19 de setembro de 2011

Crítica | Confiar

por Eduardo Monteiro

Trust, EUA, 2010 | Duração: 1h45 | Lançado no Brasil em 23 de Setembro de 2011, nos cinemas | Escrito por Andy Bellin e Robert Festinger | Dirigido por David Schwimmer | Com Liana Liberato, Clive Owen, Catherine Keener, Jason Clarke, Viola Davis, Chris Henry Coffey, Spencer Curnutt, Aislinn DeButc, Noah Emmerich, Olivia Wickline, Zoe Levin.

Após ganhar um computador em seu aniversário de 14 anos, a jovem Annie (Liberato) conquista um acréscimo de privacidade que permite o fortalecimento da amizade virtual que mantém com o atencioso Charlie. Carente de atenção da família e dos colegas da escola, a garota aos poucos descobre que o amigo não é completamente sincero (ele mente repetidas vezes sobre a própria idade), mas, mesmo assim, permite que o envolvimento dos dois alcance o mundo real e aceita marcar um encontro. Porém, o misto de surpresa e decepção ao descobrir que Charlie (Coffey) era na verdade um homem ainda mais velho rapidamente se dilui graças a seu papo adocicado e sedutor - e, a essa altura, constatar que o encontro termina em um motel onde um abuso ocorre não constitui uma grande surpresa. Porém, o fato acaba chegando ao conhecimento da polícia, que aciona o FBI, dando início a uma investigação que lança a mente e a vida de Annie em uma espiral de conflitos e sentimentos.

Mesmo parecendo coeso baseando-se apenas em sua sinopse, confesso que demorei a entender de que verdadeiramente se tratava Confiar. Com um cintilante letreiro imaginário piscando o termo "pedofilia" na cabeça do espectador a todo momento, o drama dirigido por David Schwimmer é iniciado com Annie alegre em sua rotina e um fundo musical alto astral, prenunciando um filme colegial que não se concretiza; mais adiante, envereda para os lados de suspense policial, mas a investigação do caso em questão permanece na superfície e sequer é concluída; ainda nessa parte, consegue gerar tensão a partir de uma cena de suspense envolvendo telefones, mas a experiência não se repete; já em outro instante, um delírio vingativo de certo personagem em uma loja de armas aposta claramente numa atmosfera de comicidade, algo assustadoramente incompatível com o tema central. Porém, só consegui de fato apreciar um pouco o filme quando relevei todas as asneiras da direção de Schwimmer e do roteiro de Andy Bellin e Robert Festinger e percebi que no drama particular da garota violentada é que se encontrava a força da produção.

Por tudo isso, Confiar funcionaria muito melhor caso desse maior atenção às consequências psicológicas sofridas pela família de Annie e, especialmente, a confusão vivida pela própria garota, obrigada a lidar com conflitos muito adultos sem ter a maturidade necessária. Prova disso é o primeiro ato da projeção, que falha na tentativa de introduzir o complexo contexto que fomenta o drama do restante do filme. Repare, por exemplo, como o pai da garota, Will (Owen), profere todas suas falas com um tom irritante de espirituosidade apenas para constar que o clima e a rotina daquela família são normais e leves, ou então como age de modo atencioso e afetuoso com a filha apenas para, sem mais nem menos, ignorá-la em um instante pontual, quando surge compenetrado em seu trabalho, simplesmente para sustentar a carência de atenção que explicaria a decisão de Annie de recorrer a outros meios de obtê-la. A aproximação da garota com Charlie, por sinal, jamais alcança a naturalidade necessária, e há vários fatores envolvidos nesse problema: o pouco tempo empregado para a relação virtual e para o encontro no shopping não permitem o bom desenvolvimento do caso; a jovem Liana Liberato, eficiente em outros momentos, é basicamente prejudicada por um roteiro que exige que uma garota de 14 anos seja inacreditavelmente indefesa e ingênua, mesmo que antes tenha demonstrado o contrário (na primeira cena do filme, ela bloqueia um participante de um chat por uma simples insinuação sexual); e, por último, o ator Chris Henry Coffey permanece em cena com uma expressão que faz Charlie parecer um homem que tenta constantemente esconder sua própria psicopatia (ainda que seu olhar, meio ansioso, chegue perto de entregá-lo), o que demanda uma ingenuidade ainda maior por parte de sua vítima.

A partir daí, Liana Liberato faz o que pode para tentar convencer o público que Annie acredita genuinamente nas boas intenções de Charlie - e a jovem atriz se sai especialmente bem em uma cena emocionalmente carregada em que explode de raiva com o pai, numa atitude absolutamente aceitável se pensarmos que Will é um dos personagens mais aborrecidos que Clive Owen já teve a chance de interpretar. Engraçadão e espirituoso no início e obcecado e instável do meio para o fim, o personagem age de forma estúpida em boa parte do tempo e representa uma das piores interpretações da carreira de Owen, chegando ao ponto de destruir a intenção de uma cena graças a sua inexpressividade: seu filho, Peter (Curnutt), que desconhece o drama vivido pela irmã, consegue deduzir que há algo de errado apenas ao ver o estado emocional do pai, mas basta olhar para o rosto congelado de Clive Owen para perceber que simplesmente não há expressão alguma ali, quanto menos uma que pudesse entregá-lo. Aliás, de um modo geral, o elenco inteiro parece bastante perdido, como se estivesse desempenhando um longo ensaio ao invés da fotografia oficial do filme - e até mesmo Catherine Keener, uma das minhas atrizes favoritas e que aqui vive Lynn, mãe de Annie, para de evoluir após certo ponto da narrativa e recai num ciclo repetitivo de sofrimento e emoções negativas.

Porém, como já citado, o grande acerto do longa ocorre quando este volta suas atenções para o drama particular da jovem abusada, especialmente quando estabelece relações com o tema sugerido pelo título do filme. Mesmo que a reflexão sobre confiança possa parecer, a princípio, referir-se apenas aos cuidados com informações compartilhadas na internet e ao nível de liberdade concedido por pais a seus filhos, o filme vai além e inverte essa perspectiva, discutindo como a confiança dos filhos nos pais também merece alguma atenção. Assim, quando Annie pede ao pai que não conte ao irmão sobre sua situação, a garota deposita toda sua confiança em Will para preservar sua intimidade e garantir sua própria sanidade enquanto procura superar o ocorrido, e a traição infantil do pai (com um toque de estupidez do irmão) apenas a deixa mais fragilizada e perdida. Porém, quando investe fortemente na conturbada relação entre pai e filha, caminhando para seu desfecho, o filme perde-se novamente, já que volta demasiada parcela da atenção para Will e a tentativa de extrair lições desse conflito revela-se um exercício tolo. Ainda assim, os realizadores merecem reconhecimento por incitar reflexões moralmente complexas: e se, hipoteticamente, Charlie realmente amasse Annie? Nesse caso, valeria a pena sacrificar a felicidade da garota apenas em função da diferença de idade, para seguir uma lei criada para protegê-la?

No entanto, o leque de situações que os roteiristas conseguem criar para desenvolver os conflitos da garota é extremamente limitado, obrigando-os a desviar o que deveria ser o foco principal para subtramas trôpegas, como o já citado comportamento de Will (o homem chega a infiltrar-se com um pseudônimo feminino e adolescente em bate-papos atrás de pedófilos, em outra tentativa de humor lamentável, e até mesmo a contatar um profissional especializado em... localizar pervertidos!) ou a estagnada investigação policial. E já que citei esta, não poderia deixar de comentar a incompetência do FBI visto aqui: seus agentes são incapazes de mostrar fotos de pedófilos fichados a Annie (a ideia vem de seus próprios pais) ou de fazer um cerco eficiente a um suspeito em um parque aberto, permitindo que este drible com relativa facilidade uma série de profissionais à paisana. Mas o pior sem dúvida acontece quando um agente afirma categoricamente que não pode mostrar a Will documentos fundamentais sobre a investigação apenas para, em seguida, retirar-se do recinto esquecendo sua maleta por lá.

Sem muita imaginação para a concepção de planos ou para a escolha de enquadramentos, Schwimmer ainda confere tom de urgência a certas passagens sem a menor explicação, como a cena em que Will tenta apressar uma conversa por telefone por estar prestes a passar por um detector de metais ou aquela em que Lynn dialoga com a filha dentro do carro em um estacionamento enquanto recebe buzinadas (só muito depois que ela revida com um "Ora, isto aqui é um estacionamento!" percebi que a personagem estava de fato atrapalhando a passagem de outros carros e, portanto, as reivindicações externas eram legítimas - mas perceba como todas essas desnecessárias incoerências desviaram o meu foco do diálogo!). Por fim, o diretor opta por encerrar seu segundo trabalho na direção para cinema com um vídeo caseiro que nos informa que o pedófilo não se chama Charlie, possui esposa, um filho pequeno, leva uma vida normal e... e daí? Possuir família realmente torna o pedófilo mais detestável? Esse fato acrescenta algo ao desfecho entre Annie e Will visto na cena anterior?

Bem, e como já cansei de escrever sobre Confiar, vou incorporar esta atitude de Schwimmer e dos roteiristas a meu texto e encerrá-lo com algo tolo e aleatório: com apenas Jennifer Aniston gloriosamente bem sucedida (mas presa a sua predileção por comédias românticas), parece que a única salvação para o elenco de Friends seria uma reunião em uma suposta adaptação da sitcom para os cinemas. Será que sai?

Querem saber mesmo: sei lá!