4 de julho de 2011

Crítica | Corações Perdidos

por Eduardo Monteiro

Welcome to the Rileys, Reino Unido/EUA, 2010 | Duração: 1h50m51s | Lançado no Brasil em 8 de Julho de 2011, nos cinemas | Escrito por Ken Hixon | Dirigido por Jake Scott | Com James Gandolfini, Kristen Stewart, Melissa Leo, Joe Chrest, Ally Sheedy, Tiffany Coty, Eisa Davis e Lance E. Nichols.

Corações Perdidos compartilha uma série de características com o recente Reencontrando a Felicidade, dirigido por John Cameron Mitchell e estrelado por Nicole Kidman: de modo geral, ambos acompanham casais que tentam superar, cada um a seu modo, a morte prematura de seus únicos filhos. No entanto, se o primeiro investia em um denso e angustiante estudo de personagens (que em nada se adequava ao péssimo título nacional), aqui o roteiro apela para soluções relativamente fáceis e encontros pouco críveis que comprometem moderadamente o resultado final - sem diminuir, no entanto, as ótimas interpretações do elenco principal.

Dirigido por Jake Scott a partir do roteiro de Ken Hixon, Corações Perdidos (Welcome to the Rileys, no original) convida o espectador a observar de perto a dinâmica familiar de Douglas (Gandolfini) e Lois Riley (Leo) enquanto têm de enfrentar o sofrimento diante da morte de sua única filha. Tentando superar a tragédia, o homem recorre a jogos de azar e a um caso extraconjugal enquanto a mulher se mantém enjaulada dentro da própria casa durante meses após desenvolver uma espécie de síndrome do pânico. É então que, durante uma viagem a Nova Orleans para uma convenção de negócios, Doug se aproxima da stripper adolescente Mallory (Stewart), relação que pode ajudar a preencher o vazio da perda da filha e, ao mesmo tempo, surgir como uma oportunidade de se distanciar de seu sufocante lar em Indianápolis. No entanto, quando fica sabendo da decisão do marido de permanecer longe de casa por um tempo, Lois decide enfrentar sua fobia e parte atrás de Doug para tentar salvar seu casamento.

Usando boa parte do primeiro ato para construir o clima de desolamento que assola a residência e o dia-a-dia dos Rileys, o diretor e o roteirista não se preocupam em suavizar o inferno astral dos personagens para introduzir suas agústias - e, assim, são incluídos a morte de uma personagem secundária, a irmã megera que julga Lois por não sair de casa e a visita inconveniente que comete a gafe de perguntar sobre a filha. Por outro lado, há também composições beneficiadas por uma surpreendente sutileza como, por exemplo, quando já é possível supor um pouco sobre a condição psicológica de Doug logo nos primeiros minutos de projeção, ao omitir na escuridão de um quintal silencioso o rosto solitário de Gandolfini, que só é revelado pela fantasmagórica chama de seu isqueiro, o que podemos encarar como uma sugestão do assombro que o acidente da filha ainda representa para aquele homem, já que a claridade do fogo remete ao carro em chamas visto imediatamente antes daquela cena.

E se por um lado a decisão de Doug em permanecer morando na casa de uma desconhecida soa forçada,  por outro não é difícil compreender suas razões em querer distância de Indianápolis, já que na cidade há, inclusive, uma lápide com os nomes e anos de nascimento do casal Riley apenas esperando por suas mortes, como se estivessem condenados a permanecer presos àquela cidade e àquele ambiente até o fim de suas vidas, ou ainda, como se já estivessem um pouco mortos. E ainda, Lois, presa a seu autoimposto isolamento social, vive sua vidinha tendo que se apegar à própria vaidade e a picuinhas (como coibir o marido de fumar na garagem) para tentar dar alguma nova razão à sua existência. Assim, também é adequado que sua expressão mude completamente ao ser abordada e elogiada por um homem em um bar na beira da estrada ou após concluir o translado sem maiores problemas e ser bem recebida pelo orgulhoso marido.

Por isso, desconsiderando a repentinidade da aproximação de Mallory, Doug e Lois, é possível apreciar a preocupação do casal com o futuro da garota assim como a disposição dela em incentivar a mulher e o marido a dialogarem e pararem de se culpar pela morte da filha - e, afinal de contas, são esses os dois conflitos que movem a narrativa. Assim, por mais óbvio que seja, é extremamente confortante para o espectador perceber como a interação entre aquelas pessoas faz naturalmente bem a elas, de modo que todos acabam beneficiados pela relação. No entanto, o fato de conhecerem pouco uns aos outros não é descartado, criando uma incômoda sensação de que aquela convivência dificilmente se transformará em algo concreto e duradouro.

Mas o que inegavelmente ajuda a disfarçar as esquemáticas relações entre os personagens são os bons trabalhos de seus intérpretes. James Gandolfini assume bem o papel de homem desconsolado e desestimulado, que internaliza seu sofrimento e não consegue mais apreciar coisas simples da vida, como uma descontraída conversa com amigos no bar, enquanto Kristen Stewart ao menos não precisa fazer sua cara de indigestão que marca sua interpretação na "saga" Crepúsculo, representando um interessante contraponto à postura conservadora dos Rileys (especialmente de Lois) e se saindo particularmente bem como uma jovem e degradada garota obrigada a assumir o controle da própria vida antes mesmo de ter a maturidade necessária parra isso - e por ser naturalmente atingida pelas dramáticas consequências desse fato (principalmente as dificuldades financeiras), é aceitável que a ajuda oferecida pelo personagem de Gandolfini seja bem recebida por ela. Mas é Melissa Leo quem novamente rouba as atenções, vivendo com imenso talento e angústia a personagem que vivencia as maiores mudanças e enfrenta os maiores desafios da história - e em momento algum ela nos deixa esquecer de como aquele processo está sendo difícil, mas também o quanto é importante.

Ainda assim, a inexperiência do diretor é evidenciada na condução equivocada de algumas cenas, que acabam errando gravemente no tom - e quando digo isso, me refiro principalmente àquelas envolvendo as dificuldades enfrentadas por Lois para lidar com as modernidades de um carro, que deveriam transmitir apreensão ou até mesmo desespero mas acabam ganhando involuntariamente (ou não?) um tom de comicidade. Já a fotografia, mesmo seguindo uma lógica adequada (fria em momentos angustiantes e conflituosos, e quente em momentos confortantes e conciliadores), peca ao alternar drasticamente de tons frios para quentes após um corte ocorrido no meio de uma cena reflexiva de Doug em frente a uma geladeira, expondo de forma inoportuna a artificialidade do tratamento da imagem. Da mesma forma, o instante em que a personagem de Leo caminha à noite ao ar livre seria uma boa apreciação da libertação da mulher, caso não estivesse acompanhado por uma trilha que pontua os passos da atriz e distrai o espectador (no restante do longa, a trilha se revela correta).

Mas Corações Perdidos volta a falhar gravemente quando, tendo preparado o terreno para concluir o filme de uma forma adequadamente pessimista e melancólica, acaba apelando para um desfecho reconfortante que só pode ser explicado por pressões comerciais. O que é uma pena pois, bancado pela produtora do pai e do tio, Jake Scott acaba ficando em uma posição apenas intermediária no "ranking dos Scott" em 2010: seu segundo longa-metragem é inegavelmente superior ao decepcionante Robin Hood do papai Ridley, mas inferior ao bom Incontrolável do titio Tony. Ou seja: é um ótimo momento para os Scott trocarem algumas idéias.