3 de novembro de 2011

Crítica | O Preço do Amanhã

por Eduardo Monteiro

In Time, EUA, 2011 | Duração: 1h44 | Lançado no Brasil em 4 de Novembro de 2011, nos cinemas | Escrito por Andrew Niccol | Dirigido por Andrew Niccol | Com Justin Timberlake, Amanda Seyfried, Cillian Murphy, Vincent Kartheiser, Alex Pettyfer, Olivia Wilde, Johnny Galecki, Matt Bomer, Collins Pennie.

O Preço do Amanhã traz consigo um conceito fantástico: levando a expressão "tempo é dinheiro" ao extremo, o diretor e roteirista Andrew Niccol (O Senhor das Armas) concebe um mundo em que os seres humanos param de envelhecer aos 25 anos e, nesta mesma ocasião, um relógio digital luminoso subcutâneo no braço esquerdo contendo o saldo de 1 ano de vida é disparado em contagem regressiva - e cada indivíduo deve, então, administrar seu próprio tempo ou buscar outros modos de obtê-lo antes que o contador chegue a zero. Além disso, serviços básicos como transporte e alimentação são negociados nessa mesma moeda e, assim como em nossa realidade, algumas poucas pessoas acumulam grandes riquezas (no caso do filme, centenas de anos) enquanto outras tantas devem batalhar para viver um dia após o outro, trabalhando arduamente para ganhar algumas horas que garantam sua sobrevida diária. Porém, numa sociedade em que a condição financeira está mais do que nunca direta e literalmente ligada à sobrevivência, a má distribuição de renda é muito mais que um problema social - é também uma delicada questão de saúde pública.

E basta assistir a alguns minutos do longa para constatar que, de fato, essa premissa permite uma rica reflexão combinada sobre sociedade de consumo e a ganância inerente a ela, somados ao anseio de viver para sempre e de ser eternamente jovem. Por outro lado, também não é necessário muito esforço para notar que, seguindo o misterioso manual hollywoodiano que parece determinar que ficções científicas venham acompanhadas de ação desenfreada e romance morno, o longa sabota o enorme potencial do próprio conceito ao desviar o foco daquilo que realmente interessa e opta por concentrar-se em algo que não consegue fazer bem feito. Dessa forma, acompanhamos o operário Will Salas (Timberlake) partindo em uma busca pela verdade sobre os causadores de tamanha desigualdade social naquele mundo após receber uma generosa doação de tempo de Henry Hamilton (Bomer), um homem centenário que lhe confidencia que, naquele sistema traiçoeiro, muitos devem morrer para que alguns poucos possam viver para sempre. Como a "verdade" que o protagonista busca é bastante óbvia (existem pessoas gananciosas e inescrupulosas e ponto), o foco é rapidamente alterado e logo passamos a vê-lo fugindo sucessivas vezes da quadrilha do gângster (ou minute man, como o filme nomeia) Fortis (Pettyfer) e das autoridades lideradas pelo Agente do Tempo Raymond Leon (Murphy), em ambos os casos em função dos muitos anos subitamente transferidos para Will.

Iniciado com uma narração em off do personagem de Justin Timberlake informando que não tem tempo para se preocupar ou explicar como o mundo havia chegado àquele ponto, o longa emprega os primeiros minutos de projeção para introduzir o conceito e as regras que regem aquele universo de forma bastante expositiva e didática apesar de, como já citado, não tentar explicar os meios que justificaram aquele fim, o que de fato poderia ser desastroso. No entanto, por mais interessante que seja a ideia de tempo como moeda de circulação, o conjunto de regras criado por Niccol não consegue manter-se livre de furos. Como funciona exatamente, por exemplo, a transferência de créditos de tempo entre dois indivíduos? O que determina quem está cedendo, quem está recebendo e qual quantia está sendo transferida? Essa explicação seria fundamental para que entendêssemos, por exemplo, como se daria a relação entre um assaltante e uma vítima (será que não haveria um conflito de impulsos, vontades ou pensamentos numa ocasião dessas?) - e em certo momento o filme até tenta esboçar uma explicação para esse processo, quando introduz um conceito de "queda de braço" no qual o tempo parece fluir de um corpo para o outro com base na posição dos braços dos indivíduos, mas acaba contradita por todas as outras transferências de tempo que ocorrem no restante do longa e não seguem esta lógica. Por fim, uma incoerência que seria capaz de impedir aquele mundo de existir e funcionar jamais é desconstruída: se o tempo (como moeda) está sempre diminuindo pela cronologia natural do universo, como mais "capital" é injetado naquela economia para compensar essa constante perda?

Ambientado em um futuro que parece preso no tempo, com carros de aparência antiga mas com elementos futurísticos ou com ônibus ainda sendo considerados uma opção válida para mobilidade urbana, o longa é recheado de diálogos com expressões comumente usados na correria do nosso dia-a-dia, que aqui ganham charmosos novos significados ("Não desperdice meu tempo" é um bom exemplo que me vem à mente). Bem adequadas ao sistema daquele contexto, as pessoas abonadas são representadas por Niccol como seres frios, calmos, ostentosos e alienados (por opção ou não), que vivem separados por fusos horários (conceito interessante que funciona em uma direção, quando o indivíduo deve passar por pedágios de tempo para alcançar a zona dos ricos, mas fica estranha na outra, quando, por coerência com o conceito real, deveria ganhar horas ao retornar aos guetos) dos desfavorecidos, representados como pessoas angustiadas, que raramente se dão ao luxo de adquirir itens supérfluos ou de buscar opções de lazer mais sofisticadas, vivendo segundo um estilo de vida que as obriga a correr para evitar o desperdício de tempo e que pode, de um dia para o outro, simplesmente levá-las à morte.

No entanto, os personagens que recebem maior atenção na narrativa não conseguem destacar-se ou alcançar o mínimo de complexidade: Will Salas, ao menos vivido com carisma e energia por Timberlake, é um homem basicamente incoerente, que mistura-se com os ricaços com o intuito claro e bem definido de desvendar as maracutaias daquele sistema e tamanho é seu foco em alcançar o objetivo que termina uma festa nu em pleno mar na companhia de uma mulher, ou então, tido como humilde, é capaz de adquirir sem uma razão específica um luxuoso carro, enquanto pessoas com as quais convivia dias antes sobrevivem à beira da morte em seu bairro. Já a personagem de Amanda Seyfried, que de tão irrelevante está sendo citada pela primeira vez nesse texto apenas agora, surge como a típica filha de milionário insatisfeita com sua riqueza e cansada de viver aprisionada em sua rotina vazia, enquanto Cillian Murphy vive um homem indecifrável que, mesmo encarnando um tira dedicado, é apontado como um vilão (o estranho e inexplicado passado que possui com o pai do protagonista ressalta essa caracterização) e esboça uma pequena complexidade ao sugerir que, mesmo com consciência dos graves defeitos, acredita naquele sistema e, por isso, esforça-se tanto para defendê-lo. Para completar, Matt Bomer consegue transmitir com competência, em sua pequena participação, o cansaço e a sabedoria naturais de um homem que já viveu mais do que gostaria, enquanto Alex Pettyfer continua comprovando ter um dos melhores agentes de Hollywood, já que, aos 21 anos, aventura-se em seguidos papéis de destaque sem sequer ter uma carreira decente que aponte seu talento - e, aqui, vive o minute man com a complexidade que o personagem possui e exige: nenhuma.

Sem apresentar grandes inovações no quesito ação, o filme é, por fim, miseravelmente mal sucedido em tentar desenvolver e amarrar sua trama central, apelando para um romance tolo, fugas constantes ou relógios sempre à beira do zero para tentar movimentar sua história ou até mesmo encerrar conflitos (um personagem importante perece após simplesmente esquecer que tem pouquíssimo tempo sobrando). E é lamentável que, com tamanho potencial em mãos, o máximo que Niccol conseguiu fazer foi direcionar o casal principal a um preguiçoso e absurdo status de Robin Hood temporais, já que os personagens de Timberlake e Seyfried têm a sorte de bancos daquele mundo possuírem o mesmo esquema de segurança de um parquinho de criança. Depois do ótimo O Senhor das Armas, era de se esperar um pouco mais de empenho do cineasta para evitar que pessoas saíssem do cinema e, embaladas pelo próprio universo do filme, concluíssem que, talvez, a experiência tivesse sido uma "perda de tempo".