16 de novembro de 2011

Crítica | Amores Imaginários

por Eduardo Monteiro

Les Amours Imaginaires, Canadá, 2010 | Duração: 1h35 | Lançado no Brasil em 18 de Novembro de 2011, nos cinemas | Escrito por Xavier Dolan | Dirigido por Xavier Dolan | Com Monia Chokri, Niels Schneider, Xavier Dolan, Anne Dorval e Louis Garrel.

Xavier Dolan é um artista extraordinário. Após estrear na direção com o ótimo Eu Matei Minha Mãe, corajoso drama semi-autobiográfico que também roteirizou, produziu e estrelou, o canadense retorna agora em Amores Imaginários para se estabelecer de uma vez por todas como um nome a ser observado nos próximos anos, construindo uma carreira coerente unificada pela temática homossexual que, entretanto, surge livre de afetações e nunca como um tema único e central que tenta chamar a atenção para si. E o mais surpreendente: Dolan conquistou tudo isso com inacreditáveis 21 anos de idade.

Novamente responsável por direção, roteiro, produção, atuação e agora aventurando-se também na montagem e na concepção dos figurinos, o multitarefado Dolan conta em Amores Imaginários a história dos amigos Marie (Chokri) e Francis (Dolan) que, durante uma festa, acabam apaixonando-se pela mesma pessoa: Nicolas (Schneider), um rapaz angelical, atencioso e terno que desenvolve um grande apreço pela dupla. Incertos do que sentem pelo novo amigo, Marie e Francis permitem que os ciúmes tragam uma frieza para sua amizade e passam a competir silenciosamente pelas atenções de Nicolas, que jamais parece notar as investidas da dupla. Porém, a situação foge do controle e toma proporções inesperadas, permitindo que conflitos internos pessoais do casal de amigos aflorem.

Algo bastante notável nesse trabalho de Dolan é seu marcante uso de câmera lenta, e felizmente o diretor parece saber o que está fazendo. Em certos momentos, a técnica é usada para ressaltar com competência a apreensão e o transe que Marie e Francis parecem estar na presença de Nicolas, fazendo a tensão sexual parecer bem aparente enquanto, na realidade, é apenas unilateral. Ainda nesse ponto, a câmera lenta parece sugerir também, em outros momentos, uma certa decadência dos amigos, que perdem tempo se arrumando para encontros com Nicolas apenas para que suas investidas sejam categoricamente ignorados por rapaz. Complementando, a boa trilha sonora também traz sua contribuição nessas composições, como o uso da canção "Bang Bang" (muito marcante em Kill Bill: Volume 1), que pontua bem as sensações acima, ou a música agitada de uma festa rivalizando com a lentidão do andar de Marie e Francis, que sugere o deslocamento da dupla em relação aos demais presentes.

Durante a narrativa, Dolan opta por inserir depoimentos (falsos, encenados) que não se conectam diretamente com a história do filme em si, mas com seu tema central, e surgem como raros exemplos em que sua inexperiência fica mais evidente, uma vez que seus deselegantes zooms saltam aos olhos e por vezes desviam a atenção das falas dos depoentes. Por outro lado, Dolan consegue criar interessantes rimas visuais, como os recorrentes planos em que as costas de Francis e Marie surgem lado-a-lado, emparelhadas, seja preparando uma refeição ou escolhendo roupas em uma loja, sem que consigamos ver suas expressões faciais (e consequentemente, ficamos impossibilitados de julgá-los e avaliar a credibilidade de suas colocações), simbolizando a falta de percepção que estão tendo entre si e que os impede, a princípio, de notar a falsidade de falas como "Ele não faz meu tipo" ou "Nem o meu". Por esse lado, é interessante que um enquadramente semelhante surja, mas agora encarando os dois de frente, para testemunhar um pontual momento em que se unem e direcionam seus desprezos para uma mesma pessoa (que está bajulando Nicolas), momentos antes de suas idealizações particulares do rapaz surgirem na tela representadas por obras de arte.

E mesmo que a disputa entre Marie e Francis pareça infantil e tragicômica em alguns momentos, o longa não deixa que o conflito careça de complexidade ou fique mal resolvido. Assim, a disputa que até então parecia apenas extremismos de ambos os lados torna-se um drama complexo quando descobrimos, primeiramente, que Marie sofre verdadeiramente por ter sido arrebatada por um sentimento intenso e inesperado. Muito mais que a evidente atração, a mulher tem plena convicção que Nicolas é sua alma gêmea e, portanto, seu amor não correspondido é um fardo mais pesado do que imaginávamos. Francis, por outro lado, vive o drama da rejeição e, por isso, preza pela cautela em sua aproximação com Nicolas no intuito de evitar que a situação se repita - o que torna sua cena de masturbação persistente em um triste retrato de sua rejeição e melancolia. Ainda nesse aspecto, é interessante que as cenas em que os amigos recorrem a sexo com pessoas desconhecidas sejam sempre monocromáticas (sugerindo a impessoalidade das situações) e tornem-se cada vez mais tristes, representando a decadência e a frustração (inclusive sexual) crescentes compartilhadas pelos amigos.

Com um bom trabalho de figurino e maquiagem (eficiente, por exemplo, quando aproxima a aparência do casal de amigos às dos ídolos confessos de Nicolas) que apenas ressaltam as ótimas atuações de Monia Chokri e Xavier Dolan, o longa ganha novamente pontos por seu desfecho, que não ousa buscar uma resolução fácil  e maniqueísta para sua trama. Afinal, é impossível considerar o comportamento de Marie e Francis em seu último encontro com Nicolas digno de admiração e tampouco é possível ficar indiferente ao traço de personalidade da dupla principal evidenciado no irônico e derradeiro plano final. Um presente de um artista inteligente que faz questão de tratar seu público como tal.