2 de novembro de 2011

Crítica | A Pele Que Habito

por Eduardo Monteiro

La Piel que Habito, Espanha, 2011 | Duração: 1h57 | Lançado no Brasil em 4 de Novembro de 2011, nos cinemas | Roteiro de Pedro Almodóvar com a colaboração de Agustín Almodóvar baseado no livro "Mygale" de Thierry Jonquet | Dirigido por Pedro Almodóvar | Com Antonio Banderas, Elena Anaya, Marisa Paredes, Jan Cornet, Roberto Álamo, Eduard Fernández, José Luis Gómez e Blanca Suárez.

Acho a história contada por A Pele Que Habito boa. Gosto dos personagens, que julgo possuírem boa carga dramática em suas concepções. Também acho que a ordem em que a história é contada a torna mais interessante. Já a forma como ela é transmitida e os personagens são explorados pelo cineasta espanhol Pedro Almodóvar, ao meu ver, não aproveita todo o potencial do projeto. De modo geral, pode-se dizer até que sejam pequenos os problemas do roteiro e da direção de Almodóvar, mas são tantos que, somados, não há como ignorá-los - e é uma pena constatar que as boas ideias tenham sido quase desperdiçadas por decisões autoindulgentes do diretor.

No filme, escrito pelo próprio cineasta inspirado no livro de Thierry Jonquet, Tarântula, Antonio Banderas vive Robert Ledgard, um renomado e inescrupuloso cirurgião plástico que desenvolve uma pesquisa de uma pele artificial ultra resistente a, por exemplo, picadas de insetos e queimaduras, invenção esta que teria evitado as graves desfigurações que sua amada esposa sofreu em um acidente de carro e que a levaram ao suicídio. Passando por cima de várias questões éticas, Robert faz experimentos transgênicos e mantém como cobaia a bela Vera (Anaya, belíssima) que, após várias cirurgias plásticas que lhe transformaram todo o corpo, acaba ficando com feições semelhantes às da falecida esposa do médico. Paralelamente, o filme retorna seis anos no tempo e acompanha o suposto estupro que a mentalmente instável filha do cirurgião, Norma (Suárez), teria sofrido do comerciante Vicente (Cornet), fato que desperta em Robert um irrefreável desejo de vingança.

Capaz de criar alguns simbolismos mais interessantes (como os trabalhos manuais semelhantes realizados por Robert, Vera e Vicente em diferentes momentos da narrativa), Almodóvar entrega um trabalho terrivelmente irregular na direção, chegando a cometer até mesmo erros técnicos fáceis de terem sido evitados, como ao inserir uma legenda que estabelece a história no espaço e no tempo em um instante tão próximo e com uma formatação tão parecida com a dos créditos iniciais, que chegamos a ficar em dúvida se "Toledo 2012" é ou não uma das produtoras do filme. Por outro lado, em dois momentos-chave da narrativa, o diretor erra a mão e deixa a comicidade das passagens prejudicar o impacto que estas deveriam causar no espectador - e se na mais importante delas (a que envolve a grande revelação da história) o humor seria quase incontornável - o que naturalmente exige um maior cuidado em sua concepção -, na outra (envolvendo um homem fantasiado de tigre) chega a ser constrangedora a falta de propósito da construção que, ainda por cima, não consegue despistar o fato de que toda aquela sequência é deveras absurda e rasteiramente arquitetada, algo que o diretor julga conseguir corrigir concluindo-a de forma impactante. Aliás, é impressionante como Almodóvar parece convencido da autosuficiência da reviravolta do roteiro, uma vez que as consequências da polêmica revelação nunca são estudadas com maior profundidade - a não ser, é claro, que inserir o terrível clichê do personagem que escreve em paredes como uma forma de desabafo seja a nova e revolucionária concepção de Almodóvar de estudo de personagem. Por fim, o cineasta concebe algumas passagens completamente aleatórias e despropositadas, como a orgia gratuita no gramado de uma festa ou o homem que vai à uma loja tentar vender as roupas de sua mulher (tentei estabelecer algum paralelo entre roupa e pele, mas confesso que não consegui ver sentido algum).

Porém, uma das grandes falhas do projeto é não conseguir alcançar o suspense que parece buscar em vários momentos. A tal revelação central da narrativa, por exemplo, é deduzida pelo espectador minutos antes de ser oficialmente revelada e, como já citado, não traz consigo toda a carga emocional esperada; uma ridícula perseguição noturna entre um carro e uma moto é estabanada e anti-climática e, na tentativa de criar alguma tensão através de um plano no qual a aproximação do carro é observada pelo reflexo do retrovisor da motocicleta, o diretor acaba expondo toda artificialidade da composição; Jan Cornet, acorrentado em um porão-caverna, parece um figurante desajeitado de Jogos Mortais que não conseguiu passar no teste de seleção de elenco; e a trilha sonora, que tenta conferir alguma tensão aos testes laboratoriais de Robert (você não leu errado: tenta conferir tensão aos testes! Testes laboratoriais!), é desnecessariamente enganosa.

Para completar, o período da história em que a relação entre Robert e Vera poderia ganhar uma análise mais interessante (e talvez salvar parte da hora e meia investida até então na história), justamente por apresentar a aproximação do casal, é categoricamente ignorado por uma elipse, deixando a impressão que a atração que o cirurgião sente por sua prisioneira tem uma boa explicação, porém esta permanece perdida no tempo. Assim, o dilema do homem tentando evitar ceder à tentação de entregar-se a uma mulher que mais parece uma projeção de sua falecida esposa permanece a maior parte do tempo na superfície, enquanto o drama de ter permanecido enjaulada por longos anos sendo submetida a mutilações físicas e psicológicas transformam Vera em uma mulher fragilizada, mas também centrada e determinada, elevando-a ao posto de personagem mais interessante do longa e permitindo, ainda, que sua misteriosa permanência na mansão El Cigarral diante das oportunidades inequívocas de fuga se torne a melhor investida de suspense do longa.

Mas tiro pra lá e tiro pra cá encerram a produção de uma forma terrivelmente preguiçosa e, convenhamos, bastante decepcionante.