23 de maio de 2011

Crítica | Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas

por Eduardo Monteiro

Pirates of the Caribbean: On Stranger Tides, EUA, 2011 | Duração: 2h16m23s | Lançado no Brasil em 20 de Maio de 2011, nos cinemas | Inspirado no romance de Tim Powers. Baseado nos personagens criados por Ted Elliot & Terry Rossio e Stuart Beattie e Jay Wolpert. Escrito por Ted Elliot & Terry Rossio | Dirigido por Rob Marshall | Com Johnny Depp, Penélope Cruz, Ian McShane, Geoffrey Rush, Kevin McNally, Sam Claflin, Astrid Berges-Frisbey, Stephen Graham, Richard Griffiths, Greg Ellis, Damian O'Hare, Gemma Ward, Judi Dench e Keith Richards.

O sucesso comercial de qualquer filme depende muito do boca-a-boca do público: mesmo com faraônicas campanhas de marketing, a divulgação interpessoal será sempre decisiva no resultado financeiro positivo ou negativo de uma produção. Dessa forma, esquivar-se da imprensa não realizando exibições prévias ou decretando embargos que limitem por um período a divulgação de informações e opiniões sobre um longa são sempre motivo de suspeita: se o filme é bom, o ideal é que esse fato seja rapidamente espalhado, certo?

Pois bem. Embargado mundialmente pela Walt Disney até a data de sua estreia e dirigido pelo decadente diretor Rob Marshall (da indicação ao Oscar em Chicago ao desastre em NINE, passando pelo inconsistente Memórias de uma Gueixa), o quarto Piratas do Caribe acompanha Jack Sparrow (Depp) quando este vai a Londres com o objetivo de salvar seu antigo companheiro Gibbs (McNally) da forca. Após descobrir que um impostor estava recrutando uma tripulação na capital britânica fazendo-se passar por ele, o antigo capitão do Pérola Negra reencontra Angelica (Cruz), um antigo afeto e desafeto, e acaba à bordo de um navio comandado pelo suposto pai da mulher, o maléfico Barba Negra (McShane), que anseia alcançar a Fonte da Juventude antes que seja vítima de uma (inexplicada) profecia que prevê seu assassinato.

Após o encerramento de uma trilogia bilionária dirigida pelo sempre ótimo Gore Verbinski, esse novo capítulo da franquia surge com a missão ingrata de introduzir novos personagens capazes de cativar o público (após o encerramento do arco dramático de vários outros deixados para trás) e estabelecer uma história interessante que possibilite manter os espectadores imersos naquele universo fantástico, mantendo o bom humor dos filmes anteriores - tudo isso em um ritmo industrial de produção. Infelizmente, a tarefa é mal sucedida, em partes graças ao roteiro capenga de Ted Elliot e Terry Rossio, que cria personagens desinteressantes e uma narrativa idem, e à direção inconsistente de Rob Marshall que, quando acerta, não chega nem perto de alcançar os mesmos resultados que Verbinski.

O que é uma pena, já que o início do longa parecia até promissor quando, após uma boba e deslocada introdução, apresentava uma bem conduzida perseguição em Londres após uma divertida cena de tribunal - isso desconsiderando as desnecessárias e excessivas omissões temporárias de identidades e a elaboração exageradamente premeditada da fuga de Sparrow de um palácio. Mas, a partir daí, o filme entra em um gradiente decrescente de ritmo, limitando-se a acompanhar os personagens basicamente andando por uma ilha enquanto o personagem de Depp profere o maior número possível de frases supostamente inspiradas - e por mais que muitas delas realmente sejam, não são fortes o bastante para ignorarmos que estão sendo ditas em situações tremendamente chatas. Para piorar, o roteiro investe em subtramas aborrecidas (como o romance entre uma sereia e um missionário) e não consegue criar conflitos convincentes, sendo que eram justamente os intermitentes rearranjos de parcerias entre os personagens que moviam a narrativa na trilogia inicial de forma tão eficiente. Como se não bastasse, diversos elementos dos anteriores são repetidos sem muita imaginação, como o constante anseio de Sparrow em recuperar seu amado Pérola Negra ou os zumbis da tripulação de Barba Negra, que nada mais são que uma boba releitura dos mortos-vivos do primeiro filme.

E Marshall também tem sua parcela de culpa nesses problemas. Incapaz de criar um universo instigante para suavizar o falho roteiro, o diretor não consegue conferir ritmo à narrativa, que parece se estender muito além do necessário. Além disso, ele contribui com diversos problemas pontuais, como a revelação da identidade do impostor em Londres, que é alcançada por Sparrow após identificar um movimento conhecido durante uma luta de espadas - mas sabemos disso porque o personagem o verbaliza e não pela peculiaridade do movimento em si. Em alguns outros momentos, Marshall peca pela repetição: o mergulho da câmera durante a primeira cena envolvendo sereias, os insossos planos aéreos da ilha e a piada envolvendo o macaco dos filmes anteriores são os exemplos mais óbvios.

O design de produção não apresenta nenhum avanço significativo em relação aos anteriores, além de não desenvolver nenhum elemento que chegue aos pés do deslumbrante navio comandado por Davy Jones e sua incrível tripulação no dois últimos filmes, por exemplo. A trilha de Hans Zimmer também não apresenta grandes avanços em relação ao que já vem sido feito desde o primeiro, a não ser pelos eficientes novos acordes criados para o personagem Barba Negra. Mas a decepção maior fica por conta dos efeitos especiais, que se destacam por não conseguirem conferir a mínima veracidade ou fluidez à movimentação e ao design das sereias.

Johnny Depp se estabelece como o centro inegável do longa, algo que não é exatamente positivo, já que até mesmo as tentativas de aprofundar na personalidade do protagonista são sabotadas pelo roteiro. Penélope Cruz atravessa toda a projeção de forma enigmática - e não me refiro a uma complexidade da personagem, mas sim à falta de informações que recebemos para criar uma opinião sobre Angelica. Já Ian McShane surge falho como o temível Barba Negra, especialmente pelo seu olhar que não consegue transmitir o caráter ameaçador de seu personagem (trabalho feito por falas terrivelmente expositivas como "Me sinto próximo ao Criador quando vejo o sofrimento das pessoas"). E enquanto a ponta de Judi Dench consegue ser apenas moderadamente divertida, Richard Griffiths repete com bom humor parte do excentrismo do Tio Dursley da série Harry Potter e a participação de Keith Richards rende uma boa piada aniquilada por uma profética e nada emblemática fala: "A fonte irá testá-lo. Guarde minhas palavras", que no fim acaba não se confirmando (mesmo que o roteiro tente nos convencer disso).

Em certo momento do clímax do filme, o personagem de Johnny Depp interrompe uma batalha para discorrer sobre a falta de lógica daquela situação que, na verdade deveria se limitar apenas ao confronto entre dois grandes rivais - mas, mesmo que todos concordem com as palavras do pirata, a ação é reiniciada. Vai ver os produtores também tenham percebido, assim como Sparrow naquela cena, as ilógicas opções adotadas nesta continuação de Piratas do Caribe e, mesmo assim, optaram por levá-la adiante - e quanto mais tempo demorar para que o público perceba sozinho e compartilhe com mais pessoas todos os equívocos vistos no longa, melhor para os cofres da Walt Disney, não é mesmo?

Obs.: a cena adicional pós-créditos também é tão boba quanto as dos dois primeiros filmes (a do terceiro se salva pela melancolia)  - e basta pensar um pouco para perceber que não é exatamente um chamado para uma continuação como muitos estão dizendo por aí.