8 de junho de 2011

Crítica | Namorados Para Sempre

por Eduardo Monteiro

Blue Valentine, EUA, 2010 | Duração: 1h52 | Lançado no Brasil em 10 de Junho de 2011, nos cinemas | Escrito por Derek Cianfrance, Joey Curtis & Cami Delavigne | Dirigido por Derek Cianfrance | Com Ryan Gosling, Michelle Williams, John Doman, Mike Vogel, Ben Shenkman, Jen Jones, Maryann Plunkett e Faith Wladyka.

Estrategicamente lançado no fim de semana do Dia dos Namorados, Namorados Para Sempre tem de tudo para ser o romance da temporada, certo? Errado. Engana-se quem estiver levando as estratégias de lançamento a sério já que, depois de ignorar o tema e o desfecho de Reencontrando a Felicidade, a mesma distribuidora repete o erro com o ótimo e melancólico drama Blue Valentine. E por mais patético que seja, até um Deu a Louca nos Namorados seria mais fiel que a otimista ou até mesmo equivocada tradução escolhida.

Escrito por Joey Curtis, Cami Delavigne e pelo próprio diretor Derek Cianfrance, o filme acompanha a desgastante rotina de Dean (Gosling) e Cindy (Williams) que, mesmo casados e morando juntos, mal se falam, divergem na criação de sua jovem filha Frankie (Wladyka) e frequentemente parecem tentar se esconder um do outro atrás de óculos escuros. Para tentar dar uma idéia ao espectador das causas desta estranha relação, o filme eventualmente salta no tempo e mostra acontecimentos do período em que os dois se conheceram e vieram a se apaixonar. Mas será que o casal conseguirá manter as promessas de eternidade feitas no matrimônio?

Não é uma resposta simples. Frustrando quaisquer expectativas de quem pudesse esperar um entretenimento lúdico, o filme dedica a maior parte de seu tempo a explorar a complexa e distante relação do casal, adotando uma fotografia com cores alegres e ambientes bem iluminados para representar o próspero período em que se conheceram contrapondo a tons tristes e dessaturados que dominam o restante da projeção, chegando ao extremo nas cenas que se passam em um quarto de motel futurista banhado por um azul frio e claustrofóbico. Com a mesma finalidade, Cianfrance demonstra inteligência ao subverter situações comumente tidas como poéticas para conferir o devido tom à vida de casado de Dean e Cindy, abdicando da leveza e alegria ao estilo "propaganda de margarina" quando uma Cindy exausta é acordada pelo marido e pela filha, ou tornando um banho do casal no motel em um momento raro de relaxamento para a mulher que, por isso, se esquiva das investidas sexuais do esposo. Da mesmo forma, o amor à primeira vista do casal ganha uma grata naturalidade quando Dean busca inutilmente um modo de expressar seu sentimento enquanto se culpa por estar "assistindo a filmes demais", mas acaba percebendo que tentar explicá-lo é uma tolice e arremata com um belo pensamento: "Sabe quando uma música toca e você precisa dançar?"

Aliás, a presença de música se revela de grande importância na narrativa, não só por aproximar Dean e Cindy em certos instantes mas também por representar um dentre os vários elementos que estabelecem interessantes conexões entre o presente e o passado do casal. Para citar apenas alguns exemplos, vale lembrar do momento em que Cindy realiza alegremente uma ultrasonografia em uma paciente, que é remetido na angustiante sequência que se passa em uma clínica de aborto, ou quando ela se esquiva de relações sexuais com Dean em contraponto à sua libido do passado. Aliás, é interessante notar como essas duas situações representam uma espécie de bloqueio de Cindy em relação a sua própria natureza reprodutora já que, mesmo amando incondicionalmente a filha, foi sua gravidez a grande responsável pela atual conjuntura de sua vida. Além disso, é fácil concluir que tanto Cindy quanto Dean parecem dispostos a sustentar aquilo que chamam de família simplesmente para evitar que sua filha sofra com os problemas que eles mesmos enfrentaram na relação com seus próprios pais.

Mas toda a complexidade daquelas pessoas não seria alcançada caso não contasse com as brilhantes interpretações do casal principal. Voltando a comprovar que é um dos melhores atores de sua geração, Ryan Gosling surge com um princípio de calvice e uma aparência suja, vivendo Dean como um pai amoroso, porém um homem machista, acomodado e conformado com um emprego irrisório, tido apenas para sustentar seu alcoolismo e sua família e que se opõe à imensa disposição de quando trabalhava em uma transportadora e se preocupava, por exemplo, em tornar mais dignos os momentos finais da vida de um idoso - e repare como Dean se espanta sutilmente ao ser identificado como marido de Cindy por uma recepcionista do hospital onde a mulher trabalha, como se a simples ideia dela ter mencionado isto para as colegas de trabalho fosse particularmente absurda.

Mas por melhor que o ator esteja, é Michelle Williams quem se destaca com sua impecável composição. Sem precisar de grandes transformações na aparência para diferenciar as duas etapas de sua personagem, a atriz vive Cindy como uma mulher alegre e reservada que quase não consegue esconder sua satisfação ao constatar que um jantar promovido para apresentar Dean à família transcorre normalmente sem intervenções azedas de seu pai (Doman) - mas acaba tendo de abrir mão do plano de cursar medicina para se dedicar à função de mãe e esposa, sem imaginar que sua vida chegaria a ponto tal de desgaste que um dos poucos momentos de alegria que pudesse ter seria reencontrar um antigo colega (Vogel) no supermercado, mesmo que ele lhe traga lembranças irremediavelmente ruins.

No entanto, a cena mais marcante do longa não tem atuações intensas ou frases memoráveis, mas ganha a nossa admiração pela simplicidade com que foi concebida. Exibindo um desajeitado e breve número musical em que Ryan Gosling interpreta a canção "You Always Hurt the One You Love" apenas acompanhado por seu cavaquinho e pela simulação de sapateado de Michelle Williams, o momento une de forma sutil o presente e o futuro do casal (se passa em frente a uma loja de roupas de casamento) entoado por uma música (tema recorrente, como já citei) que resume perfeitamente as ações do próprio Dean durante toda a história (com uma melancolia adicional graças ao modo como é executada), além de representar um dos primeiros e últimos momentos de plenas sintonia e felicidade do casal (e não é à toa que o corte seguinte surja como um choque de realidade, levando-nos de volta ao frio quarto de motel onde uma descabelada Cindy inicia uma discussão). E se há alguma brecha que permita enxergar o desfecho com um mínimo de otimismo que seja, ela certamente está nessa cena - que, em suma, exibe uma doçura apaixonante a partir de uma interação simples entre duas pessoas que estão se conhecendo.

Namorados Para Sempre é, enfim, uma história de um casal jovem que sofre as consequências do início precoce e impulsivo de uma família e arrasta a relação até que esta se torne insustentável. Não sei em que nível de modernidade estão os casais de hoje em dia, mas imagino que a história esteja longe de ser o que procuram para celebrar o Dia dos Namorados. O que obviamente não impede que a obra seja amplamente apreciada fora desse contexto.