
Quando fui ao cinema ver A Origem pela segunda vez, em uma sessão vazia de uma tarde em Agosto passado, havia uma daquelas senhoras aposentadas que vão solitárias assistir a qualquer filme que esteja passando e, entediada com a complexidade do roteiro de Christopher Nolan, tirou diversos cochilos acompanhados de um ronco perfeitamente audível. Como não era minha primeira visita ao filme, não me incomodei 100% (bote aí uns... 80%), mas me distrai mais do que o recomendável e aguardei com ainda mais ansiedade os picos da ótima e barulhenta trilha de Hans Zimmer, que mesmo assim pareciam incapazes de acordá-la.
Em outra ocasião, via Príncipe da Pérsia - As Areias do Tempo em uma sessão promocional lotada em uma tarde de sábado quando notei que o mesmo acontecia bem ao meu lado, só que dessa vez era uma mulher aparentando ser uma "cinquentona solteirona" acompanhada de outras amigas de mesmo perfil (e que não se prontificaram a alertar a companheira sobre seu incômodo ruído nasal). Obviamente ali presente motivada pelo preço reduzido do ingresso ou pelos músculos definidos de Jake Gyllenhaal (ou será que elas realmente queriam ver um filme da Disney de aventura baseado em um video game?), a mulher acabou vítima de um grupo de adolescentes que, estes sim adequados à sessão e surpreendentemente respeitosos no que diz respeito a barulhos, tentavam registrar com seus celulares a vergonhosa situação da dorminhoca. Também não me incomodei muito, graças ao humor de observar a atitude dos jovens e à quantidade deficitária de atenção que o filme exigia.
Ok, o ambiente escuro, a poltrona confortável, o horário propício e o desinteresse são motivos razoáveis para levar uma pessoa a abdicar do valor investido na entrada e ir ao sono durante uma sessão de cinema, apesar de ser algo que eu particularmente desaprovo (a única sessão que cochilei - ou quase isso - foi de O Jardineiro Fiel, que foi muito tarde e ainda começou atrasada). Mas nada justifica o desrespeito de atrapalhar os demais espectadores com quaisquer que sejam os ruídos e, dessa forma, a pessoa deveria ter o bom senso de se retirar da sessão assim que percebesse que o sono a venceria - ou, no caso de ser pega de surpresa, sair após notar a inabilidade de controlar o próprio sono e conseqüente ronco. No entanto, o esgoísmo e a falta de educação faz com que pessoas como essas insistam em permanecer nas salas de exibição para evitar o próprio prejuízo, transferindo-o para os demais espectadores ao redor.
Mas falei tudo isso apenas para introduzir o desabafo que farei a seguir. Desde que não incomode ninguém, dormir no cinema é até aceitável quando diz respeito ao espectador padrão. Mas, uma pessoa popular e que se auto-intitula crítico de cinema, dormir durante um filme e ousar dar uma opinião sobre ele é algo repulsivo - e a aberração se torna ainda pior quando o cochilo não é sequer omitido em sua publicação e é usado inclusive como argumento indicativo de qualidade, o que é absolutamente lamentável. Não há como emitir uma análise sobre um filme sem tê-lo visto por completo. Tudo o que é visto é fundamental para uma análise decente sobre o conjunto da obra. É equivalente a sair do cinema antes do filme acabar.
E acreditem: esse mesmo senhor também já fez isso. Após assistir a menos de 15 minutos de uma sessão, saiu entediado e ousou publicar sua opinião, dizendo inclusive que outros filmes com o mesmo tema ou outras obras do mesmo diretor eram superiores. Tudo isso, repito, sem ter visto o filme!
E o que vemos é essa falta de profissionalismo e ética sendo abraçada por uma audiência sedenta por informações rápidas e objetivas em detrimento de um trabalho elaborado e inteligente que outros portais possam oferecer.
Desse jeito, a discussão sobre Cinema nunca chegará ao nível extraordinário que proponho aqui no Cinema Sem Erros.