4 de maio de 2011

Crítica | Thor

por Eduardo Monteiro

Thor, EUA, 2011 | Duração: 1h54m52s | Lançado no Brasil em 29 de Abril de 2011, nos cinemas | História de J. Michael Straczyonski e Mark Protosevich. Roteiro de Ashley Edward Miller & Zack Stentz e Don Payne | Dirigido por Kenneth Branagh | Com Chris Hemsworth, Natalie Portman, Tom Hiddleston, Anthony Hopkins, Stellan Skarsgård, Kat Dennings, Clark Gregg, Idris Elba, Colm Feore, Ray Stevenson, Tadanobu Asano, Josh Dallas, Jaimie Alexander, Rene Russo, Adriana Barraza, Jeremy Renner, Stan Lee e Samuel L. Jackson.

Quem tem o hábito de assistir a créditos finais de filmes foi presenteado, ano passado, com uma cena adicional em Homem de Ferro 2 na qual o agente Coulson (Gregg), da SHIELD, testemunhava a descoberta de um misterioso martelo em uma cratera no meio do deserto. Mesmo sem estabelecer conexão direta com aquele filme, a cena tinha tanto a função de deleitar aos fãs de quadrinhos quanto de criar conexões entre os filmes e personagens da Marvel. Assim, é coerente que exatamente um ano depois a cena se encaixe perfeitamente neste novo longa da produtora, agora responsável por apresentar o dono do martelo sem, contudo, deixar de estabelecer mais das tais conexões citadas anteriormente (incluindo presenças ilustres e uma cena sugestiva após os créditos finais). No entanto, é triste perceber que, mesmo funcionando muito bem em vários aspectos, Thor representa mais uma preparação para a grande reunião dos heróis da Marvel no confirmadíssimo Os Vingadores do que uma obra que funciona por si só.

Adaptado das HQs criadas por Stan Lee, Larry Lieber e Jack Kirby com bases na mitologia nórdica, o filme conta a história do orgulhoso deus do trovão Thor (Hemsworth) quando este é enviado para a Terra após ser banido de Asgard por seu próprio pai, Odin (Hopkins), para que aprenda lições sobre humildade. Enquanto tenta recuperar Mjolnir, seu poderoso martelo, e pensa em um modo de retornar a seu planeta natal, Thor encontra Jane Foster (Portman), Erik (Skarsgård) e Darcy (Dennings), pesquisadores que buscam entender estranhos eventos cósmicos que vêm ocorrendo periodicamente no deserto do Novo México e que, um belo dia, coincidiram com a aparição de um homem aparentemente bêbado, desorientado e lunático. Thor, então, recebe a ajuda do trio em suas ações na Terra e, em troca, oferece fornecer informações sobre o portal que o havia trazido até ali. Enquanto isso, Loki (Hiddleston), irmão de Thor, assume o trono de Asgard após Odin entrar em uma espécie de estado terminal - mas seu reinado pode compremeter seriamente a paz nos Nove Mundos, especialmente devido à ameaça representada pelos Gigantes de Gelo liderados por Laufey (Feore).

Apresentando logo de cara de forma didática e econômica o universo do personagem com o acompanhamento de uma boa trilha sonora, o diretor e os roteiristas oferecem ao público leigo condições de acompanhar a trama sem maiores problemas, mesmo que aqui ou ali peque por soar excessivamente expositivo (o que vale para toda a projeção). No entanto, o bom trabalho do diretor acaba sendo prejudicado em certas ocasiões pelos efeitos especiais irregulares, como nas cenas envolvendo Gigantes de Gelo criados digitalmente que... bem, parecem grandes bonecos digitais (também há aparições de atores com maquiagem, com resultados bem superiores). Desse modo, fica a cargo do design de som salvar o impacto de certas cenas através, por exemplo, do ruído intenso emitido pelo Destruidor ("dispositivo" que remete muito a O Dia em Que a Terra Parou) durante seus ataques. Já no que diz respeito aos acertos, vale citar o belo design de produção, responsável por criar ambientes eficientes, como a Ponte do Arco-íris, que consegue ser colorida de forma discreta, sem parecer um cenário dos Ursinhos Carinhosos.

Mantendo-se moderadamente sombrio durante boa parte do primeiro ato (incluindo cenas de batalhas épicas, que surgem artificiais pela já citada precariedade dos bonecos digitais e por alternar de forma extremamente demarcada planos em que não se entende o que está acontecendo com outros que exibem com clareza algum golpe coreografado), o filme muda radicalmente de tom assim que Thor chega à Terra e passa a investir pesado em um humor que se mostra bastante irregular, mas eficiente quando certeiro. Assim, passamos a acompanhar os choques culturais ocorridos entre o protagonista e os seres humanos (relação já explorada em filmes como Encantada), que por si só se estabelecem como os melhores e mais divertidos momentos do filme - o que provavelmente não ocorreria caso não houvesse uma boa dinâmica entre os atores.

Hemsworth como Thor mostra-se uma escolha perfeita já que, sem necessidade de exibir uma gama muito grande de emoções, vive o deus com uma expressão forte e físico imponente que inspiram respeito e conferem, ao mesmo tempo, bondade, carisma, impulsividade e inteligência ao personagem. Com os olhos de um azul intenso, quase como se o diferenciasse dos terráquios por sua natureza mítica, o ator australiano se sai homogeneamente bem, não decepcionando nas cenas de ação e nem mesmo nas de humor, já que basta se manter fiel à sua ótima caracterização para tornar hilária, por exemplo, a ida do personagem a um pet shop na tentativa de obter um cavalo. Já Natalie Portman volta a ter a chance de demonstrar seu talento (após ser sabotada pelo roteiro do péssimo Sexo Sem Compromisso) vivendo o interesse amoroso do herói e prova que os comentários sobre maldição e excesso de exposição pós-Oscar são argumentos de críticos chinfrins, mesmo que seja obrigada a viver momentos constrangedores, especialmente quando o roteiro tenta atingir, sem sucesso, um humor rápido típico de sitcoms como Friends ou ao dizer um pausado "Oh... My.... God!" quando Thor finalmente recupera seu martelo.

Enquanto isso, a Stellan Skarsgård restam as tarefas de ficar calado, estabelecer o personagem para aparições futuras em outros projetos, beber com Thor e - o mais difícil - aguentar o comportamento insuportável da personagem de Kat Dennings. No núcleo de Asgard, Hopkins vive o deus dos deuses com a autoridade e sabedoria necessária, mas é relegado a passar boa parte da projeção em coma. E se Rene Russo é o grande zero a esquerda do longa como a quase viúva de Odin, Hiddleston ao menos tem a chance de tentar conferir um pouco de profundidade ao invejoso Loki mesmo preso aos batido conflito entre irmãos do bem e do mal, enquanto Idris Elba impõe respeito e confiança com uma interpretação minimalista e satisfatória do guardião do portal Heimdall. Já os companheiros de Thor vividos por Stevenson, Asano, Dallas e Alexander, revelam-se desinteressantes e tão artificiais quanto o modo como são vistos pelos habitantes da cidade na Terra enquanto caminham pela rua principal.

Criando travellings interessantes que exploram bem o design dos planetas, (pelo menos) uma transição elegante (uma foto de um vulto humano no furgão de Jane é seguida por um plano plongée de Thor no hospital) e um excesso de planos inclinados tão aleatórios quanto as piadas de Darcy, Branagh consegue conferir um bom ritmo ao projeto e, de uma forma geral, apresenta um desempenho bom mas, limitado por um roteiro com tendências maniqueístas, acaba se entregando a algumas convenções do gênero. Assim, não se espante ao ver uma cena na qual o herói consegue convencer seus companheiros a fazer uma viagem supostamente estúpida sendo seguida por outra onde alguém imediatamente diz "Nós não deveríamos estar aqui". E no terceiro ato, o diretor não se esforça para (ou não consegue) suavizar os diversos problemas do roteiro, tornando o desfecho decepcionante em meio a mortes falsas, retornos triunfais e bastante melodrama.

Sem deixar muito claro a natureza da doença de Odin e os aspectos que conferem ao protagonista seu martelo de volta (ambos mais parecem motivados pela conveniência), Thor ao menos não decepciona no que diz respeito às referências ao universo Marvel, mesmo que a quantidade percebida varie de acordo com o conhecimento prévio do espectador (se você não souber nada, pelo menos não ache que o Thor é o Superman apenas por causa das semelhanças entre as capas e os vôos. Eu, por exemplo, consegui notar a ponta de um certo arqueiro, a menção a Dr. Donald Blake e uma citação às indústrias Stark - além, é claro, da sempre bem vinda e divertida aparição de Stan Lee e da cena adicional ao final dos créditos). Thor está longe de ser um filme ruim, mas igualmente distante de ter uma história excelente. Tempo, talento e dinheiro para contá-la não faltaram. Vai ver o que Thor precisa é de menos tempo em tela. Se for isso mesmo, então minha expectativa para Os Vingadores acaba de aumentar consideravelmente.