29 de setembro de 2011

Crítica | Contra o Tempo

por Eduardo Monteiro


Source Code, EUA, 2011 | Duração: 1h33m12s | Lançado no Brasil em 30 de Setembro de 2011, nos cinemas | Escrito por Ben Ripley | Dirigido por Duncan Jones | Com Jake Gyllenhaal, Michelle Monaghan, Vera Farmiga, Jeffrey Wright, Michael Arden, Cas Anvar, Russell Peters, Brent Skagford, Craig Thomas, Gordon Masten.

Por mais inadequadas, desonestas ou insuficientes que comparações possam ser, Contra o Tempo poderia ser rapidamente descrito como uma versão de Déjà Vu com traços de Feitiço do Tempo - o que resulta em uma interessante ficção científica sob o comando do promissor Duncan Jones (filho de David Bowie) que, assim como Lunar, seu primeiro trabalho na direção de longas, aposta mais no fator humano do que nos comuns impulsos megalomaníacos de realizadores do gênero para criar um eficiente thriller no qual efeitos especiais e cenas de ação são meros panos de fundo para a trajetória emocional de seus personagens.

Na trama, escrita pelo desconhecido Ben Ripley, o Capitão Colter Stevens (Gyllenhaal) acorda atordoado em um trem urbano de Chicago em frente a uma bela moça chamada Christina (Monaghan) que parece conhecê-lo como Sean Fentress. Confuso com a situação, ele acaba recolhendo-se ao banheiro e, com o auxílio do espelho, descobre estar com uma aparência completamente diferente de sua própria. Porém, antes que consiga desvendar esse estranho mistério, uma explosão ocorre e, ao invés de morrer, Stevens acorda recluso em uma cápsula metálica, onde a misteriosa Goodwin (Farmiga) surge em um monitor fazendo-lhe estranhas perguntas no intuito de resgatar sua memória. Pouco tempo depois, ele é enviado novamente para o trem a exatos oito minutos daquela mesma explosão, com o objetivo de descobrir informações a respeito do atentado de modo a evitar que outro ainda pior aconteça. Enquanto é lançado repetidas vezes às vésperas do desastre (experiência permitida por um programa chamado Código Fonte) em busca de pistas sobre o explosivo e o possível terrorista, Colter descobre detalhes do desfecho de sua última missão aérea no Afeganistão ao mesmo tempo que desenvolve um enorme desconforto ao permitir que todos os passageiros daquele trem morram repetidas vezes, uma vez que considera palpável a possibilidade de salvá-las, mesmo que Goodwin e seu superior Dr. Rutledge (Wright) insistam que o passado não pode ser modificado pelo Código Fonte.

Cientes de que apresentar todo o conceito mastigado em uma só tacada aniquilaria o ritmo do filme e geraria confusão no público, Jones e Ripley permitem que o espectador, assim como o atordoado Capitão Stevens, entenda gradativamente como funciona o Código Fonte e por que o homem foi escolhido para executar aquela missão. Assim, boa parte do primeiro ato do longa é visto basicamente do ponto de vista do protagonista, isto é, de dentro da cápsula ou a bordo do trem, mas assim que descobrimos um pouco mais a respeito da natureza da comunicação entre os personagens de Gyllenhaal e Farmiga, passamos a ver também o ponto de vista da mulher - e neste sentido, Jones acerta ao focar repetidas vezes a pequena câmera através da qual Goodwin conversa com Stevens, dando ao espectador uma simples amostra da sensação sentida por ela durante o serviço (ressaltada ainda mais quando, apenas no final, vemos certos textos surgindo na tela de seu computador).

No que diz respeito às cenas que envolvem o interior do trem ou cenários externos, a equipe também realiza um ótimo trabalho, conseguindo contornar com talento algumas limitações técnicas (os efeitos especiais, por exemplo, não são de ponta, mas são usados na medida certa) e concebendo uma série de pequenos elementos que marcam e unem os diversos retornos de Stevens ao vagão do trem sem, contudo, impedir que pequenas mudanças ocorram de uma ocasião para outra, algo absolutamente adequado se pensarmos que os diferentes estados de espírito em seus vários despertares influenciam inevitavelmente o ambiente a seu redor. Por outro lado, o diretor demonstra inteligência ao economizar nas repetições dos ciclos a partir de certo ponto, de modo a evitar que a experiência de acompanhar todas as passagens pelo trem se torne algo cansativo ou entediante. Também é de grande eficácia a opção de, vez ou outra, diminuir o ritmo da ação do filme para desenvolver seus personagens, seja a relação entre Christina e Stevens ou então o drama vivido por este último com o pai (sim, clichê, mas fundamental para mover o arco dramático).

Porém, quando o terrorista finalmente é desvendado bem antes do desfecho do longa, fica ainda mais evidente que o caso policial não é o foco principal da narrativa e, felizmente, os realizadores reservaram para o terceiro ato um clímax sensível e inesperado. Vivido com talento e energia por Jake Gyllenhaal, o Capitão Colter Stevens toma uma tocante decisão que, vista de certo ângulo, não resultaria em nada além de conforto psicológico para ficar em paz consigo mesmo, mas acaba fomentado boas reflexões sobre solidariedade humana e efemeridade da vida, arrematadas com uma belíssima cena na qual um momento singular permanece congelado por alguns segundos, algo que seria capaz de encerrar o longa de forma satisfatória, ainda que ligeiramente melodramática.

Mas não é o que acontece e, nos minutos seguintes, vemos o conceito do Código Fonte sendo ampliado a partir de uma lógica bastante aceitável, mesmo que exija algumas concessões por parte do público e se embaralhe ao incluir sem necessidade a ideia de destino ou ao tentar se aprofundar em alguns aspectos envolvendo realidades paralelas (o simbolismo do enorme monumento espelhado, por outro lado, é impecável). Mas é apenas um pequeno deslize para um longa que, na hora e meia anterior, conseguiu provar que, definitivamente, comparações são nada menos que inadequadas, desonestas, insuficientes e tolas.

28 de setembro de 2011

Crítica | Premonição 5

por Eduardo Monteiro

Final Destination 5, EUA, 2011 | Duração: 1h32 | Lançado no Brasil em 23 de Setembro de 2011, nos cinemas | Escrito por Eric Heisserer | Dirigido por Steven Quale | Com Nicholas D'Agosto, Emma Bell, Miles Fisher, Ellen Wroe, Jacqueline MacInnes Wood, P.J. Byrne, Arlen Escarpeta, David Koechner, Courtney B. Vance, Tony Todd, Brent Stait.

Após três bons filmes, a franquia Premonição chegou, em sua quarta edição, próxima do fundo do poço. Vislumbrando os elevados retornos financeiros que a tecnologia 3D poderia resultar, seus realizadores optaram por estabelecer parentesco com a franquia Jogos Mortais e passaram a colocar mortes repulsivas ou até mesmo a elaboração criativa de seus cartazes acima do desenvolvimento de sua trama. Com uma duração reduzida (o casamento perfeito da falta do que dizer com a maravilhosa possibilidade de realizar mais sessões em um mesmo dia e, com isso, faturar mais), o filme se perdia completamente na estupidez e obviedade de suas mortes, explorava de forma rasa a própria proposta e ainda exibia uma ridícula prepotência ao sugerir que sua tecnologia 3D era digna de um realismo sem precedentes (através de uma cena em que alguns personagens assistiam a um filme de ação em 3D e a explosão vista na película fictícia coincidia com outra ocorrida atrás da tela do cinema em que os personagens estavam), enquanto o baixo investimento em efeitos especiais e a insistência de jogar objetos na direção do espectador apontavam justamente para a direção oposta. Por tudo isso, é sintomático que nem o valor salgado do ingresso devido ao 3D tenha sido suficiente para elevar significativamente a arrecadação da produção - e devo confessar que fiquei temeroso quando uma nova continuação foi anunciada, parecendo disposta a repetir os mesmos erros do longa anterior e ainda apropriar-se de mais características do primo Jogos Mortais: os lançamentos muito próximos (quase tendendo a anuais) e a mania de promover assistentes de produção ao cargo de diretor.

Lamento que, em partes, meus temores tenham se confirmado mas, por outro lado, é positivo que ao menos aqui haja esforços claros de se fazer algo um pouco melhor. Dirigido por Steven Quale (responsável pela direção de segunda unidade e coordenação de projetos especiais dos últimos filmes de James Cameron), o filme acompanha o princípio do translado de um grupo de colegas de trabalho rumo a um retiro de integração sob ordens da empresa. Porém, a viagem logo é interrompida quando Sam Lawton (D'Agosto) prevê um grave acidente em uma ponte que tiraria a vida de grande parte dos indivíduos ali presentes no momento. Mas, assim como nos filmes anteriores, o protagonista consegue evitar a morte de um pequeno grupo de pessoas que, por terem tentado enganar a senhora com capuz preto e foice afiada, acabam perecendo de formas bizarras pouco tempo depois do fatídico dia.

Iniciado referenciando mortes dos longas anteriores (assim como feito no quarto filme) enquanto tenta compensar o investimento daquele espectador que leu apenas o "3D" do cartaz através de extensos créditos inicias dominados por cacos de vidro voando em todas as direções, Premonição 5 é um filme que já nasce engessado pela estrutura robusta e limitada da franquia - e não é de se espantar que os realizadores não tenham buscado alterá-la, uma vez que a última tentativa realmente notável e significativa (ocorrida no segundo filme) promoveu mudanças que alternavam entre o intrigante e o confuso. Assim, no que diz respeito à lógica que rege a série de definhamentos, o filme segue praticamente a mesma linha que os anteriores (o que torna incômodo, por exemplo, o alarde em torno da descoberta da ordem lógica das mortes, algo já bem consolidado na "mitologia" da série), tendo como grande diferencial a inserção cronológica da trama em relação aos demais filmes da franquia (algo apresentado estrategicamente no desfecho para evitar a impressão geral de que o que vimos foi "mais do mesmo").

Porém, ainda que acerte por não partir direto para o grande massacre premonitório, o longa perde a chance de criar um clima de inquietação desde o princípio e aposta em uma apresentação tradicional e tranquila dos personagens através da interação entre eles, sem perceber que as tentativas de aprofundar em suas personalidades ou em seus conflitos são absolutamente tolas. O desabamento da ponte, no entanto, revela-se um ponto alto do filme: ainda que cause inevitável incredulidade em qualquer indivíduo envolvido com construção civil (como o meu caso), a sequência é inegavelmente bem realizada, desde os bons efeitos especiais até o adequado mise en scène (ok, a garota que tenta se salvar correndo na direção do desastre é imperdoável, mas é um caso isolado). O grande acerto, porém, fica por conta da decisão de não apelar exclusivamente para mortes esdrúxulas apenas visando uma oportunidade de jorrar mais litros de sangue digital, optando ao invés disso por criar óbitos razoavelmente plausíveis dentro daquele contexto e manter a coerência da cena (lembrem-se como o acidente de Premonição 4 parece uma grande piada). Por outro lado, um equívoco desnecessário fica aparente e joga para longe a concentração do espectador quando fica óbvio que a sequência premonitória dura muito mais tempo do que a ruína de fato da ponte, que ocorre apenas em segundos.

Já no que diz respeito às mortes que irão preencher o restante do filme, os resultados são variados. Se por um lado a sequência que acompanha um treino de ginástica olímpica é a mais bem construída e remete aos bons tempos da franquia, por outro é difícil engolir que uma pessoa consiga ter tantas fraturas com uma queda de menos de três metros de altura ou que uma modesta correia consiga acelerar com tamanha facilidade uma pesada e inacreditavelmente grande chave fixa. Ainda nesse aspecto, por mais que não sejam tão desagradáveis quanto as do filme anterior, não há como ignorar que as mortes vistas aqui são bastante gráficas e voltam a investir de forma pesada e relativamente gratuita em imagens repulsivas e fluidos escandalosos, dificilmente conseguindo definir-se entre cômicas ou repugnantes - e não consigo pensar em outro motivo para exibir um detalhado plano de um personagem se dando ao trabalho de retirar uma única agulha dentre dezenas encravadas em sua pele senão tentar agradar a parcela doentia e masoquista do público, órfãos de Jogos Mortais. Para completar, é lamentável que desta vez os planos arquitetados pela Dona Morte pequem em criatividade, algo evidente quando notamos que grande parte deles são dependentes de convenientes curtos-circuitos e onipresentes parafusos frouxos.

Investindo novamente em um elenco basicamente desconhecido, jovem, bonito e diversificado (nerds e negros também estão incluídos), Premonição 5 naturalmente se apoia em estereótipos, o que não é exatamente condenável (especialmente nesse tipo de produção, em que os personagens são eliminados na mesma velocidade que são construídos), mas que também não sustenta, por exemplo, a mudança de postura absurda do personagem de Miles Fisher (que disputa com Colin Egglesfield de O Noivo da Minha Melhor Amiga o posto de sósia oficial de Tom Cruise) no clímax do filme, quando desenvolve um ridículo raciocínio sobre "não matar desconhecidos" e assume uma nova função na narrativa. Já o destaque negativo fica por conta do retorno do médico legista Bludworth (Todd), presente nos dois primeiros filmes, que aqui é lançado no meio da trama como uma presença incômoda e misteriosa mas, por fim, é usado apenas para esclarecer ao novo grupo de personagens (e aos espectadores novatos) os conceitos da franquia, evitando que estes tenham que ser descobertos gradualmente através de outros tediosos meios. Por fim, enquanto o restante do elenco cumpre sem grandes destaques seus papéis, Nicholas D'Agosto exibe carisma suficiente para assumir o posto de protagonista, saindo-se bem, por exemplo, na cena em que circula pela cozinha de um restaurante e enxerga diversos eventos comuns como potencialmente perigosos, num exemplo único da abordagem que citei elogiosamente em meu texto sobre Premonição 3.

Contando com um bom confronto em seu terceiro ato (do ponto de vista da realização, não das motivações envolvidas) e repleto de referências aos demais longas da série e boas brincadeiras que antecipam certos acontecimentos (como a pulseira da sorte arrebentada ou o ursinho de pelúcia que perde um olho), Premonição 5 é encerrado com, novamente e para a surpresa de todos, repetições aleatórias das mortes dos filmes anteriores incluídas apenas para jogar sangue, fagulhas e resíduos na direção do espectador. Somando tamanha demonstração de insegurança em relação ao próprio material a todo o restante já abordado, o longa é uma prova inquestionável de que, sem uma boa sacudida, a franquia estará condenada a uma sobrevida tão incerta quando as de seus personagens. E querendo ou não, chegará um dia em que ela mesma não conseguirá escapar do próprio destino.

22 de setembro de 2011

Crítica | Premonição 3

por Eduardo Monteiro

Final Destination 3, Alemanha/EUA/Canadá, 2006 | Duração: 1h32m49s | Lançado no Brasil em 7 de Julho de 2006, nos cinemas | Escrito por Glen Morgan & James Wong. Baseado nos personagens de Jeffrey Reddick | Dirigido por James Wong | Com Mary Elizabeth Winstead, Ryan Merriman, Kris Lemche, Alexz Johnson, Sam Easton, Jesse Moss, Gina Holden, Texas Battle, Chelan Simmons, Crystal Lowe e Amanda Crew.

Pôster nacional e crítica de PREMONIÇÃO 3 (Final Destination 3) Imagine a seguinte situação: um sujeito transitando desatento em frente à sua residência deixa cair um bilhete de loteria que, graças à ação do vento, entra pela janela e pousa em seu colo. Suponha ainda que, nesse mesmo dia, o sorteio do tal concurso seja realizado e você acaba sendo premiado com uma pequena fortuna. Para completar, imagine que os números contidos nesse bilhete são sequenciados, algo como 01 - 02 - 03 - 04 - 05 - 06. Agora responda: quais são as chances de essa série de eventos ocorrer com você? Ora, correntes de vento de fato conseguem elevar objetos leves a alturas razoáveis, ao passo que números sequenciados têm exatamente a mesma probabilidade de serem sorteados que qualquer outra combinação - e, por isso, a resposta correta para a pergunta é: as chances de tudo isso ocorrer são mínimas - mas repare, elas existem. Caos, desordem, entropia ou qualquer que seja a terminologia utilizada caracterizam o princípio da improbabilidade de eventos favoráveis consecutivos acontecerem ao acaso - ou no caso da franquia Premonição, eventos bastante desfavoráveis.

Após as premonições que evitaram mortes na explosão de um avião no primeiro filme e em um acidente rodoviário no segundo, agora vemos a colegial Wendy (Mary Elizabeth Winstead) prevendo um acidente fatal na montanha-russa de um parque de diversões segundos antes de ela mesma partir para uma volta na atração. Apavorada com o realismo da visão, a garota consegue sair do carrinho antes que este deixe a estação e, na confusão, faz com que uma série de amigos também abandonem o brinquedo - que acaba de fato descarrilando e matando alguns de seus colegas, inclusive seu namorado Jason (Moss). Porém, quando duas colegas salvas do acidente acabam falecendo dias depois sob misteriosas circunstâncias, Wendy e o amigo Kevin (Merriman) passam a desconfiar que suas vidas correm risco, já que teriam atrapalhado o "plano da Morte" e esta cedo ou tarde retornaria para concluir o serviço inacabado.

Depois de introduzir o conceito com base no suspense no primeiro filme e explorar o potencial cômico das mortes elaborados no segundo, a franquia finalmente acha o tom ideal nessa terceira parte que, assim como o ótimo Zumbilândia, estabelece um parque de diversões como o cerne de sua trama, num indicativo claro de que, em ambos os filmes, a diversão será a válvula de escape para o suspense. Por isso, por mais fúnebre que possam ser, as mortes vistas aqui não deixam de ter um viés cômico, graças a uma ponta de exagero que encontra equilíbrio no eficiente clima de suspense desenvolvido no restante da projeção. Por outro lado, é admirável que, excetuando uma ou outra ventania, luz piscante ou interferência eletromagnética, boa parte dos eventos que precedem as mortes dos personagens são consequência não exatamente de um plano ambicioso e complexo de uma entidade maligna, mas sim de diversas atitudes displicentes e irresponsáveis tomados pelas vítimas, que assumem a todo momento uma série de riscos - como o desprezo por regras das garotas e do funcionário na clínica de bronzeamento artificial, os precários padrões de segurança do show de fogos de artifício ou o comportamento desleixado dos personagens em um depósito de materiais de construção.

Dessa forma, Premonição 3 é um filme que se diverte explorando até as últimas consequências todas aquelas chances remotas citadas no primeiro parágrafo já que, em última instância, não há indícios concretos de participação de entidades paranormais nas mortes de seus personagens. E esse é um dos grandes méritos dos realizadores, que concebem com competência e riqueza de detalhes os ambientes e as circunstâncias em que as mortes ocorrem, tonando ainda mais interessante, dinâmico e intrigante o conceito introduzido a respeito da possibilidade de prever através de fotografias os causas mortis. E já que toquei nesse assunto, é importante ressaltar que, ainda que ligeiramente episódicos, os óbitos desse exemplar não ferem nenhuma lógica e soam naturais dentro dos limites cabíveis, o que é extremamente positivo e surpreendente para uma franquia como essa. Nesse sentido, o retorno de James Wong (do Premonição original) se revela uma grata surpresa, já que o diretor consegue, com o auxílio do montador Chris Willingham, criar o clima de inquietação através de diversos planos-detalhe em objetos supostamente perigosos que, em última análise, representam muito mais a paranóia de seus personagens (e naturalmente, a nossa também) do que ameaças reais - e de fato, apenas como exemplo, nenhum evento anterior ao embarque na montanha-russa apresenta algum caráter realmente macabro, mas a sensação é transmitida graças à trilha sonora de suspense, à crescente inquietação de Wendy e ao fato de termos consciência de estar assistindo a mais um filme da série Premonição.

Pecando apenas nos efeitos especiais deficitários e em certas inconsistências narrativas oriundas de uma estrutura fechada e limitada, Premonição 3 é um esforço bem sucedido para dar uma cara nova e definitiva à franquia, resultado de uma acertada lapidação do que já tinha sido testado nos dois primeiros filmes. É uma pena, portanto, que necessidades comerciais hollywoodianas enxerguem no "modo Jogos Mortais de se fazer filmes" uma mina de ouro. Vide Premonição 4.

20 de setembro de 2011

Crítica | Missão Madrinha de Casamento

por Eduardo Monteiro

Bridesmaids, EUA, 2011 | Duração: 2h10m22s | Lançado no Brasil em 23 de Setembro de 2011, nos cinemas | Escrito por Annie Mumolo & Kristen Wiig | Dirigido por Paul Feig | Com Kristen Wiig, Maya Rudolph, Rose Byrne, Melissa McCarthy, Chris O'Dowd, Wendi McLendon-Covey, Ellie Kemper, Greg Tuculescu, Jill Clayburgh, Michael Hitchcock, Rebel Wilson, Matt Lucas, Richard Riehle, Joe Nunez, Terry Crews.

Antes de querer fazer rir, uma comédia deve conseguir entreter seu público - e esse é o grande mérito de Missão Madrinha de Casamento. Surgindo como um raro exemplar de comédia dominada por personagens femininas interessantes e repletas de atitude (algo já sugerido pela pose imponente das mulheres no pôster), o filme consegue prender a atenção do espectador ao longo de suas mais de duas horas de duração e marca o retorno aos bons ares do produtor Judd Apatow que, após viabilizar a produção dos terríveis Ano Um e O Pior Trabalho do Mundo, traz ao grande público uma comédia romântica inovadora e surpreendente, que foge dos clichês de filmes do gênero (especialmente daqueles que envolvem preparativos matrimoniais) e investe em uma narrativa construída em torno de um argumento consistente e original concebido pela atriz Kristen Wiig em parceria com Annie Mumolo.

Ó céus, como eu gostaria que tudo isso fosse verdade!

Entretanto, sob o comando de Paul Feig (Menores Desacompanhados), o filme traz a derrotada Annie (Wiig) tentando se reerguer após o término de seu namoro e a falência de sua confeitaria, sendo então obrigada a dividir um apartamento com um casal de irmãos bizarros e sem traquejo social, a trabalhar em um emprego arranjado do qual não gosta e a circular com um carro velho caindo aos pedaços. Enquanto procura inutilmente um homem interessado em um relacionamento sério, a mulher recebe a inesperada notícia de que sua melhor amiga Lillian (Rudolph) acaba de ficar noiva. Porém, a missão de encarnar a madrinha de casamento não será uma tarefa fácil para psicologicamente abalada Annie que, durante os preparativos para a grande cerimônia, terá de conviver com as damas de honra Megan (McCarthy), cunhada da noiva, Becca (Kemper), uma amiga do trabalho, a prima Rita (McLendon-Covey) - e o que é pior - disputar as atenções com a bela e rica Helen (Byrne), que pode ameaçar anos e mais anos de amizade entre a dupla principal.

Se minha sinopse não parece muito original, suponho que você não espera que o filme o será. Da mesma forma, também acredito que não contará pontos para o longa se eu acrescentar que, durante esse processo, Annie conhece um homem com quem possui uma evidente empatia mas, demora (o tempo conveniente para o roteiro) para se sentir atraída por ele, ou ainda se eu disser que cada mulher representa um estereótipo (santinha ingênua e infantilizada; mãe de família ninfomaníaca; mulher rica, porém mal-amada; e por aí vai) e, em alguns casos, essas personagens secundárias além de não demonstrarem ter a mínima intimidade com a noiva, não possuem função alguma no arco geral da narrativa, de modo que acabam completamente descartadas e inutilizadas no desfecho. Para completar, prefiro não acreditar que alguém ainda se sinta realizado ao assistir a um longa que utiliza escatologia como uma forma gratuita e histérica de se fazer humor, ou então que necessite usar recorrentes stablishing shots para informar o espectador sempre que a protagonista se encontra em casa, como se o próprio cenário ou a presença marcante de seus colegas de quarto (se Annie estiver em casa, é fato que eles irão aparecer) não fossem o bastante para transmitir essa informação.

Ainda por cima, fico perplexo quando tento compreender a razão pela qual as roteiristas e o diretor optaram por prolongar tanto certas sequências que, de certo modo, estavam até funcionando antes de se excederem. A disputa entre Annie e Helen pelo discurso mais emocionante e marcante na festa de noivado de Lillian estava até eficiente, transmitindo com simplicidade e sutileza o princípio de desconforto da protagonista com o surgimento inesperado de uma adversária - mas acaba se estendendo demais, exigindo que situação adquira contornos irreais ou, no mínimo, improváveis. A sequência dentro de um avião, da mesma forma, nos presenteia com um vai-e-vem incessante e tedioso, revelando-se divertida apenas na fobia de uma passageira (vivida em uma ponta pela roteirista Annie Mumolo) e ainda por cima anula a disputa a respeito de quem teria tido a melhor ideia para a despedida de solteira, tópico este que parecia ter alguma importância para a narrativa. Por outro lado, o momento repetitivo e razoavelmente extenso em que Annie tenta de diversos modos hilários atrair a atenção de um policial, ainda que absurdo, se revela um dos poucos instantes genuinamente divertidos do longa e, por isso, merece ser destacado.

Com todos esses problemas, não é de se espantar que o elenco não desempenhe interpretações particularmente memoráveis. Roteirizando e produzindo o longa, Kristen Wiig finalmente consegue um papel de maior destaque em uma comédia mas, ironicamente, não tem muitas oportunidades de utilizar seu moderadamente eficiente e particular timing cômico, já que sua personagem permanece boa parte do tempo tentando tolamente se sobressair diante da presença e disponibilidade progressiva de Helen e evitar que, no processo e em função dos esforços, seus conflitos internos extravasem. Da mesma forma, Maya Rudolph encarna uma personagem ora dotada de personalidade forte e ora sem a mínima percepção do que acontece a seu redor, inconstância essa estritamente necessária para que o jogo de gato e rato entre Annie e Helen dure tanto tempo. Por outro lado, suponho que Rose Byrne, uma atriz em plena evolução, ao menos tenha se divertido durante a composição da antagonista Helen, já que a personagem de Ellie Kemper mais parece uma ligeira variação da secretária Erin do seriado The Office, Chris O'Dowd vive o policial Nathan Rhodes com o carisma necessário mas sem grandes oportunidade e, finalmente, a Megan vivida por Melissa McCarthy se revela uma versão feminina quase literal do personagem vivido por Zach Galifianakis em Se Beber, Não Case!, sem jamais surgir suficientemente interessante ou divertida.

O que naturalmente nos traz à comparação surgida durante a fase de divulgação de Missão Madrinha de Casamento, que sugeria que o longa seria uma versão de Se Beber, Não Case! estrelada por mulheres. Bom, a verdade é que ainda falta muito arroz e feijão para que Feig, Wiig e Mumolo aprendam que jogar dois ou três conflitos às vésperas de um casamento e somar a isso um personagem gordo, de sexualidade questionável e atitudes imprevisíveis e impensáveis não são elementos suficientes para se criar uma boa comédia.

19 de setembro de 2011

Crítica | Confiar

por Eduardo Monteiro

Trust, EUA, 2010 | Duração: 1h45 | Lançado no Brasil em 23 de Setembro de 2011, nos cinemas | Escrito por Andy Bellin e Robert Festinger | Dirigido por David Schwimmer | Com Liana Liberato, Clive Owen, Catherine Keener, Jason Clarke, Viola Davis, Chris Henry Coffey, Spencer Curnutt, Aislinn DeButc, Noah Emmerich, Olivia Wickline, Zoe Levin.

Após ganhar um computador em seu aniversário de 14 anos, a jovem Annie (Liberato) conquista um acréscimo de privacidade que permite o fortalecimento da amizade virtual que mantém com o atencioso Charlie. Carente de atenção da família e dos colegas da escola, a garota aos poucos descobre que o amigo não é completamente sincero (ele mente repetidas vezes sobre a própria idade), mas, mesmo assim, permite que o envolvimento dos dois alcance o mundo real e aceita marcar um encontro. Porém, o misto de surpresa e decepção ao descobrir que Charlie (Coffey) era na verdade um homem ainda mais velho rapidamente se dilui graças a seu papo adocicado e sedutor - e, a essa altura, constatar que o encontro termina em um motel onde um abuso ocorre não constitui uma grande surpresa. Porém, o fato acaba chegando ao conhecimento da polícia, que aciona o FBI, dando início a uma investigação que lança a mente e a vida de Annie em uma espiral de conflitos e sentimentos.

Mesmo parecendo coeso baseando-se apenas em sua sinopse, confesso que demorei a entender de que verdadeiramente se tratava Confiar. Com um cintilante letreiro imaginário piscando o termo "pedofilia" na cabeça do espectador a todo momento, o drama dirigido por David Schwimmer é iniciado com Annie alegre em sua rotina e um fundo musical alto astral, prenunciando um filme colegial que não se concretiza; mais adiante, envereda para os lados de suspense policial, mas a investigação do caso em questão permanece na superfície e sequer é concluída; ainda nessa parte, consegue gerar tensão a partir de uma cena de suspense envolvendo telefones, mas a experiência não se repete; já em outro instante, um delírio vingativo de certo personagem em uma loja de armas aposta claramente numa atmosfera de comicidade, algo assustadoramente incompatível com o tema central. Porém, só consegui de fato apreciar um pouco o filme quando relevei todas as asneiras da direção de Schwimmer e do roteiro de Andy Bellin e Robert Festinger e percebi que no drama particular da garota violentada é que se encontrava a força da produção.

Por tudo isso, Confiar funcionaria muito melhor caso desse maior atenção às consequências psicológicas sofridas pela família de Annie e, especialmente, a confusão vivida pela própria garota, obrigada a lidar com conflitos muito adultos sem ter a maturidade necessária. Prova disso é o primeiro ato da projeção, que falha na tentativa de introduzir o complexo contexto que fomenta o drama do restante do filme. Repare, por exemplo, como o pai da garota, Will (Owen), profere todas suas falas com um tom irritante de espirituosidade apenas para constar que o clima e a rotina daquela família são normais e leves, ou então como age de modo atencioso e afetuoso com a filha apenas para, sem mais nem menos, ignorá-la em um instante pontual, quando surge compenetrado em seu trabalho, simplesmente para sustentar a carência de atenção que explicaria a decisão de Annie de recorrer a outros meios de obtê-la. A aproximação da garota com Charlie, por sinal, jamais alcança a naturalidade necessária, e há vários fatores envolvidos nesse problema: o pouco tempo empregado para a relação virtual e para o encontro no shopping não permitem o bom desenvolvimento do caso; a jovem Liana Liberato, eficiente em outros momentos, é basicamente prejudicada por um roteiro que exige que uma garota de 14 anos seja inacreditavelmente indefesa e ingênua, mesmo que antes tenha demonstrado o contrário (na primeira cena do filme, ela bloqueia um participante de um chat por uma simples insinuação sexual); e, por último, o ator Chris Henry Coffey permanece em cena com uma expressão que faz Charlie parecer um homem que tenta constantemente esconder sua própria psicopatia (ainda que seu olhar, meio ansioso, chegue perto de entregá-lo), o que demanda uma ingenuidade ainda maior por parte de sua vítima.

A partir daí, Liana Liberato faz o que pode para tentar convencer o público que Annie acredita genuinamente nas boas intenções de Charlie - e a jovem atriz se sai especialmente bem em uma cena emocionalmente carregada em que explode de raiva com o pai, numa atitude absolutamente aceitável se pensarmos que Will é um dos personagens mais aborrecidos que Clive Owen já teve a chance de interpretar. Engraçadão e espirituoso no início e obcecado e instável do meio para o fim, o personagem age de forma estúpida em boa parte do tempo e representa uma das piores interpretações da carreira de Owen, chegando ao ponto de destruir a intenção de uma cena graças a sua inexpressividade: seu filho, Peter (Curnutt), que desconhece o drama vivido pela irmã, consegue deduzir que há algo de errado apenas ao ver o estado emocional do pai, mas basta olhar para o rosto congelado de Clive Owen para perceber que simplesmente não há expressão alguma ali, quanto menos uma que pudesse entregá-lo. Aliás, de um modo geral, o elenco inteiro parece bastante perdido, como se estivesse desempenhando um longo ensaio ao invés da fotografia oficial do filme - e até mesmo Catherine Keener, uma das minhas atrizes favoritas e que aqui vive Lynn, mãe de Annie, para de evoluir após certo ponto da narrativa e recai num ciclo repetitivo de sofrimento e emoções negativas.

Porém, como já citado, o grande acerto do longa ocorre quando este volta suas atenções para o drama particular da jovem abusada, especialmente quando estabelece relações com o tema sugerido pelo título do filme. Mesmo que a reflexão sobre confiança possa parecer, a princípio, referir-se apenas aos cuidados com informações compartilhadas na internet e ao nível de liberdade concedido por pais a seus filhos, o filme vai além e inverte essa perspectiva, discutindo como a confiança dos filhos nos pais também merece alguma atenção. Assim, quando Annie pede ao pai que não conte ao irmão sobre sua situação, a garota deposita toda sua confiança em Will para preservar sua intimidade e garantir sua própria sanidade enquanto procura superar o ocorrido, e a traição infantil do pai (com um toque de estupidez do irmão) apenas a deixa mais fragilizada e perdida. Porém, quando investe fortemente na conturbada relação entre pai e filha, caminhando para seu desfecho, o filme perde-se novamente, já que volta demasiada parcela da atenção para Will e a tentativa de extrair lições desse conflito revela-se um exercício tolo. Ainda assim, os realizadores merecem reconhecimento por incitar reflexões moralmente complexas: e se, hipoteticamente, Charlie realmente amasse Annie? Nesse caso, valeria a pena sacrificar a felicidade da garota apenas em função da diferença de idade, para seguir uma lei criada para protegê-la?

No entanto, o leque de situações que os roteiristas conseguem criar para desenvolver os conflitos da garota é extremamente limitado, obrigando-os a desviar o que deveria ser o foco principal para subtramas trôpegas, como o já citado comportamento de Will (o homem chega a infiltrar-se com um pseudônimo feminino e adolescente em bate-papos atrás de pedófilos, em outra tentativa de humor lamentável, e até mesmo a contatar um profissional especializado em... localizar pervertidos!) ou a estagnada investigação policial. E já que citei esta, não poderia deixar de comentar a incompetência do FBI visto aqui: seus agentes são incapazes de mostrar fotos de pedófilos fichados a Annie (a ideia vem de seus próprios pais) ou de fazer um cerco eficiente a um suspeito em um parque aberto, permitindo que este drible com relativa facilidade uma série de profissionais à paisana. Mas o pior sem dúvida acontece quando um agente afirma categoricamente que não pode mostrar a Will documentos fundamentais sobre a investigação apenas para, em seguida, retirar-se do recinto esquecendo sua maleta por lá.

Sem muita imaginação para a concepção de planos ou para a escolha de enquadramentos, Schwimmer ainda confere tom de urgência a certas passagens sem a menor explicação, como a cena em que Will tenta apressar uma conversa por telefone por estar prestes a passar por um detector de metais ou aquela em que Lynn dialoga com a filha dentro do carro em um estacionamento enquanto recebe buzinadas (só muito depois que ela revida com um "Ora, isto aqui é um estacionamento!" percebi que a personagem estava de fato atrapalhando a passagem de outros carros e, portanto, as reivindicações externas eram legítimas - mas perceba como todas essas desnecessárias incoerências desviaram o meu foco do diálogo!). Por fim, o diretor opta por encerrar seu segundo trabalho na direção para cinema com um vídeo caseiro que nos informa que o pedófilo não se chama Charlie, possui esposa, um filho pequeno, leva uma vida normal e... e daí? Possuir família realmente torna o pedófilo mais detestável? Esse fato acrescenta algo ao desfecho entre Annie e Will visto na cena anterior?

Bem, e como já cansei de escrever sobre Confiar, vou incorporar esta atitude de Schwimmer e dos roteiristas a meu texto e encerrá-lo com algo tolo e aleatório: com apenas Jennifer Aniston gloriosamente bem sucedida (mas presa a sua predileção por comédias românticas), parece que a única salvação para o elenco de Friends seria uma reunião em uma suposta adaptação da sitcom para os cinemas. Será que sai?

Querem saber mesmo: sei lá!

14 de setembro de 2011

Crítica | Diário de um Banana 2: Rodrick é o Cara!

por Eduardo Monteiro


Diary of a Wimpy Kid: Rodrick Rules, EUA, 2011 | Duração: 1h39m33s | Lançado no Brasil em 16 de Setembro de 2011, nos cinemas | Roteiro de Gabe Sachs e Jeff Judah. Baseado no livro de Jeff Kinney | Dirigido por David Bowers | Com Zachary Gordon, Devon Bostick, Robert Capron, Rachael Harris, Steve Zahn, Peyton List, Karan Brar, Laine MacNeil, Grayson Russell, Connor Fielding, Owen Fielding, Fran Kranz, Andrew McNee e Terence Kelly.

A infância é um enorme clichê. Estará mentindo quem afirmar que, quando criança, não vivenciou uma série de constrangimentos ou decepções apenas para, mais tarde, descobrir que estas situações são na verdade muito mais comuns do que se imagina. Portanto, se pensarmos que Diário de um Banana faz um divertido apanhado geral sobre os dilemas da infância, estaríamos sendo injustos ao exigir exímia originalidade do roteiro daquele filme ou ao atribuir a seus clichês a responsabilidade por suas irregularidades, que cabe muito mais à forma como esses são explorados na condução da narrativa e à direção insegura de Thor Freudenthal (Um Hotel Bom Pra Cachorro). A boa notícia é que, agora sob o comando de David Bowers (Por Água Abaixo, Astro Boy), Diário de um Banana 2 traz uma trama mais bem definida e coesa que, voltando as atenções para a relação do protagonista com o irmão mais velho, resgata com bom humor a inocência da juventude, novamente com o benefício do carisma magnético do jovem intérprete Zachary Gordon.

Adaptado por Gabe Sachs e Jeff Judah a partir do segundo livro da série escrita por Jeff Kinney (que faz uma ponta como pai do interesse romântico do protagonista), o roteiro de Diário de um Banana 2: Rodrick é o Cara! acompanha mais um ano na vida da família Heffley sob a ótica do filho do meio Greg (Gordon), que acaba de voltar às aulas após o fim das férias de verão. Antes perseguido por fazer parte da turma mais jovem da escola e tendo superado o incômodo da exposição negativa resultante da amizade com Rowley (Capron), o garoto agora terá que lidar com as diferenças com o irmão mais velho, Rodrick (Bostick), depois que seus pais, Susan (Harris) e Frank (Zahn), se deram conta que a relação entre os irmãos não estava tomando o rumo desejado. Assim, após infringirem em conjunto uma regra imposta pelos progenitores, os irmãos desenvolvem uma inesperada harmonia, que permite, dentre outras coisas, que o mais velho e experiente compartilhe com o mais novo "os segredos da vida fácil", incluindo, por exemplo, seus métodos para manipular os pais. Ainda assim, o desventurado Greg não consegue evitar se meter em confusões enquanto tenta conquistar uma garota do colégio ou fazer um vídeo que vire sucesso na internet.

Repetindo o ótimo desempenho visto no primeiro filme, o promissor e carismático Zachary Gordon carrega mais uma vez com segurança invejável a função de protagonista, exibindo uma expressividade admirável ao viver Greg como uma criança comum que tenta a todo custo levar uma vida normal e tranquila, ainda que uma galeria de personagens exóticos que o cercam impeça, de forma involuntária ou não, que isso aconteça. Robert Capron, mesmo com uma participação menor, também se sai muito bem como o sincero e bem-intencionado Rowley, enquanto Devon Bostick ganha tempo e espaço para desenvolver Rodrick que, mais do que um irmão mais velho provocador, luta pela notoriedade de sua banda e vive os próprios conflitos, adequados à sua idade e não menos importantes que os dos demais. Completando o elenco jovem, Laine MacNeil e Grayson Russell surgem muito mais divertidos com doses homeopáticas da durona Patty e do exótico Fregley, enquanto Peyton List tenta viver Holly, a bela colega de classe aparentemente inalcançável, da forma mais natural possível. Por fim, o pequeno Karan Brar não se sai tão bem, dando vida de forma (novamente) artificial ao indiano Chirag que, ainda por cima, protagoniza a subtrama mais deslocada e aborrecida da narrativa.

No entanto, o destaque dessa vez inegavelmente recai sobre a bela Rachael Harris, que ganha a chance de brilhar como a mãe dos garotos: casada com um bobalhão (Steve Zahn, que também não faz feio e se sai maravilhosamente bem), Susan se vê obrigada a assumir o posto de chefe de família em tempo integral, cuidando praticamente sozinha do marido e de três filhos em fases distintas e ainda tendo que conciliar o papel de mãe e esposa com o trabalho como colunista de um jornal. Assim, ao vê-la dançando solitária e alegremente em um evento escolar de Greg, não é um equívoco supor que sinta uma imensa falta da própria juventude, possivelmente sacrificada quando se viu obrigada a iniciar uma família e construir um lar ainda muito jovem. Da mesma forma, é tocante vê-la lutando contra suas próprias regras no intuito de preservar a amizade recém-desenvolvida entre os filhos ou então confessando que um de seus raros momentos de privacidade é quando vai ao banheiro e tem a oportunidade de passar a tranca na porta, deixando seus problemas temporariamente do lado de fora. Também nesse sentido, é possível dizer que há uma certa melancolia implícita em suas repetidas perguntas a Greg a respeito de seu interesse por Holly (List), como se notasse que já não possui mais controle sobre a vida do filho (e, de certo modo, antecipasse sua futura saída de casa) sempre que recebe respostas esquivas do rapaz.

Por outro lado, uma das coisas que mais encantam em Diário de um Banana 2 é a abordagem inocente dada às situações vividas por Greg, o que pode ser claramente percebido durante a festa promovida por Rodrick que, mesmo seguindo o típico estilo colegial americano (com direito a copo vermelho e o escambau), não apresenta o consumo de álcool e, ainda por cima, faz isso parecer algo normal e possível de acontecer. Assim, quando uma montagem ao estilo daquela vista nos créditos finais de Se Beber, Não Case! é produzida aqui como compacto da festa, conseguimos nos divertir não por atitudes inconsequentes de pessoas alcoolizadas, mas sim por constatar a alegria genuína de jovens se esbaldando em meio a refrigerantes, salgadinhos e outras guloseimas. Por outro lado, cientes da existência de um público adulto, os roteiristas também não se intimidam em soltar algumas sutis sugestões sexuais, como quando Frank proíbe que os filhos recebam pessoas em casa durante uma viagem do casal, sendo que o recado é direcionado com especial ênfase a um Rodrick visivelmente nervoso. Da mesma forma, o longa é particularmente eficiente em explorar com bom humor certos aspectos naturais de uma dinâmica familiar, seja através do tratamento diferenciado dado ao caçula Manny (vivido pelos gêmeos Fielding), que esbanja esperteza ao usar a mesma justificativa dada pelos próprios pais para suas peripécias ("Eu só tenho 3 anos") como pretexto para fazer coisas erradas, ou da forma intensa como Susan reage a uma briga entre Greg e Rodrick, através de um sermão que, em uma ótima montagem, parece render ao longo de vários dias, surpreendendo até mesmo os irmãos, que se assustam quando a mãe abruptamente retoma o assunto na mesa de jantar ou no sofá da sala de TV.

Embalado por uma deliciosa trilha sonora, Diário de um Banana 2 também supera o antecessor por conseguir inserir de forma mais orgânica as rápidas animações com desenhos de traços simples que remetem ao diário do protagonista (e naturalmente ao livro que deu origem ao filme), assim como as memórias ou os delírios imaginativos de Greg, com destaque para o hilário devaneio hippie do garoto após sua mãe sugerir despretensiosamente que aprender a tocar um instrumento é fundamental caso um dia decidam formar uma banda familiar. E se em certos momentos o humor não exibe sua melhor forma (o modo como Rodrick acorda seletivamente não faz sentido e... bem, não é engraçado), logo são compensados por outras investidas muito mais inspiradas, como a genial passagem em que Greg, orientado a sempre dizer verdades, obriga a mãe a sair de casa para que ele possa dispensar uma ligação telefônica indesejada sem ter que mentir para o interlocutor, ilustrando de forma lúdica as dificuldades de transferir valores para os filhos durante a criação.

Capaz de fazer boa parte do público se sentir ultrapassado por saber utilizar um telefone de disco, Diário de um Banana 2 acaba tropeçando em sua metade final, quando apela para um conflito óbvio e utiliza um show de talentos da escola para amarrar sua história da forma mais convencional e previsível possível, cedendo a necessidades pedagógicas provavelmente oriundas da obra original de Kinney. Mesmo assim, pela experiência adorável que este filme representa, o único clichê que realmente chega a incomodar é a forma como a franquia vem sendo insistentemente esnobada no Brasil (o primeiro filme foi lançado direto - e apenas - em DVD). E espero sinceramente que o lançamento (mesmo limitado) dessa divertida segunda parte nos cinemas seja um passo decisivo contra esta ultrajante ignorância - e que não se repita quando Greg viver seus Dias de Cão, a próxima aventura da série.

Obs.: há uma cena adicional durante os créditos finais.