30 de novembro de 2011

Crítica | Operação Presente

por Eduardo Monteiro

Arthur Christmas, Reino Unido/EUA, 2011 | Duração: 1h37 | Lançado no Brasil em 2 de Dezembro de 2011, nos cinemas | Escrito por Peter Baynham & Sarah Smith | Dirigido por Sarah Smith | Com as vozes de James McAvoy, Hugh Laurie, Bill Nighy, Ashley Jensen, Jim Broadbent, Imelda Staunton, Laura Linney, Sanjeev Bhaskar, Robbie Coltrane, Joan Cusack, Rhys Darby, Jane Horrocks, Iain McKee, Andy Serkis, Dominic West.

Sinto lhe informar, mas Papai Noel não existe. Aquele velhinho que você vê no shopping em meados de novembro ou em dezembro é, na verdade, um ator - e basta pensar que é impossível estar ao mesmo tempo em todos os shoppings do mundo e, ainda por cima, acertar os últimos detalhes para garantir o sucesso da entrega de sabe-se lá quantos milhões de presentes na noite do dia 24. Espere, minto! Os presentes encontrados aos pés dos pinheirinhos natalinos na manhã do dia 25 em todo o mundo também não são oriundos de um idoso barbudo, barrigudo, generoso e multimilionário, mas sim de nossos familiares, muitos deles compelidos a comparecer àquele shopping graças, por exemplo, a reportagens nas quais especialistas afirmam que as vendas neste Natal devem crescer 27% (repare como elas sempre crescem 27%, nunca 26% e nem 28%) ou mostrando como as condições de parcelamento e as promoções são tentadoras, de modo que você deixe todo o seu décimo terceiro salário nas lojas de brinquedos, de roupas ou de departamento. Aliás, se o bom velhinho realmente existisse, como explicaríamos sua negligência com populações desprivilegiadas ou sua discriminação religiosa?

Mas nada disso realmente importa. Tornando-se cada vez mais uma festa desprovida de conotação religiosa, o Natal é um momento especial do ano voltado para a confraternização familiar e renovação de esperanças, fraternidade e amizade, e tudo isso pode ser simbolicamente representado pelo presente quando o impulso capitalista não se sobrepõe ao espírito natalino. Repleta de símbolos próprios e dotada de uma ornamentação bastante característica, a celebração é uma oportunidade fantástica para que crianças desenvolvam criatividade ou até mesmo habilidades cognitivas e, por esse lado, a figura do Papai Noel é fundamental. Nesse sentido, Operação Presente formaria uma ótima sessão dupla com O Expresso Polar e se estabelece como um dos filmes natalinos mais agregadores dos últimos tempos, possibilitando que crianças de 0 a 120 anos sejam transportadas para um universo onde praticamente todas as perguntas dos incrédulos são devidamente respondidas, especialmente a principal delas: como o bom velhinho consegue entregar dois bilhões de presentes em apenas uma noite, sem jamais ser notado?

Primeiro fruto da parceria entre o tradicional estúdio britânico Aardman (A Fuga das Galinhas, Wallace & Gromit) e a relativamente recente divisão de animação da Sony Pictures (A Casa Monstro, Tá Chovendo Hambúrguer), Operação Presente inicia-se aproveitando a curiosidade pertinente de uma pequena garotinha registrada em uma carta enviada ao Pólo Norte para esclarecer como é possível, dentro de limites razoáveis para um filme do gênero, que Papai Noel exista e dê conta do recado há tantos Natais. Assim, descobrimos que, enterrado em algum lugar do Pólo Norte, esconde-se um enorme bunker onde a família Noel comanda toda a logística envolvida na entrega anual de presentes. Representando a vigésima geração na função, o atual Papai Noel, Malcolm (Broadbent), desempenha pelo último ano o serviço que, a esta altura, já é praticamente figurativo, uma vez que seu filho e sucessor Steve (Laurie) comanda todo o processo que ele mesmo otimizou e modernizou e que emprega centenas de milhares de elfos em tarefas diversas, de embrulhos às entregas propriamente ditas. Porém, quando uma única criança é esquecida e fica sem presente em função de um erro operacional excepcional, o jovem Arthur (McAvoy), filho caçula do atual Papai Noel, junta-se ao aposentado Vovô Noel (Nighy) e à enérgica e dedicada elfo Bryony (Jensen) e, juntos, partem em uma arriscada missão para entregar o último presente restante, após constatarem que Malcolm e Steve acham que consertar este erro pontual e isolado acarretaria em um gasto desnecessário de energia.

Escrito por Peter Baynham (responsável por - pasmem - Borat!) e pela diretora Sarah Smith, o longa emprega os primeiros minutos da projeção à engenhosa e divertida exibição da eficiência e complexidade daquela operação e da preocupação não só de entregar os presentes com pontualidade e discrição, mas também de garantir que o Natal seja especial por completo (repare como um elfo preocupa-se em regular a temperatura de um forno que assa um suculento peru de Natal). Encarando o procedimento como uma verdadeira operação militar, o filme não perde a chance de usar as liberdades artísticas possibilitadas pela animação computadorizada para brincar com o design de produção, concebendo a central de operações subterrânea como um local grandioso, imponente e altamente tecnológico, dominado por cores geladas quando, claro, não usa blocos de gelo propriamente ditos como parte integrante da alvenaria das instalações. Melhor que isso, os figurinos digitais recebem uma atenção especial e revelam-se um espetáculo à parte, desde o simplório agasalho de lã natalino de Arthur ou o uniforme camuflado de Steve até as diferentes roupas de Papai Noel, do atual (com o tradicional gorro dando lugar a uma boina militar), passando pelo anterior (com medalhas que estabelecem o Vovô Noel como uma espécie de veterano de guerra) e chegando ao sucessor (com um corte moderno e sofisticado que condiz com as pretensões de Steve), sem jamais perder a essência clássica da figura. Aliás, toda a produção é repleta de ótimas sacadas natalinas, como setas, buracos de fechadura ou a barbicha de Steve em formato de árvore de Natal, ou os tradicionais enfeites para carro de cachorros com cabelas balançantes que, no painel do trenó, ganham uma inspirada versão de rena.

Porém, a inventividade e o preciosismo técnicos perdem parte do charme na segunda metade da projeção, quando o longa torna-se um road movie vazio no qual os conflitos nunca soam suficientemente inteligentes ou convincentes (e são resolvidos de forma idem), direcionando a narrativa para o desfecho sentimentalóide esperado e decepcionando especialmente por não equiparar-se à boa construção da metade inicial do longa. Afinal, tomando uma família desajustada como fio condutor da narrativa, o roteiro consegue introduzir gradativamente as personalidades dos integrantes da família Noel que, a princípio, pareciam as pessoas mais indicadas para garantir a continuidade da tradição natalina mas acabam exibindo defeitos apropriados às suas posturas. Mesmo surgindo como o típico protagonista deslocado, Arthur, inspirado ou não numa fusão do Linguini de Ratatouille com o Flint Lockwood de Tá Chovendo Hambúrguer, consegue despertar a afeição do público como o rapaz desajeitado e estabanado que é relegado a uma função menor e menos perigosa (ler e responder cartas da criançada) e apontado como a pessoa menos adequada para seguir a profissão do pai - mas o que ninguém parece notar é que, assim como os elfos, o rapaz é o único da família capaz de encantar-se com o espírito natalino e enxergar a figura do Papai Noel com a mesma fascinação que uma criança comum, ignorando por alguns momentos seu próprio parentesco.

Enquanto isso, o atual Papai Noel foge de tudo aquilo que poderíamos imaginar: extremamente acomodado em seu posto e orgulhoso com o próprio status, Malcolm é um homem egoísta que não se intimida, por exemplo, em adiar sua aposentadoria de forma impulsiva e contrariando as expectativas da família. Pior que isso, a negligência do patriarca acaba resultando em deslizes capazes de comprometer seriamente o sucesso e a confidencialidade da operação e, ainda mais grave, permite que a verdadeira essência do Natal se dilua, em grande parte por influência e em consequência da postura de Steve que, colocando a sistematização das entregas em um patamar elevado, como um projeto de vida, esquece completamente a razão e o sentido reais de fazer tudo aquilo funcionar - e é bastante revelador e irônico que justamente a ceia dessa icônica família seja marcada por fadiga, desentendimentos e uma atmosfera inapropriadamente pesada. Já o drama pessoal do Vovô Noel é completamente dispensável e tolo (não o suficiente para tornar o personagem menos divertido), enquanto a elfo Bryony encanta graças a sua energia sem tornar-se um alívio cômico histérico e deslocado e, por fim, a Mamãe Noel (com o visual inspirado em Imelda Staunton antes mesmo dela estar envolvida na dublagem da personagem) parece tentar se estabelecer como uma versão mais contida, bem comportada e inerte da radical Vovózinha de Deu a Louca na Chapeuzinho, mas a única semelhança entre as duas que fica evidente é a aparência e o comportamento de boneco de cera (lá por deficiências técnicas e aqui, criativas), decepcionando por soar como uma primeira-dama cuja autoridade condiz com sua personalidade insossa.

Falhando ainda por colocar o espetáculo acima da coerência e necessidade de certas passagens (a trilha sonora parece tentar explicitar isso na cena dos animais selvagens flutuantes) e dando-se ao luxo de trazer artistas como Joan Cusack, Robbie Coltrane e Andy Serkis dando voz a elfos em participações que não passam de meras pontas, Operação Presente é uma divertida e imaginativa aventura natalina, o que inegavelmente o torna uma ótima pedida para as férias de fim de ano. Mas se for levar um(a) filho(a) ou um(a) sobrinho(a) pequeno(a), prepare-se: é bem capaz que ele(a) passe a acreditar ainda mais e por muito mais tempo em Papai Noel. Mas convenhamos: que mal pode ter nisso?

24 de novembro de 2011

Crítica | Happy Feet 2: O Pinguim

por Eduardo Monteiro

Happy Feet Two, Austrália, 2011 | Duração: 1h40 | Lançado no Brasil em 25 de Novembro de 2011, nos cinemas | Escrito por George Miller, Gary Eck, Warren Coleman e Paul Livingston | Dirigido por George Miller | Com as vozes de Elijah Wood, Ava Acres, Robin Williams, P!nk, Hank Azaria, Brad Pitt, Matt Damon, Benjamin 'Lil P-Nut' Flores, Jr., Sofía Vergara, Richard Carter, Anthony Lapaglia, Common, Magda Szubanski e Hugo Weaving.

Happy Feet 2: O Pinguim é uma continuação bastante coerente do longa original: seus conflitos envolvem novamente um jovem pinguim-imperador em crise de identidade e intempéries na cadeia alimentar da Antártida, trazendo a humanidade como potencial causadora de um quase desastre ecológico sem, contudo, cair no óbvio de retratar a espécie dominante da Terra como vilã. Para completar, temos um espécime que abusa do próprio charlatanismo para ganhar admiração e destaque em sua comunidade, a parte técnica revela-se mais uma vez irrepreensível, as músicas pontuam maravilhosamente bem a narrativa e a dança volta a ter um papel fundamental na resolução da problemática central - que, novamente, não deixa de ser um pouco decepcionante.

Concebido no acasalamento entre os pinguins-imperadores Mano (Wood) e Glória (com a cantora P!nk substituindo Brittany Murphy, que supostamente já teria sido dispensada da função semanas antes de seu falecimento precoce), o jovem Erik (Acres) não tem aptidão nem interesse por dança e, como a prática acabou tornando-se parte dos costumes daquela população, o pequeno pinguim sofre bullying e acaba fugindo do território dos pinguins-imperadores. Em outras bandas, Erik encontra Amoroso (Williams) e seu novo pupilo, que conheceu na época em que esteve sob o poder de aliens (leia-se: humanos): Sven (Azaria), um exótico pinguim capaz de voar que alimenta em Erik falsas esperanças quanto a essa possibilidade (na mesma linha pífia de O Segredo). Porém, enquanto Mano resgata seu filhote, um enorme iceberg desgovernado acaba selando a única saída do vale de gelo dos imperadores, o que deverá não só matá-los de fome como também interferir no ciclo anual de reprodução da espécie.

Paralelamente acompanhamos também os divertidos krills (pequenos zooplânctons, semelhantes a camarões) Will (Pitt) e Bill (Damon) que, cansados de nadar junto da maré, decidem descobrir o que há além do cardume. Revoltados após descobrirem que suas vidas se resumem a esperar serem devorados por predadores maiores, os amigos decidem subir na cadeia alimentar e acabam esbarrando na trama central, onde tudo parece maior e mais intenso (vale citar aqui a atenção primorosa que os artistas dão aos detalhes e a forma eficiente como conseguem transitar do ponto de vista microscópico para o macroscópico). Mesmo engraçadinha, essa subtrama explicita um dos principais aspectos falhos da narrativa, que é justamente a ideia de colocar a cadeia alimentar como um de seus cernes e tentar encará-la com olhos racionais ou até mesmo de forma emotiva. Afinal, por que devemos ver com alívio animais como peixes sendo devorados por pinguins famintos e temer pela vida dos personagens centrais quando estes correm o risco de serem predados por gaivotas ou focas-leopardos? Temos que sentir pena de krills sendo comidos por baleias, mas não deveríamos nos comover também com esses mamíferos passando fome? Dessa forma, diante da dificuldade de chegar a uma conclusão para um tema tão espinhoso, a subtrama dos microcrustáceos acaba alterando seu foco para a questão da amizade e, se eu disser que Will e Bill se desentendem em certo momento, talvez você já tenha suposto que a história dos dois é mal resolvida - sem contar o pânico que Sven tem dos humanos (por estarmos no topo da cadeia alimentar), que também não leva a lugar nenhum.

Tentando manter a aparência realista dos cenários e dos personagens sem sacrificar a compreensão dos espectador, os realizadores optam por manter Mano com os olhos azuis, a mancha remetendo a uma gravata borboleta e a troca de penugem estagnada entre filhote e adulto de modo a destacá-lo dos seus semelhantes, mesmo que, para isso, tenha que dar uma regredida em seu visual (que havia evoluído um pouco no final do primeiro filme). Por outro lado, parte desse realismo é deixado de lado quando Erik surge como uma versão reduzida do pai (incluindo até a mesma mancha no peito), mas com estratégicos olhos enormes que o aproximam mais de uma pelúcia que de um filhote de pinguim-imperador. Enquanto isso, a movimentação dos personagens, da câmera e as coreografias (estas novamente concebidas com o auxílio de motion capture), continuam eficientes e inventivas, utilizando, por exemplo, raspas de gelo para simular a sensualidade e o visual de danças executados com pessoas molhadas (como aquela vista no final de Ela Dança, Eu Danço 2) ou o parkour como estratégia para movimentação ágil de determinado personagem. Já no que diz respeito ao 3D, a única boa contribuição da tecnologia são os reflexos do gelo, que dão uma noção melhor ao espectador, por exemplo, de um obstáculo encontrado por Mano em um resgate subaquático - e é aliviador que Miller não use o artifício gratuito de jogar objetos na direção do espectador a todo momento, deixando para usá-lo amplamente mais nos créditos finais, quando cria a sensação (boba, é verdade) de bolhas de sabão saindo da tela para a sala de cinema.

Repleto de músicas adequadas a seu desenvolvimento, o longa acaba naturalmente prejudicado em sua versão nacional, quando as composições originais de John Powell ou trechos de músicas conhecidas (como We Are The Champions ou I Wanna Know What Love Is) são traduzidos para melhor entendimento da trama enquanto outros menos importantes (mas sempre relacionados a algum aspecto da história) permanecem em suas versões originais e, dessa forma, não atingem aqueles que desconhecem o idioma. Ao menos o trabalho de dublagem é muitíssimo bem executado, deixando a impressão que nenhuma piada do original foi perdida na tradução e trazendo as boas participações de Daniel de Oliveira como Mano (seu trabalho é tão natural que em diversos momentos tentei visualizar o ator proferindo as falas e não consegui) e Sidney Magal, com seu timbre marcante, dando novamente voz ao excêntrico Amoroso com a eficiência necessária.

Por fim, Happy Feet 2: O Pinguim ganha pontos pela coragem de abraçar novamente aspectos assustadores (como quando acompanha o iceberg no início, a revoada de gaivotas que remete imediatamente a Os Pássaros ou o comportamento desesperado dos pinguins famintos mais adiante), por passar uma mensagem bonita sobre solidariedade e por não abusar dos aspectos cômicos do primeiro filme (o divertido Ramon, aqui, ganha muito menos destaque - exatamente o tanto necessário), o que permite que o filme seja engraçado sem ser histérico ou irritante (gosto particularmente de falas como "Não sei lidar com relacionamentos a longa distância" e "Deixarei tudo para a minha imaginação"). Nada que garanta a repetição do feito do original de levar a estatueta de Melhor Animação no Oscar, mas isso não impede que o filme seja, em suma, um bom entretenimento.

Obs.: há uma piadinha após os créditos finais homenageando os Looney Tunes, personagens clássicos da Warner Bros. e, considerando que um curta de Piu-Piu e Frajola é exibido antes do longa principal, a breve cena deve encerrar a sessão de forma divertida - e digo "deve" pois, na cabine de imprensa em Belo Horizonte, o curta não foi exibido.

18 de novembro de 2011

Crítica | A Saga Crepúsculo: Amanhecer - Parte 1

por Eduardo Monteiro

The Twilight Saga: Breaking Dawn - Part 1, EUA, 2011 | Duração: 1h57 | Lançado no Brasil em 18 de Novembro de 2011, nos cinemas | Roteiro de Melissa Rosenberg. Baseado no livro "Amanhecer" de Stephenie Meyer | Dirigido por Bill Condon | Com Kristen Stewart, Robert Pattinson, Taylor Lautner, Ashley Greene, Peter Facinelli, Elizabeth Reaser, Billy Burke, Sarah Clarke, Gil Birmingham, Kellan Lutz, Jackson Rathbone, Chaske Spencer, Julia Jones, Booboo Stewart e Michael Sheen.

A primeira parte do desfecho da "saga" Crepúsculo chega ao Brasil sob pesada campanha de publicidade, sem exibição prévia para a imprensa e ocupando metade das salas disponíveis em território nacional - e tudo isso é bastante sintomático. Cientes que o público da história melosa criada por Stephenie Meyer é fiel e crescente, os produtores tomaram a sábia decisão de dividir a adaptação do último livro da série em duas partes com o objetivo óbvio de lucrar mais, já que não só este Amanhecer - Parte 1 poderia ser resumido em um (ruim, ainda assim) curta de 30 ou 40 minutos, como também, pela escassez de acontecimentos interessantes e relevantes em toda a história já contada, a "saga" inteira não renderia mais que um ou dois fraquíssimos longas. Aliás, a julgar pela trivialidade da trama desenvolvida aqui, não seria espantoso se a franquia cinematográfica rendesse mais alguns filmes posteriores com roteiros "originais", seguindo a lógica de manter o público constrangido e mudar um ou outro detalhe da péssima historinha na tentativa inútil de exibir originalidade, coerência e linearidade.

Assim, o filme obviamente foi omitido da imprensa para evitar a natural publicidade negativa, uma vez que o longa não parece se acanhar em surgir como um prólogo caça-níquel facilmente identificável, que apela para estratégias ridículas na tentativa de sobrepor a sensação de entretenimento ao fato de que nada muito importante de fato acontece. Partindo dos preparativos do casamento da ligeiramente mais alegrinha Bella Swan (Stewart) e do eternamente insosso Edward Cullen (Pattinson), o filme parece não ver problema em dedicar longos cinquenta minutos ao matrimônio e à lua-de-mel do casal para só então introduzir o conflito deste episódio: extravasando sabe-se lá quantos anos de tesão reprimido, o "vampiro" adia a tão aguardada mordida no pescoço da garota de modo a evitar que ela passe aqueles dias sofrendo com os efeitos da transformação e, assim, possam copular (ainda que não fique claro como o cadavérico Edward consegue ter uma ereção, já que seu coração não bate e, portanto, não tem como bombear sangue para o pênis) com a delicadeza necessária para deixar a suíte em ruínas. Porém, duas semanas após o casamento, Bella exibe todos os sintomas que uma protagonista da novela das 9 tem no último capítulo e, com a descoberta da gravidez, volta a fazer a cara de indigestão dos filmes anteriores e passa a viver na residência dos Cullen em observação, já que a inusitada combinação de óvulo humano e espermatozoide vampiro-purpurina resulta em uma gestação marcada por dúvidas e sofrimento.

Como se todo o desvirtuamento das criaturas fantásticas nos longas anteriores não fosse excessivamente tola e frustrante, este novo filme ainda faz questão de ampliar o desserviço sem qualquer função ou propósito. Assim, um enorme crucifixo é naturalmente tido como uma peça apropriada para a decoração da mansão dos Cullen, enquanto um papo de "o que você espera ver quando olhar-se no espelho daqui a um ano?" não é encaminhado para as vias de "nada, já que pretendo ser uma vampira até lá e vampiros não possuem reflexo". Também nesse sentido, a opção de substituir o termo "vida" por "existência" é adequada para a situação dos "vampiros", mas esta lógica não só é abandonada em diversos momentos, como também a palavra "morte" (em português bem claro) é utilizada como uma injeção de tensão e apreensão em relação ao futuro de Bella diante da gravidez, ignorando que o processo de tornar-se vampira (o grande desejo da garota) tem como implicação invariável a morte propriamente dita. Por outro lado, os conceitos desvirtuados estão tão intrínsecos à história que, quando esta arrisca respeitar a natureza dos vampiros, a tentativa surge em um flashback desconexo que, longe de acrescentar algo, apenas estabelece Edward como uma versão vampiresca do serial killer Dexter - o que apenas nos lança para fora da história e faz refletir sobre como a roteirista Melissa Rosenberg era muito mais bem sucedida naquele seriado (e curiosamente, Christian Camargo, o eterno Ice Truck Killer da primeira temporada do seriado, faz uma ponta inútil no filme).

Aliás, os diálogos concebidos por Rosenberg e Meyer não evoluem absolutamente nada em relação aos vistos anteriormente e raramente fogem da espirituosidade banal ("Nos vemos no altar"/"Eu serei a vestida de branco" - risos), do óbvio e expositivo ("Você nos enganou!"), e claro, do absolutamente constrangedor (discursos de convidados no casamento? Sério?! Francamente!). Por essas e outras, a mediocridade do material original de Stephenie Meyer fica evidente a todo momento, uma vez que a transposição do texto para audiovisual não consegue contornar a imbecilidade das situações originalmente concebidas. Ora, o que o sofrimento de Bella a caminho do altar significa? Que raça genial de bebê mutante é essa que, ainda em gestação, confessa amar a progenitora e sua voz? E por que Jacob (Lautner) se dá por satisfeito ao fazer alguns dos Cullen passarem ilesos por sua antiga matilha e esquece que é fundamental garantir que eles voltem com aquilo que foram buscar em caráter de urgência? (Ah, essa é fácil de responder: porque ele leu no roteiro que o parto aconteceria antes disso).

E já que falei dos conflitos entre lobos e vampiros, não poderia deixar de comentar como estes são artificiais, lançados a esmo desde sua origem até sua conclusão e dependendo de conceitos novos introduzidos às vésperas dos acontecimentos, o que os faz parecer ainda mais ridículos do que seriam caso o conceito fosse inteligente e previamente apresentado. Ao menos os lobos digitais vistos aqui, quando vistos (boa parte do tempo estão correndo pela floresta e, aí, só vemos borrões de árvores e pelos se misturando), são bastante eficientes, capazes até mesmo de transformar uma discussão telepática da matilha, com os ânimos alterados, na provável melhor cena do filme - juntamente com uma montagem breve que ilustra certas transformações internas de Bella. Por outro lado, começo a desconfiar que ter somente a cara pálida é outra das características dos vampiros alteradas por Meyer, já que a equipe de maquiagem é insistente em deixar outras partes dos corpos dos atores descobertas. E enquanto a maquiagem digital usada para ressaltar a debilitação física de Bella na gravidez dá de dez na de todos os vampiros, é um alívio que o ridículo brilho de suas peles ao sol não seja visto aqui (é terrivelmente estúpido que Edward tenha escolhido um país tropical como o Brasil para passar a lua-de-mel - apesar de que, se viesse no carnaval, já estaria pronto pra desfilar no sambódromo) e que Jacob fique o filme inteiro vestido (com exceção de sua primeira aparição, quando tira a camisa dois segundos após surgir na tela). Já da movimentação rápida dos vampiros, não ficamos livres: ela está lá, constrangedora e artificial como sempre.

Porém, abandonar o ridículo dessas situações citadas não impede que o filme o abrace em outras - e, mais do que nunca, o roteiro tenta aproximar-se de uma comédia adolescente inserindo o maior número possível de piadas, mesmo que isso ocorra segundos depois de um acontecimento mais grave (a formação da "matilha de dois" é um bom exemplo). Conduzindo um elenco fraco preso a situações patéticas (Bella raspando a perna antes da noite de núpcias é uma imagem que não sairá da minha cabeça tão cedo), Bill Condon entrega um trabalho marcado pela falta de imaginação (o travelling circular do beijo do casamento é irritante de tão óbvio), isso quando não comete erros grosseiros, como a displicência da passagem de tempo ou os dois momentos em que sai dos sonhos de Bella de forma confusa (Parte da lua de mel foi mesmo sonhada? Quanto dela?) ou equivocada (quando salta do sonho do casamento sangrento para a realidade reduzindo o zoom do olho de Kristen Stewart horas após sua personagem já ter acordado). Por fim, mesmo o desfecho sendo um dos mais óbvios e previsíveis dos últimos tempos, o diretor ousa dedicar intermináveis minutos a ele e arremata com um plano copiado sem a menor sutileza de um grande sucesso de bilheteria recente, que boa parte do público conseguirá reconhecer.

Inundado do conservadorismo mórmon de Stephenie Meyer, que agora substitui o subtexto da abstinência sexual pelas lições sobre gravidez precoce e não planejada (incluindo aí sua repulsa óbvia ao aborto), Amanhecer - Parte 1 ainda demonstra sua falta de assunto ao regredir e trazer de volta a discussão que dominou os três filmes anteriores: transformar ou não transformar? Eis a questão. E pensar que todo o dramalhão de gravidez e a guerrinha entre miguxos não teria acontecido caso Bella e Edward tivessem dado ouvidos à fúria de Jacob lá no início, ainda na cena do casório, quando o lobisomem é categoricamente ignorado pelo casal ao sugerir seu convencimento sobre resultados catastróficos de relações sexuais entre seres de naturezas diferentes. "Devo ser muito burra", observa Bella segundos depois, sem ao menos ter assimilado o recado de Jacob. Sim, muito burra mesmo - mas não mais que eu, que ainda tinha alguma esperança de salvação para a franquia.

Obs.: como citei, o filme inteiro é apenas um extenso prólogo, que ainda assim não consegue introduzir em seu desenvolvimento o conflito do próximo filme - o que é feito em uma cena extra durante os créditos finais.

16 de novembro de 2011

Crítica | Amores Imaginários

por Eduardo Monteiro

Les Amours Imaginaires, Canadá, 2010 | Duração: 1h35 | Lançado no Brasil em 18 de Novembro de 2011, nos cinemas | Escrito por Xavier Dolan | Dirigido por Xavier Dolan | Com Monia Chokri, Niels Schneider, Xavier Dolan, Anne Dorval e Louis Garrel.

Xavier Dolan é um artista extraordinário. Após estrear na direção com o ótimo Eu Matei Minha Mãe, corajoso drama semi-autobiográfico que também roteirizou, produziu e estrelou, o canadense retorna agora em Amores Imaginários para se estabelecer de uma vez por todas como um nome a ser observado nos próximos anos, construindo uma carreira coerente unificada pela temática homossexual que, entretanto, surge livre de afetações e nunca como um tema único e central que tenta chamar a atenção para si. E o mais surpreendente: Dolan conquistou tudo isso com inacreditáveis 21 anos de idade.

Novamente responsável por direção, roteiro, produção, atuação e agora aventurando-se também na montagem e na concepção dos figurinos, o multitarefado Dolan conta em Amores Imaginários a história dos amigos Marie (Chokri) e Francis (Dolan) que, durante uma festa, acabam apaixonando-se pela mesma pessoa: Nicolas (Schneider), um rapaz angelical, atencioso e terno que desenvolve um grande apreço pela dupla. Incertos do que sentem pelo novo amigo, Marie e Francis permitem que os ciúmes tragam uma frieza para sua amizade e passam a competir silenciosamente pelas atenções de Nicolas, que jamais parece notar as investidas da dupla. Porém, a situação foge do controle e toma proporções inesperadas, permitindo que conflitos internos pessoais do casal de amigos aflorem.

Algo bastante notável nesse trabalho de Dolan é seu marcante uso de câmera lenta, e felizmente o diretor parece saber o que está fazendo. Em certos momentos, a técnica é usada para ressaltar com competência a apreensão e o transe que Marie e Francis parecem estar na presença de Nicolas, fazendo a tensão sexual parecer bem aparente enquanto, na realidade, é apenas unilateral. Ainda nesse ponto, a câmera lenta parece sugerir também, em outros momentos, uma certa decadência dos amigos, que perdem tempo se arrumando para encontros com Nicolas apenas para que suas investidas sejam categoricamente ignorados por rapaz. Complementando, a boa trilha sonora também traz sua contribuição nessas composições, como o uso da canção "Bang Bang" (muito marcante em Kill Bill: Volume 1), que pontua bem as sensações acima, ou a música agitada de uma festa rivalizando com a lentidão do andar de Marie e Francis, que sugere o deslocamento da dupla em relação aos demais presentes.

Durante a narrativa, Dolan opta por inserir depoimentos (falsos, encenados) que não se conectam diretamente com a história do filme em si, mas com seu tema central, e surgem como raros exemplos em que sua inexperiência fica mais evidente, uma vez que seus deselegantes zooms saltam aos olhos e por vezes desviam a atenção das falas dos depoentes. Por outro lado, Dolan consegue criar interessantes rimas visuais, como os recorrentes planos em que as costas de Francis e Marie surgem lado-a-lado, emparelhadas, seja preparando uma refeição ou escolhendo roupas em uma loja, sem que consigamos ver suas expressões faciais (e consequentemente, ficamos impossibilitados de julgá-los e avaliar a credibilidade de suas colocações), simbolizando a falta de percepção que estão tendo entre si e que os impede, a princípio, de notar a falsidade de falas como "Ele não faz meu tipo" ou "Nem o meu". Por esse lado, é interessante que um enquadramente semelhante surja, mas agora encarando os dois de frente, para testemunhar um pontual momento em que se unem e direcionam seus desprezos para uma mesma pessoa (que está bajulando Nicolas), momentos antes de suas idealizações particulares do rapaz surgirem na tela representadas por obras de arte.

E mesmo que a disputa entre Marie e Francis pareça infantil e tragicômica em alguns momentos, o longa não deixa que o conflito careça de complexidade ou fique mal resolvido. Assim, a disputa que até então parecia apenas extremismos de ambos os lados torna-se um drama complexo quando descobrimos, primeiramente, que Marie sofre verdadeiramente por ter sido arrebatada por um sentimento intenso e inesperado. Muito mais que a evidente atração, a mulher tem plena convicção que Nicolas é sua alma gêmea e, portanto, seu amor não correspondido é um fardo mais pesado do que imaginávamos. Francis, por outro lado, vive o drama da rejeição e, por isso, preza pela cautela em sua aproximação com Nicolas no intuito de evitar que a situação se repita - o que torna sua cena de masturbação persistente em um triste retrato de sua rejeição e melancolia. Ainda nesse aspecto, é interessante que as cenas em que os amigos recorrem a sexo com pessoas desconhecidas sejam sempre monocromáticas (sugerindo a impessoalidade das situações) e tornem-se cada vez mais tristes, representando a decadência e a frustração (inclusive sexual) crescentes compartilhadas pelos amigos.

Com um bom trabalho de figurino e maquiagem (eficiente, por exemplo, quando aproxima a aparência do casal de amigos às dos ídolos confessos de Nicolas) que apenas ressaltam as ótimas atuações de Monia Chokri e Xavier Dolan, o longa ganha novamente pontos por seu desfecho, que não ousa buscar uma resolução fácil  e maniqueísta para sua trama. Afinal, é impossível considerar o comportamento de Marie e Francis em seu último encontro com Nicolas digno de admiração e tampouco é possível ficar indiferente ao traço de personalidade da dupla principal evidenciado no irônico e derradeiro plano final. Um presente de um artista inteligente que faz questão de tratar seu público como tal.

13 de novembro de 2011

Crítica | Atividade Paranormal 3

por Eduardo Monteiro

Paranormal Activity 3, EUA, 2011 | Duração: 1h24 | Lançado no Brasil em 21 de Outubro de 2011, nos cinemas | Escrito por Christopher Landon. Baseado no filme "Atividade Paranormal", de Oren Peli | Dirigido por Henry Joost e Ariel Schulman | Com Christopher Nicholas Smith, Lauren Bittner, Jessica Tyler Brown, Chloe Csengery, Dustin Ingram, Maria Olsen, Johanna Braddy, Sprague Grayden, Brian Boland e Katie Featherston.

O subgênero found footage foi responsável, nos últimos anos, por uma renovação do desgastado gênero terror. Trazendo o assustador realismo de filmagens subjetivas e seu inerente ar documental, essa linha de filmes, entretanto, é assombrada por um problema amarrado diretamente à sua proposta e que nenhum de seus exemplares conseguiu superar e, desse modo, se destacar efetivamente: o desfecho. Afinal, se as imagens que vemos são filmagens perdidas que foram encontradas, o mínimo que podemos esperar é que algo de muito ruim tenha acontecido com seus protagonistas - e, buscando um impacto maior, esse algo de ruim geralmente é a morte. Dessa forma, após tomarmos conhecimento da existência de um demônio perseguindo Katie (Featherston) no tenso Atividade Paranormal e descobrirmos como ele foi transferido para ela em sua fraca continuação, o terceiro exemplar da série se propõe a investigar como as atividades tiveram início, exibindo gravações em VHS feitas pelos pais de Katie e Kristi (Grayden) em determinado momento da infância das irmãs. Isso já é o suficiente para prevermos que problemas, pelo menos relacionados ao desfecho, têm grandes chances de existirem e diminuírem consideravelmente o impacto da resolução - afinal, sabemos que pelo menos as jovens Katie (Csengery) e Kristi (Brown) deverão sobreviver aos eventos vistos aqui.

Escrito por Christopher Landon (um dos roteiristas do segundo filme) com base nos eventos apresentados anteriormente, Atividade Paranormal 3 começa sem vinhetas de produtoras, créditos iniciais ou os tradicionais e tolos agradecimentos às famílias dos mortos, e nos leva diretamente ao fim da gravidez de Kristi, isto é, semanas antes de todos os acontecimentos que vimos nos outros dois filmes, para descobrirmos que Katie havia solicitado à irmã a gentileza de guardar temporariamente algumas caixas com objetos pessoais antigos em seu porão. Saltando até o momento em que a casa de Kristi é "arrombada" e revirada, sem que objetos de valor sejam levados (aqui, uma constatação referente a isso é alterada sem uma razão específica), a família encontra gravações antigas em VHS (concretizando este como um dos found footage mais literais, ainda que, pelo conteúdo das fitas, seja absurdo que estas tenham sido conservadas e estejam intocadas) feitas pelos pais (não lembro do filme mencionar que o homem é padastro das meninas, mas como Katie conversa com o pai por telefone no primeiro filme... bem, a opção tornou-se mais óbvia) de Katie e Kristi durante algumas semanas do longínquo ano de 1988, diante de estranhos eventos iniciados após as garotas começarem a se relacionar com o "amigo imaginário" Toby.

Carregando consigo o fardo de explorar a atividade de uma entidade de natureza mais que conhecida pelo público, Atividade Paranormal 3 perde automaticamente o fator surpresa (bem como ocorria no filme anterior) e, assim, surge com a missão ingrata de criar novos atrativos para sustentar e justificar sua própria existência. Felizmente, a mudança de ambientação da história introduz novos elementos capazes de despertar o interesse do público e alcançar novos patamares do suspense. Em particular, Landon e os diretores Henry Joost e Ariel Schulman (responsáveis pelo ótimo Catfish) divertem-se explorando os obstáculos que Dennis (Smith) enfrenta para driblar as limitações técnicas impostas pela tecnologia da época, como o reduzido tempo de gravação permitido pelas fitas, o zoom lento e barulhento das robustas câmeras e a dificuldade de abranger um campo de visão adequado em determinados cômodos, obrigando o rapaz a bolar uma geringonça envolvendo uma câmera e um ventilador desmontado para alternar a vigilância entre a sala de estar e a cozinha. Essa panorâmica improvisada, aliás, é uma das melhores sacadas do filme: acostumados com planos estáticos, onde qualquer alteração pode ser facilmente notada, somos desafiados e obrigados a redobrar a atenção para conseguir assimilar as novas imagens que surgem no canto da tela a todo momento, de modo a não deixar que nenhuma possível desarmonia passe despercebida, numa investida incrivelmente bem sucedida de suspense. Porém, ainda que a exigência de qualidade do público atual seja uma justificativa razoável para as imagens estarem dotadas de alta resolução e livres de ranhuras, o áudio impuro que tanto beneficiava o suspense do primeiro filme inexiste aqui, dando lugar mais do que nunca a silêncios profundos que remetem a todos aqueles exemplares do gênero que buscam o susto fácil.

O que não se distancia muito do visto aqui. Cientes que barulhos estranhos e objetos que parecem ter vida própria não são mais surpresas para o espectador, os realizadores optam por permear o suspense de sustos e, para isso, bolam uma série de truques para fazer o público saltar da poltrona - alguns honestos e bem sucedidos (como aquele resultante de um corte seco entre um momento silencioso e outro mais barulhento) e outros mais óbvios, porém aceitáveis (como os sustos propositais promovidos por personagens rindo-se do amedrontamento de Dennis). Dando pela primeira vez à mulher o papel cético e ao homem o papel assustado, o longa volta a falhar na falta de nexo de alguns registros feitos com a câmera, como os vários momentos em que Dennis assiste e analisa as próprias filmagens (o que ele pretendia alcançar filmando a si próprio nessa situação) ou então seus incrivelmente lentos e silenciosos passeios por cômodos desertos, sempre que ouve algum som estranho (e que acontece até mesmo em momentos de maior urgência). Por fim, o filme entrega-se de vez a convenções do gênero em seu terceiro ato, inserindo uma figura típica de filmes de terror que transforma seu clímax em uma passagem adequadamente assustadora, mas igualmente decepcionante.

Consertando de uma vez por todas os erros de nunca permitir que seus personagens saíssem de suas casas e de arranjar desculpas esquizofrênicas para que os casais evitassem usar a câmera como um apetrecho em suas vidas sexuais, Atividade Paranormal 3 é irrepreensível em pelo menos um ponto: seu elenco. Enquanto Katie Featherston é apenas uma interessante e ilustre presença, o casal interpretado por Christopher Nicholas Smith e Lauren Bittner transmite uma adequada espontaneidade e Dustin Ingram se sai muitíssimo bem como o Randy, um raro exemplar de personagem engraçado e medroso que consegue não irritar (e protagoniza uma ótima cena em que tensão e humor dividem graciosamente espaço). Por fim, a talentosíssima Jessica Tyler Brown exibe uma naturalidade invejável em absolutamente todas as nuances que a jovem Kristi exige - algo fundamental para que o projeto funcione.

Permitindo que aqueles que conferiram os filmes anteriores identifiquem objetos e situações conhecidas (não poderiam deixar passar a chance de exibir a icônica foto de Katie quando criança sendo tirada), Atividade Paranormal 3 sofre com a decisão tomada pelos produtores de relacionar as continuações com a história do primeiro filme e, para cumprir a promessa de assustar e simultaneamente evitar a repetição, afasta-se mais do que nunca da simplicidade dos elementos que fizeram o longa original ser o sucesso que foi, passando a flertar com o terror tradicional e deixando mais uma vez um final aberto e mal esclarecido - o que já se tornou praticamente uma marca da série e, possivelmente, exigiria um filme inteirinho apenas para esclarecer todos as pontas soltas. Taí uma ideia que, talvez, pudesse gerar uma boa sequência.

10 de novembro de 2011

Crítica | Os 3

por Eduardo Monteiro

Os 3, Brasil, 2011 | Duração: 1h20 | Lançado no Brasil em 11 de Novembro de 2011, nos cinemas | Roteiro de Nando Olival e Thiago Dottori | Dirigido por Nando Olival | Com Victor Mendes, Juliana Schalch, Gabriel Godoy, Rafael Maia, Sophia Reis, Alceu Nunes, Henrique Taubaté e Cecília Homem de Melo.

A introdução de Os 3 resume perfeitamente sua proposta: amizade, amor, paixão e tesão, apesar de diferentes e bem definidos, estão sujeitos a cair no turbilhão de emoções e hormônios que é a vida de um jovem na flor da idade e influenciar de forma inequívoca e definitiva sua trajetória pessoal. Isso não impede, entretanto, que se consiga estabelecer um foco em meio à turbidez da agitação da juventude e, no caso do trio principal do longa, ele é bem demarcado e extremamente nobre: a forte amizade existente entre eles.

Marcando o retorno de Nando Olival dez anos após dividir os créditos da direção com Fernando Meirelles em Domésticas, o filme, escrito pelo próprio diretor em parceria com Thiago Dottori, nos apresenta os jovens Rafael (Mendes), Camila (Schalch) e Cazé (Godoy), que se conhecem na fila do banheiro de uma festa e, conversa vai, conversa vem, decidem dividir um apartamento em São Paulo. Seguindo uma regra sugerida por Camila que determina que a relação entre os três não pode ultrapassar o limite da amizade, os jovens estabelecem uma conexão ímpar durante os quatro anos que vivem juntos, mesmo com seus altos e baixos. Temendo a inevitável separação que os espera ao fim de suas graduações em Comunicação, o trio aceita a proposta do empresário Guilherme (Maia) e bota em prática um de seus trabalhos acadêmicos: numa superposição de reality show e site de vendas, os jovens consentem que câmeras de vigilância sejam instaladas no apartamento e que as imagens sejam transmitidas ao vivo on-line, permitindo que os internautas comprem produtos equivalentes aos usados no dia-a-dia de Camila, Rafael e Cazé.

Introduzindo sem maiores delongas o trio principal, o longa não perde tempo floreando a aproximação de seus personagens de modo que, quatro anos depois de se conhecerem (e alguns minutos após os conhecermos), estamos plenamente convencidos de suas amizades. No entanto, isso não quer dizer que sejam figuras unidimensionais ou mal desenvolvidos: vividos por intérpretes jovens, vivazes e desconhecidos, os personagens soam como pessoas possíveis, reais e simpáticas, que rapidamente conquistam o espectador, cada qual com suas peculiaridades. Rafael, o centro emocional da narrativa, vivido com talento por Victor Mendes, é mais sensível e reservado; já o Cazé de Gabriel Godoy é impulsivo, gosta de registrar momentos importantes da trajetória dos amigos e é quem sempre levanta, em momentos de separação, as opções que permitam que o trio permaneça junto por mais tempo; completando, a bela Juliana Schalch transforma Camila em uma mulher sincera, decidida e doce, mas também capaz de comandar e ditar as regras daquele lar sem maiores dificuldades. Falhando pontualmente por recitar suas falas de forma muito declamada em certos momentos, o trio esbanja carisma, entrosamento e uma adequada tensão sexual, entregando-se sem concessões aos personagens de modo que a naturalidade com que trocam carícias e beijos, quando necessário, fica evidente - e não só as sexualidades de Rafael e Cazé são sugestivamente questionadas, como continuo acreditando que um deles é um homossexual enrustido, mesmo que o filme não se aprofunde no tema e acabe apontando para uma direção oposta.

Concebido com uma paleta dessaturada pelo diretor de fotografia Ricardo Della Rosa, que ressalta a atmosfera urbana da história mas também alcança a dualidade de tons frios e quentes (estes geralmente destacados pelas peles dos protagonistas) coexistindo, o longa conta também com a boa trilha sonora de Ed Cortês, que evolui junto da história sem jamais chamar atenção para si, e a eficiente direção de arte de Clô Azevedo, que estabelece o apartamento como uma espécie de escritório abondado que apenas enfatiza o improviso e o desapego dos jovens que, no fundo, conseguiram transformar aquele ambiente em um lar legítimo. Sem jamais contentar-se com posicionamentos de câmera excessivamente triviais, Nando Olival demonstra bastante segurança na condução da narrativa, usando, por exemplo, técnicas como planos plongée ora para ressaltar o desconforto de um casal acordando em um contexto inesperado e ora para fazer uma caixa d'água soar como uma piscina (ou banheira), bem como os próprios personagens a consideram. Com a colaboração do montador Daniel Rezende, o filme flui num ritmo que jamais deixa o interesse do público diminuir ao mesmo tempo que faz seus breves 80 minutos não parecerem corridos demais - isso sem citar a concepção de montagens interessantes, como aquela em que Cazé, Camila e sua prima, Bárbara (Reis), descem vários andares de escadas, e os diversos ressurgimentos do mesmo ângulo tornam ainda mais evidente o caráter repetitivo do discurso que esta última profere.

E ainda que o reality show não seja o tema central do filme, as questões óbvias envolvendo a natureza desse tipo de programa são levantadas de forma correta, como invasão de privacidade, o interesse do público por baixarias e as falsidades que naturalmente influenciam o comportamento de pessoas superexpostas. Certeiramente, o longa opta por aprofundar-se mais nesse último ponto e, assim, Rafael, Camila e Cazé passam a criar roteiros e ensaiar encenações que garantam a audiência do site e, com isso, acabam caminhando para um ponto em que começam a perder de forma quase imperceptível a noção do que separa o que é verdadeiro daquilo que é roteirizado. Em apenas alguns dias, a comunicação entre os amigos torna-se falha e os romances e brigas programados por eles acabam encontrando ressonância na realidade, despertando sentimentos e emoções até então omitidos. Ou seja: permitindo-se viver situações que vinham evitando durante um bom tempo em prol da boa convivência, os jovens encontram justamente na ficção e sua consequente exposição a liberdade para viver suas fantasias íntimas ou levantar questões particulares mal resolvidas, mas nem sempre conseguem perceber a tempo a dimensão de seus comportamentos e atitudes ou a fronteira que divide ficção de realidade - gerando, então, o clímax dramático do filme.

Falhando por encerrar sua narrativa de uma forma, digamos, boba e ligeiramente abrupta (o conservadorismo que resulta no cancelamento do reality show é absolutamente tolo e forçado), Os 3 é um filme agradável e honesto no qual a sensualidade não gera constrangimento e o drama não gera incredulidade - o que naturalmente gera a torcida para que os responsáveis pelo projeto retornem brevemente para dar prosseguimento às suas ricas contribuições para o cinema nacional.

9 de novembro de 2011

Crítica | Brasil Animado

por Eduardo Monteiro

Brasil Animado, Brasil, 2011 | Duração: 1h15 | Lançado no Brasil em 21 de Janeiro de 2011, nos cinemas | Roteiro de Mariana Caltabiano e Eduardo Jardim | Dirigido por Mariana Caltabiano | Com Eduardo Jardim, Fernando Meirelles, Daiane dos Santos, Ariel Wollinger, Mariana Caltabiano e Fabiano Perez.

Uma palavra que descreve bem Brasil Animado é desânimo. Foi o que senti durante toda a projeção e é o que sinto quando penso que projetos como esse conseguem sair do papel, denegrindo a imagem do cinema nacional. Como já dediquei tempo demais a esse que se vangloria por ser o primeiro filme brasileiro em 3D, serei breve em minhas colocações. Colocando o 3D como parte integrante de sua narrativa, o longa consegue fazer um dos piores usos da tecnologia (senão o pior) e, ao adotar uma estrutura de guia turístico, ofende o investimento tanto do cinéfilo quando do espectador padrão e ainda subestima a grandeza e diversidade do Brasil quando ousa ressaltar estereótipos que apenas reforçam a visão limitada que muitos ainda têm de nosso país.

Dirigido por Mariana Caltabiano (do problemático documentário VIPs - Histórias Reais de um Mentiroso), o filme acompanha (os cachorros?) Stress e Relax (dublados por Eduardo Jardim), dois amigos com personalidades opostas que, perdendo-se entre narradores e protagonistas, decidem percorrer o Brasil em busca do Grande Jequitibá Rosa, que pode trazer grandes riquezas para o primeiro. No entanto, a rasa narrativa é apenas um pretexto para exibir os principais pontos turísticos do Brasil e esboçar pedestres ensinamentos sobre a história do país.

No quesito execução, Brasil Animado é uma produção deplorável, repleta de problemas técnicos diretamente ligados àquilo que supostamente é seu grande atrativo. As cenas passadas em animação em 2D, quando colocadas em 3D, apresentam um óbvio e deselegante problema de profundidade que frequentemente embaralha a mente do espectador, gerando confusão quando objetos que parecem estender-se de um plano mais próximo até outro mais distante (como o próprio chão) estão, na verdade, sempre orientados verticalmente, como folhas de papel sobrepostas. Já as imagens captadas em locação, estáticas ou lentas panorâmicas, apresentam um grave problema de definição, surgindo com uma resolução baixa que prejudica ainda mais seu já deficiente 3D e com um tratamento de imagem amador que consegue a proeza de transformar belas praias em paisagens desinteressantes. Para completar, Caltabiano tenta criar o efeito de "objeto saindo da tela" durante uma cena envolvendo capoeiristas - e, surpresa ou não, é incrivelmente mal sucedida.

Viajando de carro pelo Brasil apenas para exibir a marca de um patrocinador e da própria produtora de Caltabiano, Stress e Relax (para um filme com a proposta que tem, a escolha do idioma dos nomes beira o ridículo) perambulam por ambientes onde as populações locais exercem suas ditas tradições regionais com a sutileza de elefantes, ressaltando estereótipos que cada vez mais deveriam e mereciam ser desconstruídos. Assim, se passam por Minas Gerais, agem como caipiras e entopem-se de pão-de-queijo; se vão para o Amazonas, andam no meio da floresta e interagem com populações indígenas; quando no Rio Grande do Sul, cruzam com pessoas fazendo danças típicas e dizendo "Tchê!"; na Bahia, são guiados por um paspalho com fala lenta, comem acarajés, jogam capoeira e seguem um trio elétrico. Dessa forma, além de ofender indivíduos de todas as culturas brasileiras, o roteiro não consegue disfarçar sua abordagem bairrista, visitando 6 dos 7 estados das regiões Sul e Sudeste (e, obviamente, dedicando muito mais tempo a Rio de Janeiro e São Paulo do que a todos os demais) e apenas o Distrito Federal e mais 4 estados do restante das regiões, focando-se, nesse caso, prioritariamente em praias. Para piorar, Caltabiano aventura-se em abordar eventos da história do Brasil, com a parcialidade necessária para fazer estrangeiros de diferentes nacionalidades soarem como vilões inescrupulosos que vieram ao nosso país tendo como único intuito roubar nossas riquezas.

Contando com uma trilha sonora repetitiva e estrategicamente criada para assombrar o cérebro do espectador por dias, Brasil Animado possui possivelmente os piores diálogos já construídos na história do cinema, fruto da inexperiência, falta de foco e do argumento ridículo de Caltabiano. Repleto de piadas dedutíveis e que fazem Zorra Total soar como Monty Python, o roteiro é uma verdadeira fonte de constrangimento para o espectador, que torce pelo encerramento rápido de cada uma de suas piadas toscas com a mesma intensidade que lamenta a curiosidade de um senhor de idade que, surpreso com uma câmera montada no meio de uma calçada de São Paulo, acabou tornando-se motivo de piada em uma vexatória "dublagem de pensamentos" inserida enquanto o homem observa a aparelhagem e consome tranquilamente seu picolé.

Episódico do início ao fim (como não poderia deixar de ser, segundo sua péssima proposta) e com diversas cenas nas quais a desconexão beira o constrangedor (Daiane dos Santos fazendo uma acrobacia é o melhor exemplo que me vem à mente), Brasil Animado é um filme que poderia perfeitamente ser exibido em escolas primárias por professoras preguiçosas mas que, por fim, chegou aos cinemas colocando o 3D em um patamar excessivamente elevado e expondo sua falta de conhecimento sobre a tecnologia ao comparar-se com Avatar, numa referência desnecessária que condena definitivamente a longevidade do filme - algo que, sinceramente, não me causa o mínimo incômodo.

3 de novembro de 2011

Crítica | O Preço do Amanhã

por Eduardo Monteiro

In Time, EUA, 2011 | Duração: 1h44 | Lançado no Brasil em 4 de Novembro de 2011, nos cinemas | Escrito por Andrew Niccol | Dirigido por Andrew Niccol | Com Justin Timberlake, Amanda Seyfried, Cillian Murphy, Vincent Kartheiser, Alex Pettyfer, Olivia Wilde, Johnny Galecki, Matt Bomer, Collins Pennie.

O Preço do Amanhã traz consigo um conceito fantástico: levando a expressão "tempo é dinheiro" ao extremo, o diretor e roteirista Andrew Niccol (O Senhor das Armas) concebe um mundo em que os seres humanos param de envelhecer aos 25 anos e, nesta mesma ocasião, um relógio digital luminoso subcutâneo no braço esquerdo contendo o saldo de 1 ano de vida é disparado em contagem regressiva - e cada indivíduo deve, então, administrar seu próprio tempo ou buscar outros modos de obtê-lo antes que o contador chegue a zero. Além disso, serviços básicos como transporte e alimentação são negociados nessa mesma moeda e, assim como em nossa realidade, algumas poucas pessoas acumulam grandes riquezas (no caso do filme, centenas de anos) enquanto outras tantas devem batalhar para viver um dia após o outro, trabalhando arduamente para ganhar algumas horas que garantam sua sobrevida diária. Porém, numa sociedade em que a condição financeira está mais do que nunca direta e literalmente ligada à sobrevivência, a má distribuição de renda é muito mais que um problema social - é também uma delicada questão de saúde pública.

E basta assistir a alguns minutos do longa para constatar que, de fato, essa premissa permite uma rica reflexão combinada sobre sociedade de consumo e a ganância inerente a ela, somados ao anseio de viver para sempre e de ser eternamente jovem. Por outro lado, também não é necessário muito esforço para notar que, seguindo o misterioso manual hollywoodiano que parece determinar que ficções científicas venham acompanhadas de ação desenfreada e romance morno, o longa sabota o enorme potencial do próprio conceito ao desviar o foco daquilo que realmente interessa e opta por concentrar-se em algo que não consegue fazer bem feito. Dessa forma, acompanhamos o operário Will Salas (Timberlake) partindo em uma busca pela verdade sobre os causadores de tamanha desigualdade social naquele mundo após receber uma generosa doação de tempo de Henry Hamilton (Bomer), um homem centenário que lhe confidencia que, naquele sistema traiçoeiro, muitos devem morrer para que alguns poucos possam viver para sempre. Como a "verdade" que o protagonista busca é bastante óbvia (existem pessoas gananciosas e inescrupulosas e ponto), o foco é rapidamente alterado e logo passamos a vê-lo fugindo sucessivas vezes da quadrilha do gângster (ou minute man, como o filme nomeia) Fortis (Pettyfer) e das autoridades lideradas pelo Agente do Tempo Raymond Leon (Murphy), em ambos os casos em função dos muitos anos subitamente transferidos para Will.

Iniciado com uma narração em off do personagem de Justin Timberlake informando que não tem tempo para se preocupar ou explicar como o mundo havia chegado àquele ponto, o longa emprega os primeiros minutos de projeção para introduzir o conceito e as regras que regem aquele universo de forma bastante expositiva e didática apesar de, como já citado, não tentar explicar os meios que justificaram aquele fim, o que de fato poderia ser desastroso. No entanto, por mais interessante que seja a ideia de tempo como moeda de circulação, o conjunto de regras criado por Niccol não consegue manter-se livre de furos. Como funciona exatamente, por exemplo, a transferência de créditos de tempo entre dois indivíduos? O que determina quem está cedendo, quem está recebendo e qual quantia está sendo transferida? Essa explicação seria fundamental para que entendêssemos, por exemplo, como se daria a relação entre um assaltante e uma vítima (será que não haveria um conflito de impulsos, vontades ou pensamentos numa ocasião dessas?) - e em certo momento o filme até tenta esboçar uma explicação para esse processo, quando introduz um conceito de "queda de braço" no qual o tempo parece fluir de um corpo para o outro com base na posição dos braços dos indivíduos, mas acaba contradita por todas as outras transferências de tempo que ocorrem no restante do longa e não seguem esta lógica. Por fim, uma incoerência que seria capaz de impedir aquele mundo de existir e funcionar jamais é desconstruída: se o tempo (como moeda) está sempre diminuindo pela cronologia natural do universo, como mais "capital" é injetado naquela economia para compensar essa constante perda?

Ambientado em um futuro que parece preso no tempo, com carros de aparência antiga mas com elementos futurísticos ou com ônibus ainda sendo considerados uma opção válida para mobilidade urbana, o longa é recheado de diálogos com expressões comumente usados na correria do nosso dia-a-dia, que aqui ganham charmosos novos significados ("Não desperdice meu tempo" é um bom exemplo que me vem à mente). Bem adequadas ao sistema daquele contexto, as pessoas abonadas são representadas por Niccol como seres frios, calmos, ostentosos e alienados (por opção ou não), que vivem separados por fusos horários (conceito interessante que funciona em uma direção, quando o indivíduo deve passar por pedágios de tempo para alcançar a zona dos ricos, mas fica estranha na outra, quando, por coerência com o conceito real, deveria ganhar horas ao retornar aos guetos) dos desfavorecidos, representados como pessoas angustiadas, que raramente se dão ao luxo de adquirir itens supérfluos ou de buscar opções de lazer mais sofisticadas, vivendo segundo um estilo de vida que as obriga a correr para evitar o desperdício de tempo e que pode, de um dia para o outro, simplesmente levá-las à morte.

No entanto, os personagens que recebem maior atenção na narrativa não conseguem destacar-se ou alcançar o mínimo de complexidade: Will Salas, ao menos vivido com carisma e energia por Timberlake, é um homem basicamente incoerente, que mistura-se com os ricaços com o intuito claro e bem definido de desvendar as maracutaias daquele sistema e tamanho é seu foco em alcançar o objetivo que termina uma festa nu em pleno mar na companhia de uma mulher, ou então, tido como humilde, é capaz de adquirir sem uma razão específica um luxuoso carro, enquanto pessoas com as quais convivia dias antes sobrevivem à beira da morte em seu bairro. Já a personagem de Amanda Seyfried, que de tão irrelevante está sendo citada pela primeira vez nesse texto apenas agora, surge como a típica filha de milionário insatisfeita com sua riqueza e cansada de viver aprisionada em sua rotina vazia, enquanto Cillian Murphy vive um homem indecifrável que, mesmo encarnando um tira dedicado, é apontado como um vilão (o estranho e inexplicado passado que possui com o pai do protagonista ressalta essa caracterização) e esboça uma pequena complexidade ao sugerir que, mesmo com consciência dos graves defeitos, acredita naquele sistema e, por isso, esforça-se tanto para defendê-lo. Para completar, Matt Bomer consegue transmitir com competência, em sua pequena participação, o cansaço e a sabedoria naturais de um homem que já viveu mais do que gostaria, enquanto Alex Pettyfer continua comprovando ter um dos melhores agentes de Hollywood, já que, aos 21 anos, aventura-se em seguidos papéis de destaque sem sequer ter uma carreira decente que aponte seu talento - e, aqui, vive o minute man com a complexidade que o personagem possui e exige: nenhuma.

Sem apresentar grandes inovações no quesito ação, o filme é, por fim, miseravelmente mal sucedido em tentar desenvolver e amarrar sua trama central, apelando para um romance tolo, fugas constantes ou relógios sempre à beira do zero para tentar movimentar sua história ou até mesmo encerrar conflitos (um personagem importante perece após simplesmente esquecer que tem pouquíssimo tempo sobrando). E é lamentável que, com tamanho potencial em mãos, o máximo que Niccol conseguiu fazer foi direcionar o casal principal a um preguiçoso e absurdo status de Robin Hood temporais, já que os personagens de Timberlake e Seyfried têm a sorte de bancos daquele mundo possuírem o mesmo esquema de segurança de um parquinho de criança. Depois do ótimo O Senhor das Armas, era de se esperar um pouco mais de empenho do cineasta para evitar que pessoas saíssem do cinema e, embaladas pelo próprio universo do filme, concluíssem que, talvez, a experiência tivesse sido uma "perda de tempo".

2 de novembro de 2011

Crítica | A Pele Que Habito

por Eduardo Monteiro

La Piel que Habito, Espanha, 2011 | Duração: 1h57 | Lançado no Brasil em 4 de Novembro de 2011, nos cinemas | Roteiro de Pedro Almodóvar com a colaboração de Agustín Almodóvar baseado no livro "Mygale" de Thierry Jonquet | Dirigido por Pedro Almodóvar | Com Antonio Banderas, Elena Anaya, Marisa Paredes, Jan Cornet, Roberto Álamo, Eduard Fernández, José Luis Gómez e Blanca Suárez.

Acho a história contada por A Pele Que Habito boa. Gosto dos personagens, que julgo possuírem boa carga dramática em suas concepções. Também acho que a ordem em que a história é contada a torna mais interessante. Já a forma como ela é transmitida e os personagens são explorados pelo cineasta espanhol Pedro Almodóvar, ao meu ver, não aproveita todo o potencial do projeto. De modo geral, pode-se dizer até que sejam pequenos os problemas do roteiro e da direção de Almodóvar, mas são tantos que, somados, não há como ignorá-los - e é uma pena constatar que as boas ideias tenham sido quase desperdiçadas por decisões autoindulgentes do diretor.

No filme, escrito pelo próprio cineasta inspirado no livro de Thierry Jonquet, Tarântula, Antonio Banderas vive Robert Ledgard, um renomado e inescrupuloso cirurgião plástico que desenvolve uma pesquisa de uma pele artificial ultra resistente a, por exemplo, picadas de insetos e queimaduras, invenção esta que teria evitado as graves desfigurações que sua amada esposa sofreu em um acidente de carro e que a levaram ao suicídio. Passando por cima de várias questões éticas, Robert faz experimentos transgênicos e mantém como cobaia a bela Vera (Anaya, belíssima) que, após várias cirurgias plásticas que lhe transformaram todo o corpo, acaba ficando com feições semelhantes às da falecida esposa do médico. Paralelamente, o filme retorna seis anos no tempo e acompanha o suposto estupro que a mentalmente instável filha do cirurgião, Norma (Suárez), teria sofrido do comerciante Vicente (Cornet), fato que desperta em Robert um irrefreável desejo de vingança.

Capaz de criar alguns simbolismos mais interessantes (como os trabalhos manuais semelhantes realizados por Robert, Vera e Vicente em diferentes momentos da narrativa), Almodóvar entrega um trabalho terrivelmente irregular na direção, chegando a cometer até mesmo erros técnicos fáceis de terem sido evitados, como ao inserir uma legenda que estabelece a história no espaço e no tempo em um instante tão próximo e com uma formatação tão parecida com a dos créditos iniciais, que chegamos a ficar em dúvida se "Toledo 2012" é ou não uma das produtoras do filme. Por outro lado, em dois momentos-chave da narrativa, o diretor erra a mão e deixa a comicidade das passagens prejudicar o impacto que estas deveriam causar no espectador - e se na mais importante delas (a que envolve a grande revelação da história) o humor seria quase incontornável - o que naturalmente exige um maior cuidado em sua concepção -, na outra (envolvendo um homem fantasiado de tigre) chega a ser constrangedora a falta de propósito da construção que, ainda por cima, não consegue despistar o fato de que toda aquela sequência é deveras absurda e rasteiramente arquitetada, algo que o diretor julga conseguir corrigir concluindo-a de forma impactante. Aliás, é impressionante como Almodóvar parece convencido da autosuficiência da reviravolta do roteiro, uma vez que as consequências da polêmica revelação nunca são estudadas com maior profundidade - a não ser, é claro, que inserir o terrível clichê do personagem que escreve em paredes como uma forma de desabafo seja a nova e revolucionária concepção de Almodóvar de estudo de personagem. Por fim, o cineasta concebe algumas passagens completamente aleatórias e despropositadas, como a orgia gratuita no gramado de uma festa ou o homem que vai à uma loja tentar vender as roupas de sua mulher (tentei estabelecer algum paralelo entre roupa e pele, mas confesso que não consegui ver sentido algum).

Porém, uma das grandes falhas do projeto é não conseguir alcançar o suspense que parece buscar em vários momentos. A tal revelação central da narrativa, por exemplo, é deduzida pelo espectador minutos antes de ser oficialmente revelada e, como já citado, não traz consigo toda a carga emocional esperada; uma ridícula perseguição noturna entre um carro e uma moto é estabanada e anti-climática e, na tentativa de criar alguma tensão através de um plano no qual a aproximação do carro é observada pelo reflexo do retrovisor da motocicleta, o diretor acaba expondo toda artificialidade da composição; Jan Cornet, acorrentado em um porão-caverna, parece um figurante desajeitado de Jogos Mortais que não conseguiu passar no teste de seleção de elenco; e a trilha sonora, que tenta conferir alguma tensão aos testes laboratoriais de Robert (você não leu errado: tenta conferir tensão aos testes! Testes laboratoriais!), é desnecessariamente enganosa.

Para completar, o período da história em que a relação entre Robert e Vera poderia ganhar uma análise mais interessante (e talvez salvar parte da hora e meia investida até então na história), justamente por apresentar a aproximação do casal, é categoricamente ignorado por uma elipse, deixando a impressão que a atração que o cirurgião sente por sua prisioneira tem uma boa explicação, porém esta permanece perdida no tempo. Assim, o dilema do homem tentando evitar ceder à tentação de entregar-se a uma mulher que mais parece uma projeção de sua falecida esposa permanece a maior parte do tempo na superfície, enquanto o drama de ter permanecido enjaulada por longos anos sendo submetida a mutilações físicas e psicológicas transformam Vera em uma mulher fragilizada, mas também centrada e determinada, elevando-a ao posto de personagem mais interessante do longa e permitindo, ainda, que sua misteriosa permanência na mansão El Cigarral diante das oportunidades inequívocas de fuga se torne a melhor investida de suspense do longa.

Mas tiro pra lá e tiro pra cá encerram a produção de uma forma terrivelmente preguiçosa e, convenhamos, bastante decepcionante.