29 de outubro de 2011

Crítica | A Condenação

por Eduardo Monteiro

Conviction, EUA, 2010 | Duração: 1h47m05s | Lançado no Brasil em 28 de Outubro de 2011, nos cinemas | Roteiro de Pamela Gray | Dirigido por Tony Goldwyn | Com Hilary Swank, Sam Rockwell, Minnie Driver, Melissa Leo, Peter Gallagher, Ari Graynor, Loren Dean, Conor Donovan, Owen Campbell, Ele Bardha, Bailee Madison, Tobias Campbell, Clea DuVall, Karen Young, Talia Balsam, John Pyper-Ferguson e Juliette Lewis.

Filmes de tribunal são facilmente digeríveis pelo público. Não importa se quem está sendo julgado é mocinho ou vilão, se é inocente ou culpado ou então se o roteiro é baseado ou não em uma história real: depois de um certo tempo, o espectador estará envolvido de tal forma com o julgamento que, nesse ponto, já terá sido transportado para dentro do filme, onde passará a torcer por um veredito que satisfaça seu próprio senso de justiça. Aproveitando-se dessa temática inspiradora e da facilidade de fisgar a plateia, muitos longas do gênero acabam apelando para tramas rasas e conflitos triviais, problemas estes que, eventualmente, acabam esquecidos pelo espectador desatento caso este seja lançado para fora da sala de projeção com uma forte comoção, seja ela causada por uma resolução demasiadamente favorável ou desfavorável.

Felizmente não é o caso de A Condenação que, mesmo tendo um desfecho forte, não abusa da inteligência do público e não comete o erro de restringir sua narrativa apenas aos trâmites do processo. Dirigido por Tony Goldwyn a partir de um roteiro de Pamela Gray escrito com base em uma incrível história real, o filme inicia-se apresentando-nos à sangrenta cena do crime pelo qual Kenny Waters (Rockwell) viria a ser condenado a prisão perpétua. Convicta de que o irmão não cometeu o assassinato e preocupada com seu estado mental, Betty Anne Waters (Swank) toma uma decisão arriscada e inusitada: entrar para uma faculdade de direito visando advogar pelo irmão e tirá-lo da cadeia. O processo, porém, é repleto de percalços: além de ter que sacrificar etapas de sua vida pessoal, Betty Anne compartilha com Kenny a angústia do longo prazo de espera dos trâmites legais e das burocracias do sistema judiciário e - o que é pior - acaba esbarrando com autoridades poderosas dispostas a colocar politicagem e interesses próprios acima da lei.

Logo de cara, Goldwyn e Gray apresentam com eficiência os elementos fundamentais para contextualizar a história, isto é, o julgamento que levou à prisão de Kenny e a forte ligação que este sempre teve com a irmã. Desse modo, o filme introduz as provas e os depoimentos principais do caso para que tenhamos um panorama geral e entendamos em quais pontos Betty Anne poderá aprofundar-se em sua defesa e, paralelamente, testemunhamos diferentes épocas da trajetória dos irmãos, de modo que quando revemos certa mobília de uma delegacia em um momento posterior do filme, por exemplo, sabemos o significado que ela possui e o por que a câmera para nela por alguns segundos. Essa opção de estudar a trajetória dos personagens é de grande importância, não só por deixar bastante clara a intensa conexão existente entre os irmãos (que justifica a dedicação de Betty Anne), mas também por mostrar que Kenny, sendo ou não inocente, é um homem explosivo, impulsivo e, por mais que não tenhamos conhecimento suficiente para julgá-lo, consideravelmente suspeito e potencialmente perigoso. Em contrapartida, Betty Anne é uma mulher simples, obstinada, dedicada e, acima de tudo, uma mãe amorosa, preocupada em passar bons valores e a importância do companheirismo entre irmãos a seus filhos - com o grande mérito de ser vivida com energia, intensidade e uma ampla gama de nuances por Hilary Swank, desde já perdoada por envolver-se em A Inquilina.

No restante da projeção, os realizadores adotam algumas estratégias para manter o espectador intrigado (principalmente mantendo o suspense sobre a verdade) e, nesse ponto, o filme traz acertos e erros. A obstinação de Betty Anne de encontrar uma certa caixa com provas é algo que o público consegue compreender com facilidade e, portanto, soltar um "Eu sei que essas provas existem em algum lugar" beira o ridículo e acaba diminuindo a expectativa do público. Em outro instante, numa tentativa de contornar o fato de que, diferentemente do público, Betty Anne deveria conhecer a verdade a respeito da participação do irmão no crime (chances de perguntá-lo diretamente não faltaram), o roteiro cai na besteira de fazê-lo levantar diante da irmã a dúvida sobre ter ou não cometido o assassinato ("Não importa se sou culpado ou não, já que sou uma pessoa ruim"), permitindo que a artificialidade da cena se sobressaia. Fora isso, os obstáculos que surgem durante o caminho soam bastante reais, possíveis e complexos, a ponto de nos preocuparmos sinceramente com o andamento do processo e com o futuro de Kenny. Complementando, é curioso que, durante os depoimentos que levaram à condenação do réu, um argumento específico soa bastante insuficiente aos olhos do público atual mas, o que a princípio parecia uma inconsistência de roteiro acaba revelando-se uma decisão possivelmente premeditada, já que ele é retomado posteriormente graças ao avanço da tecnologia do período em que a narrativa se passa.

A Condenação é, portanto, um filme inspirador que não trai o bom senso nem a inteligência do espectador e que ainda consegue instigar reflexões a respeito de questões polêmicas como, por exemplo, pena de morte. O que é um tremendo mérito se consideramos que muitos desses filmes são construídos em torno apenas de uma sensação final pretendida que, aqui, é apenas uma consequência natural dos fatos anteriores - como todo filme deveria ser.

28 de outubro de 2011

Olha ele aí de novo!

Não faz nem 60 horas que vim, aqui mesmo neste formidável blog, para divagar sobre semelhanças entre materiais de divulgação de Os Agentes do Destino e o ainda inédito O Preço do Amanhã (clique aqui para conferir a comparação).

E eis que, matando tempo na internet, me deparei novamente com algo curioso sobre este último filme. Veja com seus próprios olhos:


Há momentos (como esse) que tenho sérias dificuldades em acreditar em coincidências.

Por outro lado, não considero a divulgação do filme problemática, muito pelo contrário. Eu, que não tenho por hábito inteirar-me sobre detalhes das produções antes de conferí-las na tela grande, fui pego de surpresa quando vi o trailer passando na TV de um ônibus aqui em Belo Horizonte - e achei bastante interessante.

Mas isso só irei descobrir no início da próxima semana. O Preço do Amanhã estreia daqui a sete dias, em 4 de Novembro. Será que até lá descubro mais coisas legais?

26 de outubro de 2011

Crítica | O Palhaço

por Eduardo Monteiro

O Palhaço, Brasil, 2011 | Duração: 1h30 | Lançado no Brasil em 28 de Outubro de 2011, nos cinemas | Roteiro de Selton Mello e Marcelo Vindicatto | Dirigido por Selton Mello | Com Selton Mello, Paulo José, Giselle Motta, Teuda Bara, Álamo Facó, Cadu Fávero, Erom Cordeiro, Hossen Minussi, Maíra Chasseraux, Thogun, Bruna Chiaradia, Renato Macedo, Tony Tonelada, Larissa Manoela, Fabiana Karla, Jorge Loredo, Jackson Antunes, Moacyr Franco, Tonico Pereira, Ferrugem e Danton Mello.

Não é de hoje que espetáculos circenses tradicionais perderam parte do apelo para com o grande público, chegando a serem considerados por grandes massas como um entretenimento cafona e antiquado. E não é à toa que, não só este O Palhaço tenha optado por situar sua trama no passado (apesar de possuir uma atmosfera adequadamente atemporal), como também os artistas de circos são constantemente ilustrados pela mídia e pela sociedade como sobreviventes de uma espécie de apocalipse cultural que quase os dizimou - isso, claro, quando não viram pauta de noticiários noturnos de domingo que eventualmente reverenciam alguns seletos artistas que conseguem ingressar numa daquelas companhias internacionais milionárias que promovem shows grandiosos, com ingressos custando fortunas. Para completar, a situação da figura do palhaço é ainda pior: como se a própria palavra ter virado um termo pejorativo difundido não fosse o bastante, esses artistas já viraram até motivo de medo e pânico disseminados (com direito até mesmo a uma designação técnica: coulrofobia), problema potencializado ainda mais pela exploração de seu lado sombrio em filmes como It - Uma Obra-Prima do Medo, Jogos Mortais ou Zumbilândia.

Ainda assim, mesmo com todos esses fatores, desafio qualquer um a conferir O Palhaço e não passar boa parte da projeção com um sorriso no rosto. Escrito por Marcelo Vindicatto em parceria com Selton Mello (que também dirige e estrela), O Palhaço é um road movie surpreendente e delicioso no qual o (bom) humor circense transcende o picadeiro e acaba esbarrando no drama pessoal de um palhaço em crise. Na história, Benjamin (Selton Mello) e Valdemar (José) são Pangaré e Puro Sangue, palhaços do itinerante Circo Esperança que, mesmo com todas as adversidades, continua viajando pelo interior do Brasil espalhando alegria por onde passa. Porém, a sobrecarga de problemas somada à desilusão com a própria profissão fazem de Benjamin um artista frustrado e introspectivo que, mesmo executando com eficiência sua função dentro da tenda, parece não sentir-se mais pertencente àquele universo.

Um dos pontos interessantes do longa, evidente já nos primeiros minutos, é a capacidade de encantar o espectador com os números circenses da mesma forma que o espetáculo atinge a plateia presente no Circo Esperança, o que é alcançado, em primeiro lugar, graças ao criativo trabalho de câmera, que evita apenas observar o espetáculo de longe e de forma estática tornando, com isso, o número de dança mais hipnotizante e as palhaçadas ainda mais divertidas, e em segundo, graças aos bons desempenhos do elenco, desde Selton Mello e Paulo José (que contaram com a consultoria do personal palhacetor Palhaço Kuxixo) até a ótima Teuda Bara, do Grupo Galpão, e a bela Giselle Motta, estreante no cinema com ampla experiência em circo. Contando pontos a favor também entram a maquigem de Marlene Moura e Rubens Liborio e o figurino de Kika Lopes, que mantém-se fiéis àquele cenário sem carregar demais nas caracterizações, a direção de arte de Claudio Amaral Peixoto e a fotografia de Adrian Teijido, que concebem a tenda como um lugar simples, aconchegante e repleto de equipamentos improvisados, e a trilha de Plínio Profeta, que acompanha harmoniosamente as performances (e no restante do longa também é excepcional).

Fora do picadeiro, a produção também não faz feio e transforma o filme em uma ótima comédia quando consegue transpor o bom humor dos artistas em cena durante os espetáculos para suas condutas e a interação entre eles. Nesse aspecto, a sequência do almoço na casa do prefeito de uma das cidades que recebe o circo é um dos pontos altos do filme: conduzida por Selton Mello com uma pitada de absurdo e um quê de Wes Anderson, a passagem diverte ao explorar o choque entre a formalidade da família do prefeito e as muitas peculiaridades dos artistas que vão surgindo à medida que estes se sentem mais à vontade e, ao invés de culminar em conflitos desastrosos, acaba gerando momentos hilários (gosto particularmente do bom humor das falas, como "Eu até sei o que 'regozijem' quer dizer, mas 'imenso' eu não sei não"). Dessa forma, mesmo enfrentando uma série de dificuldades, a trupe (com exceção, talvez, de Benjamin) consegue encontrar alegria nos prazeres simples da vida, como a companhia um do outro à noite ao som de uma música bem brega.

Outro ponto inegavelmente forte do trabalho de Selton Mello é a escolha e condução do elenco que, assim como em Feliz Natal, revela-se especialmente notável na escalação dos veteranos e das crianças. Substituindo a presença marcante de Lúcio Mauro naquele filme, Paulo José contorna com facilidade o mal de Parkinson e oferece aqui uma atuação sensível e grandiosa em sua simplicidade, com destaque óbvio para o momento em que se despede de um integrante da trupe ou, posteriormente, quando recebe um de volta. Já a jovem Larissa Manoela vive com naturalidade Guilhermina que, transitando livremente pelos bastidores do circo, serve como um artifício para que o espectador veja um ponto de vista que os demais integrantes do grupo não veem e, quando ganha uma oportunidade de pisar no picadeiro, a garota exibe uma falta de habilidade e refinamento de movimentos absolutamente adequados à ocasião. Engrandecido pelos desempenhos homogeneamente bons do elenco, o longa ainda tem como grande destaque as participações que, ditas especiais, fazem o adjetivo parecer um eufemismo: o grande Jorge Loredo, consagrado pelo personagem Zé Bonitinho, surge como um trabalhador comum que, piadista nato, consegue divertir genuinamente as pessoas que o cercam e, com isso, altera o rumo da história; já Tonico Pereira vive irmãos gêmeos que conseguem fazer de suas rotinas vazias uma fonte inesgotável de histeria; e por fim, Moacyr Franco, estreando nos cinemas aos 74 anos de idade, rouba a cena em que protagoniza um monólogo hilário do delegado Justo.

Mas o que conduz a trama é de fato o drama de Benjamin que, possivelmente nascido e criado no circo, viu-se envolvido naquele universo antes mesmo que pudesse considerar a possibilidade de exercer alguma profissão fora do picadeiro. Somando-se a isso o desgaste de ter todos os (muitos) problemas da companhia, especialmente os financeiros, recaindo em seus ombros e a frustração de não conseguir adquirir um simples ventilador (as recorrentes exigências de identidade e comprovante de residência para alcançar esse objetivo são bastante emblemáticas), é natural que abandonar o circo pareça uma escolha provável do palhaço, da mesma forma que, após finalmente conseguir comprar o tão sonhado circulador de ar, o giro involuntário causado pela corrente de ar gerada pelo movimento dos veículos que lhe concedem carona surge como uma analogia clara de que estar na estrada é o que move o protagonista. Oferecido a Wagner Moura e Rodrigo Santoro (que recusaram por envolvimento em outros trabalhos), o papel é encarnado com competência esperada e doçura infantil por Selton Mello, que permanece boa parte do longa com uma fisionomia fechada mas consegue convencer o espectador que as constantes constatações feitas por pessoas que o cercam (como a boa ponta da ótima Fabiana Karla) de que ele é uma pessoa (mesmo que involuntariamente) engraçada são honestas. E a recorrente máxima de "Na vida a gente tem que fazer o que a gente sabe fazer. O gato bebe leite, o rato come queijo e eu sou palhaço", ainda que óbvia, pontua e arremata excepcionalmente bem o arco dramático e a trajetória emocional do protagonista em sua busca por uma identidade.

O que leva à natural constatação que, para a sorte do público, Selton Mello parece ser um daqueles que já encontrou aquilo que sabe fazer bem e, consagrado como ator e dono de uma filmografia pequena, mas impecável e diversificada, como diretor, se estabelece cada vez mais como um dos maiores nomes do cinema nacional.

Estou vendo coisas?

Sou só eu que quando vejo isso...


...enxergo isso?


Por favor, digam que não.

10 de outubro de 2011

Crítica | O Zelador Animal

por Eduardo Monteiro

Zookeeper, EUA, 2011 | Duração: 1h41m53s | Lançado no Brasil em 7 De Outubro de 2011, nos cinemas | Roteiro de Nick Bakay & Rick Reuben & Kevin James e Jay Scherick & David Ronn. História de Jay Scherick & David Ronn | Dirigido por Frank Coraci | Com Kevin James, Rosario Dawson, Leslie Bibb, Donnie Wahlberg, Ken Jeong, Joe Rogan, Nat Faxon, Steffiana De La Cruz e as vozes de Nick Nolte, Adam Sandler, Sylvester Stallone, Cher, Judd Apatow, Jon Favreau, Faizon Love, Maya Rudolph, Bas Rutten, Don Rickles e Jim Breuer.

Há algumas semanas, a filial brasileira da Sony Pictures anunciou que O Zelador Animal chegaria aos cinemas apenas com cópias dubladas, alegando que a excepcional qualidade notada após a finalização do processo de substituição de vozes havia pesado decisivamente na determinação. Sem entrar no mérito da credibilidade do argumento e evitando aprofundar muito na discussão a respeito da preocupante tendência de crescimento dos lançamentos dublados, sou capaz de afirmar que a mutilação do áudio original não representa um grande problema para a versão brasileira desse longa. Por ser repleto de animais falantes e personagens caricatos e superficiais, não é de se espantar ainda que o ótimo Marcelo Adnet (um dos melhores atualmente no que diz respeito a improvisos, imitações e caricaturas) tenha sido escalado para dar voz a nada menos que cinco dos animais do zoológico em questão, local escolhido para sediar um romance absolutamente formulaico (para atrair os adultos) e dar espaço para a bicharada tagarelar (e atrair as crianças). Ou seja: afastando de uma vez por todas o público que valoriza um material interessante sem quaisquer mutilações audiovisuais (para todo efeito, a perda de imagem devido à inserção de legendas é irrelevante), O Zelador Animal garante àqueles que buscam um escapismo vazio uma recompensa à altura de suas pretensões.

Fruto da reunião de cinco diferentes roteiristas inspirados por uma história concebida pelos criadores de Norbit, o roteiro finge acompanhar o drama vivido pelo zelador Griffin (James), que, após receber um fora da então namorada Stephanie (Bibb), passa a cogitar a possibilidade de largar o emprego no zoológico, entristecendo a colega de trabalho Kate (Dawson). No entanto, o real foco do longa é revelado quando descobrimos que os animais são capazes de falar como Nick Nolte, Adam Sandler ou Sylvester Stallone (ou Adnet, Adnet e Adnet, na versão brasileira) mas, pelas razões misteriosas de sempre, preferem não expor esta habilidade para toda a humanidade. A partir daí, todas as oportunidades de gerar (tentativas de) humor com a tagarelice animal serão agarradas, especialmente aquelas ligadas aos conselhos que Griffin recebe da bicharada para tentar reconquistar Stephanie. Paralelamente, o zelador busca um meio de reverter a depressão vivida pelo gorila Bernie (Nolte e... Adnet) desde que este foi repreendido agressivamente por um detestável funcionário do zoo, Shane (Wahlberg).

Sem apresentar qualquer atrativo ou diferencial, a capacidade de falar dos animais vistos aqui gera já de cara uma série de questionamentos pertinentes (se são tão inteligentes - ou burros, dependendo do ponto de vista - e mais fortes que os humanos, por que ainda assim permanecem submissos?) que, obviamente, são eliminados quando lembramos que o filme é produzido por Adam Sandler. Já no que diz respeito à parte técnica dessa execução, com exceção do gorila Bernie (claramente vivido por um ator fantasiado) e de um ou outro espécime digital em aparições pontuais, a humanização é alcançada alterando-se digitalmente o movimento dos olhos e da boca de animais reais que, ainda que muito bem adestrados (símios, como sempre, são destaques nesse sentido), agem em várias cenas com uma espontaneidade inapropriada para uma produção cinematográfica com roteiro bem definido. Por sorte (ou azar, também dependendo do ponto de vista), não é o caso de O Zelador Animal e, dessa forma, em diversos momentos a relação entre fala e movimentos não parece totalmente coerente ou planejada - e não é difícil supor que muitos desses diálogos sejam fruto de improviso no estúdio de dublagem baseado na expressão corporal dos animais registrada em estúdio ou em locação, o que explica que tenham sido escalados para a função comediantes como Adam Sandler, Jon Favreau, Maya Rudolph e, novamente, Marcelo Adnet (não me espantaria se descobrisse que boa parte dos diálogos brasileiros não são traduções diretas dos originais).

Por outro lado, relevando problemas técnicos como os olhos vidrados e sem vida do leão Joe (Stallone e Adnet), não é totalmente condenável a ideia fundamental de inserir animais tentando agir com racionalidade, já que o fato de essa ser uma opção de humor totalmente óbvia não impede que algumas cenas protagonizadas pela bicharada sejam realmente engraçadas, especialmente a bizarra e surreal ida de Griffin e Bernie a um restaurante. Porém, o comportamento dos animais ser tão estúpido e contraditório quanto o dos humanos não é tão perdoável assim: se demonstram uma certa articulação mental que permite desde associações simples até a compreensão de informações mais complexas (como a composição da urina), por que diabos insistem em ensinar a Griffin técnicas selvagens de acasalamento, a não ser, é claro, para rirmos (o uso da primeira pessoa do plural não me insere nesse grupo) de Kevin James coaxando ou urinando publicamente em uma festa na tentativa de atrair o sexo oposto?

Contando com atuações irregulares e apagadas do elenco principal (Ken Jeong, em particular, está extremamente deslocado e interpreta o mesmo personagem de sempre), O Zelador Animal fere a lógica e subestima a inteligência do espectador até os últimos instantes da projeção quando, em uma corrida rumo ao aeroporto para evitar que o grande amor da vida de alguém vá embora para sempre, o protagonista e seu companheiro não só fazem uma pausa desnecessária que consome um tempo precioso como também chegam a optar por um meio de transporte incrivelmente lento para, em seguida, escalar uma ponte até um nível superior à pista de rolamento, apenas para que Griffin possa cair de uma altura perigosa e, assim, estabelecer um ridículo paralelo com a técnica de acasalamento de corvos - mas acaba ficando evidente que nem o instinto milenar das aves parece tão óbvio quanto o romance visto aqui. E já que falei de obviedade, suponho que contar que erros de gravação surgem durante os créditos finais não consiste uma grande surpresa para a maioria, já que essa decisão tem sido quase obrigatória em comédias pouco divertidas.

Tudo, claro, devidamente dublado.