12 de junho de 2011

Crítica | Encantada

por Eduardo Monteiro

Enchanted, EUA, 2007 | Duração: 1h47 | Lançado no Brasil em 14 de Dezembro de 2007, nos cinemas | Escrito por Bill Kelly | Dirigido por Kevin Lima | Com Amy Adams, Patrick Dempsey, James Marsden, Timothy Spall, Idina Menzel, Rachel Covey e Susan Sarandon, as vozes de Jeff Bennett e Kevin Lima e a narração de Julie Andrews.

Encantada é um daqueles filmes assumidamente voltados para o público infantil que, ao mesmo tempo, são repletos de nuances que só podem ser compreendidas completamente pelos espectadores mais velhos - o que o transforma em um bem sucedido entretenimento familiar. Como se isso não fosse um indicativo bom o bastante de que o filme é produzido pela Disney, ainda somos presenteados com referências a diversas produções clássicas do estúdio e com o uso de duas técnicas que o consagraram e co-existem há vários anos, entre altas de uma e baixas da outra: animação em 2D e live action. Contando a história de uma princesa que é transportada do universo de contos de fadas para o mundo real, o longa apresenta o choque cultural entre personagens fantasiosos e reais e explora com surpreendente competência as lições que cada lado pode aprender com esse encontro, mesmo que eventualmente se perca em função da necessidade de manter o público jovem entretido e amarrar as pontas soltas.

Entrando de cabeça no universo Disney de forma quase literal ao embarcar em um travelling que leva o espectador para dentro do famoso castelo da vinheta da produtora, onde um gracioso livro passa a ser folheado, o filme é iniciado em animação 2D no reino de Andalasia e nos apresenta a Giselle (Amy Adams), uma alegre moça que, em um belo dia, é salva pelo príncipe Edward (James Marsden) de um terrível ogro. Apaixonados à primeira vista, os dois decidem se casar no dia seguinte, ideia que desagrada e muito a madrasta do rapaz, Narissa (Susan Sarandon). Temendo a ameaça que o casamento representa para seu poder, a megera rainha envia a moça para o mundo real (Nova York, com pessoas de carne e osso), onde acaba se esbarrando com o advogado e pai solteiro Robert (Patrick Dempsey) e sua filha, Morgan (Rachel Covey). Não demora muito para que Edward parta em uma missão de resgate, seguido por Nathaniel (Timothy Spall), o atrapalhado comparsa da rainha.

Com Giselle, Amy Adams é o destaque absoluto do longa, tendo a oportunidade de usar todo o seu talento e carisma em uma composição completa e complexa. Doce e inocente, a personagem está sempre disposta a enxergar o lado positivo das pessoas e das situações (como ao elogiar o sorriso de um mendigo banguela) ao mesmo tempo que demonstra curiosidade e interesse imensos em entender o comportamento dos seres humanos reais. Por essas e outras, o encontro entre o atarefado e cético Robert com a alegre e sonhadora Giselle surge como o grande atrativo do longa, já que, mesmo descrente da natureza fantástica da garota, Robert não consegue deixar de se influenciar por sua visão positiva da vida, ao passo que Giselle tem a chance de descobrir novos sentimentos e aprender um pouco sobre como funcionam os relacionamentos afetivos no mundo real. Assim, é adorável ver sua alegria e satisfação por se tornar um pouco mais real após sentir verdadeiramente raiva pela primeira vez, da mesma forma que é encantador vê-la cativando Robert a valorizar mais as pequenas coisas da vida, como ao se deslumbrar com o transporte de água feito pelo chuveiro, que, mesmo após explicações, ela continua considerando algo mágico.

Mas como em uma boa fábula da Disney, não poderia faltar romance em Encantada - e este também é beneficiado pela relação da dupla. Enquanto Robert tem um relacionamento apenas estável com a namorada Nancy (Idina Menzel) e considera isto o ideal para a felicidade, Giselle valoriza as recorrentes demonstrações de amor (inclusive através de canções, parte de sua natureza fantasiosa) embora mal conheça Edward, já que seu relacionamento com o príncipe é fruto da impulsividade comum em seu mundo. Mas com a convivência, Robert se vê repensando a validade de sua relação fria com Nancy e Giselle aprende a controlar seu ímpeto emocional, algo que ela só percebe ao reencontrar um Edward cantarolante, não conseguir corresponder seu canto e propor que se conheçam melhor em um encontro.

No que diz respeito aos demais personagens e ao desenvolvimento geral da trama, Encantada se prova bobo e superficial, mas divertido. O figurino e a maquiagem dos personagens são imaginativos e competentes como esperado, especialmente as roupas de Giselle (supostamente feitas por ela mesma a partir das cortinas do apartamento de Robert), que começam com um pomposo vestido de casamento e se tornam gradativamente mais contidos, refletindo a evolução da própria personagem. Também muito bem sucedida, é a trilha sonora do veterano Alan Menken, que faz uma ótima homenagem a Branca de Neve e os Sete Anões na sequência em que a princesa limpa e arruma o apartamento de Robert com a ajuda de animais tidos como pragas urbanas, e chega ao seu auge no divertidíssimo número musical no Central Park, também interpretado pela própria Amy Adams, no qual Giselle esbanja alegria, encanta os transeuntes e é aclamada por todos - além de ter uma letra cheia de mensagens positivas.

Dessa forma, é lamentável que o terceiro ato se revele tão decepcionante. Na tentativa de encerrar a projeção prendendo a atenção do público infantil e resolvendo o conflito de todos os personagens, o roteiro mistura diversas referências a animações clássicas com excessos de efeitos especiais e até mesmo um preguiçoso deus ex machina, desempenhado pelo esquilo Pip, para simplificar a resolução. E é mais triste ainda que tenha ocorrido momentos depois de criar com competência um dos momentos mais tocantes do longa, quando, durante um baile, um personagem quebra seus próprios paradigmas e expõe seu amor pela parceira de dança de uma forma inusitada e extremamente adequada.

Assim, quando o livro se fecha no final, a satisfação supera a frustração - e revisitar o filme para prestigiar as sutilezas da interpretação de uma ótima atriz e admirar o contraponto entre a ingenuidade e a frieza proposto pelo roteiro de Bill Kelly é um exercício que, para mim, nunca será nada menos que delicioso.