24 de novembro de 2011

Crítica | Happy Feet 2: O Pinguim

por Eduardo Monteiro

Happy Feet Two, Austrália, 2011 | Duração: 1h40 | Lançado no Brasil em 25 de Novembro de 2011, nos cinemas | Escrito por George Miller, Gary Eck, Warren Coleman e Paul Livingston | Dirigido por George Miller | Com as vozes de Elijah Wood, Ava Acres, Robin Williams, P!nk, Hank Azaria, Brad Pitt, Matt Damon, Benjamin 'Lil P-Nut' Flores, Jr., Sofía Vergara, Richard Carter, Anthony Lapaglia, Common, Magda Szubanski e Hugo Weaving.

Happy Feet 2: O Pinguim é uma continuação bastante coerente do longa original: seus conflitos envolvem novamente um jovem pinguim-imperador em crise de identidade e intempéries na cadeia alimentar da Antártida, trazendo a humanidade como potencial causadora de um quase desastre ecológico sem, contudo, cair no óbvio de retratar a espécie dominante da Terra como vilã. Para completar, temos um espécime que abusa do próprio charlatanismo para ganhar admiração e destaque em sua comunidade, a parte técnica revela-se mais uma vez irrepreensível, as músicas pontuam maravilhosamente bem a narrativa e a dança volta a ter um papel fundamental na resolução da problemática central - que, novamente, não deixa de ser um pouco decepcionante.

Concebido no acasalamento entre os pinguins-imperadores Mano (Wood) e Glória (com a cantora P!nk substituindo Brittany Murphy, que supostamente já teria sido dispensada da função semanas antes de seu falecimento precoce), o jovem Erik (Acres) não tem aptidão nem interesse por dança e, como a prática acabou tornando-se parte dos costumes daquela população, o pequeno pinguim sofre bullying e acaba fugindo do território dos pinguins-imperadores. Em outras bandas, Erik encontra Amoroso (Williams) e seu novo pupilo, que conheceu na época em que esteve sob o poder de aliens (leia-se: humanos): Sven (Azaria), um exótico pinguim capaz de voar que alimenta em Erik falsas esperanças quanto a essa possibilidade (na mesma linha pífia de O Segredo). Porém, enquanto Mano resgata seu filhote, um enorme iceberg desgovernado acaba selando a única saída do vale de gelo dos imperadores, o que deverá não só matá-los de fome como também interferir no ciclo anual de reprodução da espécie.

Paralelamente acompanhamos também os divertidos krills (pequenos zooplânctons, semelhantes a camarões) Will (Pitt) e Bill (Damon) que, cansados de nadar junto da maré, decidem descobrir o que há além do cardume. Revoltados após descobrirem que suas vidas se resumem a esperar serem devorados por predadores maiores, os amigos decidem subir na cadeia alimentar e acabam esbarrando na trama central, onde tudo parece maior e mais intenso (vale citar aqui a atenção primorosa que os artistas dão aos detalhes e a forma eficiente como conseguem transitar do ponto de vista microscópico para o macroscópico). Mesmo engraçadinha, essa subtrama explicita um dos principais aspectos falhos da narrativa, que é justamente a ideia de colocar a cadeia alimentar como um de seus cernes e tentar encará-la com olhos racionais ou até mesmo de forma emotiva. Afinal, por que devemos ver com alívio animais como peixes sendo devorados por pinguins famintos e temer pela vida dos personagens centrais quando estes correm o risco de serem predados por gaivotas ou focas-leopardos? Temos que sentir pena de krills sendo comidos por baleias, mas não deveríamos nos comover também com esses mamíferos passando fome? Dessa forma, diante da dificuldade de chegar a uma conclusão para um tema tão espinhoso, a subtrama dos microcrustáceos acaba alterando seu foco para a questão da amizade e, se eu disser que Will e Bill se desentendem em certo momento, talvez você já tenha suposto que a história dos dois é mal resolvida - sem contar o pânico que Sven tem dos humanos (por estarmos no topo da cadeia alimentar), que também não leva a lugar nenhum.

Tentando manter a aparência realista dos cenários e dos personagens sem sacrificar a compreensão dos espectador, os realizadores optam por manter Mano com os olhos azuis, a mancha remetendo a uma gravata borboleta e a troca de penugem estagnada entre filhote e adulto de modo a destacá-lo dos seus semelhantes, mesmo que, para isso, tenha que dar uma regredida em seu visual (que havia evoluído um pouco no final do primeiro filme). Por outro lado, parte desse realismo é deixado de lado quando Erik surge como uma versão reduzida do pai (incluindo até a mesma mancha no peito), mas com estratégicos olhos enormes que o aproximam mais de uma pelúcia que de um filhote de pinguim-imperador. Enquanto isso, a movimentação dos personagens, da câmera e as coreografias (estas novamente concebidas com o auxílio de motion capture), continuam eficientes e inventivas, utilizando, por exemplo, raspas de gelo para simular a sensualidade e o visual de danças executados com pessoas molhadas (como aquela vista no final de Ela Dança, Eu Danço 2) ou o parkour como estratégia para movimentação ágil de determinado personagem. Já no que diz respeito ao 3D, a única boa contribuição da tecnologia são os reflexos do gelo, que dão uma noção melhor ao espectador, por exemplo, de um obstáculo encontrado por Mano em um resgate subaquático - e é aliviador que Miller não use o artifício gratuito de jogar objetos na direção do espectador a todo momento, deixando para usá-lo amplamente mais nos créditos finais, quando cria a sensação (boba, é verdade) de bolhas de sabão saindo da tela para a sala de cinema.

Repleto de músicas adequadas a seu desenvolvimento, o longa acaba naturalmente prejudicado em sua versão nacional, quando as composições originais de John Powell ou trechos de músicas conhecidas (como We Are The Champions ou I Wanna Know What Love Is) são traduzidos para melhor entendimento da trama enquanto outros menos importantes (mas sempre relacionados a algum aspecto da história) permanecem em suas versões originais e, dessa forma, não atingem aqueles que desconhecem o idioma. Ao menos o trabalho de dublagem é muitíssimo bem executado, deixando a impressão que nenhuma piada do original foi perdida na tradução e trazendo as boas participações de Daniel de Oliveira como Mano (seu trabalho é tão natural que em diversos momentos tentei visualizar o ator proferindo as falas e não consegui) e Sidney Magal, com seu timbre marcante, dando novamente voz ao excêntrico Amoroso com a eficiência necessária.

Por fim, Happy Feet 2: O Pinguim ganha pontos pela coragem de abraçar novamente aspectos assustadores (como quando acompanha o iceberg no início, a revoada de gaivotas que remete imediatamente a Os Pássaros ou o comportamento desesperado dos pinguins famintos mais adiante), por passar uma mensagem bonita sobre solidariedade e por não abusar dos aspectos cômicos do primeiro filme (o divertido Ramon, aqui, ganha muito menos destaque - exatamente o tanto necessário), o que permite que o filme seja engraçado sem ser histérico ou irritante (gosto particularmente de falas como "Não sei lidar com relacionamentos a longa distância" e "Deixarei tudo para a minha imaginação"). Nada que garanta a repetição do feito do original de levar a estatueta de Melhor Animação no Oscar, mas isso não impede que o filme seja, em suma, um bom entretenimento.

Obs.: há uma piadinha após os créditos finais homenageando os Looney Tunes, personagens clássicos da Warner Bros. e, considerando que um curta de Piu-Piu e Frajola é exibido antes do longa principal, a breve cena deve encerrar a sessão de forma divertida - e digo "deve" pois, na cabine de imprensa em Belo Horizonte, o curta não foi exibido.