17 de dezembro de 2011

Crítica | Compramos um Zoológico

por Eduardo Monteiro

We Bought a Zoo, EUA, 2011 | Duração: 2h01m11s | Lançado no Brasil em 23 de Dezembro de 2011, nos cinemas | Roteiro de Aline Brosh McKenna e Cameron Crowe. Baseado no livro de Benjamin Mee | Dirigido por Cameron Crowe | Com Matt Damon, Scarlett Johansson, Thomas Haden Church, Colin Ford, Maggie Elizabeth Jones, Angus Macfadyen, Elle Fanning, Patrick Fugit, John Michael Higgins, Carla Gallo, J.B. Smoove e Stephanie Szostak.

Em certo momento de Compramos um Zoológico, o jovem Dylan Mee (Ford) abre um baú cheio de cobras e, assustado, deixa o recipiente entreaberto, possibilitando a fuga dos ofídios. Na manhã seguinte, todos os espécimes fujões encontram-se em frente à residência dos Mee, que também fica dentro da propriedade do zoológico Rosemoor. Em outras palavras: a falsa expectativa de que algo mais grave poderia ocorrer foi criada e, pouco depois, é rapidamente dizimada, graças à conveniência (inexplicada, por sinal) de todas as serpentes voltarem-se para um ponto específico da imensa propriedade. Construções como esta, baseadas em falsas expectativas e suas consequentes desmistificações, são encontradas aos montes no novo longa de Cameron Crowe (Jerry Maguire - A Grande Virada) e, mesmo não sendo a forma mais elegante de se contar uma história, pode-se dizer que funcionam até certo ponto - mas para que isso ocorra, é fundamental que o espectador tenha embarcado de cabeça na história e desenvolvido afeição pelos personagens, já que a abordagem torna-se ligeiramente excessiva e até mesmo irritante à medida que o filme aproxima-se de seu desfecho.

Baseado em uma história real registrada no livro homônimo de Benjamin Mee, o roteiro escrito por Aline Brosh McKenna (O Diabo Veste Prada, Não Sei Como Ela Consegue) e pelo próprio cineasta acompanha a rotina da família Mee alguns meses após o falecimento de Katherine (Szostak), mãe de Dylan e Rosie (Jones) e esposa de Benjamin (Damon) - e não está sendo fácil para nenhum deles. O jornalista viúvo está insatisfeito com a estagnação de sua carreira profissional e ainda tem de assumir sozinho a criação dos filhos, que também têm seus problemas particulares: o garoto, um adolescente de 14 anos, é introspectivo e acaba de ser expulso da escola após três suspensões, enquanto a caçula mal parece capaz de assimilar a complexidade da ideia do falecimento da mãe e frequentemente enfrenta dificuldades para dormir em função de vizinhos festeiros e barulhentos. Somando-se a isso os vários pontos da vizinhança que evocam lembranças de Katherine, Benjamin decide recomeçar a vida em um novo lar e, após visitar casas sem grandes atrativos, o homem resolve dar uma conferida em uma propriedade fora da cidade, que revela-se bem mais interessante que as anteriores. Porém, ele logo descobre que a residência faz parte de um zoológico decadente e fora de funcionamento e, atraído pelos benefícios que a mudança poderia trazer para a dinâmica familiar, Benjamin decide assumir as rédeas do empreendimento e restaurar o local tendo em vista uma grande reinauguração. Com o apoio da tratadora de animais Kelly (Johansson) e de funcionários como Robin Jones (Fugit, repetindo a parceria com Crowe 11 anos após protagonizar Quase Famosos) e o explosivo MacCready (Macfadyen), a família Mee embarca em uma jornada de superação, desapego, autoconhecimento e reconciliação familiar.

Por mais piegas que possam parecer, a verdade é que os dramas vividos pelos personagens vistos aqui são bastante convincentes, fruto das ótimas atuações do elenco e da condução segura de Cameron Crowe. O destaque, claro, fica por conta de Matt Damon, que esbanja talento ao viver Benjamin como um homem que internaliza a angústia pela morte da esposa e trava uma batalha consigo mesmo na tentativa de superar a fatalidade, o que naturalmente o leva a esnobar as investidas de mães solteiras dos colegas de seus filhos e a envolver-se de forma emocionalmente intensa com o caso de um tigre que encontra-se em estado terminal. Por outro lado, é comovente ver sua determinação em tocar o projeto de revitalização do zoológico até às últimas consequências, algo singelamente ilustrado na cena em que o homem extravasa a frustração com dificuldades financeiras tombando com furor um barril e reerguendo-o segundos depois, demonstrando que aquela adversidade não é suficiente para tirá-lo do sério a ponto de interferir na ordem geral ou desviar seu foco.

Por sorte, o surgimento de um dedutível affair entre Benjamin e Kelly é prontamente suavizado por um diálogo franco e inteligente no qual ambos expõem suas intenções, deixando em aberto a possibilidade de um relacionamento amoroso vir a se concretizar em algum futuro sem que isso tenha que se tornar o centro da narrativa. Johansson, vale dizer, também faz um ótimo trabalho, conferindo a Kelly uma veracidade rara e extremamente necessária para que compremos sua paixão incondicional pelos animais e pelo zoológico, saindo-se especialmente bem em um momento de desabafo pessoal ou ao exibir de forma sutil, por detrás de sua aparente dureza, a confiança legítima que deposita nas intenções de Benjamin, através da insistência quase involuntária em tratá-lo intimamente como Ben.

Enquanto isso, a jovem e talentosa Maggie Elizabeth Jones certamente conseguirá despertar a simpatia de boa parte do público, mas a verdade é que sua inexperiência é naturalmente refletida em um desempenho  que alterna momentos da mais profunda fofura e naturalidade com outros nos quais sua artificialidade salta aos olhos (repare como ela permanece boa parte da projeção com a cabeça inclinada - bem como no pôster), como quando seu êxtase com certa descoberta é pontuado com 1 (um) pulo acompanhado de 1 (um) grito ou o momento em que interrompe uma conversa com o pai para dar-lhe conselhos, de uma forma que só acontece em filmes e exclusivamente entre adultos. Completando o elenco, Thomas Haden Church revela-se uma escolha mais que adequada para viver o irmão de Benjamin que, como contador, tenta manter a saúde financeira do protagonista sem recair nos exageros esperados para o papel, assim como John Michael Higgins que, mesmo calcando sua composição no humor, não transforma o inspetor Walter Ferris em uma ameaça para o zoológico maior do que de fato representa. Por fim, tirando o bobo romance que seu personagem vive com Lily (Fanning), Colin Ford consegue evitar que Dylan soe como um adolescente aborrecido convencional, o que permite que sua discussão com o pai em determinado instante se estabeleça como o ponto alto da projeção - e apesar de ser impossível engolir Benjamin declarando não ter conhecimento sobre a insatisfação do filho em morar longe da cidade e dos amigos, é tocante ver ambos desabafando suas angústias íntimas e constatar como isso por si só já é o suficiente para que encontrem força e disposição para uma provável e posterior reconciliação.

Contando ainda com uma espetacular trilha sonora - uma marca registrada dos trabalhos do cineasta -, Compramos um Zoológico, entretanto, é contraindicado para diabéticos, especialmente quando próximo ao final a água com açúcar que vinha sendo cozinhada até então transforma-se em um denso caramelo, com direito até mesmo a uma das falas mais desastrosas da carreira do Crowe, dita pela personagem de Elle Fanning: "Se tivesse que escolher entre animais e pessoas, qual seria?". Muitos não deverão se incomodar com isso, ou com as falsas expectativas que citei anteriormente, com o bom humor inexorável da pequena Rosie ou até mesmo com o macaco adestrado usado como alívio cômico - mas alguns outros certamente poderão se perguntar por que fazer um filme cuja intenção primordial é lançar o espectador para fora do cinema com a sensação de bem estar e um sorriso no rosto.

Inspirado pelo filme, eu mesmo respondo: por que não?