18 de maio de 2011

Crítica | Água Para Elefantes

por Eduardo Monteiro

Water for Elephants, EUA, 2011 | Duração: 1h55m27s | Lançado no Brasil em 29 de Abril de 2011, nos cinemas | Baseado no romance de Sara Gruen. Escrito por Richard LaGravenese | Dirigido por Francis Lawrence | Com Robert Pattinson, Reese Witherspoon, Christoph Waltz, Jim Norton, Mark Povinelli, Richard Brake, Stephen Monroe Taylor, Ken Foree, Scott MacDonald, Sam Anderson, James Frain, Paul Schneider e Hal Holbrook.

Se Água Para Elefantes tivesse pelo menos um ou dois números musicais, a comparação com Moulin Rouge! - Amor em Vermelho seria (ainda mais) inevitável e dominaria soberano os pensamentos de todos aqueles que tiveram a chance de assistir aos dois filmes. Contando histórias fundamentalmente de amor a partir de memórias de seus protagonistas, os dois filmes escancaram logo em seus primeiros minutos a tristeza desses homens com a morte do grande amor de suas vidas e viajam no tempo para mostrar como eles se conheceram. A partir daí, vemos um jovem caindo de pára-quedas em uma companhia de espetáculos, passando de um intruso ao principal responsável pelo novo número que promete maior público e prestígio. É então que ele se apaixona pela então inalcançável atração principal (que, a princípio, não corresponde o sentimento) e passa a ter de enfrentar a ameaça representada pelo homem responsável por sustentar a companhia, já que ele vive uma relação possessiva com a mulher. Como se não bastasse, após a descoberta do relacionamento secreto, o casal combina uma fuga que deverá ocorrer após um espetáculo final.

Mas se no filme de Baz Luhrmann a história simples e previsível era disfarçada e engrandecida por uma direção frenética e uma abordagem visual e musical excêntrica, Francis Lawrence oferece aqui uma direção burocrática limitada por um roteiro fraco e sem foco, personagens com construções equivocadas e intérpretes inexpressivos (a singularidade ou pluraridade disso será discutida mais para frente). Aqui, o escritor Christian de Ewan McGregor dá lugar ao estudante de veterinária Jacob Jancowski (Pattinson)  e passamos a acompanhá-lo, durante a Grande Depressão dos anos 30 (no musical, era o final do século XIX), ingressando no circo dos Irmãos Banzini (ao invés do bordel Moulin Rouge) após a morte de seus pais em um acidente de carro (com os velozes veículos da década de 30, só se tiver sido, sei lá, queda de um penhasco!), apaixonando-se pela domadora de cavalos Marlena (Witherspoon), e não pela cortesã Satine vivida por Nicole Kidman no longa de 2001. Após o rapaz apaixonar-se pela mulher, ele tem de lidar com o antagonismo do marido, August (Waltz), instável proprietário da companhia - e sua dualidade, aquilo que o filme tem de mais interessante, pode ser rapidamente descrita, ainda comparando com o filme de Lurhmann, observando que o personagem equivale a uma mistura do possessivo Duque, vivido por Richard Roxburgh, com o protetor Harold Zidler, dono do Moulin Rouge interpretado por Jim Broadbent.

Um dos grandes problemas do roteiro de Richard LaGravenese (P.S. Eu Te Amo), baseado no livro homônimo de Sara Gruen, reside em sua falta de foco: desse modo, a narrativa alterna sua atenção entre o romance secreto de Jacob e Marlena, os maus tratos com os animais circenses e o transtorno bipolar de August - mas acaba atirando para todos os lados sem acertar muito. Aliás, alguns dos problemas provavelmente provém do material original de Gruen que, amante e protetora dos animais, escreve romances para expressar primordialmente sua preocupação e apreço com os bichos - o que, pelo menos aqui, relega a história a um segundo plano. A própria decisão de estruturar a trama a partir de um relato de memórias se mostra falho, já que, diferentemente de longas como Forrest Gump - O Contador de Histórias, Diário de uma Paixão, À Espera de um Milagre ou Titanic, não há razões para adotar essa estrutura a não ser usá-la como um prático e preguiçoso artifício para evitar que o início e o fim sejam abruptos demais. Ainda nesse aspecto, a decisão de substituir a narração de Holbrook pela de Pattinson confere uma desfavorável jovialidade às falas, e mais parece uma estratégia boba e desnecessária de situar o espectador que, eventualmente, venha a pegar a projeção pela metade e não entenda por que uma voz de idoso narra em primeira pessoa a história de um jovem - ou, claro, pode ser apenas um pretexto para incluir mais e mais Robert Pattinson.

E já que citei o ator, vale mencionar que sua participação é outro grande problema do projeto. A única explicação plausível para a contratação de Pattinson é sua atual popularidade e o apelo para angariar público - e, neste sentido, a ironia óbvia (e acidental, claro) do nome do seu personagem é algo tão importante, agregador e distrativo para sua legião de fãs quanto a necessidade de submeter o ator a situações vexatórias, como o "batismo" do personagem  no circo ou a prenda que o faz acordar travestido e maquiado como palhaço. Ao menos livre da deplorável maquiagem da "saga" Crepúsculo, que o transformava em um boneco de cera quase literal (ainda considero a possibilidade de ele ser uma peça exibida em um dos museus de Madame Tussauds que ganhou vida e fugiu), o ator é talvez o único membro realmente comprometedor do elenco e prova que ainda não merece a responsabilidade de carregar um personagem que exija um pouco mais do que a cara de raivinha e de coitadinho de Edward Cullen, surgindo indecifrável em tentativas de expressar raiva ou constrangedor quando deve demonstrar embriaguez, por exemplo. Já Reese Witherspoon é obrigada a permanecer pelo menos dois terços da projeção apenas marcando presença para então expor parte de seu passado durante um diálogo com Jacob - e esta é a pedestre, simplista e tardia construção de sua personagem. E Christoph Waltz que, desde sua estréia em Hollywood em Bastardos Inglórios só interpretou antagonistas (os demais foram em O Besouro Verde e no ainda inédito Os Três Mosqueteiros), vive o único personagem realmente interessante da trama, expondo com talento seu temperamento ambíguo e explosivo, ao mesmo tempo que demonstra apreço pela esposa e mantém a apreensão do público no nível ideal. Já a participação de Hal Holbrook, mesmo desnecessária (como já expliquei), torna-se interessante ao elevar a persistência de Jacob em permanecer trabalhando no circo a uma espécie de homenagem ao próprio ator e sua relação com o cinema, que surge lúcido e convincente mesmo aos 86 anos de idade. E, por fim, temos a elefanta Rosie, uma previsível deus ex machina que surge mais inteligente e racional do que o ideal.

Para completar, a impressão que fica é que Francis Lawrence (Constantine, Eu Sou a Lenda) poderia ter evitado se aventurar em dramas ou procurado um projeto com um material mais interessante, que lhe permitisse demonstrar seu já comprovado talento, uma vez que ele está longe de ser o responsável pelo comprometimento do longa. No entanto, algumas seqüências pecam pela obviedade com que foram concebidas, como ao acompanhar Jacob, no trem em movimento, vendo as camas vazias de dois amigos e, em seguida, enquadrar a porta aberta do vagão, como se dissesse: "Entendeu? Eles foram jogados para fora do trem", sendo que essa possibilidade já havia sido verbalizada segundos antes por algum outro personagem. E, por influência ou não dos produtores, a cena envolvendo um incidente marcante no circo não consegue causar o impacto necessário, reservando a violência e o sangue um fato posterior, de modo que este surja ainda mais catártico. Inquestionável é direção de arte, que faz um excelente trabalho na recriação de época, tanto figurinos quanto cenários, beneficiada pela ótima fotografia de Rodrigo Pietro e por bons efeitos especiais. A homenagem ao ambiente circense também surge bastante eficiente, desde falas que sugerem sua criação até momentos peculiares, como Jacob e outros funcionários se inflitrando na multidão para, num leve empurra-empurra, pressionar os populares a ingressar no espetáculo após um anúncio enfático.

E como se todos os problemas não bastassem, a recorrente semelhança com Moulin Rouge chega a beirar o plágio quando Waltz narra uma história teoricamente fictícia mas que se encaixa com o affair de Jacob e Marlene, remetendo diretamente a toda a estrutura da obra de Lurhman, que colocava os personagens para encenar no palco do Moulin Rouge uma versão fantasiosa de sua própria história - e se você ainda não está convencido, procure comparar os cartazes dos dois filmes.

Mas se há um personagem digno de pena é o interpretado por Paul Schneider: quando ele pediu, no início do filme, para que o idoso Jacob narrasse a história do grande desastre do circo dos Irmãos Banzini, acho que ele esperava saber um pouco mais sobre como o trágico evento botou um fim na trajetória da companhia, e não como uma história de amor boba e falsa foi resolvida durante o acontecimento. Mas é a vida: nunca se deve esperar muito de quem não tem uma boa história para contar.