por Eduardo Monteiro



Winnie the Pooh, EUA, 2011 | Duração: 1h03m03s | Lançado no Brasil em 8 de Julho de 2011, nos cinemas | Escrito por Stephen Anderson, Clio Chiang, Don Dougherty, Don Hall, Kendelle Hoyer, Brian Kesinger, Nicole Mitchell e Jeremy Spears | Dirigido por Stephen J. Anderson e Don Hall | Com as vozes de Jim Cummings, Bud Luckey, Craig Ferguson, Jack Boulter, Travis Oates, Kristen Anderson-Lopez, Wyatt Dean Hall, Tom Kenny, Huell Howser e a narração de John Cleese.
Winnie the Pooh é o primeiro contato que tenho com histórias estreladas pelos personagens criados por A.A. Milne e, por ter sido promovido como um retorno às origens da franquia (aspecto sobre o qual não poderei me aprofundar), acredito que tenha sido uma situação bastante oportuna. Mesmo consciente da faixa etária para a qual a obra é voltada, fui ao cinema sem saber muito bem o que esperar, impasse esse que foi quase totalmente resolvido durante a exibição do curta A História de Nessie, que antecede o longa. Dotado de uma narrativa simples e imaginativa, a pequena produção é encerrada com a elucidação da lição aprendida com a história, que se aplica diretamente à fase da infância do grande público-alvo e é uma bem-vinda adição ao desenvolvimento da personalidade e dos valores desses pequenos indivíduos.
O longa, em si, também não é muito diferente. Escrito por nada menos que 8 pessoas a partir dos personagens criados por A.A. Milne e ilustrados por E.H. Shepard há mais de 80 anos, Winnie the Pooh nos leva ao imaginário Bosque dos Cem Acres, onde o garoto Christopher Robin (Boulter) interage com seus próprios brinquedos de pelúcia. Num belo dia, o ursinho Pooh (Cummings) acorda e percebe que seu estoque de mel chegou ao fim e, quando sai de casa à procura de um pouco da substância viscosa, encontra o burro Ió (Luckey) e nota que este perdeu sua cauda. Enquanto Pooh e seus amigos tentam reparar a perda do (agora ainda mais) tristonho Ió, Christopher Robin desaparece deixando uma carta que, mal interpretada pelos personagens, fomenta a criação de um plano para derrotar o vilão imaginário Voltogo e resgatar a criança.
Inteiramente rodado em animação em 2D (com exceção de duas cenas, uma no início e outra no fim, que apresentam o quarto e os brinquedos de Christopher Robin em "live action"), o longa é irrepreensível do ponto de vista técnico, apresentando traços bem definidos para os personagens em contraste com uma paisagem mais rústica, imperfeita e irregular, que confere um acertado destaque dos personagens em relação ao fundo e favorece a dimensionalização espacial. Ainda assim, os realizadores não se prendem às limitações da concepção tradicional de E.H. Shepard e inovam durante os sempre divertidos números musicais, conferindo, por exemplo, um maior realismo ao mel visto nos delírios de Pooh ou estilizando os personagens e cenários quando estes aparecem desenhados em uma lousa. Da mesma forma, a ideia de colocar Pooh e sua turma interagindo com letras e frases do livro onde está escrita a história - situações essas que geram até mesmo palpites sobre o andamento da narrativa ("A história está indo muito rápido" queixa-se Pooh após ser literalmente atropelado por um parágrafo inteiro) - é extremamente adequada à natureza imaginativa do projeto - o que naturalmente prejudica a versão nacional, ainda que seja perdoável se considerarmos a inabilidade de crianças pequenas de ler os escritos que surgem na tela e a grande dificuldade logística de traduzir os textos respeitando a noção espacial de determinados momentos (como a escada formada por uma frase sugestiva).
Do ponto de vista narrativo, no entanto, Winnie the Pooh não é totalmente bem sucedido. Obrigado a entreter a criançada intercalando gags com números musicais e ainda arrematar com uma lição de moral, o longa não consegue sequer exercer todas essas funções a partir de uma só linha narrativa, mantendo de forma relativamente desarmoniosa duas tramas paralelas (a busca por uma nova cauda para Ió e o resgate de Christopher Robin das garras do Voltogo) que jamais caminham com a fluidez esperada. Para completar, a lição apresentada nos minutos finais de projeção soa como fruto apenas das necessidades educacionais do projeto já que, além de boba e forçada, falha por não ficar evidente pelas ações dos personagens e precisar, portanto, ser verbalizada - e, em análise mais profunda, pode ser encarada até como hipócrita, já que as próprias atitudes dos personagens durante toda a projeção contradizem a mensagem.
Mas o que torna as peripécias de Pooh e seus amigos realmente encantadoras é a inocência e a ingenuidade de seus comportamentos, numa abordagem que jamais seria capaz de usar, por exemplo, um alfinete espetado no traseiro de um personagem como uma oportunidade para uma piada maldosa ou homofóbica. O que vemos, na verdade, são diversos elementos daquele universo sendo usados de forma divertida e bastante imaginativa, como um cercadinho de uma horta que se torna uma arena de boxe (com tomates servindo como luvas) ou lápis de cor virando ameaçadores espetos. Também bastante agradável é o humor suave e despretensioso que, sem apelar para consolidar suas gags, acaba remetendo mesmo que involuntariamente ao clássico seriado televisivo Chaves, quando, por exemplo, nos divertimos com o adoravelmente covarde Leitão (Oates) cortando uma corda em vários pedaços pequenos para resgatar um número maior de amigos de um buraco ou quando o inteligente Corujão (Ferguson) consegue sair e retornar desse mesmo local sem perceber que sua capacidade de voar seria a solução para os problemas.
A aproximação do universo infantil também é um aspecto bem desenvolvido durante a projeção, algo alcançado colocando os próprios personagens como figuras infantis, como nas vezes em que Pooh encara uma palavra desconhecida e logo procura descobrir seu significado ou quando é solicitado que o Leitão busque algo longo para resgatar os amigos de um buraco e ele retorna com um livro. Assim, é curioso notar como os personagens atribuem todos seus temores e frustrações pessoais como sendo obra das ações de Voltogo que, longe de ser ameaçador por motivos verdadeiramente mórbidos ou tenebrosos, surge como o autor de todas as coisas desagradáveis que afligem aquele grupo de amigos.
Contando ainda com canções leves (algumas interpretadas por Zooey Deschanel na versão original e por Fernanda Takai na versão brasileira) e elementos surpreendemente adultos, como a depressão crônica de Ió (quando ele finalmente recupera a cauda e é questionado se está feliz, reponde firmemente que não, mas que está grato por a terem recuperado), Winnie the Pooh é uma produção repleta de estímulos audiovisuais ideias para o desenvolvimento criativo das crianças e, por isso, uma montagem que exibe Ió experimentando diferentes caudas poderia ser considerada ofensiva pela falta de originalidade mas, aqui, é perdoável. No entanto, o público-alvo não ser capaz de detectar certas inconsistências e Pooh (algo que ele mesmo alega) ter cérebro pequeno não quer dizer que todos nós também devemos ser e ter. Winnie the Pooh tem alguns problemas mas, de um modo geral, representa um gracioso e legítimo retorno da turma do Bosque dos Cem Acres à tela grande.
Obs.: há uma cena adicional após os créditos finais que, dentro da liberdade imaginativa proposta pelo longa, é adequadamente divertida.
