18 de novembro de 2011

Crítica | A Saga Crepúsculo: Amanhecer - Parte 1

por Eduardo Monteiro

The Twilight Saga: Breaking Dawn - Part 1, EUA, 2011 | Duração: 1h57 | Lançado no Brasil em 18 de Novembro de 2011, nos cinemas | Roteiro de Melissa Rosenberg. Baseado no livro "Amanhecer" de Stephenie Meyer | Dirigido por Bill Condon | Com Kristen Stewart, Robert Pattinson, Taylor Lautner, Ashley Greene, Peter Facinelli, Elizabeth Reaser, Billy Burke, Sarah Clarke, Gil Birmingham, Kellan Lutz, Jackson Rathbone, Chaske Spencer, Julia Jones, Booboo Stewart e Michael Sheen.

A primeira parte do desfecho da "saga" Crepúsculo chega ao Brasil sob pesada campanha de publicidade, sem exibição prévia para a imprensa e ocupando metade das salas disponíveis em território nacional - e tudo isso é bastante sintomático. Cientes que o público da história melosa criada por Stephenie Meyer é fiel e crescente, os produtores tomaram a sábia decisão de dividir a adaptação do último livro da série em duas partes com o objetivo óbvio de lucrar mais, já que não só este Amanhecer - Parte 1 poderia ser resumido em um (ruim, ainda assim) curta de 30 ou 40 minutos, como também, pela escassez de acontecimentos interessantes e relevantes em toda a história já contada, a "saga" inteira não renderia mais que um ou dois fraquíssimos longas. Aliás, a julgar pela trivialidade da trama desenvolvida aqui, não seria espantoso se a franquia cinematográfica rendesse mais alguns filmes posteriores com roteiros "originais", seguindo a lógica de manter o público constrangido e mudar um ou outro detalhe da péssima historinha na tentativa inútil de exibir originalidade, coerência e linearidade.

Assim, o filme obviamente foi omitido da imprensa para evitar a natural publicidade negativa, uma vez que o longa não parece se acanhar em surgir como um prólogo caça-níquel facilmente identificável, que apela para estratégias ridículas na tentativa de sobrepor a sensação de entretenimento ao fato de que nada muito importante de fato acontece. Partindo dos preparativos do casamento da ligeiramente mais alegrinha Bella Swan (Stewart) e do eternamente insosso Edward Cullen (Pattinson), o filme parece não ver problema em dedicar longos cinquenta minutos ao matrimônio e à lua-de-mel do casal para só então introduzir o conflito deste episódio: extravasando sabe-se lá quantos anos de tesão reprimido, o "vampiro" adia a tão aguardada mordida no pescoço da garota de modo a evitar que ela passe aqueles dias sofrendo com os efeitos da transformação e, assim, possam copular (ainda que não fique claro como o cadavérico Edward consegue ter uma ereção, já que seu coração não bate e, portanto, não tem como bombear sangue para o pênis) com a delicadeza necessária para deixar a suíte em ruínas. Porém, duas semanas após o casamento, Bella exibe todos os sintomas que uma protagonista da novela das 9 tem no último capítulo e, com a descoberta da gravidez, volta a fazer a cara de indigestão dos filmes anteriores e passa a viver na residência dos Cullen em observação, já que a inusitada combinação de óvulo humano e espermatozoide vampiro-purpurina resulta em uma gestação marcada por dúvidas e sofrimento.

Como se todo o desvirtuamento das criaturas fantásticas nos longas anteriores não fosse excessivamente tola e frustrante, este novo filme ainda faz questão de ampliar o desserviço sem qualquer função ou propósito. Assim, um enorme crucifixo é naturalmente tido como uma peça apropriada para a decoração da mansão dos Cullen, enquanto um papo de "o que você espera ver quando olhar-se no espelho daqui a um ano?" não é encaminhado para as vias de "nada, já que pretendo ser uma vampira até lá e vampiros não possuem reflexo". Também nesse sentido, a opção de substituir o termo "vida" por "existência" é adequada para a situação dos "vampiros", mas esta lógica não só é abandonada em diversos momentos, como também a palavra "morte" (em português bem claro) é utilizada como uma injeção de tensão e apreensão em relação ao futuro de Bella diante da gravidez, ignorando que o processo de tornar-se vampira (o grande desejo da garota) tem como implicação invariável a morte propriamente dita. Por outro lado, os conceitos desvirtuados estão tão intrínsecos à história que, quando esta arrisca respeitar a natureza dos vampiros, a tentativa surge em um flashback desconexo que, longe de acrescentar algo, apenas estabelece Edward como uma versão vampiresca do serial killer Dexter - o que apenas nos lança para fora da história e faz refletir sobre como a roteirista Melissa Rosenberg era muito mais bem sucedida naquele seriado (e curiosamente, Christian Camargo, o eterno Ice Truck Killer da primeira temporada do seriado, faz uma ponta inútil no filme).

Aliás, os diálogos concebidos por Rosenberg e Meyer não evoluem absolutamente nada em relação aos vistos anteriormente e raramente fogem da espirituosidade banal ("Nos vemos no altar"/"Eu serei a vestida de branco" - risos), do óbvio e expositivo ("Você nos enganou!"), e claro, do absolutamente constrangedor (discursos de convidados no casamento? Sério?! Francamente!). Por essas e outras, a mediocridade do material original de Stephenie Meyer fica evidente a todo momento, uma vez que a transposição do texto para audiovisual não consegue contornar a imbecilidade das situações originalmente concebidas. Ora, o que o sofrimento de Bella a caminho do altar significa? Que raça genial de bebê mutante é essa que, ainda em gestação, confessa amar a progenitora e sua voz? E por que Jacob (Lautner) se dá por satisfeito ao fazer alguns dos Cullen passarem ilesos por sua antiga matilha e esquece que é fundamental garantir que eles voltem com aquilo que foram buscar em caráter de urgência? (Ah, essa é fácil de responder: porque ele leu no roteiro que o parto aconteceria antes disso).

E já que falei dos conflitos entre lobos e vampiros, não poderia deixar de comentar como estes são artificiais, lançados a esmo desde sua origem até sua conclusão e dependendo de conceitos novos introduzidos às vésperas dos acontecimentos, o que os faz parecer ainda mais ridículos do que seriam caso o conceito fosse inteligente e previamente apresentado. Ao menos os lobos digitais vistos aqui, quando vistos (boa parte do tempo estão correndo pela floresta e, aí, só vemos borrões de árvores e pelos se misturando), são bastante eficientes, capazes até mesmo de transformar uma discussão telepática da matilha, com os ânimos alterados, na provável melhor cena do filme - juntamente com uma montagem breve que ilustra certas transformações internas de Bella. Por outro lado, começo a desconfiar que ter somente a cara pálida é outra das características dos vampiros alteradas por Meyer, já que a equipe de maquiagem é insistente em deixar outras partes dos corpos dos atores descobertas. E enquanto a maquiagem digital usada para ressaltar a debilitação física de Bella na gravidez dá de dez na de todos os vampiros, é um alívio que o ridículo brilho de suas peles ao sol não seja visto aqui (é terrivelmente estúpido que Edward tenha escolhido um país tropical como o Brasil para passar a lua-de-mel - apesar de que, se viesse no carnaval, já estaria pronto pra desfilar no sambódromo) e que Jacob fique o filme inteiro vestido (com exceção de sua primeira aparição, quando tira a camisa dois segundos após surgir na tela). Já da movimentação rápida dos vampiros, não ficamos livres: ela está lá, constrangedora e artificial como sempre.

Porém, abandonar o ridículo dessas situações citadas não impede que o filme o abrace em outras - e, mais do que nunca, o roteiro tenta aproximar-se de uma comédia adolescente inserindo o maior número possível de piadas, mesmo que isso ocorra segundos depois de um acontecimento mais grave (a formação da "matilha de dois" é um bom exemplo). Conduzindo um elenco fraco preso a situações patéticas (Bella raspando a perna antes da noite de núpcias é uma imagem que não sairá da minha cabeça tão cedo), Bill Condon entrega um trabalho marcado pela falta de imaginação (o travelling circular do beijo do casamento é irritante de tão óbvio), isso quando não comete erros grosseiros, como a displicência da passagem de tempo ou os dois momentos em que sai dos sonhos de Bella de forma confusa (Parte da lua de mel foi mesmo sonhada? Quanto dela?) ou equivocada (quando salta do sonho do casamento sangrento para a realidade reduzindo o zoom do olho de Kristen Stewart horas após sua personagem já ter acordado). Por fim, mesmo o desfecho sendo um dos mais óbvios e previsíveis dos últimos tempos, o diretor ousa dedicar intermináveis minutos a ele e arremata com um plano copiado sem a menor sutileza de um grande sucesso de bilheteria recente, que boa parte do público conseguirá reconhecer.

Inundado do conservadorismo mórmon de Stephenie Meyer, que agora substitui o subtexto da abstinência sexual pelas lições sobre gravidez precoce e não planejada (incluindo aí sua repulsa óbvia ao aborto), Amanhecer - Parte 1 ainda demonstra sua falta de assunto ao regredir e trazer de volta a discussão que dominou os três filmes anteriores: transformar ou não transformar? Eis a questão. E pensar que todo o dramalhão de gravidez e a guerrinha entre miguxos não teria acontecido caso Bella e Edward tivessem dado ouvidos à fúria de Jacob lá no início, ainda na cena do casório, quando o lobisomem é categoricamente ignorado pelo casal ao sugerir seu convencimento sobre resultados catastróficos de relações sexuais entre seres de naturezas diferentes. "Devo ser muito burra", observa Bella segundos depois, sem ao menos ter assimilado o recado de Jacob. Sim, muito burra mesmo - mas não mais que eu, que ainda tinha alguma esperança de salvação para a franquia.

Obs.: como citei, o filme inteiro é apenas um extenso prólogo, que ainda assim não consegue introduzir em seu desenvolvimento o conflito do próximo filme - o que é feito em uma cena extra durante os créditos finais.