10 de novembro de 2011

Crítica | Os 3

por Eduardo Monteiro

Os 3, Brasil, 2011 | Duração: 1h20 | Lançado no Brasil em 11 de Novembro de 2011, nos cinemas | Roteiro de Nando Olival e Thiago Dottori | Dirigido por Nando Olival | Com Victor Mendes, Juliana Schalch, Gabriel Godoy, Rafael Maia, Sophia Reis, Alceu Nunes, Henrique Taubaté e Cecília Homem de Melo.

A introdução de Os 3 resume perfeitamente sua proposta: amizade, amor, paixão e tesão, apesar de diferentes e bem definidos, estão sujeitos a cair no turbilhão de emoções e hormônios que é a vida de um jovem na flor da idade e influenciar de forma inequívoca e definitiva sua trajetória pessoal. Isso não impede, entretanto, que se consiga estabelecer um foco em meio à turbidez da agitação da juventude e, no caso do trio principal do longa, ele é bem demarcado e extremamente nobre: a forte amizade existente entre eles.

Marcando o retorno de Nando Olival dez anos após dividir os créditos da direção com Fernando Meirelles em Domésticas, o filme, escrito pelo próprio diretor em parceria com Thiago Dottori, nos apresenta os jovens Rafael (Mendes), Camila (Schalch) e Cazé (Godoy), que se conhecem na fila do banheiro de uma festa e, conversa vai, conversa vem, decidem dividir um apartamento em São Paulo. Seguindo uma regra sugerida por Camila que determina que a relação entre os três não pode ultrapassar o limite da amizade, os jovens estabelecem uma conexão ímpar durante os quatro anos que vivem juntos, mesmo com seus altos e baixos. Temendo a inevitável separação que os espera ao fim de suas graduações em Comunicação, o trio aceita a proposta do empresário Guilherme (Maia) e bota em prática um de seus trabalhos acadêmicos: numa superposição de reality show e site de vendas, os jovens consentem que câmeras de vigilância sejam instaladas no apartamento e que as imagens sejam transmitidas ao vivo on-line, permitindo que os internautas comprem produtos equivalentes aos usados no dia-a-dia de Camila, Rafael e Cazé.

Introduzindo sem maiores delongas o trio principal, o longa não perde tempo floreando a aproximação de seus personagens de modo que, quatro anos depois de se conhecerem (e alguns minutos após os conhecermos), estamos plenamente convencidos de suas amizades. No entanto, isso não quer dizer que sejam figuras unidimensionais ou mal desenvolvidos: vividos por intérpretes jovens, vivazes e desconhecidos, os personagens soam como pessoas possíveis, reais e simpáticas, que rapidamente conquistam o espectador, cada qual com suas peculiaridades. Rafael, o centro emocional da narrativa, vivido com talento por Victor Mendes, é mais sensível e reservado; já o Cazé de Gabriel Godoy é impulsivo, gosta de registrar momentos importantes da trajetória dos amigos e é quem sempre levanta, em momentos de separação, as opções que permitam que o trio permaneça junto por mais tempo; completando, a bela Juliana Schalch transforma Camila em uma mulher sincera, decidida e doce, mas também capaz de comandar e ditar as regras daquele lar sem maiores dificuldades. Falhando pontualmente por recitar suas falas de forma muito declamada em certos momentos, o trio esbanja carisma, entrosamento e uma adequada tensão sexual, entregando-se sem concessões aos personagens de modo que a naturalidade com que trocam carícias e beijos, quando necessário, fica evidente - e não só as sexualidades de Rafael e Cazé são sugestivamente questionadas, como continuo acreditando que um deles é um homossexual enrustido, mesmo que o filme não se aprofunde no tema e acabe apontando para uma direção oposta.

Concebido com uma paleta dessaturada pelo diretor de fotografia Ricardo Della Rosa, que ressalta a atmosfera urbana da história mas também alcança a dualidade de tons frios e quentes (estes geralmente destacados pelas peles dos protagonistas) coexistindo, o longa conta também com a boa trilha sonora de Ed Cortês, que evolui junto da história sem jamais chamar atenção para si, e a eficiente direção de arte de Clô Azevedo, que estabelece o apartamento como uma espécie de escritório abondado que apenas enfatiza o improviso e o desapego dos jovens que, no fundo, conseguiram transformar aquele ambiente em um lar legítimo. Sem jamais contentar-se com posicionamentos de câmera excessivamente triviais, Nando Olival demonstra bastante segurança na condução da narrativa, usando, por exemplo, técnicas como planos plongée ora para ressaltar o desconforto de um casal acordando em um contexto inesperado e ora para fazer uma caixa d'água soar como uma piscina (ou banheira), bem como os próprios personagens a consideram. Com a colaboração do montador Daniel Rezende, o filme flui num ritmo que jamais deixa o interesse do público diminuir ao mesmo tempo que faz seus breves 80 minutos não parecerem corridos demais - isso sem citar a concepção de montagens interessantes, como aquela em que Cazé, Camila e sua prima, Bárbara (Reis), descem vários andares de escadas, e os diversos ressurgimentos do mesmo ângulo tornam ainda mais evidente o caráter repetitivo do discurso que esta última profere.

E ainda que o reality show não seja o tema central do filme, as questões óbvias envolvendo a natureza desse tipo de programa são levantadas de forma correta, como invasão de privacidade, o interesse do público por baixarias e as falsidades que naturalmente influenciam o comportamento de pessoas superexpostas. Certeiramente, o longa opta por aprofundar-se mais nesse último ponto e, assim, Rafael, Camila e Cazé passam a criar roteiros e ensaiar encenações que garantam a audiência do site e, com isso, acabam caminhando para um ponto em que começam a perder de forma quase imperceptível a noção do que separa o que é verdadeiro daquilo que é roteirizado. Em apenas alguns dias, a comunicação entre os amigos torna-se falha e os romances e brigas programados por eles acabam encontrando ressonância na realidade, despertando sentimentos e emoções até então omitidos. Ou seja: permitindo-se viver situações que vinham evitando durante um bom tempo em prol da boa convivência, os jovens encontram justamente na ficção e sua consequente exposição a liberdade para viver suas fantasias íntimas ou levantar questões particulares mal resolvidas, mas nem sempre conseguem perceber a tempo a dimensão de seus comportamentos e atitudes ou a fronteira que divide ficção de realidade - gerando, então, o clímax dramático do filme.

Falhando por encerrar sua narrativa de uma forma, digamos, boba e ligeiramente abrupta (o conservadorismo que resulta no cancelamento do reality show é absolutamente tolo e forçado), Os 3 é um filme agradável e honesto no qual a sensualidade não gera constrangimento e o drama não gera incredulidade - o que naturalmente gera a torcida para que os responsáveis pelo projeto retornem brevemente para dar prosseguimento às suas ricas contribuições para o cinema nacional.