Há algumas semanas, fui pego de surpresa enquanto assistia a televisão e surgiu uma propaganda em HD (quem assiste a Rede Globo sabe que são raras) anunciando A Mulher Invisível. A princípio, fiquei com a pulga atrás da orelha: será que estavam investindo tanto assim no anúncio da exibição do filme? Nunca antes havia acontecido nada parecido, e também nunca achei que o longa de 2009 valesse tamanho investimento em divulgação para uma única exibição. Foi então que, quando vi o anúncio pela segunda vez, conclui que não fazia o mínimo sentido a atriz Débora Falabella aparecer na divulgação de um filme do qual ela não participou. Foi então que pesquisei e descobri que, na próxima terça-feira, dia 31, estreia um seriado baseado no filme, substituindo Divã (outro seriado baseado num filme - por sua vez baseado em uma peça de teatro).

Isso me incomodou muito. Não é algo pontual e isolado a Rede Globo misturar as bolas, mas cinema é cinema, televisão é televisão. Querer que uma produção televisiva esteja nos níveis de uma cinematográfica é uma besteira tão grande quanto achar que os dois meios possuem linguagens equivalentes.
Para começo de conversa, as emissoras de TV têm que transmitir 24 horas de programação, geralmente gratuita. A maioria delas investe em narrativas das mais diversas (novelas, seriados, sitcoms) com exibição diária ou semanal, para um público volátil e com baixos níveis de concentração. Não é à toa que as situações vistas nesses programas são geralmente triviais, repetitivas e previsíveis, desprovidas de sutilezas ou nuances e repletas de diálogos expositivos que permitem que o espectador acompanhe a atração mesmo sem grande apego ou fidelidade. No cinema, todos os aspectos de produção recebem maior investimento de tempo e dinheiro e são mais bem trabalhados, tudo isso visando brindar o espectador com uma obra com um arco dramático não fragmentado, determinado por um período limitado e definido de tempo e construído de modo a valorizar a imersão completa do público e compensar, dessa forma, o preço do ingresso.
No entanto, adaptações feitas da televisão para o cinema (ou vice-e-versa), desde que respeitando as diferenças de linguagem, podem gerar grandes obras. Intrigas de Estado, Agente 86 ou Bob Esponja - O Filme são apenas alguns exemplos de boas adaptações cinematográficas de atrações televisivas de diferentes gêneros. Obviamente, há algumas que possivelmente não funcionariam: Lost, por exemplo, era altamente dependente do suspense criado entre episódios ou entre temporadas para funcionar, enquanto o cinema é uma experiência única e contínua, e por isso muito provavelmente a produção de J.J. Abrams jamais alcançaria os mesmos resultados do finado seriado. Uma sitcom enxuta como The Office, por outro lado, poderia gerar um bom filme, desde que fazendo as adaptações necessárias para que não surgisse como apenas um episódio mais extenso.

No Brasil, a história é um pouco diferente. Próximo à virada do século, duas mini-séries foram editadas e transformadas em filmes: Caramuru - A Invenção do Brasil e O Auto da Compadecida. Infelizmente, atualmente não tenho propriedade para avaliar a transição, pois não assisti nem aos filmes nem às mini-séries. Um exemplo interessante é Cidade dos Homens, seriado criado como uma versão para a televisão de Cidade de Deus, mas que acabou ganhando sua própria adaptação para os cinemas - ambos elogiados pela crítica. Porém, ao longo dos anos vimos também atrocidades como Casseta & Planeta - A Taça do Mundo é Nossa, Casseta & Planeta - Seus Problemas Acabaram!!!, Os Normais - O Filme, Os Normais 2 - A Noite Mais Maluca de Todas ganharem as telas dos cinemas. Percorrendo o caminho inverso, temos o já citado Divã, além de Ó Paí, Ó e Antônia.
E por mas que este segundo grupo seja bem menos intragável que o primeiro, o que mais me preocupa é o grande número de produções migrando dos cinemas para a TV. Explico: se um filme como O Bem Amado consegue ser transformado em uma série de televisão apenas sendo editado em episódios, isso é uma prova clara daquilo que já era possível notar ao ver o filme nos cinemas: trata-se de uma produção espisódica e sem identidade cinematográfica. Mas também, o que esperar de um filme baseado em uma novela? E o desafio nem é "xuxar" 150 capítulos em menos de duas horas (basta acompanhar qualquer uma delas para perceber que, cortando alguns personagens, é perfeitamente possível condensar a história de 8 meses em um filme), mas sim dar uma dimensão extra à história. Decisões como essa nada mais são do que um indício da tendência do cinema brasileiro de construir narrativas episódicas e rasas, mesmo que isso não seja implicado por uma possível transposição futura para a televisão (ou será que é?). São, na verdade, um reflexo do público brasileiro - afinal, Se Eu Fosse Você e De Pernas Pro Ar fizeram ou não sucesso?

O que nos trás de volta à adaptação de A Mulher Invisível para a TV. Extremamente dependente do repetitivo humor fisíco de Selton Mello e das novelescas coincidências da trama, o filme de Cláudio Torres falhava justamente por subestimar a inteligência e a concentração do público - problema que finalmente terá um fim na televisão. No entanto, ainda temos que lidar nos cinemas com lançamentos como Muita Calma Nessa Hora, que nada mais é do que uma reunião do maior número possível de comediantes e humoristas, cada um com sua breve participação (uma espécie de esquete), em uma produção com história, interpretações, trilha sonora, edição, enquadramentos e direção absolutamente constrangedores - ou seja, uma produção mais adequado a um sábado à noite na televisão. E quando Zorra Total começa a fazer escola nos cinemas, vemos que a coisa está mal das pernas.

Nesse sentido, o que resta ao público brasileiro esperar nos próximos meses? Cilada.com, adaptado da série do canal Multishow (que virou atração do Fantástico), que funcionava perfeitamente bem como uma divertida e escapista apreciação sobre a Lei de Murphy, mas que terá o imenso desafio de ser eficiente mesmo se enquadrando no desgastado sub-gênero "comédia de situações" (Mr. Bean, por exemplo, nunca foi tão eficiente no cinema quanto era na televisão); O Diário de Tati, baseado em uma personagem que teve seu auge na televisão há mais de 10 anos e já caiu no esquecimento, engavetado há quase meia década (o longa foi rodado em 2006) e que conta a história de uma adolescente interpretada por uma atriz de quase 40 anos; e o mais aguardado de todos, Giovanni Improtta, longa baseado em um personagem rico e ignorante da novela Senhora do Destino, dirigido e protagonizado por José Wilker - isso mesmo, aquele que sabe, como ninguém, que as categorias Edição de Som e Mixagem de Som são a mesma coisa.
PLIM PLIM nele!