por Eduardo Monteiro

Beastly, EUA, 2011 | Duração: 1h26m06s | Lançado no Brasil em 23 de Dezembro de 2011, nos cinemas | Roteiro de Daniel Barnz. Baseado no romance de Alex Flinn | Dirigido por Daniel Barnz | Com Alex Pettyfer, Vanessa Hudgens, Neil Patrick Harris, Lisagay Hamilton, Mary-Kate Olsen, Dakota Johnson, Erik Knudsen, Peter Krause e Roc LaFortune.

Releitura do conto clássico d'A Bela e a Fera romanceada por Alex Flinn e transposta para o cinema sob adaptação e direção de Daniel Barnz, o filme traz Alex Pettyfer como o protagonista Kyle (reiterando o comentário que fiz em meu texto sobre O Preço do Amanhã, quando digo que o ator deve ter um dos melhores agentes de Hollywood), um jovem vaidoso e arrogante ao extremo que, após aborrecer a bruxa teen Kendra (Olsen), tem o corpo desfigurado por um feitiço cuja reversibilidade está diretamente ligada ao surgimento de alguém que o ame verdadeiramente, num prazo máximo de um ano. Repudiando a própria aparência, o rapaz isola-se em uma mansão marginal à cidade onde passa a conviver com a empregada-doméstica-imigrante-africana Zola (Hamilton) e o tutor cego Will (Harris), além, claro, da jovem e bela colega de escola Lindy que, como já mencionado, passa a morar no local por motivos completamente absurdos e, aos poucos, desenvolve uma igualmente infundada afeição pelo anfitrião, ignorando sua aparência bestial.
Ressaltando a importância da beleza para a trama desde os primeiros instantes de projeção, quando anúncios publicitários exibindo corpos esculturais são intercalados com trechos da rotina de exercícios físicos do protagonista, o roteiro não mede esforços para explicitar a importância da aparência na vida de Kyle e, com isso, já esbarramos no primeiro grande problema do longa. Por mais que a introdução de Rob (Krause), pai de Kyle, como um homem pedante e vaidoso seja uma explicação aceitável para a arrogância do rapaz, sua vitória nas eleições estudantis elimina todas as chances daquela história se passar em um universo real ou possível, já que não há nenhuma explicação plausível para um candidato vencer uma votação de cunho ambiental após dizer para seus eleitores atrocidades como "vocês não são atraentes", "não tenho uma proposta ecológica", "vencerei isso apenas para incluir em meu histórico" e "vocês votarão em mim porque sou bonito e popular", sendo sonoramente aclamado pela plateia.
Não menos infeliz é a aproximação entre Kyle e Lindy, que também revela-se uma sucessão de tropeços. Mesmo visivelmente incomodada com a evidente falta de caráter do colega de classe, a garota pede para tirar uma foto com o rapaz em uma festa segundos após conversarem pela primeira vez em anos - e ele, que distribui patadas com a mesma categoria com que Hebe Camargo distribui selinhos, inexplicavelmente aceita de bom grado a solicitação. Claro que não somos bobos e sabemos que, apesar de solta, a cena não é aleatória e essa fotografia retornará em algum momento posterior da projeção - por exemplo, como fundo de tela do computador de Lindy, que justifica sua estranhíssima atração pelo protagonista quando confessa achar a autenticidade por trás da arrogância de Kyle algo inspirador (!!!) e admirável (!!!). E se considerarmos ainda que os dois haviam trocado ideias por míseros dois minutos antes do rapaz desaparecer por meses, a paixão é desde já uma das mais assustadoramente platônicas do cinema e, além disso, contradiz completamente a ideia central do longa, isto é, valorizar a virtude de enxergar a beleza interior das pessoas - algo que o Kyle do início do filme definitivamente não possui.
Para piorar, essa paixonite é completamente em vão, já que o Kyle bestial não revela sua verdadeira identidade e, assim, uma nova aproximação é necessária - o que não é um problema, já que Lindy (aceitavelmente) não se importa com a aparência grotesca do rapaz e (inaceitavelmente) em momento algum demonstra curiosidade em saber por que uma pessoa possui tatuagens, bolhas, brotoejas, cortes que nunca cicatrizam e veias prateadas. Por outro lado, a maquiagem feita em Alex Pettyfer é eficiente na maior parte do tempo, com cortes profundos e bolhas que parecem sugerir que a feiura, propriamente, representa para o rapaz uma dor quase que física. O mesmo não pode ser dito sobre os efeitos especiais, que não conseguem, por exemplo, fazer o terraço da casa parecer uma locação de verdade ao invés de um estúdio - e o fato de Barnz insistir em um posicionamento de câmera repetitivo e externo ao ambiente não ajuda nesse sentido. E prefiro não comentar sobre a tatuagem de árvore no antebraço de Kyle que, servindo supostamente apenas para indicar a aproximação do fim do prazo do feitiço, enfeita-se sozinha com luzes coloridas para o Natal.
Sem conseguir usar adequadamente seus coadjuvantes para enriquecer o tema central (o fato de Will não conseguir enxergar e, portanto, ser obrigado a avaliar Kyle sem a influência estética, praticamente não é explorado pelo roteiro), A Fera acaba voltando-se para um romance bobo, rápido e forçado (spoilers adiante, para quem se importa) com direito a celular tocando na hora do beijo, viagem pra casa de campo, invasão de locais proibidos durante a noite (desde quando isso é romântico?) e, claro, final feliz - e minha queixa quanto a isso diz respeito à possibilidade real de um final melancólico que seria muitíssimo mais interessante. Por amor a Lindy, Kyle chega a aceitar sua feiura e declara-se publicamente à garota num momento que, estrategicamente, não sabemos ao certo se o prazo de um ano havia ou não vencido (pelas explicações rasas dadas, a impressão é que sim, o tempo estava esgotado) - mas essa incerteza, que seria a deixa para um final coerente e enriquecedor (isto é: Kyle permaneceria feio, mas com todo o tempo do mundo para desenvolver sua relação com Lindy, a mulher que o aceita pelo que é) transforma-se em um truque barato voltado para um final feliz boboca, respeitando a lógica do desfecho do conto original d'A Bela e a Fera após atrapalhar-se na adaptação de incontáveis outros elementos.
E por fim, Will e Zola são recompensados por aguentar a chatice do protagonista por um ano, Kyle e Lindy viajam o mundo tirando fotos em pontos turísticos clichês e o narcisista e vilanesco pai de Kyle recebe uma visita surpresa que promete mudar sua visão distorcida do mundo. Tudo fica resolvido. Menos meu questionamento inicial: céus, o que aconteceu com o romance?
