo conta, através de flashbacks, a história de amor de Dimitri e Elsa ao longo do ano anterior, fazendo com que nossa atenção seja dividida entre um resgate que praticamente não avança e um romance ordinário, cuja serventia parece ser mais ressaltar a melancolia do nadador diante da possível tragédia do que desenvolver os personagens e a relação. Assim, apesar dos esforços do elenco, o interesse por aquelas figuras não surge de forma natural - e, além disso, a falta de sutileza e a carga excessiva de subtextos em alguns diálogos criam uma incômoda artificialidade, afastando o espectador da história. De todo modo, em seu primeiro e até então único trabalho como ator, Pastras confere uma esperada naturalidade às cenas que exigem suas habilidades profissionais como nadador e, embora sua atuação dramática não chegue a impressionar, tampouco compromete, já que até mesmo eventuais surtos de inexpressividade podem beneficiar a apatia do personagem.

Livre de sutilezas, o diretor de fotografia Elias Adamis filtra a rotina fria de Dimitri em tons profundamente azulados e esverdeados, reservando para as passagens do personagem pelo local do desaparecimento de Elsa tons quentes que rapidamente assumem um caráter opressivo, dadas as circunstâncias. Além disso, a montagem de Alexis Peza e do próprio diretor peca pela quebra da fluidez de algumas momentos, como aquele em que o nado noturno impulsivo do protagonista no mar é interrompido por um flashback expositivo, que fornece informações fundamentais sobre "nadar contra a maré" - sem as quais dificilmente teríamos ciência ou certeza das dificuldades que o nadador estava enfrentando naquele instante, tamanha a ineficácia da direção de Bafaloukas nesta cena em particular. Para completar, o diretor erra a mão e subestima a inteligência do público ao permear o filme com incontáveis planos simbólicos de Dimitri em apneia psicológica, martelando de forma insistente a metáfora que pretende construir.

Independente disso, o estudo comandado por Azul Profundo em torno de seu personagem central consegue render alguns momentos interessantes - e um exemplo mais óbvio e direto é marcante e significativo plano em que Dimitri, preso a um elástico de treinamento, tenta inutilmente avançar na raia da piscina, sendo fatalmente obrigado a regredir quando o limite de sua resistência é atingido. E enquanto a inaptidão do protagonista de dar vazão a seus males internos através do grito (por sugestão da namorada) quase ganha o status de tolice indefensável, duas cenas tocantes e emblemáticas suplantam problemas como este e enriquecem o filme: a que encerra a projeção e traz Dimitri libertando-se da própria introspecção e, especialmente, a lúgubre transição em plano plongée que salta do nado de costas melancólico de Dimitri para determinado evento em terra firme.

A realidade é que, se exibisse mais da sensibilidade de momentos como esse, Azul Profundo talvez não precisasse depender das evidentes boas intenções da equipe de produção pra suavizar o gosto amargo deixado não exatamente pelo desfecho da narrativa, mas sim pela experiência completa que o filme representa.