31 de agosto de 2011

Crítica | Amor a Toda Prova

por Eduardo Monteiro

Crazy Stupid Love, EUA, 2011 | Duração: 1h58m06s | Lançado no Brasil em 26 de Agosto de 2011, nos cinemas | Escrito por Dan Fogelman | Dirigido por Glenn Ficarra e John Requa | Com Steve Carell, Ryan Gosling, Julianne Moore, Emma Stone, Analeigh Tipton, Jonah Bobo, Marisa Tomei, Kevin Bacon, Joey King, John Carroll Lynch, Beth Littleford, Liza Lapira, Josh Groban.

"Se você não riu copiosamente com Cilada.com ou Quero Matar Meu Chefe, então você não tem senso de humor". Caso não contasse com o pomposo termo "copiosamente", esta fala certamente poderia ser atribuída a uma daquelas pessoas que, ávidas por risadas fáceis, se diverte com puns, travestis, palavrões aleatórios, inconsequências alcoolicas ou genitálias avantajadas ou diminutas, como se tudo isso fosse, por si só, histericamente engraçado. Entretanto, há casos em que boa parte dos momentos cômicos de um longa não são reagidos com tamanho entusiasmo pelo grande público - e é curioso constatar que geralmente podemos atribuir esse fato muito mais a existência de uma plateia cada vez mais acostumada com e sedenta por um humor mais óbvio e direto do que a deméritos ou ineficiência cômica da produção. Apenas como exemplo, cito minha risada ecoando solitária pela sala 8 daquele cinema quando, durante uma cena de Amor a Toda Prova, a personagem de Julianne Moore expõe sua suspeita de estar passando por uma crise de meia-idade e acaba confessando de forma ligeiramente torturada e enlouquecida que foi escondida assistir ao último filme de Crepúsculo e que ele de fato é bastante ruim.

Dirigido pela dupla Glenn Ficarra e John Requa (O Golpista do Ano) e roteirizado por Dan Fogelman (Carros, Enrolados), o longa inicia-se com o pedido de divórcio de Emily (Moore) após vários anos de casamento com Cal (Carell). Atordoado com a notícia, o homem enfia-se em um bar e, entre bebidas e sonoras lamentações, é abordado pelo confiante e sedutor Jacob (Gosling), que oferece assessorar Cal a superar o fim do relacionamento, tornar-se um homem mais atraente e voltar a aproveitar a vida. Enquanto isso, Robbie (Bobo), o filho mais velho do casal, vê sua família ruir ao mesmo tempo que tem de aprender a lidar com decepções amorosas por não ser correspondido pela babá da família, Jessica (Tipton), uma adolescente quatro anos mais velha que ele e que também alimenta um amor platônico por uma pessoa mais velha. Paralelamente, conhecemos um pouco da vida de Hannah (Stone), uma garota que mantém um relacionamento frio e instável com o namorado Richard (Groben) e que, em certo momento, passa a pertencer ao seleto grupo de mulheres que alguma vez na vida já esnobaram as investidas de Jacob.

Ainda que não seja particularmente notável do ponto de vista narrativo, Amor a Toda Prova consegue sobressair-se especialmente graças a seu excelente elenco, liderado pelo sempre ótimo Steve Carell que, mais uma vez (lembre-se de Pequenas Miss Sunshine ou Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada), contém boa parte dos histrionismos vistos em produções como Um Jantar Para Idiotas ou no seriado The Office (exageros, no entanto, adequados em ambos os casos) para conceber um personagem sensível e romântico, mas também terrivelmente desgastado e amargurado pela rotina do casamento e do trabalho. Julianne Moore também não decepciona e, mesmo com um papel menos complexo, consegue criar momentos reveladores sobre sua personagem através, por exemplo, de sua expressividade durante um telefonema para Cal feito diretamente "do porão" ou o modo sutil como demonstra seu desconforto na companhia do amante vivido por Kevin Bacon, o grande coadjuvante de luxo do longa. Já Ryan Gosling, em uma de suas raras participações em grandes produções e fugindo de seus tradicionais papéis de homens problemáticos, consegue o quase milagre de transformar um verdadeiro clichê ambulante (o cafajeste riquinho e machista que acaba se apaixonando por uma garota especial) em uma figura carismática e plenamente capaz de despertar a empatia do público. Fechando o elenco principal, Emma Stone, em uma participação menor, consegue encantar com sua beleza e simpatia (e também a habilidade de não transformar uma cena de embriaguez em uma enxurrada de vergonha alheia), enquanto a bela Marisa Tomei encarna de forma bastante segura e descontraída uma mulher fogosa e instável, capaz de ofuscar com facilidade todo o apelo de outra profissional do ramo.

Mas, evidentemente, de nada adiantaria o admirável elenco caso não houvesse um roteiro eficiente conduzindo suas atuações - e o roteirista Dan Fogelman é particularmente competente ao construir situações fundamentalmente formulaicas de forma natural e espontânea, sem soarem ofensivas ou forçadas, ou ao conceber pequenas reviravoltas, coerentes e bem localizadas, que não buscam ser uma atração por si só, mas sim uma forma de colocar-nos na situação de desconhecimento dos personagens, convergir situações e, ainda, ajudar a movimentar a trama. Porém, nem tudo são flores: a mudança radical de um personagem (ressaltada por um travelling que mostra seu modus operandi em um bar) é forçada e abraça sem dó as convenções estabelecidas para a situação, enquanto o absurdo conselho que certa personagem recebe (e segue) sobre fotos sensuais serve apenas para fomentar uma subtrama deslocada e, na maior parte das vezes, aborrecida. Por fim, não há como ignorar a incapacidade de Fogelman de criar situações inéditas no roteiro já que, de modo geral, nenhuma das passagens vistas aqui pode ser considerada verdadeiramente original - o que, ainda assim, é perdoável, graças à eficiência de outros elementos que valorizam o conjunto da obra.

Trabalhando pela segunda vez na direção, Glenn Ficarra e John Requa revelam-se ótimas escolhas para a função, conferindo um bom ritmo à produção e demonstrando segurança e criatividade notáveis, mais que bem-vindas ao projeto. Conscientes do poder que têm em mãos, os diretores utilizam com talento e criatividade o melhor recurso disponível para contar bem a história e transmitir ou ressaltar sensações sobre o que está sendo visto na tela: a câmera. Repare, por exemplo, como em determinada sequência, o enquadramento e o posicionamento de Cal e Jacob são fielmente repetidos em diferentes ambientes, enfatizando o desconforto e a sensação de tempo estendido do primeiro diante da nudez do segundo, ou então como os diretores aproximam suavemente os personagens de Carell e Moore durante uma conversa em um corredor da escola de Robbie, permitindo que os dois dividam o mesmo quadro nos planos e contra-planos somente após o homem confessar que sente falta da mulher. Ainda, com a colaboração do montador Lee Haxall e dos compositores Christophe Beck e Nick Urata, a direção de Ficarra e Requa oferece também sua contribuição à definição da personalidade dos personagens, como o plano que ressalta a imponência e confiança de Jacob na sacada de um shopping ou a montagem clichê do rapaz e Cal fazendo compras, divertida por seu dinamismo. Para completar, a sequência que mostra a aproximação dos personagens de Gosling e Stone merece destaque por expôr com competência o casal abrindo mão lentamente da impessoalidade da sua até então breve relação - sem, contudo, deixar de divertir o público (a cena rápida da cadeira de massagem e a referência a Dirty Dancing - Ritmo Quente colaboram nesse ponto)

Não resistindo à tentação de encerrar-se com um discurso sentimentalóide (mas honesto) de um personagem diante de uma grande e silenciosa audiência, após estender-se um pouco que o necessário, Amor a Toda Prova cumpre bem a função de entreter e divertir sem, contudo, colocar as piadas acima da inteligência do espectador. É um filme que ganha o público com seus diálogos divertidos, como aquele em que um colega de trabalho de Cal faz seu divórcio parecer algo bom simplesmente por não ser câncer. E que fique claro que, quando citei comédias ruins no início desse texto, não foi com a intenção de, assim como no diálogo citado, fazer Amor a Toda Prova parecer bom apenas porque os outros são piores, mas sim de concluir que não só roteiristas como Bruno Mazzeo ou Rosana Ferrão ainda têm muito a aprender, como também que cabe ao público buscar melhores opções de humor e entender que algo um pouco mais sofisticado não significa menos divertido. E nada mais justo que, ao pagar o salgado preço do ingresso, você seja recompensado com algo que vá além do mau gosto de palavras obscenas, flatos ou membros grotescos.