29 de setembro de 2011

Crítica | Contra o Tempo

por Eduardo Monteiro


Source Code, EUA, 2011 | Duração: 1h33m12s | Lançado no Brasil em 30 de Setembro de 2011, nos cinemas | Escrito por Ben Ripley | Dirigido por Duncan Jones | Com Jake Gyllenhaal, Michelle Monaghan, Vera Farmiga, Jeffrey Wright, Michael Arden, Cas Anvar, Russell Peters, Brent Skagford, Craig Thomas, Gordon Masten.

Por mais inadequadas, desonestas ou insuficientes que comparações possam ser, Contra o Tempo poderia ser rapidamente descrito como uma versão de Déjà Vu com traços de Feitiço do Tempo - o que resulta em uma interessante ficção científica sob o comando do promissor Duncan Jones (filho de David Bowie) que, assim como Lunar, seu primeiro trabalho na direção de longas, aposta mais no fator humano do que nos comuns impulsos megalomaníacos de realizadores do gênero para criar um eficiente thriller no qual efeitos especiais e cenas de ação são meros panos de fundo para a trajetória emocional de seus personagens.

Na trama, escrita pelo desconhecido Ben Ripley, o Capitão Colter Stevens (Gyllenhaal) acorda atordoado em um trem urbano de Chicago em frente a uma bela moça chamada Christina (Monaghan) que parece conhecê-lo como Sean Fentress. Confuso com a situação, ele acaba recolhendo-se ao banheiro e, com o auxílio do espelho, descobre estar com uma aparência completamente diferente de sua própria. Porém, antes que consiga desvendar esse estranho mistério, uma explosão ocorre e, ao invés de morrer, Stevens acorda recluso em uma cápsula metálica, onde a misteriosa Goodwin (Farmiga) surge em um monitor fazendo-lhe estranhas perguntas no intuito de resgatar sua memória. Pouco tempo depois, ele é enviado novamente para o trem a exatos oito minutos daquela mesma explosão, com o objetivo de descobrir informações a respeito do atentado de modo a evitar que outro ainda pior aconteça. Enquanto é lançado repetidas vezes às vésperas do desastre (experiência permitida por um programa chamado Código Fonte) em busca de pistas sobre o explosivo e o possível terrorista, Colter descobre detalhes do desfecho de sua última missão aérea no Afeganistão ao mesmo tempo que desenvolve um enorme desconforto ao permitir que todos os passageiros daquele trem morram repetidas vezes, uma vez que considera palpável a possibilidade de salvá-las, mesmo que Goodwin e seu superior Dr. Rutledge (Wright) insistam que o passado não pode ser modificado pelo Código Fonte.

Cientes de que apresentar todo o conceito mastigado em uma só tacada aniquilaria o ritmo do filme e geraria confusão no público, Jones e Ripley permitem que o espectador, assim como o atordoado Capitão Stevens, entenda gradativamente como funciona o Código Fonte e por que o homem foi escolhido para executar aquela missão. Assim, boa parte do primeiro ato do longa é visto basicamente do ponto de vista do protagonista, isto é, de dentro da cápsula ou a bordo do trem, mas assim que descobrimos um pouco mais a respeito da natureza da comunicação entre os personagens de Gyllenhaal e Farmiga, passamos a ver também o ponto de vista da mulher - e neste sentido, Jones acerta ao focar repetidas vezes a pequena câmera através da qual Goodwin conversa com Stevens, dando ao espectador uma simples amostra da sensação sentida por ela durante o serviço (ressaltada ainda mais quando, apenas no final, vemos certos textos surgindo na tela de seu computador).

No que diz respeito às cenas que envolvem o interior do trem ou cenários externos, a equipe também realiza um ótimo trabalho, conseguindo contornar com talento algumas limitações técnicas (os efeitos especiais, por exemplo, não são de ponta, mas são usados na medida certa) e concebendo uma série de pequenos elementos que marcam e unem os diversos retornos de Stevens ao vagão do trem sem, contudo, impedir que pequenas mudanças ocorram de uma ocasião para outra, algo absolutamente adequado se pensarmos que os diferentes estados de espírito em seus vários despertares influenciam inevitavelmente o ambiente a seu redor. Por outro lado, o diretor demonstra inteligência ao economizar nas repetições dos ciclos a partir de certo ponto, de modo a evitar que a experiência de acompanhar todas as passagens pelo trem se torne algo cansativo ou entediante. Também é de grande eficácia a opção de, vez ou outra, diminuir o ritmo da ação do filme para desenvolver seus personagens, seja a relação entre Christina e Stevens ou então o drama vivido por este último com o pai (sim, clichê, mas fundamental para mover o arco dramático).

Porém, quando o terrorista finalmente é desvendado bem antes do desfecho do longa, fica ainda mais evidente que o caso policial não é o foco principal da narrativa e, felizmente, os realizadores reservaram para o terceiro ato um clímax sensível e inesperado. Vivido com talento e energia por Jake Gyllenhaal, o Capitão Colter Stevens toma uma tocante decisão que, vista de certo ângulo, não resultaria em nada além de conforto psicológico para ficar em paz consigo mesmo, mas acaba fomentado boas reflexões sobre solidariedade humana e efemeridade da vida, arrematadas com uma belíssima cena na qual um momento singular permanece congelado por alguns segundos, algo que seria capaz de encerrar o longa de forma satisfatória, ainda que ligeiramente melodramática.

Mas não é o que acontece e, nos minutos seguintes, vemos o conceito do Código Fonte sendo ampliado a partir de uma lógica bastante aceitável, mesmo que exija algumas concessões por parte do público e se embaralhe ao incluir sem necessidade a ideia de destino ou ao tentar se aprofundar em alguns aspectos envolvendo realidades paralelas (o simbolismo do enorme monumento espelhado, por outro lado, é impecável). Mas é apenas um pequeno deslize para um longa que, na hora e meia anterior, conseguiu provar que, definitivamente, comparações são nada menos que inadequadas, desonestas, insuficientes e tolas.