31 de dezembro de 2011

Os Melhores e Os Piores Filmes de 2011

Minha relação com cotações para filmes, atualmente, oscila entre amor e ódio. A dificuldade de atribuir notas a eles está cada vez maior, assim como organizá-los por ordem de preferência. Todavia, por mania, vício ou obsessão, continuo registrando em uma planilha todo e qualquer o filme que vejo, e recebo como resposta vários dados numéricos inúteis e divertidos sobre minha relação com o cinema naquele ano.

Dito isto, vejamos alguns deles. Em 2011, assisti a um total de 333 filmes, dos quais 251 foram vistos pela primeira vez. O mês mais movimentado foi janeiro, com 56 sessões, e no extremo oposto, setembro, com apenas 9. Dando notas de 1 a 5 para cada um, obtive uma média que ficou em 3,17, o que é relativamente bom para um ano tão fraco de lançamentos (rever boas produções dos anos anteriores foi o que salvou). Lançamentos inéditos desse ano (cinema, DVD, Blu-ray, televisão ou internet) foram 133 (todos citados abaixo, em algum lugar) e, posicionado exatamente no meio do ranking, o troféu Não-Fede-Nem-Cheira do ano vai para O Besouro Verde (o 67º melhor e 67º pior).

Por fim, destaco os 10 filmes posicionados nas duas extremidades do meu ranking de filmes lançados comercialmente no Brasil em 2011, uma vez que o restante da lista é irrelevante e incerto. Complementando, menciono outras produções deste ano que também se destacaram, mas não o suficiente para constar nas duas listas e, por último, listo aqueles que não tiveram gás para ganhar destaque positivo nem negativo.

OS MELHORES

1) Cisne Negro


2) Tudo Pelo Poder


3) O Palhaço


4) Bravura Indômita


5) X-Men: Primeira Classe


6) A Vida em um Dia


7) Meia Noite em Paris 


8) Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2


9) Rango


10) Melancolia


Outros destaques positivos:

Os 3 
Os Agentes do Destino
Amor a Toda Prova 
Amores Imaginários 
Ataque ao Prédio
A Condenação 
Contra o Tempo 
Cópia Fiel
Diário de um Banana 2: Rodrick é o Cara! 
Eu e Orson Welles
O Homem do Futuro
Inverno da Alma
Jogo de Poder
Lixo Extraordinário
Um Lugar Qualquer
O Mágico
Missão: Impossível - Protocolo Fantasma 
Namorados Para Sempre 
Operação Presente 
Passe Livre
O Primeiro Amor
Reencontrando a Felicidade
Reino Animal
Um Dia
O Vencedor

OS PIORES

1) Brasil Animado 


2) Dylan Dog e as Criaturas da Noite


3) Caça às Bruxas 


4) O Zelador Animal 


5) O Dono da Festa 3


6) Amanhecer - Parte 1 


7) Padre


8) Ela Dança, Eu Danço 3


9) A Fera 


10) Cilada.com


Outros destaques negativos:

30 Minutos ou Menos
Água Para Elefantes 
Além da Vida
Assalto em Dose Dupla
Assassino a Preço Fixo
Burlesque
A Casa 
Confiar 
Deu a Louca na Chapeuzinho 2 
Doce Vingança 
Ela Dança, Eu Danço 2
Esposa de Mentirinha 
Eu Sou o Número Quatro
Fúria Sobre Rodas
Glee 3D: O Filme
A Inquilina 
Kung Fu Panda 2 
A Legião Perdida
A Mentira
Missão Madrinha de Casamento 
A Morte e a Vida de Charlie
Noite de Ano Novo 
O Noivo da Minha Melhor Amiga 
Piratas do Caribe - Navegando em Águas Misteriosas 
Professora Sem Classe 
Quero Matar Meu Chefe
Rápida Vingança 
Sexo Sem Compromisso 
Sobrenatural
Transformers: O Lado Oculto da Lua 
O Turista
Velozes e Furiosos 5 - Operação Rio 

Por último, os demais lançamentos que, por razões diversas, não merecem constar entre os destaques positivos nem entre os negativos:

127 Horas
Amizade Colorida
O Amor & Outras Drogas
A Árvore
A Árvore da Vida
O Assassino em Mim
Atividade Paranormal 3 
O Besouro Verde
Biutiful
Bruna Surfistinha
Capitão América: O Primeiro Vingador
Carros 2
A Casa dos Sonhos
O Casamento do Meu Ex 
Como Você Sabe 
Compramos um Zoológico 
Contágio
Contracorrente 
Corações Perdidos 
Deixe-me Entrar
Desconhecido
O Discurso do Rei
Enrolados
Entre Segredos e Mentiras
Gato de Botas 
Happy Feet 2: O Pinguim 
A Hora do Espanto
Incontrolável
Um Jantar Para Idiotas
Justin Bieber: Never Say Never
Lanterna Verde
Margin Call - O Dia Antes do Fim
Os Muppets
Não Me Abandone Jamais
Uma Noite Mais Que Louca
Um Novo Despertar 
Pânico 4 
A Pele Que Habito 
Planeta dos Macacos - A Origem
Potiche - Esposa Troféu
O Preço do Amanhã 
Premonição 5 
Pronto Para Recomeçar
Qualquer Gato Vira-Lata
Quebrando o Tabu
Rio
Roubo nas Alturas
Se Beber, Não Case! Parte II 
Splice - A Nova Espécie
Sucker Punch - Mundo Surreal
Thor 
Toda Forma de Amor
Vejo Você no Próximo Verão
VIPs
VIPs - Histórias Reais de um Mentiroso
Winnie the Pooh 

E que venha 2012!

22 de dezembro de 2011

Melhores e Piores de 2011 segundo os usuários do IMDb


Para quem não conhece, o IMDb (Internet Movie Database) é o maior banco de dados sobre filmes (e outras bobagens como séries, novelas, programas de TV e videogames) do mundo, onde usuários dos quatro cantos do planeta podem explorar dados da filmografia de seus artistas favoritos ou o elenco de suas produções prediletas, além de poder atribuir a cada uma delas sua própria cotação. Dessa forma, a nota média exibida no site é possivelmente a melhor referência existente a respeito da opinião universal do público sobre quaisquer produções, mesmo que não haja como garantir que todos os palpiteiros tenham assistido ao filme antes de dar seu pitaco - algo que eventualmente se dilui em sua enorme amostragem. Dessa forma, é natural ver longas aclamados pela crítica sendo mal classificados (e vice-versa) ou até mesmo produções medianas sendo massacradas por um claro preconceito em relação a sua proposta (arrisco-me a dizer que a maior parte dos votantes que colocaram o Top 1 dos piores deste ano nessa posição sequer assistiram ao longa).

Dessa forma, na antecipação das listas de fim de ano de críticos e blogueiros, vejamos quais filmes foram os mais bem cotados e os menos admirados pelos usuários do IMDb. Para compilar as listas, desconsiderei as produções com amostragens muito pequenas (daí a ausência de tantos filmes brasileiros) e separei os filmes de cinema dos demais lançamentos - estes últimos, mais difíceis de apurar mas, ainda assim, com interessantes títulos nos dez melhores.

OS MELHORES

1) Cisne Negro (Black Swan, EUA, 2010)
2) O Discurso do Rei (The King's Speech, Reino Unido, 2010)
3) Trabalho Interno (Inside Job, EUA, 2010)
4) Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2 (Harry Potter and the Deathly Hallows: Part 2, Reino Unido/ EUA, 2011)
5) Incêndios (Incendies, Canadá/França, 2010)
6) Os Muppets (The Muppets, EUA, 2011)
7) O Vencedor (The Fighter, EUA, 2010)
8) O Palhaço (O Palhaço, Brasil, 2011)
9) Bravura Indômita (True Grit, EUA, 2011)
10) X-Men: Primeira Classe (X-Men: First Class, EUA, 2011)

OS PIORES

1) Justin Bieber: Never Say Never (Justin Bieber: Never Say Never, EUA, 2011)
2) Vovo... Zona 3: Tal Pai, Tal Filho (Big Mommas: Like Father, Like Son, EUA, 2011)
3) Terror na Água 3D (Shark Night 3D, EUA, 2011)
4) Não Sei Como Ela Consegue (I Don't Know How She Does It, EUA, 2011)
5) 11-11-11 (11-11-11, EUA/Espanha, 2011)
6) Sem Saída (Abduction, EUA, 2011)
7) Zé Colmeia - O Filme (Yogi Bear, EUA/Nova Zelândia, 2010)
8) Deu a Louca na Chapeuzinho 2 (Hoodwinked Too! Hood vs. Evil, EUA, 2011)
9) Animais Unidos Jamais Serão Vencidos (Konferenz der Tiere, Alemanha, 2010)
10) O Zelador Animal (Zookeeper, EUA, 2011)

Demais lançamentos:

OS MELHORES

1) A Vida em um Dia (Life in a Day, EUA/Reino Unido, 2011)
2) O Primeiro Amor (Flipped, EUA, 2010)
3) Separados Pelo Destino (Tangshan dadizhen, China, 2010)
4) Reino Animal (Animal Kingdom, Austrália, 2010)
5) Toda Forma de Amor (Beginners, EUA, 2010)
6) Ganhar ou Ganhar (Win Win, EUA, 2011)
7) A Informante (The Whistleblower, Alemanha/Canadá, 2010)
8) Elvis & Anabelle - O Despertar de um Amor (Elvis and Anabelle, Reino Unido/EUA, 2007)
9) A Mentira (Easy A, EUA, 2010)
10) Se Enlouquecer, Não Se Apaixone (It's Kind of a Funny Story, EUA, 2010)

OS PIORES

1) Space Chimps 2: O Retorno de Zartog (Space Chimps 2: Zartog Strikes Back, EUA, 2010)
2) Cadê os Homens? (Without Men, EUA, 2011)
3) Bloodrayne 3: O Terceiro Reich (BloodRayne: The Third Reich, EUA/Canadá/Alemanha, 2011)
4) A Cruz (Cross, EUA, 2011)
5) Área 51 (51, EUA, 2011)
6) Sangue Frio (The Bleeding, EUA, 2009)
7) Perdidos Pra Cachorro 2 (Beverly Hills Chihuahua 2, EUA, 2011)
8) O Amigo da Onça (Frenemy, EUA, 2009)
9) O Viajante (The Traveler, EUA, 2010)
10) Meninas Malvadas 2 (Mean Girls 2, EUA, 2011)

Crítica | Tudo Pelo Poder

por Eduardo Monteiro

The Ides of March, EUA, 2011 | Duração: 1h40m43s | Lançado no Brasil em 23 de Dezembro de 2011, nos cinemas | Escrito por George Clooney & Grant Heslov e Beau Willimon. Baseado na peça "Farragut North" de Beau Willimon | Dirigido por George Clooney | Com Ryan Gosling, George Clooney, Philip Seymour Hoffman, Paul Giamatti, Evan Rachel Wood, Marisa Tomei, Max Minghella, Jeffrey Wright, Jennifer Ehle, Gregory Itzin e Michael Mantell.

Processos eleitorais são um grande teatro e, mesmo que muitos de nós tenhamos consciência disso, nem sempre nos damos conta da real dimensão do que é mantido por debaixo dos panos. Se pegássemos isoladamente o discurso que o senador Thompson (Wright) faz em apoio a certo candidato em determinado momento de Tudo Pelo Poder, por exemplo, seríamos capazes de encarar seu aparente entusiasmo como um indício inequívoco de sua crença nos benefícios que a vitória de seu apoiado traria para a nação como um todo, e não exatamente para seu benefício próprio. Aliás, desde o início, o filme se encarrega de testar nossas percepções e incitar reflexões a respeito da facilidade de induzir ideias em um público e da artificialidade das campanhas eleitorais, levando-nos a pensar que Ryan Gosling é um candidato que profere um discurso na cena inicial para, logo em seguida, descobrirmos que o falatório é apenas um ensaio e que o homem é na verdade um membro da equipe do real candidato, trabalhando para garantir o sucesso e o caráter de espetáculo do discurso oficial posterior.

Mas todas essas extrapolações não representam nem um décimo do que o novo filme de George Clooney oferece a seu espectador. Vendo um candidato qualquer em meio a uma campanha eleitoral, raramente pensamos na quantidade de pessoas por trás de suas aparições, o papel decisivo que alguns desses rostos desconhecidos possuem ou a influência que exercem no rumo de uma eleição. Baseado na peça Farragut North de Beau Willimon, adaptada para o cinema por ele próprio juntamente com Clooney e Grant Heslov, o filme acompanha de perto o ambicioso e jovem Stephen (Gosling), assessor da campanha primária democrata presidencial do governador Mike Morris (Clooney) comandada por Paul (Hoffman). Enquanto os concorrentes Morris e Pullman (Mantell) tentam modificar o quadro da acirrada disputa que se sucede no estado de Ohio, a campanha do primeiro aproxima-se de uma crise quando a informação sobre o breve envolvimento de Morris com a estagiária Molly (Wood) corre o risco de vir à público, bem como um encontro secreto entre Stephen e Tom Duffy (Giamatti), o cabeça da campanha do adversário, enquanto, por fora, o senador Thompson intenciona apoiar o outro candidato, o que deve comprometer de vez a corrida de Morris à presidência.

Aproveitando-se da combinação da relativa inexperiência com a palpável ambição de Stephen, o roteiro estuda a fundo um personagem que, mesmo após exaltar sua crença de estar trabalhando para o melhor candidato, aceita encontrar-se com o comandante da campanha do adversário (que sugere que sua dedicação pode estar sendo em vão diante da possibilidade de derrota de Morris) e - o que é pior - fica intimamente balançado com o que escuta. Vivido com a competência habitual por Ryan Gosling, Stephen é um homem que, ao declarar-se "casado com a campanha", parece não o fazer apenas como um afago ao patrão: seu enorme foco no trabalho só é estremecido pelas insinuações intensas da subordinada Molly e, mesmo envolvendo-se emocionalmente com a garota, sua prioridade volta imediatamente para a campanha depois que descobre o affair dela com Morris e o risco que isso pode trazer, passando a tratá-la com uma impessoalidade assustadora e até mesmo uma certa desconfiança (algo comprovado pelo momento em que ele lhe passa por bilhete - rasgado logo em seguida - um recado que não acarretaria em maiores problemas caso fosse transmitido verbalmente). Por outro lado, também é interessante notar a evolução do personagem brilhantemente desempenhada pelo ator ao longo da narrativa, passando de um comportamento mais impulsivo e agitado e uma aparência mais desleixada, com o nó da gravata sempre frouxo, para uma postura mais ereta, pomposa, fria, com o paletó e a gravata impecáveis.

Além disso, Tudo Pelo Poder também é altamente beneficiado por um elenco secundário formidável. Clooney, certeiramente, evita ao máximo que as atenções principais voltem-se para seu personagem, mantendo-se afastado durante boa parte do primeiro ato para que compremos uma discreta preferência por ele antes que possamos conhecê-lo verdadeiramente, especialmente seus defeitos. Por outro lado, o sempre ótimo Philip Seymour Hoffman vive Paul como um profissional calejado e inteligente, exibindo sutilezas como o momento em que, fugindo das soluções fáceis e prontas que geralmente vemos sendo dadas, o personagem vê-se obrigado a literalmente parar para refletir sobre o complexo quadro geral após o aparecimento de uma nova informação, ou a forma propositadamente diferente como reage às duas importantes confissões feitas por Stephen em momentos diferentes da projeção. Por último, Paul Giamatti também confere grande veracidade e inteligência ao personagem, tornando críveis e intrigantes suas manobras ao longo do filme, enquanto Marisa Tomei vive uma jornalista política que representa a postura geral da imprensa em relação ao processo eleitoral, fazendo os malabarismos necessários para preservar boas fontes e ao mesmo tempo entregar matérias relevantes a seus editores.

Demonstrando uma maturidade impressionante como cineasta, George Clooney, com auxílio do montador e antigo colaborador Stephen Mirrione, confere ao filme um ritmo impecável que acompanha o crescimento das tensões da trama e constrói com irrepreensível clareza o jogo de intrigas entre seus personagens, sem jamais perder a atenção do espectador com passagens sem relevância para o arco narrativo. Porém, o trabalho do cineasta atinge seu auge no tenso diálogo entre Stephen e Morris no terceiro ato da projeção, que resume e define com perfeição o jogo de gato e rato desenvolvido até ali, aproximando gradativamente a câmera dos rostos dos atores na tentativa inútil de flagrar algum deslize que denuncie as verdadeiras intenções de cada um dos personagens.

Encerrado com uma sequência que remete ao próprio início e arrematado com um questionamento adequadamente irônico, Tudo Pelo Poder é muito mais que uma luz no fim do túnel em um ano fraco de lançamentos como 2011; é também um dos melhores dramas políticos dos últimos anos. E caso não seja devidamente reconhecido na temporada de premiações (que também são processos eleitorais, movidos por politicagens), ao menos já teremos um bom modelo para supor as razões por trás de tamanho absurdo.

21 de dezembro de 2011

Crítica | A Fera

por Eduardo Monteiro

Beastly, EUA, 2011 | Duração: 1h26m06s | Lançado no Brasil em 23 de Dezembro de 2011, nos cinemas | Roteiro de Daniel Barnz. Baseado no romance de Alex Flinn | Dirigido por Daniel Barnz | Com Alex Pettyfer, Vanessa Hudgens, Neil Patrick Harris, Lisagay Hamilton, Mary-Kate Olsen, Dakota Johnson, Erik Knudsen, Peter Krause e Roc LaFortune.

"É muito confuso!", diz o pai da personagem de Vanessa Hudgens em determinado momento de A Fera, quando, visando minimizar os danos de um mal sucedido acerto de contas do homem com traficantes, Kyle (Pettyfer) propõe o recolhimento da garota para sua mansão, mesmo que isso não pareça a solução mais lógica para o caso. "Eu não entendo!", exclama Lindy (Hudgens) em outro instante da projeção, depois que Kyle lhe entrega uma extensa carta de amor mas inexplicavelmente afasta-se da garota e passa a ignorar suas ligações. "O que aconteceu com o romance?", pergunta Lindy em alguma passagem do filme - um questionamento pertinente que também me ocorreu após assistir a este A Fera, algo que julgo adequado se pensarmos que, como as falas supracitadas comprovam, até os próprios personagens parecem perplexos com as incoerências determinadas pelo roteiro.

Releitura do conto clássico d'A Bela e a Fera romanceada por Alex Flinn e transposta para o cinema sob adaptação e direção de Daniel Barnz, o filme traz Alex Pettyfer como o protagonista Kyle (reiterando o comentário que fiz em meu texto sobre O Preço do Amanhã, quando digo que o ator deve ter um dos melhores agentes de Hollywood), um jovem vaidoso e arrogante ao extremo que, após aborrecer a bruxa teen Kendra (Olsen), tem o corpo desfigurado por um feitiço cuja reversibilidade está diretamente ligada ao surgimento de alguém que o ame verdadeiramente, num prazo máximo de um ano. Repudiando a própria aparência, o rapaz isola-se em uma mansão marginal à cidade onde passa a conviver com a empregada-doméstica-imigrante-africana Zola (Hamilton) e o tutor cego Will (Harris), além, claro, da jovem e bela colega de escola Lindy que, como já mencionado, passa a morar no local por motivos completamente absurdos e, aos poucos, desenvolve uma igualmente infundada afeição pelo anfitrião, ignorando sua aparência bestial.

Ressaltando a importância da beleza para a trama desde os primeiros instantes de projeção, quando anúncios publicitários exibindo corpos esculturais são intercalados com trechos da rotina de exercícios físicos do protagonista, o roteiro não mede esforços para explicitar a importância da aparência na vida de Kyle e, com isso, já esbarramos no primeiro grande problema do longa. Por mais que a introdução de Rob (Krause), pai de Kyle, como um homem pedante e vaidoso seja uma explicação aceitável para a arrogância do rapaz, sua vitória nas eleições estudantis elimina todas as chances daquela história se passar em um universo real ou possível, já que não há nenhuma explicação plausível para um candidato vencer uma votação de cunho ambiental após dizer para seus eleitores atrocidades como "vocês não são atraentes", "não tenho uma proposta ecológica", "vencerei isso apenas para incluir em meu histórico" e "vocês votarão em mim porque sou bonito e popular", sendo sonoramente aclamado pela plateia.

Não menos infeliz é a aproximação entre Kyle e Lindy, que também revela-se uma sucessão de tropeços. Mesmo visivelmente incomodada com a evidente falta de caráter do colega de classe, a garota pede para tirar uma foto com o rapaz em uma festa segundos após conversarem pela primeira vez em anos - e ele, que distribui patadas com a mesma categoria com que Hebe Camargo distribui selinhos, inexplicavelmente aceita de bom grado a solicitação. Claro que não somos bobos e sabemos que, apesar de solta, a cena não é aleatória e essa fotografia retornará em algum momento posterior da projeção - por exemplo, como fundo de tela do computador de Lindy, que justifica sua estranhíssima atração pelo protagonista quando confessa achar a autenticidade por trás da arrogância de Kyle algo inspirador (!!!) e admirável (!!!). E se considerarmos ainda que os dois haviam trocado ideias por míseros dois minutos antes do rapaz desaparecer por meses, a paixão é desde já uma das mais assustadoramente platônicas do cinema e, além disso, contradiz completamente a ideia central do longa, isto é, valorizar a virtude de enxergar a beleza interior das pessoas - algo que o Kyle do início do filme definitivamente não possui.

Para piorar, essa paixonite é completamente em vão, já que o Kyle bestial não revela sua verdadeira identidade e, assim, uma nova aproximação é necessária - o que não é um problema, já que Lindy (aceitavelmente) não se importa com a aparência grotesca do rapaz e (inaceitavelmente) em momento algum demonstra curiosidade em saber por que uma pessoa possui tatuagens, bolhas, brotoejas, cortes que nunca cicatrizam e veias prateadas. Por outro lado, a maquiagem feita em Alex Pettyfer é eficiente na maior parte do tempo, com cortes profundos e bolhas que parecem sugerir que a feiura, propriamente, representa para o rapaz uma dor quase que física. O mesmo não pode ser dito sobre os efeitos especiais, que não conseguem, por exemplo, fazer o terraço da casa parecer uma locação de verdade ao invés de um estúdio - e o fato de Barnz insistir em um posicionamento de câmera repetitivo e externo ao ambiente não ajuda nesse sentido. E prefiro não comentar sobre a tatuagem de árvore no antebraço de Kyle que, servindo supostamente apenas para indicar a aproximação do fim do prazo do feitiço, enfeita-se sozinha com luzes coloridas para o Natal.

Sem conseguir usar adequadamente seus coadjuvantes para enriquecer o tema central (o fato de Will não conseguir enxergar e, portanto, ser obrigado a avaliar Kyle sem a influência estética, praticamente não é explorado pelo roteiro), A Fera acaba voltando-se para um romance bobo, rápido e forçado (spoilers adiante, para quem se importa) com direito a celular tocando na hora do beijo, viagem pra casa de campo, invasão de locais proibidos durante a noite (desde quando isso é romântico?) e, claro, final feliz - e minha queixa quanto a isso diz respeito à possibilidade real de um final melancólico que seria muitíssimo mais interessante. Por amor a Lindy, Kyle chega a aceitar sua feiura e declara-se publicamente à garota num momento que, estrategicamente, não sabemos ao certo se o prazo de um ano havia ou não vencido (pelas explicações rasas dadas, a impressão é que sim, o tempo estava esgotado) - mas essa incerteza, que seria a deixa para um final coerente e enriquecedor (isto é: Kyle permaneceria feio, mas com todo o tempo do mundo para desenvolver sua relação com Lindy, a mulher que o aceita pelo que é) transforma-se em um truque barato voltado para um final feliz boboca, respeitando a lógica do desfecho do conto original d'A Bela e a Fera após atrapalhar-se na adaptação de incontáveis outros elementos.

E por fim, Will e Zola são recompensados por aguentar a chatice do protagonista por um ano, Kyle e Lindy viajam o mundo tirando fotos em pontos turísticos clichês e o narcisista e vilanesco pai de Kyle recebe uma visita surpresa que promete mudar sua visão distorcida do mundo. Tudo fica resolvido. Menos meu questionamento inicial: céus, o que aconteceu com o romance?

Crítica | Missão: Impossível - Protocolo Fantasma

por Eduardo Monteiro

Mission: Impossible - Ghost Protocol, EUA, 2011 | Duração: 2h12m42s | Lançado no Brasil em 21 de Dezembro de 2011, nos cinemas | Roteiro de Josh Appelbaum e André Nemec. Baseado no seriado de televisão criado por Bruce Geller | Dirigido por Brad Bird | Com Tom Cruise, Simon Pegg, Jeremy Renner, Paula Patton, Michael Nyqvist, Vladimir Mashkov, Léa Seydoux, Josh Holloway, Samuli Edelmann, Miraj Grbic, Anil Kapoor e Tom Wilkinson.

Rango, o mais recente trabalho de Gore Verbinski, é desde já um dos melhores filmes do ano - e chega a ser espantoso que, com uma carreira admirável e incrivelmente diversificada, alguém tenha duvidado de sua capacidade de conduzir com competência o projeto simplesmente por ser desenvolvido através de computação gráfica, área com a qual o diretor não estava familiarizado. Ainda na mesma lógica, muito se falou sobre o novo trabalho de Brad Bird que, seguindo o caminho oposto, conduziu seu primeiro filme em live action - este quarto exemplar da franquia cinematográfica de Missão: Impossível - após uma carreira curta mas impecável no ramo das animações, sendo duas delas vencedoras do Oscar de Melhor Animação e a terceira produzida em uma época anterior à criação da categoria. Portanto, volto a enfatizar meu espanto através da seguinte reformulação: será que a transição de animação para live action é tão tortuosa assim a ponto de tornar-se difícil esperar algo bom de Bird depois de O Gigante de Ferro, Ratatouille e especialmente Os Incríveis?

Com uma equipe competente, definitivamente não. Produzido por J.J. Abrams (diretor do longa anterior e um dos grandes responsáveis pela ressurreição da franquia), por seu parceiro Bryan Burk e pelo astro Tom Cruise, Missão: Impossível - Protocolo Fantasma possivelmente tem como maior problema o desinteressante resgate das antigas e exaustivamente exploradas tensões da Guerra Fria como fio condutor de sua narrativa - mesmo que tente tolamente suavizar a vilanização dos russos com um óbvio e politicamente correto "Quer dizer então estamos do mesmo lado?" dito por uma autoridade russa após uma longa perseguição ao agente da IMF -, além das pequenas confusões criadas em certas passagens graças ao excesso de nomes de personagens apresentados, mesmo que a trama em si trate de uma problemática relativamente simples. Dessa forma, o filme torna-se muito mais interessante quando volta-se para tudo aquilo que Brad Bird trabalhou com brilhantismo em Os Incríveis, como a natureza colaborativa da missão ou as cenas de ação, encontrando espaço até mesmo para brincar com as convenções da própria série, como na cena em que uma fuga aparentemente certa de Hunt (Cruise) é interrompida quando este hesita pular de uma determinada altura.

Na história, Ethan Hunt é resgatado de uma prisão em Budapeste pelo recém promovido agente de campo Benji Dunn (Pegg) e pela parceira Jane Carter (Patton) e logo recebe a missão de interceptar códigos de ativação de mísseis nucleares guardados no Kremlin, em Moscou. Entretanto, o agente descobre que a IMF não foi a única a enviar uma equipe atrás dessas informações naquele dia e, minutos após Hunt abortar a missão, a fortaleza é parcialmente destruída por uma explosão - desencadeando no estabelecimento do Protocolo Fantasma, que consiste na completa dissolução da IMF e no uso de Hunt como bode expiatório, visando a manutenção da estabilidade das relações diplomáticas entre EUA e Rússia. Porém, o agente consegue escapar das autoridades na companhia do analista William Brandt (Renner) e comanda uma missão extraoficial para impedir os planos megalomaníacos de Kurt Hendricks (Nyqvist), que enxerga na guerra nuclear uma oportunidade única de renovação da sociedade.

Absurdos, como sempre, são esperados desta série que, caso respeitasse o próprio título, não conseguiria passar sequer do primeiro exemplar. "Tudo o que resta da IMF somos nós quatro e esse vagão", por exemplo, é tão absurdo quando a completa dissolução da agência já que, por razões nunca explicadas, Hunt e sua equipe continuam tendo acesso a um amplo e sofisticado aparato tecnológico sem o qual sua missão não seria possível. Por outro lado, a invencionice dos equipamentos continua sendo uma ótima estratégia para permitir que os personagens contornem grandes obstáculos e, desse modo, tornar as missões possíveis, com destaque para a criativa solução usada por Hunt e Benji para atravessar sem serem vistos um corredor monitorado por um porteiro, com um dispositivo que comprova a inteligência da equipe de produção por levar em consideração as leis fundamentais da ótica em sua concepção. Aliás, mesmo repetindo fórmulas dos filmes anteriores, as cenas de ação têm sempre como pano de fundo desculpas aceitáveis para que ocorram e são executadas suficientemente bem para não parecerem meras repetições de ações já vistas, como o clímax transcorrido em um estacionamento vertical ou as ótimas tomadas (feitas em locação!) de Tom Cruise escalando, correndo ou saltando pelas laterais do Burj Khalifa, o prédio mais alto do mundo.

Voltando a encarnar Ethan Hunt com a mesma energia de 15 anos atrás, Tom Cruise prova que perucas mirabolantes são uma maldição apenas para filmes de Nicolas Cage já que, mesmo remetendo a seu próprio visual visto no pior filme da série (o segundo, comandado por John Woo), confere ao personagem a habilidade de um agente calejado através da frieza em momentos necessários ou de outros detalhes menores como o modo discreto que corre quando não quer levantar suspeitas ou a velocidade que muda seu disfarce de general russo para turista. Já Simon Pegg, um claro alívio cômico, não recai em exageros e faz um ótimo trabalho ao afastar Benji tanto dos agentes superexperientes quanto de nerds inabilidosos que jamais conseguiriam a promoção, enquanto o promissor Jeremy Renner volta a comprovar seu talento e energia em cena e a linda Paula Patton faz excepcionalmente bem seu papel de mulher durona, sensual e impetuosa. Por fim, a pequena participação de Josh Holloway tem como único problema o fato de ser tão curta (apesar de adequada e lógica), já que o talentoso ator alçado à fama em Lost domina com facilidade os poucos minutos que aparece em cena.

Para completar, Missão: Impossível - Protocolo Fantasma ainda brinda o espectador com pequenas surpresas inseridas ao longo da projeção, como breves aparições de personagens conhecidos e uma singela e discreta homenagem aos estúdios Pixar, onde Bird trabalhou em seus dois últimos longas - além, é claro, da icônica cena de Hunt despencando e ficando pendurado de barriga para baixo próximo a algo perigoso, que curiosamente inova ao dispensar cordas e ao dar a chance de um coadjuvante protagonizá-la. E mesmo que o longa não se encarregue de tirar Ethan Hunt de cena em seu desfecho (algo que o filme anterior tentou discretamente fazer), essa inovação pode futuramente servir como uma deixa a ser interpretada como uma passagem de bastões, garantindo a continuidade da franquia sem a necessidade de ser protagonizada por um idoso (Tom Cruise ainda está em forma, mas já é quase um quinquagenário!). O que não seria nada mal, já que Protocolo Fantasma prova que, nas mãos certas, a série ainda tem fôlego para continuar divertindo seu público.

17 de dezembro de 2011

Crítica | Compramos um Zoológico

por Eduardo Monteiro

We Bought a Zoo, EUA, 2011 | Duração: 2h01m11s | Lançado no Brasil em 23 de Dezembro de 2011, nos cinemas | Roteiro de Aline Brosh McKenna e Cameron Crowe. Baseado no livro de Benjamin Mee | Dirigido por Cameron Crowe | Com Matt Damon, Scarlett Johansson, Thomas Haden Church, Colin Ford, Maggie Elizabeth Jones, Angus Macfadyen, Elle Fanning, Patrick Fugit, John Michael Higgins, Carla Gallo, J.B. Smoove e Stephanie Szostak.

Em certo momento de Compramos um Zoológico, o jovem Dylan Mee (Ford) abre um baú cheio de cobras e, assustado, deixa o recipiente entreaberto, possibilitando a fuga dos ofídios. Na manhã seguinte, todos os espécimes fujões encontram-se em frente à residência dos Mee, que também fica dentro da propriedade do zoológico Rosemoor. Em outras palavras: a falsa expectativa de que algo mais grave poderia ocorrer foi criada e, pouco depois, é rapidamente dizimada, graças à conveniência (inexplicada, por sinal) de todas as serpentes voltarem-se para um ponto específico da imensa propriedade. Construções como esta, baseadas em falsas expectativas e suas consequentes desmistificações, são encontradas aos montes no novo longa de Cameron Crowe (Jerry Maguire - A Grande Virada) e, mesmo não sendo a forma mais elegante de se contar uma história, pode-se dizer que funcionam até certo ponto - mas para que isso ocorra, é fundamental que o espectador tenha embarcado de cabeça na história e desenvolvido afeição pelos personagens, já que a abordagem torna-se ligeiramente excessiva e até mesmo irritante à medida que o filme aproxima-se de seu desfecho.

Baseado em uma história real registrada no livro homônimo de Benjamin Mee, o roteiro escrito por Aline Brosh McKenna (O Diabo Veste Prada, Não Sei Como Ela Consegue) e pelo próprio cineasta acompanha a rotina da família Mee alguns meses após o falecimento de Katherine (Szostak), mãe de Dylan e Rosie (Jones) e esposa de Benjamin (Damon) - e não está sendo fácil para nenhum deles. O jornalista viúvo está insatisfeito com a estagnação de sua carreira profissional e ainda tem de assumir sozinho a criação dos filhos, que também têm seus problemas particulares: o garoto, um adolescente de 14 anos, é introspectivo e acaba de ser expulso da escola após três suspensões, enquanto a caçula mal parece capaz de assimilar a complexidade da ideia do falecimento da mãe e frequentemente enfrenta dificuldades para dormir em função de vizinhos festeiros e barulhentos. Somando-se a isso os vários pontos da vizinhança que evocam lembranças de Katherine, Benjamin decide recomeçar a vida em um novo lar e, após visitar casas sem grandes atrativos, o homem resolve dar uma conferida em uma propriedade fora da cidade, que revela-se bem mais interessante que as anteriores. Porém, ele logo descobre que a residência faz parte de um zoológico decadente e fora de funcionamento e, atraído pelos benefícios que a mudança poderia trazer para a dinâmica familiar, Benjamin decide assumir as rédeas do empreendimento e restaurar o local tendo em vista uma grande reinauguração. Com o apoio da tratadora de animais Kelly (Johansson) e de funcionários como Robin Jones (Fugit, repetindo a parceria com Crowe 11 anos após protagonizar Quase Famosos) e o explosivo MacCready (Macfadyen), a família Mee embarca em uma jornada de superação, desapego, autoconhecimento e reconciliação familiar.

Por mais piegas que possam parecer, a verdade é que os dramas vividos pelos personagens vistos aqui são bastante convincentes, fruto das ótimas atuações do elenco e da condução segura de Cameron Crowe. O destaque, claro, fica por conta de Matt Damon, que esbanja talento ao viver Benjamin como um homem que internaliza a angústia pela morte da esposa e trava uma batalha consigo mesmo na tentativa de superar a fatalidade, o que naturalmente o leva a esnobar as investidas de mães solteiras dos colegas de seus filhos e a envolver-se de forma emocionalmente intensa com o caso de um tigre que encontra-se em estado terminal. Por outro lado, é comovente ver sua determinação em tocar o projeto de revitalização do zoológico até às últimas consequências, algo singelamente ilustrado na cena em que o homem extravasa a frustração com dificuldades financeiras tombando com furor um barril e reerguendo-o segundos depois, demonstrando que aquela adversidade não é suficiente para tirá-lo do sério a ponto de interferir na ordem geral ou desviar seu foco.

Por sorte, o surgimento de um dedutível affair entre Benjamin e Kelly é prontamente suavizado por um diálogo franco e inteligente no qual ambos expõem suas intenções, deixando em aberto a possibilidade de um relacionamento amoroso vir a se concretizar em algum futuro sem que isso tenha que se tornar o centro da narrativa. Johansson, vale dizer, também faz um ótimo trabalho, conferindo a Kelly uma veracidade rara e extremamente necessária para que compremos sua paixão incondicional pelos animais e pelo zoológico, saindo-se especialmente bem em um momento de desabafo pessoal ou ao exibir de forma sutil, por detrás de sua aparente dureza, a confiança legítima que deposita nas intenções de Benjamin, através da insistência quase involuntária em tratá-lo intimamente como Ben.

Enquanto isso, a jovem e talentosa Maggie Elizabeth Jones certamente conseguirá despertar a simpatia de boa parte do público, mas a verdade é que sua inexperiência é naturalmente refletida em um desempenho  que alterna momentos da mais profunda fofura e naturalidade com outros nos quais sua artificialidade salta aos olhos (repare como ela permanece boa parte da projeção com a cabeça inclinada - bem como no pôster), como quando seu êxtase com certa descoberta é pontuado com 1 (um) pulo acompanhado de 1 (um) grito ou o momento em que interrompe uma conversa com o pai para dar-lhe conselhos, de uma forma que só acontece em filmes e exclusivamente entre adultos. Completando o elenco, Thomas Haden Church revela-se uma escolha mais que adequada para viver o irmão de Benjamin que, como contador, tenta manter a saúde financeira do protagonista sem recair nos exageros esperados para o papel, assim como John Michael Higgins que, mesmo calcando sua composição no humor, não transforma o inspetor Walter Ferris em uma ameaça para o zoológico maior do que de fato representa. Por fim, tirando o bobo romance que seu personagem vive com Lily (Fanning), Colin Ford consegue evitar que Dylan soe como um adolescente aborrecido convencional, o que permite que sua discussão com o pai em determinado instante se estabeleça como o ponto alto da projeção - e apesar de ser impossível engolir Benjamin declarando não ter conhecimento sobre a insatisfação do filho em morar longe da cidade e dos amigos, é tocante ver ambos desabafando suas angústias íntimas e constatar como isso por si só já é o suficiente para que encontrem força e disposição para uma provável e posterior reconciliação.

Contando ainda com uma espetacular trilha sonora - uma marca registrada dos trabalhos do cineasta -, Compramos um Zoológico, entretanto, é contraindicado para diabéticos, especialmente quando próximo ao final a água com açúcar que vinha sendo cozinhada até então transforma-se em um denso caramelo, com direito até mesmo a uma das falas mais desastrosas da carreira do Crowe, dita pela personagem de Elle Fanning: "Se tivesse que escolher entre animais e pessoas, qual seria?". Muitos não deverão se incomodar com isso, ou com as falsas expectativas que citei anteriormente, com o bom humor inexorável da pequena Rosie ou até mesmo com o macaco adestrado usado como alívio cômico - mas alguns outros certamente poderão se perguntar por que fazer um filme cuja intenção primordial é lançar o espectador para fora do cinema com a sensação de bem estar e um sorriso no rosto.

Inspirado pelo filme, eu mesmo respondo: por que não?

10 de dezembro de 2011

Crítica | Noite de Ano Novo

por Eduardo Monteiro

New Year's Eve, EUA, 2011 | Duração: 1h57m38s | Lançado no Brasil em 9 de Dezembro de 2011, nos cinemas | Escrito por Katherine Fugate | Dirigido por Garry Marshall | Com Michelle Pfeiffer, Zac Efron, Hilary Swank, Jessica Biel, Seth Meyers, Til Schweiger, Sarah Paulson, Katherine Heigl, Sofía Vergara, Ashton Kutcher, Lea Michele, Sarah Jessica Parker, Abigail Breslin, Robert De Niro, Halle Berry, Josh Duhamel, Jon Bon Jovi, Chris 'Ludacris' Bridges, Carla Gugino, Larry Miller, Hector Elizondo, John Lithgow, Cary Elwes, Russell Peters, Jake T. Austin, Beth Kennedy, Lillian Lifflander, James Belushi, Rob Nagle, Ryan Seacrest, Matthew Broderick, Common.

Olha, não é aquele Sargento Hugo Stiglitz de Bastardos Inglórios? E aquela atriz e cantora ali, trabalha em Glee, certo? Veja, o De Niro, que surpresa! Meu Deus, porque colocaram tanta maquiagem na Pequena Miss Sunshine? E como ela está crescida! Veja só quem apareceu: o marido da Fergie! E não é que Dr. Lawrence Gordon voltou do primeiro Jogos Mortais com as duas pernas intactas! E aquele homem, o Ferris Bueller, teve outro dia de folga e veio invadir o filme da esposa, a Sarah Jessica Parker. Ela e Seth Meyers, por sinal, não fizeram um outro filme juntos esse ano, aquele Não Sei Como Ela Consegue? Veja, Zac Efron e Michelle Pfeiffer contracenando novamente, depois de Hairspray! E por que Ashton Kutcher não tirou o figurino de seu personagem em Two And a Half Men para gravar sua participação nesse filme? Aquele homem ali... como é mesmo o nome dele? James... Jim... Fez aquele seriado, According to Jim. Jim B... Jim Belu... Espera, já acabou sua participação? Foi só isso mesmo?

Todos os comentários e as perguntas acima estão sujeitas a vir à mente do espectador com a maior naturalidade durante uma sessão de Noite de Ano Novo. Aliás, arrisco-me a dizer que o surgimento dessas reflexões é a intenção prioritária do filme. E meu atrevimento não pára por aqui: ousarei também fazer suposições sobre o processo de pré-produção do filme. Baseado no que testemunhei, não estranharia se descobrisse que o longa saiu do papel de acordo com a seguinte sucessão de procedimentos: 1) Escolher uma outra data festiva qualquer (o Dia dos Namorados não pode, já foi usado) e manter a mesma proposta de Idas e Vindas do Amor; 2) Levar o projeto a grandes patrocinadores e oferecer aparições significativas de suas marcas durante a projeção, de modo a garantir um orçamento que permita o próximo item; 3) Selecionar um elenco com o maior número possível de rostos conhecidos, de vencedores do Oscar a revelações de seriados ou cantores, que consigam ser identificados e despertem a atenção do público e 4) Ligar para Katherine Fugate e encomendar um roteiro, especificando que nenhum núcleo deverá conter mais que dois ou três atores do grande escalão contracenando, de modo que o calendário de filmagem coincida com os intervalos entre seus projetos maiores e mais importantes.

Resultado: Noite de Ano Novo, um filme no qual 90% do elenco atua no mais absoluto piloto automático dividindo espaço com propagandas bandeirosas e guiado por roteiro e direção dignos de um especial de fim de ano voltado para televisão. Ainda mais episódico que Idas e Vindas do Amor (há até intevalinhos idiotas entre algumas cenas, como aquele em que uma criança perdida na Times Square torna-se algo grosseiramente engraçadinho), o roteiro de Fugate acompanha pequenos casos de pessoas às vésperas da chegada de 2012 e aqui, diferentemente do longa anterior, não parece sequer preocupado em convergir as histórias ou relacioná-las. Quando o faz, o paralelo soa forçado (o que mudaria se os personagens de Zac Efron e Sarah Jessica Parker não fossem irmãos?) ou usa as surpresas (reviravolta seria uma palavra muito forte) geradas pelas convergências como um truque para convencer os espectadores desatentos que envolver-se emocionalmente com aqueles indivíduos foi uma experiência compensadora simplesmente por descobrir que Fulana é filha de Ciclano, enquanto, na verdade, o mistério se dava muito mais em função da enorme quantidade de possíveis associações entre personagens do que da qualidade da construção de suas trajetórias ou de boas relações de pista e recompensa - nada que chegue sequer aos pés dos destinos dos personagens de Julia Roberts e Bradley Cooper após desembarcarem de um avião em Idas e Vindas do Amor.

Para elucidar a questão, tomemos como exemplo Sam, personagem vivido por Josh Duhamel, que anseia chegar a Nova York antes da virada do ano para reencontrar uma mulher que conhecera no reveillon anterior. De todas as personagens mulheres, apenas duas alegam ter um encontro com um homem à meia-noite. Dessa forma, somos induzidos a pensar que alguma delas é o affair de Sam mas, quando ambas são direcionadas para desfechos cebola-nos-olhos, o caso, que a esta altura já ganhara mais importância que merecia, acaba encerrado de forma terrivelmente tola e enganosa, se considerarmos que a tal mulher já havia explicitado sua intenção de permanecer em casa naquela noite (sua mudança de atitude é resumida pela substituição de calçados cafonas por sapatos dignos de Carrie Bradshaw - e tudo que tenho a dizer sobre isso é... pfff!) ou ainda se pensarmos o quão absurdo é afeiçoar-se por uma pessoa e marcar um reencontro para um ano depois, simplesmente pelo lirismo da ideia (ou adequação ao roteiro).

Ainda por cima, a opção de criar arcos dramáticos simples e curtos para os personagens acaba tornando as historinhas não só terrivelmente mal desenvolvidas, como também mais previsíveis que o necessário. Se a única tarefa de Claire (Swank) parece ser garantir o perfeito funcionamento do tradicional globo de luzes da Times Square, é difícil supor que algo dará errado? Se um homem e uma mulher apáticos entram juntos em um elevador e nada parece acontecer, os acontecimentos seguintes são realmente inesperados? Se todos os amigos da adolescente Hailey (Breslin) passarão a virada do ano na Times Square, mas sua mãe superprotetora não autoriza que os acompanhe, o que deverá acontecer? Se duas gestantes disputam qual bebê nascerá primeiro e as obstetras afirmam que nenhum dos partos está para acontecer, a subtrama estará, portanto, encerrada? Por fim, é lamentável que um filme sobre ano novo, exalando positivismo e boas intenções, confira maior importância às festas em si (acompanhamos desde pessoas responsáveis pela organização dos eventos até outras se sujeitando a tarefas desgostosas para conseguir convites VIP) do que à renovação de esperanças da virada do ano - e temendo não ter deixado claro esse pensamento mesquinho durante a narrativa, o longa trata de ratificá-lo na narração em off que encerra o filme. Minto, isso não encerra o filme! Quando tudo parece acabado, temos ainda erros de gravação que deixariam Renato Aragão orgulhoso, já que a grande maioria deles é encenada e eleva a necessidade latente de divertir o espectador após entediá-lo por quase duas horas a um nível completamente novo (ok, o estereótipo latino interpretado por Sofia Vergara consegue divertir durante o filme. Mas só!).

Aproximando-se de algo mais interessante ao encarar o drama de uma mulher solitária, insegura e rejeitada, vivida com talento por uma Michelle Pfeiffer desprovida de vaidade, Noite de Ano Novo prova que é preciso muito feijão com arroz para transformar uma reunião de grande atores em algo tão sensacional quanto Simplesmente Amor. Muitos tentaram, nenhum conseguiu - e só Garry Marshall já está falhando pela segunda vez. Quem sabe se os produtores experimentassem um outro gênero, no qual as rápidas participações dos grandes atores fossem justificadas por suas próprias convenções...

Taí. Já estou no aguardo de Dia de Finados. Dirigido por Wes Craven, por que não?

8 de dezembro de 2011

Crítica | Gato de Botas

por Eduardo Monteiro

Puss in Boots, EUA, 2011 | Duração: 1h30m05s | Lançado no Brasil em 9 de Dezembro de 2011, nos cinemas | História de Brian Lynch, Will Davies e Tom Wheeler. Roteiro de Tom Wheeler | Dirigido por Chris Miller | Com as vozes de Antonio Banderas, Salma Hayek, Zach Galifianakis, Billy Bob Thornton, Amy Sedaris, Constance Marie, Guillermo del Toro.

Começo este texto com uma observação ao mesmo tempo redundante e pertinente: este é um filme do Gato de Botas. Exatamente. Personagens secundários, roteiro, trilha sonora, fotografia - todos estão lá, entre seus altos e baixos, apenas para que o carismático e charmoso felino possa brilhar soberano e ter seu momento de glória, após longos anos servindo de alívio cômico na jornada da franquia Shrek rumo ao fundo do poço. Assim, o provável melhor subproduto daquela série reaparece aqui, em particular na primeira cena, inerte e despido de caracterizações enquanto ele próprio descreve em voice over sua fama e alguns de seus feitos, obrigando-nos a encarar o absurdo de aceitarmos tamanhas barbáries vindas de um ser tão frágil e felpudo ao mesmo tempo que nossa memória afetiva é despertada, servindo ainda para prenunciar sutilmente o menor deslumbre do longa com elementos fantásticos o que, somado à ótima ambientação da história, estabelece de uma vez por todas o personagem como uma versão de Zorro voltada para crianças.

Apostando novamente na superposição de diferentes elementos e personagens de contos de fadas e do imaginário popular para construir sua narrativa, o spin-off de Shrek ignora a história clássica do felino e traz o Gato de Botas (Banderas) como um fora-da-lei em meio a uma busca pelos lendários feijões mágicos que, como diz o conto, dão origem a uma esbelta e monumental planta que permite o acesso às nuvens nas quais o castelo de um gigante abriga uma gansa capaz de botar ovos de ouro. No entanto, os grãos encantados encontram-se em posse dos malvados Jack (Thornton) e Jill (Sedaris) - não entre em pânico, ainda não é Cada Um Tem a Gêmea Que Merece (Jack and Jill), novo filme com Adam Sandler - e o Gato de Botas não é o único no encalço do casal: Kitty Pata-Mansa (Hayek), uma corajosa e habilidosa gata, também tenta furtar os feijões a serviço do ovo antropomorfizado Humpty Dumpty (Galifianakis), que pretende concretizar os planos de riqueza que vem desenvolvendo desde criança.

Para começar, é importante deixar claro que a trama concebida por Tom Wheeler, Brian Lynch e Will Davies é péssima. Baseando-se em conflitos familiares banais, o roteiro explora inveja, traição e vingança da mesmíssima forma já feita à exaustão no Cinema, apostando numa trama batida com uma reviravolta que faz o termo "previsível" parecer o maior dos eufemismos e que consegue deixar pelo menos um furo gritante e colossal (a que se deve toda a dificuldade de roubar os feijões mágicos dos vilões?), expondo a incompetência dos roteiristas de criar algo coeso ou original. Dessa forma, o longa traz basicamente duas frentes distintas de conflitos: a sentimental, ao explorar a relação primária entre dois irmãos adotivos, e a física, resultado da impressionante recorrência de personagens ou objetos vitimados pelas leis da gravidade, isto é, prestes ou em meio a quedas (do pé-de-feijão gigante, de precipícios, cordas bambas, carruagens desgovernadas, pontes ruindo... E por aí vai!) - mas obviamente, sempre há uma solução para que os objetos não sejam perdidos ou os personagens não pereçam (menos, talvez, no caso derradeiro, quando o destino de um personagem fica descaradamente mal esclarecido). Assim, o filme torna-se infinitamente mais interessante quando foca-se em tudo aquilo que é de alguma forma alheio àqueles conflitos rasos, como as cenas de ação, de dança ou as diversas brincadeiras com a natureza felina e a personalidade do protagonista, que consegue, por exemplo, tornar-se uma figura ameaçadora de uma forma absolutamente cômica (vide a cena em que interroga homens no bar).

Isso se deve, claro, ao excelente trabalho dos animadores, que conseguem alcançar um adequado meio termo entre o realista e o cartunesco no design e na movimentação do personagem, e também à ótima dublagem de Antonio Banderas, que após três filmes dando voz ao personagem e dois interpretando o justiceiro mascarado no qual ele é inspirado, consegue conferir o tom exato ao bichano para que este exiba autoconfiança, bravura e um ar sedutor, contrariando sua aparência frágil. Também eficiente é a modelagem de Humpty Dumpty, que mantém-se fiel às descrições e aparições anteriores em outras mídias (possivelmente pouco conhecidas pelo público brasileiro, que conseguiria associar melhor o personagem a uma versão viva dos tradicionais saleiros do Sal Cisne) e traz consigo a estranheza natural de... bem, um ovo grande com membros e rosto, contribuindo para a construção do personagem tanto quanto a boa dublagem de Zach Galifianakis.

Trazendo o faroeste para o sul da Espanha, os artistas da DreamWorks concebem o universo do filme de forma bastante realista e detalhada, o que, somado à trilha sonora repleta de violões e castanholas de Henry Jackman, transforma aquele lugar no cenário esperado de uma típica aventura do Zorro. Enquanto isso, o diretor Chris Miller aventura-se em algumas montagens com telas divididas, que remetem aos bons trabalhos de Tarantino e funcionam bem até o instante que viram pretexto para piadas idiotas, e mantém a "câmera" boa parte do tempo baixa, faceando o chão, como se aproveitasse o 3D para dar a impressão que o solo do cenário termina exatamente no mesmo lugar que a sala de cinema começa, além, é claro, de adequar-se à baixa estatura dos protagonistas e de quebra tornar os antagonistas humanos mais ameaçadores. Felizmente, o diretor acerta na opção de manter uma grande profundidade de campo na maior parte do tempo, permitindo que as diferenças de foco não se tornem um incômodo ou uma distração desnecessária para o espectador que optar pela versão tridimensional. Por fim, vale ressaltar que a marca registrada do personagem - seu hipnotizante olhar de coitadinho -, diferentemente das aparições em Shrek, é encaixada aqui de maneira mais orgânica, sem a necessidade de interromper o filme para sua apreciação. O mesmo não pode ser dito, entretanto, dos números musicais - empolgantes e bem coreografados, é verdade, mas aleatórios - ou das esperadas referências pop - dessa vez, Clube da Luta ganha a mais gritante e boba delas -, ambos mais deslocados que o adequado.

Chegando até mesmo a ser surpreendentemente assustador em algumas passagens, o longa solo do bichano justiceiro é uma produção divertida e visualmente soberba, mas emocionalmente vazia, na qual a excepcional técnica tenta a todo custo - e céus, quase consegue! - disfarçar os problemas narrativos. Dito isto, encerro meu texto com um questionamento ambíguo e analógico: será que eu também fui hipnotizado pelos olhos do Gato de Botas?