17 de junho de 2011

Crítica | Meia Noite em Paris

por Eduardo Monteiro

Midnight in Paris, Espanha/EUA, 2011 | Duração: 1h34 | Lançado no Brasil em 17 de Junho de 2011, nos cinemas | Escrito por Woody Allen | Dirigido por Woody Allen | Com Owen Wilson, Rachel McAdams, Marion Cotillard, Kathy Bates, Michael Sheen, Carla Bruni, Corey Stoll, Tom Hiddleston, Alison Pill, Adrien Brody, Kurt Fuller, Mimi Kennedy, Nina Arianda, Gad Elmaleh, Yves Heck e Léa Seydoux.

Obs.: Priorize ver o filme antes de ler o texto. Revelo detalhes que valem a pena ser descobertos durante a projeção.

Quem está acostumado com o padrão Woody Allen de fazer filmes irá se surpreender, já nos primeiros minutos de Meia Noite em Paris, com os créditos iniciais sendo divididos por um interlúdio com belas imagens da capital francesa, que a estabelece como um lugar tranquilo e agradável. Aparentemente livre de metáforas (a evolução do dia se dá para chegar ao turno dos acontecimentos centrais do filme, enquanto a presença de chuva é uma introdução de uma das idéias do protagonista sobre a cidade), essa intervenção é uma clara representação da fascinação do próprio cineasta com a cidade, o que é confirmado nos momentos seguintes (ainda durante os créditos iniciais) pelo diálogo entre os personagens de Owen Wilson e Rachel McAdams, no qual o primeiro descreve seu encanto pela cidade, e pelas cenas de turismo que o sucedem. No entanto, quando o protagonista, bêbado à meia-noite, entra em um carro que o leva para uma inusitada realidade, fiquei positivamente surpreso ao constatar que, diferentemente do que aparentava, este não seria um produto puramente turístico do tour europeu de Woody Allen, iniciado em 2005 em Londres com o admirável Match Point.

Assim, acompanhamos a história do escritor Gil (Wilson) que, insatisfeito com as dezenas de roteiros hollywoodianos superficiais que é obrigado a escrever, vê Paris como um local inspirador para trabalhar em seu romance inacabado e cogita, inclusive, a possibilidade de se mudar para a cidade. Enquanto sua noiva Inez (McAdams) divide com os amigos Paul (Sheen) e Carol (Arianda) o interesse em fazer um turismo tradicional arrematado com a badalação da noite parisiense, Gil prefere espairecer, acha aquela paisagem mais bela durante momentos chuvosos e considera os anos 20 como o auge cultural da cidade. Assim, quando o homem entra em um carro no meio da noite que o transporta para uma festa onde interage com Ernest Hemingway (Stoll), Cole Porter (Heck) e Scott (Hiddleston) e Zelda Fitzgerald (Pill), a estranheza da situação logo dá lugar a uma imensa satisfação de conhecer figuras admiradas por ele - o que transforma seus períodos diurnos em imensos anti-clímax, visto que Inez está cada vez mais azeda e interessada no arrogante e questionável conhecimento de Paul sobre tudo.

Sem tentar explicar as viagens temporais (um acerto, pois não há explicação), Woody Allen constrói aquelas experiências como uma concretização da influência que a cidade exerce sobre Gil, sem se importar em exagerar na convergência de personalidades históricas ou em suas caracterizações. Por outro lado, o diretor erra ao introduzir desnecessariamente elementos que nos façam questionar as regras que regem essas viagens, como um livro encontrado por Gil que indica influências suas no passado ou a subtrama envolvendo um detetive particular. Em outros instantes, o cineasta carrega nos diálogos expositivos numa estranha demonstração de desconfiança na inteligência do espectador, como ao exibir, por exemplo, o personagem de Owen Wilson descobrindo e verbalizando que o "portal" para a realidade alternativa se abria à meia-noite, sendo que isso já é indicado pelo próprio título do filme.

Outro ponto que Woody Allen não foi completamente feliz é na escolha do elenco. Owen Wilson ganha a função de interpretar o alter-ego do cineasta da vez e consegue carregar com competência o filme, sem deixar que os maneirismos típicos atrapalhem sua composição, conferindo conhecimento e inteligência adequados ao personagem e expressando uma alegria genuína ao encontrar cada um de seus ídolos. Já Marion Cotillard surge apenas doce e encantadora e desempenha um papel importante como Adriana, ao passo que a sempre bela Rachel McAdams é prejudicada pela evolução brusca de Inez de noiva apenas incompatível a megera traidora e fútil, mas faz um bom trabalho. Não tão bem assim estão Alison Pill, que exagera na composição e no sotaque, Carla Bruni, inexpressiva e desconfortável em cena, e Léa Seydoux, que se revela insuficientemente carismática para a função que deve desempenhar na narrativa. Por outro lado, as participações de Kathy Bates, Michael Sheen, Tom Hiddleston, Corey Stoll e Adrien Brody são bem sucedidas, mas pecam por terem, em alguns casos, um arco incompleto. Nesse sentido, a ponta de Brody como Salvador Dalí surge como uma das mais interessantes pois, além de ser assumidamente curta, funciona bem como alívio cômico e, ao mesmo tempo, revela um pouco sobre o senso de humor do veterano cineasta: a insistência de Dalí com "rinoceronte" perde a graça pela repetição, mas acaba funcionando como um humor involuntário (ou será que não?), já que não há como ignorar o potencial cômico da citação deste animal específico durante um diálogo entre dois atores donos dos narizes mais notáveis de Hollywood.

Mas Woody Allen consegue escapar da auto-indulgência de transformar aqueles sucessivos encontros em meras projeções de seus próprios desejos ao questionar o que leva as pessoas a valorizarem mais o momento cultural de uma época passada do que o de seu próprio tempo. Assim, é conveniente que o roteiro em que Gil esteja trabalhando conte a história de um funcionário de uma loja retrô - e confesso que fiquei particularmente decepcionado por Allen ter concebido uma cena em que Gil, Inez e seus pais visitam um estabelecimento que vende objetos antigos em Paris e não a ter aproveitado para aprofundar o tema. Mas, por fim, o fato de essa discussão não apresentar uma solução fácil e definitiva (na última cena de Wilson e Cotillard que, com a presença dessa última, acaba dividindo curiosamente características com A Origem) não quer dizer que não seja satisfatória; aliás, é provável que Woody Allen não seja a melhor pessoa para tentar tecer explicações ou conclusões sobre essa ideia em relação ao passado, já que o próprio filme foi claramente concebido a partir da admiração do próprio cineasta por outras épocas.

Diferentemente do filme visto pela família de Inez em certo instante da projeção, Meia Noite em Paris não é mais um filme descartável e sem originalidade. É uma experiência incrível, com ótima trilha sonora, belas locações e um interessante elenco. É Woody Allen provando que não precisamos nos ater à época de ouro se sua carreira, de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa ou Manhattan, para podermos apreciar um de seus bons filmes.