por Eduardo Monteiro





Antes da crítica em si, uma confissão: este será o primeiro texto verdadeiramente de minha autoria aqui no blog. Todos os outros são, na verdade, meras traduções do conteúdo publicado em um jornal local de Alicante, no litoral da Espanha, onde resido há anos. Julguei que, dizendo que ainda moro no Brasil, conquistaria com maior facilidade o público brasileiro (o escolhi por ser muito maior que o espanhol), por isso sugeri que ainda vivia em minha terra natal, Belo Horizonte. Unindo a isso a predominância de homens na atividade crítica e o fato de pessoas inexperientes serem mais facilmente perdoadas por erros (ou vocês acham que é fácil traduzir de espanhol para português?), optei por criar esse pseudônimo masculino e jovem quando desenvolvi o blog. Só estou compartilhando tudo isso porque acredito, do fundo do meu coração, que não prejudiquei ninguém - e por pressão do meu marido, que critica periodicamente minha postura em relação a tudo isso.
O que separa todas as informações pessoais que já divulguei, seja em posts passados, no Twitter ou no Sobre o Cinema Sem Erros, da confissão acima? Como você, caro leitor, poderá afirmar convictamente quem eu realmente sou? O que te garante que, ainda, eu não seja nem o jovem belorizontino e nem a plagiadora casada na Espanha? Obviamente, você poderia notar que, por exemplo, publiquei há algum tempo atrás um texto sobre as adaptações da Rede Globo, no qual fiz observações que uma pessoa residindo na Espanha dificilmente seria capaz de articular - e por mais que a possibilidade de ter copiado de alguma outra fonte seja válida, a incerteza levanta a suspeita, que apenas poderia ser sanada com algum tipo de investigação ou pesquisa mais aprofundada. Aliás, será que Alicante realmente existe e possui um jornal local que publica críticas de cinema?
É a partir desse tipo de questionamento, natural na vivência de qualquer internauta, que o documentário Catfish é desenvolvido. Inspirada por uma fotografia publicada em um jornal, a talentosa e jovem Abby transforma a imagem em uma bela pintura e, com a ajuda da mãe, Angela, entra em contato com o autor da foto, para que possam intercambiar suas obras - e, a partir disso, o fotógrafo Yaniv Schulman (ou simplesmente Nev) se torna o objeto de estudo dos cineastas com quem divide um escritório em Nova York, seu irmão Ariel Schulman (ou Rel, para os íntimos) e o amigo Henry Joost. Diante do talento inegável da garota prodígio, Nev desenvolve uma amizade virtual com sua família, incluindo a mãe, o pai Vince e a irmã mais velha da garota, Megan, por quem o rapaz passa a se sentir atraído. No entanto, o que era para ser apenas o registro documental de uma curiosa amizade e um inesperado envolvimento emocional via internet ganha novos contornos quando, em um belo dia, Nev recebe de Megan a gravação de uma música interpretada por ela mesma, porém dotada de uma qualidade de execução incompatível com o tempo hábil para produzi-la. Após uma breve pesquisa na rede mundial de computadores, o rapaz passa a desconfiar da veracidade das informações compartilhadas até então pela garota e parte rumo à residência da família, com o objetivo de conferir com os próprios olhos a realidade.
Mergulhado no universo virtual desde seus primeiros segundos, quando o próprio globo da Universal Pictures surge pixelizado e sendo manipulado por um cursor, o documentário é hábil ao retratar o alcance e a velocidade das informações que circulam na internet, sem a qual tanto a premissa quanto o desenvolvimento do documentário sequer teriam existido. Nesse sentido, Joost e Schulman acertam, por exemplo, ao utilizar serviços de mapeamento virtuais para apresentar locais importantes da trama ou a distância que separa a casa da garota do escritório do fotógrafo, uma técnica que, além de absolutamente coerente com a atmosfera da produção, reforça a discussão temática levantada pelos realizadores. Ainda nesse aspecto, é curioso perceber que, quando o trio dirige rumo à cidade da família de Abby, uma foto de satélite da estrada permite que o espectador note a imperfeição existente até nos mais sofisticados sistemas; o trajeto interpretado pelo programa não corresponde rigorosamente ao traçado real da via, sugerindo que, mesmo com o altíssimo nível da tecnologia, há também informações incompatíveis com a realidade em meio à imensidão de dados disponíveis on-line, algo que se conecta diretamente com a situação vivida pelos irmãos Schulman e por Joost.
Porém, a grande discussão em torno de Catfish desde sua primeira exibição no Festival de Sundance tem sido em torno da veracidade dos acontecimentos documentados - e ela é tão legítima quanto os questionamentos levantados por Nev sobre Abby e sua família. De fato, a suposta ideia inicial para o projeto é digna de suspeita: que tipo de material os cineastas esperavam obter registrando uma amizade virtual apenas curiosa? Além disso, o longa possui uma narrativa muito bem amarrada, com evolução gradual e repleta de nuances que engrandecem o tema, o que soa tão improvável quanto a disposição de uma mulher adulta de criar e movimentar diversas contas em redes sociais ou manter duas linhas telefônicas simplesmente para prolongar uma amizade à distância baseada em mentiras. Da mesma forma, uma briga entre os irmãos Schulman parece inserida apenas como um conflito adicional ao contexto geral (e para lembrar a todos que aquilo de fato é um documentário, graças à sua "naturalidade"), assim como uma carta abandonada em uma caixa de correio e uma ligação recebida durante um momento de lazer na praia são capazes de deixar uma pulga atrás da orelha até mesmo no espectador mais ingênuo.
Porém, há também uma série de elementos que sustentam a posição dos crédulos - e o principal deles é, sem dúvida, a competência do "elenco". Repare, por exemplo, como a jovem Abby reage com uma confusão absolutamente natural quando questionada sobre seus hábitos de pintura; como a primeira conversa entre Nev e "Megan" por telefone gera um constrangimento convincente; ou ainda, a crível e sutil expressão de antecipação do fotógrafo enquanto ouve diferentes versões de uma mesma música, sem saber se prefere descobrir ou não que seu interesse romântico mentiu sobre a gravação. Todos esses detalhes, acrescidos da recorrência de câmeras desprevenidas e dificuldades técnicas evolvendo imagem e, principalmente, áudio, são fortes indício de que toda aquela trama de fato deve ter ocorrido - e, mesmo considerando que boa parte desses elementos poderia facilmente ter sido ser encenada ou incluída em uma pós-produção, não há razão para, a princípio, julgar que tudo tenha sido ensaiado e combinado.
Por outro lado, quase todos os problemas relacionados ao desfecho do longa (que também falha por entender-se um pouco além do necessário) parecem tornar a coisa mais ambígua e aumentar ainda mais a dúvida: a necessidade latente de humanizar a família de Abby é exagerada e foge um pouco do propósito geral, parecendo uma estratégia para que o lançamento do filme não afetasse radicalmente a vida pessoal e a reputação de Angela, tida até então como uma louca desvairada ou, no mínimo, uma mulher extremamente carente e insegura. Porém, não consigo deixar de pensar no modo como o marido de Angela deve ter reagido ao descobrir que sua esposa trocava mensagens praticamente pornográficas com outro homem e ainda alimentava um amor platônico por ele - ou será que, quando cedeu os direitos de imagem à produção, a mulher pensou que Vince nunca descobriria tudo isso? Para completar, o depoimento que posteriormente deu nome ao filme é absolutamente desconexo do restante da narrativa, criando em uma desnecessária artificialidade.
Fora tudo isso, é interessante notar como os diretores conseguem, com o auxílio do montador Zachary Stuart-Pontier e do compositor Mark Mothersbaugh, conferir uma atmosfera confortante e agradável ao primeiro ato do longa, induzindo o espectador a comprar o falso carisma daquela família da mesma maneira que o fotógrafo o faz. Para tal efeito, a evolução dos relacionamentos virtuais é mostrada através de textos na tela (quando não há outro tipo de material para apresentar o fato) e fragmentos de páginas de sites de relacionamento intercalados com depoimentos de um Nev enfeitiçado, sempre embaladas por uma trilha inocente e doce. Essa indução, que nos leva a digerir calmamente as informações, revela uma grande inteligência dos realizadores, já que é fundamental para o sucesso do documentário que vivenciemos as mesmas emoções e incertezas que o trio, reagindo da mesma forma que os amigos a cada nova descoberta. Por outro lado, também é interessante observar como Nev, a princípio, cogita rápida, sutil e automaticamente a possibilidade dos perfis virtuais serem falsos ("As crianças são ótimas. Pelo menos no Facebook"), mas faz isso com a falta de seriedade natural de alguém incapaz de prever a dimensão dos próximos acontecimentos, ou como a equipe, em determinados momentos, não descarta a possibilidade de estar correndo algum perigo, seja em um nível inicial e seguro ("Eles são psicopatas! Aposto que estou falando com um homem!") ou em um nível mais real e palpável, como durante a visita a uma fazenda desabitada no meio da noite.
No entanto, o aspecto mais interessante do longa não está na tela, mas na relação do público com o que está sendo visto; há algo de curioso e incrível no modo como a plateia, de forma quase imperceptível, se projeta na figura de Nev. Enquanto vê o homem sendo categoricamente enganado, o espectador coloca-se involuntariamente em uma posição defensiva e passa a procurar furos (como aqueles apontados no 5º parágrafo desse texto) que sustentem a hipótese de que a produção é uma farsa, como se temesse sofrer da mesma espécie de ingenuidade que o fotógrafo. E é nessa relação que o documentário acaba acertando em cheio: basta pesquisar na internet para perceber que a rede mundial de computadores (logo ela!) foi o grande fórum escolhido pelos espectadores para discutir e refletir sobre segurança e confiabilidade de informações fáceis e bem apresentadas - e quer tenha sido motivada pelo conto da carochinha de Angela, quer pela suposta incredibilidade dos diretores estreantes (que, para completar, aceitaram o convite para dirigir Atividade Paranormal 3, um filme de ficção com abordagem realista), o importante é que a reflexão existe e é imprescindível em uma época de aparências e impessoalidade como a que vivemos. Seja ou não real, a verdade é que a história vista em Catfish poderia sim ter acontecido - e isso, por si só, já faz valer todo o envolvimento e investimento.
Porém, há também uma série de elementos que sustentam a posição dos crédulos - e o principal deles é, sem dúvida, a competência do "elenco". Repare, por exemplo, como a jovem Abby reage com uma confusão absolutamente natural quando questionada sobre seus hábitos de pintura; como a primeira conversa entre Nev e "Megan" por telefone gera um constrangimento convincente; ou ainda, a crível e sutil expressão de antecipação do fotógrafo enquanto ouve diferentes versões de uma mesma música, sem saber se prefere descobrir ou não que seu interesse romântico mentiu sobre a gravação. Todos esses detalhes, acrescidos da recorrência de câmeras desprevenidas e dificuldades técnicas evolvendo imagem e, principalmente, áudio, são fortes indício de que toda aquela trama de fato deve ter ocorrido - e, mesmo considerando que boa parte desses elementos poderia facilmente ter sido ser encenada ou incluída em uma pós-produção, não há razão para, a princípio, julgar que tudo tenha sido ensaiado e combinado.
Por outro lado, quase todos os problemas relacionados ao desfecho do longa (que também falha por entender-se um pouco além do necessário) parecem tornar a coisa mais ambígua e aumentar ainda mais a dúvida: a necessidade latente de humanizar a família de Abby é exagerada e foge um pouco do propósito geral, parecendo uma estratégia para que o lançamento do filme não afetasse radicalmente a vida pessoal e a reputação de Angela, tida até então como uma louca desvairada ou, no mínimo, uma mulher extremamente carente e insegura. Porém, não consigo deixar de pensar no modo como o marido de Angela deve ter reagido ao descobrir que sua esposa trocava mensagens praticamente pornográficas com outro homem e ainda alimentava um amor platônico por ele - ou será que, quando cedeu os direitos de imagem à produção, a mulher pensou que Vince nunca descobriria tudo isso? Para completar, o depoimento que posteriormente deu nome ao filme é absolutamente desconexo do restante da narrativa, criando em uma desnecessária artificialidade.
Fora tudo isso, é interessante notar como os diretores conseguem, com o auxílio do montador Zachary Stuart-Pontier e do compositor Mark Mothersbaugh, conferir uma atmosfera confortante e agradável ao primeiro ato do longa, induzindo o espectador a comprar o falso carisma daquela família da mesma maneira que o fotógrafo o faz. Para tal efeito, a evolução dos relacionamentos virtuais é mostrada através de textos na tela (quando não há outro tipo de material para apresentar o fato) e fragmentos de páginas de sites de relacionamento intercalados com depoimentos de um Nev enfeitiçado, sempre embaladas por uma trilha inocente e doce. Essa indução, que nos leva a digerir calmamente as informações, revela uma grande inteligência dos realizadores, já que é fundamental para o sucesso do documentário que vivenciemos as mesmas emoções e incertezas que o trio, reagindo da mesma forma que os amigos a cada nova descoberta. Por outro lado, também é interessante observar como Nev, a princípio, cogita rápida, sutil e automaticamente a possibilidade dos perfis virtuais serem falsos ("As crianças são ótimas. Pelo menos no Facebook"), mas faz isso com a falta de seriedade natural de alguém incapaz de prever a dimensão dos próximos acontecimentos, ou como a equipe, em determinados momentos, não descarta a possibilidade de estar correndo algum perigo, seja em um nível inicial e seguro ("Eles são psicopatas! Aposto que estou falando com um homem!") ou em um nível mais real e palpável, como durante a visita a uma fazenda desabitada no meio da noite.
No entanto, o aspecto mais interessante do longa não está na tela, mas na relação do público com o que está sendo visto; há algo de curioso e incrível no modo como a plateia, de forma quase imperceptível, se projeta na figura de Nev. Enquanto vê o homem sendo categoricamente enganado, o espectador coloca-se involuntariamente em uma posição defensiva e passa a procurar furos (como aqueles apontados no 5º parágrafo desse texto) que sustentem a hipótese de que a produção é uma farsa, como se temesse sofrer da mesma espécie de ingenuidade que o fotógrafo. E é nessa relação que o documentário acaba acertando em cheio: basta pesquisar na internet para perceber que a rede mundial de computadores (logo ela!) foi o grande fórum escolhido pelos espectadores para discutir e refletir sobre segurança e confiabilidade de informações fáceis e bem apresentadas - e quer tenha sido motivada pelo conto da carochinha de Angela, quer pela suposta incredibilidade dos diretores estreantes (que, para completar, aceitaram o convite para dirigir Atividade Paranormal 3, um filme de ficção com abordagem realista), o importante é que a reflexão existe e é imprescindível em uma época de aparências e impessoalidade como a que vivemos. Seja ou não real, a verdade é que a história vista em Catfish poderia sim ter acontecido - e isso, por si só, já faz valer todo o envolvimento e investimento.
