



Arthur Christmas, Reino Unido/EUA, 2011 | Duração: 1h37 | Lançado no Brasil em 2 de Dezembro de 2011, nos cinemas | Escrito por Peter Baynham & Sarah Smith | Dirigido por Sarah Smith | Com as vozes de James McAvoy, Hugh Laurie, Bill Nighy, Ashley Jensen, Jim Broadbent, Imelda Staunton, Laura Linney, Sanjeev Bhaskar, Robbie Coltrane, Joan Cusack, Rhys Darby, Jane Horrocks, Iain McKee, Andy Serkis, Dominic West.

Mas nada disso realmente importa. Tornando-se cada vez mais uma festa desprovida de conotação religiosa, o Natal é um momento especial do ano voltado para a confraternização familiar e renovação de esperanças, fraternidade e amizade, e tudo isso pode ser simbolicamente representado pelo presente quando o impulso capitalista não se sobrepõe ao espírito natalino. Repleta de símbolos próprios e dotada de uma ornamentação bastante característica, a celebração é uma oportunidade fantástica para que crianças desenvolvam criatividade ou até mesmo habilidades cognitivas e, por esse lado, a figura do Papai Noel é fundamental. Nesse sentido, Operação Presente formaria uma ótima sessão dupla com O Expresso Polar e se estabelece como um dos filmes natalinos mais agregadores dos últimos tempos, possibilitando que crianças de 0 a 120 anos sejam transportadas para um universo onde praticamente todas as perguntas dos incrédulos são devidamente respondidas, especialmente a principal delas: como o bom velhinho consegue entregar dois bilhões de presentes em apenas uma noite, sem jamais ser notado?
Primeiro fruto da parceria entre o tradicional estúdio britânico Aardman (A Fuga das Galinhas, Wallace & Gromit) e a relativamente recente divisão de animação da Sony Pictures (A Casa Monstro, Tá Chovendo Hambúrguer), Operação Presente inicia-se aproveitando a curiosidade pertinente de uma pequena garotinha registrada em uma carta enviada ao Pólo Norte para esclarecer como é possível, dentro de limites razoáveis para um filme do gênero, que Papai Noel exista e dê conta do recado há tantos Natais. Assim, descobrimos que, enterrado em algum lugar do Pólo Norte, esconde-se um enorme bunker onde a família Noel comanda toda a logística envolvida na entrega anual de presentes. Representando a vigésima geração na função, o atual Papai Noel, Malcolm (Broadbent), desempenha pelo último ano o serviço que, a esta altura, já é praticamente figurativo, uma vez que seu filho e sucessor Steve (Laurie) comanda todo o processo que ele mesmo otimizou e modernizou e que emprega centenas de milhares de elfos em tarefas diversas, de embrulhos às entregas propriamente ditas. Porém, quando uma única criança é esquecida e fica sem presente em função de um erro operacional excepcional, o jovem Arthur (McAvoy), filho caçula do atual Papai Noel, junta-se ao aposentado Vovô Noel (Nighy) e à enérgica e dedicada elfo Bryony (Jensen) e, juntos, partem em uma arriscada missão para entregar o último presente restante, após constatarem que Malcolm e Steve acham que consertar este erro pontual e isolado acarretaria em um gasto desnecessário de energia.
Escrito por Peter Baynham (responsável por - pasmem - Borat!) e pela diretora Sarah Smith, o longa emprega os primeiros minutos da projeção à engenhosa e divertida exibição da eficiência e complexidade daquela operação e da preocupação não só de entregar os presentes com pontualidade e discrição, mas também de garantir que o Natal seja especial por completo (repare como um elfo preocupa-se em regular a temperatura de um forno que assa um suculento peru de Natal). Encarando o procedimento como uma verdadeira operação militar, o filme não perde a chance de usar as liberdades artísticas possibilitadas pela animação computadorizada para brincar com o design de produção, concebendo a central de operações subterrânea como um local grandioso, imponente e altamente tecnológico, dominado por cores geladas quando, claro, não usa blocos de gelo propriamente ditos como parte integrante da alvenaria das instalações. Melhor que isso, os figurinos digitais recebem uma atenção especial e revelam-se um espetáculo à parte, desde o simplório agasalho de lã natalino de Arthur ou o uniforme camuflado de Steve até as diferentes roupas de Papai Noel, do atual (com o tradicional gorro dando lugar a uma boina militar), passando pelo anterior (com medalhas que estabelecem o Vovô Noel como uma espécie de veterano de guerra) e chegando ao sucessor (com um corte moderno e sofisticado que condiz com as pretensões de Steve), sem jamais perder a essência clássica da figura. Aliás, toda a produção é repleta de ótimas sacadas natalinas, como setas, buracos de fechadura ou a barbicha de Steve em formato de árvore de Natal, ou os tradicionais enfeites para carro de cachorros com cabelas balançantes que, no painel do trenó, ganham uma inspirada versão de rena.
Porém, a inventividade e o preciosismo técnicos perdem parte do charme na segunda metade da projeção, quando o longa torna-se um road movie vazio no qual os conflitos nunca soam suficientemente inteligentes ou convincentes (e são resolvidos de forma idem), direcionando a narrativa para o desfecho sentimentalóide esperado e decepcionando especialmente por não equiparar-se à boa construção da metade inicial do longa. Afinal, tomando uma família desajustada como fio condutor da narrativa, o roteiro consegue introduzir gradativamente as personalidades dos integrantes da família Noel que, a princípio, pareciam as pessoas mais indicadas para garantir a continuidade da tradição natalina mas acabam exibindo defeitos apropriados às suas posturas. Mesmo surgindo como o típico protagonista deslocado, Arthur, inspirado ou não numa fusão do Linguini de Ratatouille com o Flint Lockwood de Tá Chovendo Hambúrguer, consegue despertar a afeição do público como o rapaz desajeitado e estabanado que é relegado a uma função menor e menos perigosa (ler e responder cartas da criançada) e apontado como a pessoa menos adequada para seguir a profissão do pai - mas o que ninguém parece notar é que, assim como os elfos, o rapaz é o único da família capaz de encantar-se com o espírito natalino e enxergar a figura do Papai Noel com a mesma fascinação que uma criança comum, ignorando por alguns momentos seu próprio parentesco.
Enquanto isso, o atual Papai Noel foge de tudo aquilo que poderíamos imaginar: extremamente acomodado em seu posto e orgulhoso com o próprio status, Malcolm é um homem egoísta que não se intimida, por exemplo, em adiar sua aposentadoria de forma impulsiva e contrariando as expectativas da família. Pior que isso, a negligência do patriarca acaba resultando em deslizes capazes de comprometer seriamente o sucesso e a confidencialidade da operação e, ainda mais grave, permite que a verdadeira essência do Natal se dilua, em grande parte por influência e em consequência da postura de Steve que, colocando a sistematização das entregas em um patamar elevado, como um projeto de vida, esquece completamente a razão e o sentido reais de fazer tudo aquilo funcionar - e é bastante revelador e irônico que justamente a ceia dessa icônica família seja marcada por fadiga, desentendimentos e uma atmosfera inapropriadamente pesada. Já o drama pessoal do Vovô Noel é completamente dispensável e tolo (não o suficiente para tornar o personagem menos divertido), enquanto a elfo Bryony encanta graças a sua energia sem tornar-se um alívio cômico histérico e deslocado e, por fim, a Mamãe Noel (com o visual inspirado em Imelda Staunton antes mesmo dela estar envolvida na dublagem da personagem) parece tentar se estabelecer como uma versão mais contida, bem comportada e inerte da radical Vovózinha de Deu a Louca na Chapeuzinho, mas a única semelhança entre as duas que fica evidente é a aparência e o comportamento de boneco de cera (lá por deficiências técnicas e aqui, criativas), decepcionando por soar como uma primeira-dama cuja autoridade condiz com sua personalidade insossa.
Falhando ainda por colocar o espetáculo acima da coerência e necessidade de certas passagens (a trilha sonora parece tentar explicitar isso na cena dos animais selvagens flutuantes) e dando-se ao luxo de trazer artistas como Joan Cusack, Robbie Coltrane e Andy Serkis dando voz a elfos em participações que não passam de meras pontas, Operação Presente é uma divertida e imaginativa aventura natalina, o que inegavelmente o torna uma ótima pedida para as férias de fim de ano. Mas se for levar um(a) filho(a) ou um(a) sobrinho(a) pequeno(a), prepare-se: é bem capaz que ele(a) passe a acreditar ainda mais e por muito mais tempo em Papai Noel. Mas convenhamos: que mal pode ter nisso?
