31 de julho de 2011

Crítica | Winnie the Pooh

por Eduardo Monteiro

Winnie the Pooh, EUA, 2011 | Duração: 1h03m03s | Lançado no Brasil em 8 de Julho de 2011, nos cinemas | Escrito por Stephen Anderson, Clio Chiang, Don Dougherty, Don Hall, Kendelle Hoyer, Brian Kesinger, Nicole Mitchell e Jeremy Spears | Dirigido por Stephen J. Anderson e Don Hall | Com as vozes de Jim Cummings, Bud Luckey, Craig Ferguson, Jack Boulter, Travis Oates, Kristen Anderson-Lopez, Wyatt Dean Hall, Tom Kenny, Huell Howser e a narração de John Cleese.

Winnie the Pooh é o primeiro contato que tenho com histórias estreladas pelos personagens criados por A.A. Milne e, por ter sido promovido como um retorno às origens da franquia (aspecto sobre o qual não poderei me aprofundar), acredito que tenha sido uma situação bastante oportuna. Mesmo consciente da faixa etária para a qual a obra é voltada, fui ao cinema sem saber muito bem o que esperar, impasse esse que foi quase totalmente resolvido durante a exibição do curta A História de Nessie, que antecede o longa. Dotado de uma narrativa simples e imaginativa, a pequena produção é encerrada com a elucidação da lição aprendida com a história, que se aplica diretamente à fase da infância do grande público-alvo e é uma bem-vinda adição ao desenvolvimento da personalidade e dos valores desses pequenos indivíduos.

O longa, em si, também não é muito diferente. Escrito por nada menos que 8 pessoas a partir dos personagens criados por A.A. Milne e ilustrados por E.H. Shepard há mais de 80 anos, Winnie the Pooh nos leva ao imaginário Bosque dos Cem Acres, onde o garoto Christopher Robin (Boulter) interage com seus próprios brinquedos de pelúcia. Num belo dia, o ursinho Pooh (Cummings) acorda e percebe que seu estoque de mel chegou ao fim e, quando sai de casa à procura de um pouco da substância viscosa, encontra o burro Ió (Luckey) e nota que este perdeu sua cauda. Enquanto Pooh e seus amigos tentam reparar a perda do (agora ainda mais) tristonho Ió, Christopher Robin desaparece deixando uma carta que, mal interpretada pelos personagens, fomenta a criação de um plano para derrotar o vilão imaginário Voltogo e resgatar a criança.

Inteiramente rodado em animação em 2D (com exceção de duas cenas, uma no início e outra no fim, que apresentam o quarto e os brinquedos de Christopher Robin em "live action"), o longa é irrepreensível do ponto de vista técnico, apresentando traços bem definidos para os personagens em contraste com uma paisagem mais rústica, imperfeita e irregular, que confere um acertado destaque dos personagens em relação ao fundo e favorece a dimensionalização espacial. Ainda assim, os realizadores não se prendem às limitações da concepção tradicional de E.H. Shepard e inovam durante os sempre divertidos números musicais, conferindo, por exemplo, um maior realismo ao mel visto nos delírios de Pooh ou estilizando os personagens e cenários quando estes aparecem desenhados em uma lousa. Da mesma forma, a ideia de colocar Pooh e sua turma interagindo com letras e frases do livro onde está escrita a história - situações essas que geram até mesmo palpites sobre o andamento da narrativa ("A história está indo muito rápido" queixa-se Pooh após ser literalmente atropelado por um parágrafo inteiro) - é extremamente adequada à natureza imaginativa do projeto - o que naturalmente prejudica a versão nacional, ainda que seja perdoável se considerarmos a inabilidade de crianças pequenas de ler os escritos que surgem na tela e a grande dificuldade logística de traduzir os textos respeitando a noção espacial de determinados momentos (como a escada formada por uma frase sugestiva).

Do ponto de vista narrativo, no entanto, Winnie the Pooh não é totalmente bem sucedido. Obrigado a entreter a criançada intercalando gags com números musicais e ainda arrematar com uma lição de moral, o longa não consegue sequer exercer todas essas funções a partir de uma só linha narrativa, mantendo de forma relativamente desarmoniosa duas tramas paralelas (a busca por uma nova cauda para Ió e o resgate de Christopher Robin das garras do Voltogo) que jamais caminham com a fluidez esperada. Para completar, a lição apresentada nos minutos finais de projeção soa como fruto apenas das necessidades educacionais do projeto já que, além de boba e forçada, falha por não ficar evidente pelas ações dos personagens e precisar, portanto, ser verbalizada - e, em análise mais profunda, pode ser encarada até como hipócrita, já que as próprias atitudes dos personagens durante toda a projeção contradizem a mensagem.

Mas o que torna as peripécias de Pooh e seus amigos realmente encantadoras é a inocência e a ingenuidade de seus comportamentos, numa abordagem que jamais seria capaz de usar, por exemplo, um alfinete espetado no traseiro de um personagem como uma oportunidade para uma piada maldosa ou homofóbica. O que vemos, na verdade, são diversos elementos daquele universo sendo usados de forma divertida e bastante imaginativa, como um cercadinho de uma horta que se torna uma arena de boxe (com tomates servindo como luvas) ou lápis de cor virando ameaçadores espetos. Também bastante agradável é o humor suave e despretensioso que, sem apelar para consolidar suas gags, acaba remetendo mesmo que involuntariamente ao clássico seriado televisivo Chaves, quando, por exemplo, nos divertimos com o adoravelmente covarde Leitão (Oates) cortando uma corda em vários pedaços pequenos para resgatar um número maior de amigos de um buraco ou quando o inteligente Corujão (Ferguson) consegue sair e retornar desse mesmo local sem perceber que sua capacidade de voar seria a solução para os problemas.

A aproximação do universo infantil também é um aspecto bem desenvolvido durante a projeção, algo alcançado colocando os próprios personagens como figuras infantis, como nas vezes em que Pooh encara uma palavra desconhecida e logo procura descobrir seu significado ou quando é solicitado que o Leitão busque algo longo para resgatar os amigos de um buraco e ele retorna com um livro. Assim, é curioso notar como os personagens atribuem todos seus temores e frustrações pessoais como sendo obra das ações de Voltogo que, longe de ser ameaçador por motivos verdadeiramente mórbidos ou tenebrosos, surge como o autor de todas as coisas desagradáveis que afligem aquele grupo de amigos.

Contando ainda com canções leves (algumas interpretadas por Zooey Deschanel na versão original e por Fernanda Takai na versão brasileira) e elementos surpreendemente adultos, como a depressão crônica de Ió (quando ele finalmente recupera a cauda e é questionado se está feliz, reponde firmemente que não, mas que está grato por a terem recuperado), Winnie the Pooh é uma produção repleta de estímulos audiovisuais ideias para o desenvolvimento criativo das crianças e, por isso, uma montagem que exibe Ió experimentando diferentes caudas poderia ser considerada ofensiva pela falta de originalidade mas, aqui, é perdoável. No entanto, o público-alvo não ser capaz de detectar certas inconsistências e Pooh (algo que ele mesmo alega) ter cérebro pequeno não quer dizer que todos nós também devemos ser e ter. Winnie the Pooh tem alguns problemas mas, de um modo geral, representa um gracioso e legítimo retorno da turma do Bosque dos Cem Acres à tela grande.

Obs.: há uma cena adicional após os créditos finais que, dentro da liberdade imaginativa proposta pelo longa, é adequadamente divertida.

28 de julho de 2011

Crítica | O Casamento do Meu Ex

por Eduardo Monteiro

The Romantics, EUA, 2010 | Duração: 1h36m35s | Lançado no Brasil em 23 de Junho de 2011, nos cinemas | Escrito por Galt Niederhoffer | Dirigido por Galt Niederhoffer | Com Katie Holmes, Josh Duhamel, Anna Paquin, Malin Akerman, Adam Brody, Dianna Agron, Jeremy Strong, Rebecca Lawrence, Candice Bergen e Elijah Wood.

Sabe aquela sensação de "eu já vi este filme antes"? Pois é. Está ficando cada vez mais comum. Quando escrevi sobre O Noivo da Minha Melhor Amiga, observei como o subgênero formado por histórias de relacionamentos amorosos mal resolvidos entre noivos, padrinhos e madrinhas às vésperas do casamento está em franca expansão, mas lamentei que isto não é algo exatamente bom, quando os lançamentos não apresentam nada de novo ou interessante. Por isso, foi uma agradável surpresa constatar que O Casamento do Meu Ex, mesmo não podendo ser considerado particularmente original, funciona bem o bastante para não ser considerado medíocre.

Adaptado e dirigido por Galt Niederhoffer a partir de um romance de sua própria autoria, o filme acompanha a reunião de um grupo de amigos para o casamento de Tom (Duhamel) e Lila (Paquin) em uma casa de praia em Nova York. No entanto, o clima não é totalmente harmonioso, já que os casais de amigos não parecem muito seguros de suas próprias relações e Laura (Holmes), a única solteira dentre as damas de honra, teve um romance mal resolvido no passado com Tom, com quem inclusive não fala há anos. Mas a convivência forçada na noite anterior à cerimônia (com o auxílio de bebidas alcoolicas) pode ser fundamental para que todas aquelas pessoas entendam melhor seus sentimentos e reavaliem suas relações.

Para começar, O Casamento do Meu Ex ganha pontos por não se debruçar sobre o humor para desenvolver sua história e entreter o público. Por mais que conte com uma parcela de personagens secundários arquetípicos e dotados de comportamentos peculiares e excêntricos, o longa não pode ser considerado sequer uma comédia romântica. Assim, o drama vivido pela personagem de Katie Holmes é introduzido gradativamente (diferentemente de O Noivo da Minha Melhor Amiga, por exemplo, não há flashbacks), pecando apenas por soar expositivo demais em alguns instantes (o ensaio do discurso de Laura em frente ao espelho é um bom exemplo disso), mas beneficiado pelo sensível e contido desempenho da atriz. E enquanto Josh Duhamel pouco tem a fazer com um personagem em cima do muro, Anna Paquin se sai bem ao ilustrar a total insegurança de Lila em meio a doces, bebidas e cigarros, e sua inquestionável ânsia de que o casamento se concretize o mais breve possível, temendo que algo de inconveniente aconteça. Paralelamente, os casais Tripler (Akerman) e Pete (Strong), e Jake (Brody) e Weesie (Lawrence) ganham seus próprios e pequenos arcos que, ainda que simples, são bons indicativos sobre a personalidade de casa um. O mesmo não pode ser dito, porém, sobre a família da noiva: a única que chega perto de um papel interessante é a mãe (Bergen), com as preocupações e neuroses típicas das matriarcas, já que os irmãos Chip (Wood) e Minnow (Agron) são aborrecidos e não acrescentam praticamente nada à narrativa.

Com grande conhecimento do próprio material, Niederhoffer conduz a narrativa sem maiores problemas e é particularmente feliz em três momentos distintos do longa, todos eles envolvendo discursos ou diálogos que não só ajudam a definir as relações entre o triângulo amoroso como também pontuam de forma sensível a evolução psicológica de Laura diante da situação (mesmo que em uma delas peque pela falta de imaginação do mise-en-scène, alternando os tópicos da conversa juntamente com as árvores vistas ao fundo). Além disso, a diretora faz uso constante de câmera na mão, que ajuda a conferir um bem-vindo realismo às situações - o que não suaviza a inadequada decisão de incluir discursos constrangedores no jantar de ensaio ou o dramalhão do vestido rasgado. Da mesma forma, a diretora abusa um pouco da meteorologia para consolidar o simbolismo de seu desfecho, que ao menos é interessante por ser mais sugestivo do que conclusivo.

Contando ainda com uma boa trilha sonora composta por Jonathan Sadoff - que abre mão, por exemplo, da marcha nupcial em função de uma música mais adequada ao clima daquele matrimônio -, O Casamento do Meu Ex supera outros semelhantes por focar na busca pela retomada do romantismo (qual o problema com Os Românticos, tradução literal do título original?) perdido em algum lugar do passado recente de seus personagens ao invés de investir em um gênero desgastado, dependente de amontoados de piadas e gags para desviar a atenção do espectador de seus personagens unidimensionais. E a julgar pela construção cuidadosa de sua protagonista e das três cenas-chave com falas afiadas que citei anteriormente, nada mais justo que o filme receba uma tímida e breve recomendação.

20 de julho de 2011

Crítica | A Inquilina

por Eduardo Monteiro

The Resident, Reino Unido/EUA, 2011 | Duração: 1h31m19s | Lançado no Brasil em 22 de Julho de 2011, nos cinemas | Escrito por Antti J. Jokinen & Robert Orr | Dirigido por Antti J. Jokinen | Com Hilary Swank, Jeffrey Dean Morgan, Lee Pace, Aunjanue Ellis, Sean Rosales e Christopher Lee.

A Inquilina é um filme desenvolvido a partir de uma ideia assumidamente fraca. Após dedicar menos de trinta minutos da projeção à construção de um suspense de natureza a princípio desconhecida, o diretor-roteirista Antti J. Jokinen escancara a fragilidade de sua premissa ao esclarecer todo o mistério que, pela quantidade e obviedade dos elementos apresentados até então, se revela surpreendente apenas para aqueles que não conferiram nenhum material de divulgação (incluindo aí cartazes e trailer) ou que tenham dormido durante o primeiro terço do filme. E se em algum momento dessa crítica ficar excessivamente óbvia a resposta a esse mistério, acredite: a culpa não é minha, já que apresentarei basicamente os mesmos elementos que o longa oferece.

Escrito por Jokinen juntamente com Robert Orr (Anjos da Noite - A Rebelião), o roteiro acompanha a médica plantonista Juliet (Swank), que procura um apartamento em Nova York após um desentendimento com o namorado em função de uma traição. Graças a um anúncio divulgando suas intenções, ela é contatada por Max (Morgan), o simpático e solícito proprietário de um prédio com unidades disponíveis para locação a preços irrisórios para a realidade novaiorquina. Mas, após se dar conta de que é uma personagem de um filme de suspense, Juliet passa a ter medo de escuro, de portas rangendo ou de janelas abertas, temores esses que apenas ao público fazem sentido, já que descobrimos que a mulher é observada por alguém com acesso ao interior das paredes da edificação - e os principais suspeitos são o estranho avô de Max, August (Lee), e um misterioso homem (Pace) que observa de longe Juliet entrar e sair do prédio.

Por um lado, Jokinen até consegue criar um clima de inquietação nos primeiros dias de Juliet no apartamento, quando sugere que a protagonista pode estar sendo observada ao posicionar a câmera debaixo de sua cama ou ao passear pelo corpo de Swank de forma sugestivamente erótica enquanto ela passa creme em frente a um grande espelho. Mas, enquanto alguns desses elementos são simplesmente descartados pelo roteiro (a má recepção de sinal para telefone celular no prédio, por exemplo, nunca é usada como dificultador), os restantes deixam de ser sugestivos durante o longo flashback que, ao invés de apenas responder à pergunta central e deixar o espectador fazer mentalmente seu próprio retrospecto, revisita praticamente todas as cenas anteriores dando-lhes supostos novos significados - e nos poucos pontos que acrescenta algo realmente imprevisível, apenas piora o quadro geral (como engolir as convenientes coincidências?). Pior do que isso, a longa duração dessa sequência deixam a impressão de que os realizadores julgam que a reviravolta concebida por eles é mesmo sensacional e merece ser esmiuçada nos mínimos detalhes - e convenhamos que, com vinte e tantos minutos de narrativa e apenas três possíveis opções (sendo duas delas introduzidas como muito suspeitas), a incapacidade de dedução do espectador pode ser considerado quase um indicativo de preguiça.

E mesmo que Juliet ainda não esteja a par da reviravolta, ela continua a agir como se realmente soubesse estar em um filme de suspense e, assim, quando começa a dormir demais e perder o horário, a primeira ideia que tem é instalar um sofisticado sistema de câmeras de vigilância ativado por um detector de movimentos, simplesmente por suspeitar que há algo assustador no apartamento que a faz dormir demais. Ainda nesse aspecto, em certo momento, Juliet encontra em seu quarto um objeto suspeito que a motiva a realizar alguns exames, mas ainda assim parece incapaz de formular hipóteses sobre o que pode estar acontecendo, chegando ao cúmulo quando ela recebe os resultados desses testes e afirma para alguém que "há algo de errado no apartamento, mas não sei o que é". Como se não bastasse, o complemento dessa frase ("Não vá para lá!", enquanto ela, indefesa, está fazendo exatamente o oposto) ressalta um elemento fundamental para que o terceiro ato da trama funcione como mais um típico exemplar do gênero: a burrice.

Revelando-se muito mais competente como atriz do que como produtora (além de A Inquilina, ela também produziu este ano o igualmente irrelevante O Noivo da Minha Melhor Amiga), Hilary Swank faz o que pode com uma personagem que dá falsas esperanças amorosas a um homem apenas para depois desprezá-lo, com a mesma categoria que atende a um telefone celular achando que se trata da mesma pessoa da ligação anterior (meu Deus, será que ainda fazem celulares sem identificador de chamada?) e, mais uma vez em sua carreira, não se intimida em expor sua nudez em cena para fins narrativos. E se Jeffrey Dean Morgan e Lee Pace cumprem bem suas funções por mais imbecis que sejam, Christopher Lee é desperdiçado de forma quase ofensiva como um idoso que exibe um comportamento deliberadamente suspeito até o momento em que surge espiando a movimentação do hall por uma enorme fresta da porta entreaberta de seu apartamento ao invés de simplesmente utilizar o olho-mágico.

E por mais que Jokinen e Orr tentem conferir algum significado maior às ações vistas no segundo terço da narrativa através de pistas sobre o passado dos personagens, a verdade é que os sustos que Juliet toma sozinha e as cenas em que é inconscientemente assediada não causam nenhuma emoção e estão ali apenas para encaminhar a narrativa para o confronto final que, pela estupidez e longevidade, consegue variar entre o ridículo e a comicidade involuntária - e ainda é prejudicado por se passar em ambientes excessivamente escuros, que dificultam o entendimento do espectador sobre a geografia dos cenários. No entanto, há exceções nas quais o diretor chega perto de acertar e, dentre elas, uma que vale ser citada ocorre quando, numa curiosa inversão de papéis e com a ajuda da trilha sonora, assustamos com o vilão quase sendo desvendado por Juliet - mas, poucos segundos depois, já estamos nos perguntando se uma agulhada por debaixo da unha do dedão do pé é realmente a forma mais segura e discreta de dopar uma pessoa ou se o plano-detalhe do procedimento está ali apenas para causar repulsa no público.

Fazendo um mau uso de câmera lenta e incorporando elementos de outras produções famosas (há um plano em particular claramente inspirado em O Quarto do Pânico, de David Fincher), o finlandês Antti J. Jokinen sai de uma carreira de documentários e séries televisivas para uma empreitada nos cinemas que, talvez, tenha falhado principalmente na escolha do gênero, já que A Inquilina é decepcionante na subversão e previsível na fidelidade ao suspense. O que não significa que seu péssimo roteiro funcionaria em qualquer outro gênero sem que, digamos, fosse jogado inteiro no lixo e reescrito página a página - mas dessa vez com alguma inteligência. Bom, quem sabe da próxima vez ele acerta.

12 de julho de 2011

As amizades da PlayArte

Ano passado, duas animações estrangeiras (uma australiana e outra japonesa) não muito infantis chegaram aos cinemas brasileiros sob os cuidados da PlayArte. Para tentar atrair sabe-se lá qual público, a distribuidora manteve parte dos títulos originais e adicionou a eles subtítulos nacionais que curiosamente explicitavam as amizades vistas naqueles filmes, mesmo que isso não fosse exatamente necessário.




E se você é um daqueles que acham que dois lançamentos seguidos não constituem uma tendência, nada como viver um dia após o outro e descobrir que, muito em breve, a PlayArte trará ao Brasil o drama francês Loup.


8 de julho de 2011

7 filmes depois e os fãs de Harry Potter NÃO aprendem!

Estive observando a movimentação da venda de ingressos antecipados para Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2 e novamente cheguei às mesmas conclusões que havia chegado nos lançamentos dos filmes anteriores - por isso vim aqui compartilhá-las. Para aqueles que não me conhecem, entendam que sou sistemático e encrenquinha.

"Meu Deus, controlem-se!"

Após 7 filmes do [clichê de jornalista preguiçoso e desatualizado on] bruxinho mais famoso do cinema [clichê de jornalista preguiçoso e desatualizado off], aprendi algumas lições que, aparentemente, muitos não aprenderam:

Mesmo nunca tendo ido a uma, sei que sessões de "pré-estreia" (como geralmente são 00h01, não são de fato pré-estreia) de 00h00 são para fanáticos, no pior sentido da palavra: aqueles que acham que gritar é permitido. Claro que quem acha isso aceitável, ótimo, boa sessão! Além do mais, aos 20 anos já consigo controlar certos fanatismos (e eu SOU um grande fã de Harry Potter), e autocontrole é uma dádiva (divaguei, mas isso passou a ser permitido quando adicionei a este post o marcador "divagações").

Galerinha de prontidão pra berrar durante o filme do bruxinho mais famoso do cinema.

Venda antecipada para o fim de semana é uma cilada. Apenas ingressos para uma sala são vendidos (pelo menos aqui em BH) e geralmente esgotam, enquanto na ocasião da estreia não será apenas uma sala exibindo o filme. Ou seja: você estará garantindo seu ticket para as sessões MAIS cheias - somando-se ainda os fanáticos berrantes que não conseguiram ingressos para as sessões de 00:00.

Ingresso.com para Belo Horizonte: sessões com fonte escura estão esgotadas, a pouco menos de uma semana da estreia.

Segunda-feira, o Cinemark faz preço promocional, saindo por R$3 a meia e R$6 a inteira (novamente, pelo menos aqui em Belo Horizonte) - e, além disso, o público tende a ser mais comportado e educado. Infelizmente, esse ano talvez não ocorra esse preço vantajoso, já que geralmente a promoção é suspensa em período de férias. Independente disso, segunda-feira é mais barato e o frenesi é menor. Já é alguma vantagem.

No entanto, elas também não estão livres de pessoas desagradáveis. Em As Relíquias da Morte: Parte 1 fui em uma sessão de segunda-feira e, atrás de mim, durante a primeira cena do filme, um rapaz explicou para a namorada: "esse é o vilão". Ora, como se a maquiagem, a fotografia e o figurino não fossem claros o bastante e como se não houvessem sido lançados 6 filmes da série, o jovem ainda por cima subestimou a inteligência da garota, que poderia perfeitamente entender isso durante a projeção. Quando ele demonstrou que as explicações triviais continuariam, eu e uma amiga tivemos que pedir que se calasse.

"Olá! Apesar de não aparentar, eu sou o vilão do filme!"
Ou seja: devo ir sexta-feira, em uma sessão não lotada (e não 3D) com ingresso comprado de véspera; segunda-feira, em uma sessão qualquer; ou quando der, já que não pretendo morrer por conta disso.

Vivendo e aprendendo (e criando manias).

7 de julho de 2011

Crítica | Rápida Vingança

por Eduardo Monteiro

Faster, EUA, 2010 | Duração: 1h37m59s | Lançado no Brasil em 6 de Julho de 2011, em DVD e Blu-ray | Escrito por Tony Gayton & Joe Gayton | Dirigido por George Tillman Jr. | Com Dwayne Johnson, Billy Bob Thornton, Oliver Jackson-Cohen, Carla Gugino, Maggie Grace, Moon Bloodgood, Adewale Akinnuoye-Agbaje, Tom Berenger, Mike Epps, Xander Berkeley, Lester Speight, Matt Gerald, Annie Corley, Jennifer Carpenter, Michael Irby, Courtney Gains, Aedin Mincks.

Vingança. A lista de filmes que mostram personagens ressentidos buscando este tipo de redenção violenta é enorme e, só para citar alguns poucos bons exemplos, podemos pegar Kill Bill, Sin City - A Cidade do Pecado, V de Vingança, Amnésia, O Grande Truque, Sobre Meninos e Lobos, Xeque-Mate À Prova de Morte. Mas o que diferencia essas grandes obras de outras como Doce Vingança ou deste Rápida Vingança são roteiros complexos e execuções brilhantes, méritos que não necessariamente dizem respeito ao tema em questão - e até obras inferiores como Adrenalina conseguem ser interessantes por criar atrativos que funcionem e a particularizem. Mas, quando a única coisa que se têm para abordar é a vingança em si, o resultado pode acabar sendo raso e dispensável.

Dirigido por George Tillman Jr. a partir do roteiro de Tony e Joe Gayton, o filme já se inicia introduzindo o personagem vivido por Dwayne Johnson como um homem perigoso e ameaçador mesmo que ainda não saibamos os motivos que o fizeram passar 10 anos preso. Sem perder tempo, ele já inicia a vingança da morte de seu irmão (Gerald) em suas primeiras horas fora da prisão, e logo passa a ser procurado por dois policiais (Thornton e Gugino) e um assassino (Jackson-Cohen), contratado por uma das prováveis vítimas do protagonista.

Introduzindo o trio de personagens principais com legendas reducionistas (Johnson é o motorista, Thornton é o policial e Jackson-Cohen é o assassino) que mais parecem querer explicitar o caráter unidimensional de suas existências, o longa apresenta uma série de incosistências que, de modo geral, não dizem respeito a problemas de direção, mas sim ao roteiro, que não consegue criar personagens mais interessantes do que os textos que os caracterizam. Assim, Billy Bob Thornton vive um policial decadente em fim de carreira que é mal visto pelos colegas de trabalho e tem problemas de relacionamento com a ex-mulher (Bloodgood) e o filho (Mincks). Johnson, favorecido por seu absurdo porte físico e sua relativa inexpressividade, vive um motorista de fuga que vai preso após um golpe onde toda sua gangue é assassinada e passa toda a projeção sem dizer muito - e, por conveniência da trama, se tornou um matador implacável durante sua estadia na cadeia, conseguindo assustar as pessoas apenas por mostrar uma tatuagem, sobre a qual nunca descobrimos o real significado. E Jackson-Cohen vive um jovem milionário que faz trabalhos como assassino de aluguel como um capricho à própria vaidade, mas decide abandonar o serviço atual (leia-se: matar o motorista) antes de sua conclusão, a pedido da noiva (Grace).

Com toda a falta de assunto, o filme até tenta conferir um pouco de profundidade a cada uma dessas subtramas - e a tentativa que chega mais perto é a do assassino, quando é levantada a discussão sobre a natureza de seus serviços (hobby ou obsessão?) e o conflito com sua noiva, mas basta assistir a projeção até o fim para notar que a palavra "tentativa" permanece como a mais adequada. E em meio a encontros absurdamente falsos e desprovidos de fatalidades (como o do motorista com o assassino), o diretor tenta criar um clima de tensão constante, fazendo com que achemos que o motorista está perseguindo os responsáveis pela morte de seu irmão a todo momento, criando cenas absurdas como aquela em que o homem aborda a própria mãe com a arma mirada para a cabeça dela - e as tentativas de justificar esse tipo de atitude são mais estúpidas do que as próprias "pegadinhas".

No que diz respeito à direção, o mais próximo que Tillman Jr. chega de criar algo conceitualmente interessante é quando usa câmera lenta para ressaltar dois comportamentos distintos: o andar ameaçador do motorista e, logo em seguida, o caminhar decadente do policial. No entanto, se há um aspecto em que o longa se mostra verdadeiramente inteligente é na opção de incluir uma igreja instalada em uma tenda, remetendo a um circo, numa crítica ao comportamento excessivo dos fiéis durante as missas - como mostrado no próprio filme, no momento em que a multidão continua aos berros de "Amém!" mesmo após o pastor (Akinnuoye-Agbaje) ser emudecido pela simples entrada do motorista no recinto (me lembrou a cena em que o pastor de O Último Exorcismo passava uma receita de culinária durante a pregação e os fanáticos não percebiam). E se os letreiros que fazem a contagem de dias desde o início da vingança deveriam servir para explicitar sua rapidez (e talvez justificar o seu título), o efeito obtido é diametralmente oposto, já que o motorista mata em média uma pessoa por dia, sem nada que o impedisse que esse número fosse maior. Assim, o roteiro ainda se aproveita desse período de tempo para tentar suavizar gradativamente o mau caráter do protagonista, preparando o terreno para que, na (não) surpreendente reviravolta do desfecho, possamos transferir nosso desprezo para o novo antagonista.

Eu, que não cai na arapuca do roteiro, fiz diferente: direcionei o meu desprezo a todo o conjunto da obra.

6 de julho de 2011

Crítica | Transformers: O Lado Oculto da Lua

por Eduardo Monteiro

Transformers: Dark of the Moon, EUA, 2011 | Duração: 2h34m23s | Lançado no Brasil em 1º de Julho de 2011, nos cinemas | Escrito por Ehren Kruger | Dirigido por Michael Bay | Com Shia LaBeouf, Rosie Huntington-Whiteley, Josh Duhamel, John Turturro, Tyrese Gibson, Frances McDormand, Patrick Dempsey, John Malkovich, Kevin Dunn, Julie White, Alan Tudyk, Ken Jeong e as vozes de Peter Cullen, Hugo Weaving e Leonard Nimoy.

Nas duas vezes que assisti a Transformers: A Vingança dos Derrotados (quase não acredito que tenho coragem de confessar que revi o filme), me peguei questionando diversas incoerências durante o terceiro ato daquele longa. Primeiro: por que o personagem de Ramon Rodriguez, colega de quarto do protagonista, ainda não havia sido descartado e qual era sua função? E segundo: por que o personagem de John Turturro insistia em escalar uma pirâmide enquanto esta era destruída a partir do topo por um robô gigantesco? Ora, a covardia do personagem de Rodriguez já havia gerado sua cota de piadas, que em nada acrescentavam à narrativa, enquanto a atitude de Turturro era praticamente suicida já que, caso conseguisse alcançar o topo sem ser morto pelos blocos de pedra rolando pirâmide abaixo, como diabos ele poderia ajudar?

Pois eis que, após reconhecer publicamente que o segundo filme dos robôs transformistas alienígenas havia sido um erro (a ser consertado em uma continuação), Michael Bay retorna em Transformers - O Lado Oculto da Lua provando que há algum problema de comunicação (leia-se: bilheteria em alta) entre ele e o público, já que as mesmas perguntas que citei no primeiro parágrafo (qual a função de determinado personagem e por que aquele outro está agindo dessa forma?) não são difíceis de surgir aqui - e, de um modo geral, podem ser resumidas em uma só: a quem Michael Bay e o roteirista Ehren Kruger querem enganar?

Partindo novamente da premissa tola de que importantes acontecimentos históricos da humanidade teriam sido influenciados pela raça alienígena (lembrem-se que o primeiro filme afirmava que toda a tecnologia eletrônica e robótica da Terra teria sido desenvolvida a partir de estudos realizados no vilão Megatron) e dos furos colossais deixados pelo filme anterior, essa terceira parte sugere que a ida do homem à Lua teria sido motivada pela descoberta de uma nave dos bonzinhos Autobots em nosso satélite natural. Anos depois da viagem histórica, o fato desperta o interesse dos Autobots, que agora trabalham para o governo norte-americano, e dos vilões Decepticons, que vivem escondidos na Terra. Paralelamente, Sam Witwick (LaBeouf), agora com uma nova namorada bocuda, Carly (Huntington-Whiteley), enfrenta dificuldades para descolar um emprego e sofre com a estúpida decisão do roteiro de trazer seus pais de volta. Como esperado, ele acaba envolvendo-se novamente com a causa alienígena, o que naturalmente transforma a diretora do Departamento Nacional de Inteligência (McDormand) na pessoa mais sensata do longa, simplesmente por ser a única a perceber certeiramente que ele não mais tem capacidade de ajudar na resolução daqueles conflitos.

A indisposição de Bay em corrigir os erros do passado, aliás, já pode ser notada na primeira aparição de Carly, que surge apenas de calcinha e camiseta, vista por um ângulo baixo, segundos antes de presentear o namorado com um coelho de pelúcia inteiro como amuleto. Aliás, a própria escolha de uma modelo para o papel já diz muito da intenção para a personagem (Megan Fox ao menos era atriz), que volta a ficar evidente quando seu patrão, vivido por Patrick Dempsey, descreve a atração que sente por carros enquanto a câmera passeia pelo corpo da mulher, em um banho de obviedade.

Mas, de modo geral, o grande problema do elenco não reside em sua escolha, mas no excesso de personagens, consequência da incompetência de Ehren Kruger de criar histórias interessantes. Aliás, é espantoso que cada novo filme de uma franquia que sofre tanto com a falta de história aumente a duração em aproximadamente 7 minutos em relação ao anterior. Assim, toda a enrolação está ali apenas para levar ao megalomaníaco plano dos Decepticons e, consequentemente, a uma épica batalha final. E se citei o absurdo plano, é importante comentar a incoerência dos vilões: em um momento, anunciam a escravização da raça humana para, em seguida, iniciar seu extermínio sem dó. Vindo de seres que caem em joguinhos psicológicos baratos de mulheres voluptuosas, não é de se espantar.

E se as cenas de ação, juntamente com as engenhosas transformações, sempre foram os grandes atrativos da franquia, nisso O Lado Oculto da Lua é irrepreensível. Mesmo que o visual dos robôs se aproxime mais do que nunca (e inexplicavelmente) de formas humanas e animais (com direito, inclusive, a um equivalente a sangue jorrando durante a pancadaria, além de insetos-robôs parasitando as feridas de Megatron), as cenas de ação estão mais bem executadas, com menos cortes e mais estabilidade na câmera, contando, inclusive, com o bom uso de câmera lenta. No entanto, Michael Bay adota novamente ações paralelas acreditando que, assim, o público não notará a falta de lógica do que está ocorrendo em tela - o que pode ser facilmente notado quando Bumblebee aparece para salvar Sam de uma grande queda após enfrentar sozinho um adversário alienígena (aonde o robô-amigo estava durante isso, nunca saberemos), surge em seguida amarrado como refém dos Decepticons e, em sua próxima aparição, vemos Sam e Carly saindo de dentro dele, agora no formato de carro.

Mas o maior problema é, sem dúvida, a duração desse confronto - e esse é o ponto em que é mais difícil de compreender o que se passa na cabeça do diretor. Será que ele realmente achou o público ficaria entretido com 40 a 50 minutos de uma batalha contínua, sem grandes variações e que todos sabem como terminará? Ora, por mais atraente visualmente e empolgante que as cenas possam ser, a repetição acaba ficando escancarada e se tornando exaustiva. Assim, se o confronto fosse resumido e tivesse como clímax a ótima cena envolvendo a destruição de um prédio (ou será que alguém realmente acha fundamental ver soldados planando sobre Chicago por infindáveis minutos?), o filme certamente alcançaria um sucesso muito maior simplesmente por não torturar o espectador com um terceiro ato sem fim e ilógico. Complementado, há de se reconhecer que Michael Bay faz um bom uso do 3D, que ajuda, inclusive, a entendermos melhor a anatomia dos robôs.

Terminada a batalha, o diretor encerra o longa da mesma forma abrupta que os anteriores, como se a ação fosse, de fato, a resposta para os conflitos da narrativa. O que talvez responda a pergunta que levantei: Bay e Kruger estão tentando enganar justamente aqueles que querem ser enganados. E, meu amigo, pode ter certeza que esse público existe e irá encher os cofres da Paramount de verdinhas.

4 de julho de 2011

Crítica | Corações Perdidos

por Eduardo Monteiro

Welcome to the Rileys, Reino Unido/EUA, 2010 | Duração: 1h50m51s | Lançado no Brasil em 8 de Julho de 2011, nos cinemas | Escrito por Ken Hixon | Dirigido por Jake Scott | Com James Gandolfini, Kristen Stewart, Melissa Leo, Joe Chrest, Ally Sheedy, Tiffany Coty, Eisa Davis e Lance E. Nichols.

Corações Perdidos compartilha uma série de características com o recente Reencontrando a Felicidade, dirigido por John Cameron Mitchell e estrelado por Nicole Kidman: de modo geral, ambos acompanham casais que tentam superar, cada um a seu modo, a morte prematura de seus únicos filhos. No entanto, se o primeiro investia em um denso e angustiante estudo de personagens (que em nada se adequava ao péssimo título nacional), aqui o roteiro apela para soluções relativamente fáceis e encontros pouco críveis que comprometem moderadamente o resultado final - sem diminuir, no entanto, as ótimas interpretações do elenco principal.

Dirigido por Jake Scott a partir do roteiro de Ken Hixon, Corações Perdidos (Welcome to the Rileys, no original) convida o espectador a observar de perto a dinâmica familiar de Douglas (Gandolfini) e Lois Riley (Leo) enquanto têm de enfrentar o sofrimento diante da morte de sua única filha. Tentando superar a tragédia, o homem recorre a jogos de azar e a um caso extraconjugal enquanto a mulher se mantém enjaulada dentro da própria casa durante meses após desenvolver uma espécie de síndrome do pânico. É então que, durante uma viagem a Nova Orleans para uma convenção de negócios, Doug se aproxima da stripper adolescente Mallory (Stewart), relação que pode ajudar a preencher o vazio da perda da filha e, ao mesmo tempo, surgir como uma oportunidade de se distanciar de seu sufocante lar em Indianápolis. No entanto, quando fica sabendo da decisão do marido de permanecer longe de casa por um tempo, Lois decide enfrentar sua fobia e parte atrás de Doug para tentar salvar seu casamento.

Usando boa parte do primeiro ato para construir o clima de desolamento que assola a residência e o dia-a-dia dos Rileys, o diretor e o roteirista não se preocupam em suavizar o inferno astral dos personagens para introduzir suas agústias - e, assim, são incluídos a morte de uma personagem secundária, a irmã megera que julga Lois por não sair de casa e a visita inconveniente que comete a gafe de perguntar sobre a filha. Por outro lado, há também composições beneficiadas por uma surpreendente sutileza como, por exemplo, quando já é possível supor um pouco sobre a condição psicológica de Doug logo nos primeiros minutos de projeção, ao omitir na escuridão de um quintal silencioso o rosto solitário de Gandolfini, que só é revelado pela fantasmagórica chama de seu isqueiro, o que podemos encarar como uma sugestão do assombro que o acidente da filha ainda representa para aquele homem, já que a claridade do fogo remete ao carro em chamas visto imediatamente antes daquela cena.

E se por um lado a decisão de Doug em permanecer morando na casa de uma desconhecida soa forçada,  por outro não é difícil compreender suas razões em querer distância de Indianápolis, já que na cidade há, inclusive, uma lápide com os nomes e anos de nascimento do casal Riley apenas esperando por suas mortes, como se estivessem condenados a permanecer presos àquela cidade e àquele ambiente até o fim de suas vidas, ou ainda, como se já estivessem um pouco mortos. E ainda, Lois, presa a seu autoimposto isolamento social, vive sua vidinha tendo que se apegar à própria vaidade e a picuinhas (como coibir o marido de fumar na garagem) para tentar dar alguma nova razão à sua existência. Assim, também é adequado que sua expressão mude completamente ao ser abordada e elogiada por um homem em um bar na beira da estrada ou após concluir o translado sem maiores problemas e ser bem recebida pelo orgulhoso marido.

Por isso, desconsiderando a repentinidade da aproximação de Mallory, Doug e Lois, é possível apreciar a preocupação do casal com o futuro da garota assim como a disposição dela em incentivar a mulher e o marido a dialogarem e pararem de se culpar pela morte da filha - e, afinal de contas, são esses os dois conflitos que movem a narrativa. Assim, por mais óbvio que seja, é extremamente confortante para o espectador perceber como a interação entre aquelas pessoas faz naturalmente bem a elas, de modo que todos acabam beneficiados pela relação. No entanto, o fato de conhecerem pouco uns aos outros não é descartado, criando uma incômoda sensação de que aquela convivência dificilmente se transformará em algo concreto e duradouro.

Mas o que inegavelmente ajuda a disfarçar as esquemáticas relações entre os personagens são os bons trabalhos de seus intérpretes. James Gandolfini assume bem o papel de homem desconsolado e desestimulado, que internaliza seu sofrimento e não consegue mais apreciar coisas simples da vida, como uma descontraída conversa com amigos no bar, enquanto Kristen Stewart ao menos não precisa fazer sua cara de indigestão que marca sua interpretação na "saga" Crepúsculo, representando um interessante contraponto à postura conservadora dos Rileys (especialmente de Lois) e se saindo particularmente bem como uma jovem e degradada garota obrigada a assumir o controle da própria vida antes mesmo de ter a maturidade necessária parra isso - e por ser naturalmente atingida pelas dramáticas consequências desse fato (principalmente as dificuldades financeiras), é aceitável que a ajuda oferecida pelo personagem de Gandolfini seja bem recebida por ela. Mas é Melissa Leo quem novamente rouba as atenções, vivendo com imenso talento e angústia a personagem que vivencia as maiores mudanças e enfrenta os maiores desafios da história - e em momento algum ela nos deixa esquecer de como aquele processo está sendo difícil, mas também o quanto é importante.

Ainda assim, a inexperiência do diretor é evidenciada na condução equivocada de algumas cenas, que acabam errando gravemente no tom - e quando digo isso, me refiro principalmente àquelas envolvendo as dificuldades enfrentadas por Lois para lidar com as modernidades de um carro, que deveriam transmitir apreensão ou até mesmo desespero mas acabam ganhando involuntariamente (ou não?) um tom de comicidade. Já a fotografia, mesmo seguindo uma lógica adequada (fria em momentos angustiantes e conflituosos, e quente em momentos confortantes e conciliadores), peca ao alternar drasticamente de tons frios para quentes após um corte ocorrido no meio de uma cena reflexiva de Doug em frente a uma geladeira, expondo de forma inoportuna a artificialidade do tratamento da imagem. Da mesma forma, o instante em que a personagem de Leo caminha à noite ao ar livre seria uma boa apreciação da libertação da mulher, caso não estivesse acompanhado por uma trilha que pontua os passos da atriz e distrai o espectador (no restante do longa, a trilha se revela correta).

Mas Corações Perdidos volta a falhar gravemente quando, tendo preparado o terreno para concluir o filme de uma forma adequadamente pessimista e melancólica, acaba apelando para um desfecho reconfortante que só pode ser explicado por pressões comerciais. O que é uma pena pois, bancado pela produtora do pai e do tio, Jake Scott acaba ficando em uma posição apenas intermediária no "ranking dos Scott" em 2010: seu segundo longa-metragem é inegavelmente superior ao decepcionante Robin Hood do papai Ridley, mas inferior ao bom Incontrolável do titio Tony. Ou seja: é um ótimo momento para os Scott trocarem algumas idéias.