31 de maio de 2011

Crítica | Um Novo Despertar

por Eduardo Monteiro

The Beaver, EUA, 2011 | Duração: 1h31 | Lançado no Brasil em 27 de Maio de 2011, nos cinemas | Escrito por Kyle Killen | Dirigido por Jodie Foster | Com Mel Gibson, Jodie Foster, Anton Yelchin, Jennifer Lawrence, Riley Thomas Stewart, Cherry Jones, Zachary Booth, Michael Rivera e Kelly Coffield Park.

Com mais de 100 anos de história e dezenas (ou centenas, sei lá) de lançamentos semanais, é natural que eventualmente o cinema repita certas tramas ou premissas pré-existentes. Mas isso não é algo necessariamente ruim: desde que não beirem o plágio ou surjam como imitações de mau gosto e má-fé, as novas leituras de uma mesma proposta podem apresentar abordagens ainda inéditas, algo extremamente positivo. Assim, se digo que este novo filme dirigido pela premiada atriz Jodie Foster é uma mescla entre A Garota Ideal e Dummy - Um Amor Diferente, não significa que isso por si só seja a razão do sucesso mediano do longa. Aliás, se agregasse um pouco mais dos elementos destes outros dois, talvez Um Novo Despertar seria um longa bem mais interessante.

Escrito pelo estreante Kyle Killen, o filme acompanha a inusitada tentativa de um pai de família de superar uma forte depressão quando, após ser convidado a se retirar de casa pela esposa Meredith (Foster) em função da crescente degradação do ambiente familiar, Walter Black (Gibson) passa a usar um fantoche de castor como meio de combater sua introspecção emocional. No entanto, depois de algum tempo, o que parecia apenas um exótico, autônomo, inofensivo e satisfatório tratamento psiquiátrico torna-se um problema para a família quando o alterego de pano passa a ter quase vida própria, ofuscando a personalidade, o livre-arbítrio e a própria existência de Walter.

Obviamente, por ser um filme calcado na realidade, o Castor não ganha vida própria de fato, e é justamente a estranha incompatibilidade entre o fantoche e a mente de Walter (responsável por comandá-lo) que torna a construção tão falha (ou nem tanto, o que discutirei mais adiante). Fugindo das expectativas ao trazer um retorno meteórico do personagem ao seu lar (Walter fica apenas uma noite fora de casa), o roteiro de Killen apresenta o Castor como um personagem bobo e engraçadinho capaz tanto de divertir o filho mais novo do casal (Stewart) quanto de irritar o mais velho (Yelchin), garantindo também o regresso do homem depressivo a seu lar; a seguir, o transforma em uma mente pensante e em uma liderança exemplar que salva a empresa de brinquedos administrada por seu manipulador; e por fim, torna-o um psicopata em potencial que, mesmo após ter dado sua colaboração na reaproximação familiar, se recusa a deixar de existir. Por outro lado, o fantoche apresenta-se com a fala "Eu sou o Castor e estou aqui para salvar a sua vida" para, posteriormente, alegar ser o único que ama Walter verdadeiramente (amor próprio, portanto) e, por isso, ele deveria se afastar da família. Mas qual parte da personalidade de Walter determina as ações do boneco, afinal? Qual a intenção do homem ao usar o fantoche como ponte entre seus pensamentos e o mundo exterior? Ou melhor, há alguma intenção determinada? A resposta provavelmente é não. Mesmo sendo uma criação sua, Walter parece não ter consciência nem controle sobre a real relação com o Castor (diferentemente do que ocorria com Adam Brody em Dummy - Um Amor Diferente) e tampouco abre mão dela, mesmo que de forma inconsciente, quando esta já exerceu sua função (contrapondo à morte da boneca-namorada de Ryan Gosling em momento estratégico de A Garota Ideal). Pior que isso, há ainda duas breves sugestões de que todo o processo se dá por pancadas na cabeça recebidas por Walter próximas ao início e ao fim da vida do Castor, mas nem elas se sustentam e mais parecem bobas referências a Do Que As Mulheres Gostam, comédia estrelada por Gibson.

Assim, a única explicação que resta é uma provável esquizofrenia do personagem. E, mesmo limitado pela função de dar vida ao boneco durante boa parte da projeção, contrução esta que envolve especialmente o modo como deve dizer suas falas, Mel Gibson oferece uma boa interpretação, alternando momentos em que mal lembramos da existência do boneco e tomamos as palavras ditas como sendo do próprio Walter e outros em que o ator exibe inteligência ao deixar clara a co-existência de personalidades distintas, quando conseguimos notar suas reações faciais distinguíveis durante falas do Castor, como se reagisse a elas mesmo estando saindo de sua própria boca. E enquanto, assim como Gibson, Jodie Foster tem um bom desempenho no seu papel de esposa volátil e amorosa e mãe protetora e angustiada mesmo sem grandes momentos, a trama central acaba eclipsada pelo drama vivido pelo filho mais velho, interpretado com angústia pelo carismático Anton Yelchin. Sufocado pela extenuante convivência doméstica, Parker junta dinheiro realizando trabalhos escolares de terceiros com o objetivo de passar temporadas longe de casa e compila uma lista de similaridades que tem com o pai no intuito de tentar evitá-las - e é tocante ver que uma das características de Walter que ele tenta combater em si mesmo é "odiar o próprio pai". Assim, sua complexidade não é reduzida nem mesmo pelo romance bobo vivido com a bela colega Norah (Lawrence), que funciona bem por resultar em uma curiosa inversão de papéis e por desenvolver bem os temas principais, que só se tornam mais evidentes no terceiro ato: não basear convivências em mentiras e buscar apoio no próximo para superar momentos difíceis.

Voltando a dirigir um filme após mais de 15 anos sem exercer a função, Jodie Foster acerta ao não abraçar o excesso de convencionalismo, criando planos interessante como aquele que exibe Walter entrando em um quarto de hotel visto a partir de um ângulo baixo focando apenas um pedaço da cama com pequena profundidade de campo, que permite uma série de interpretações sobre o estado de espírito do personagem. Em outros momentos, a diretora demonstra inteligência ao posicionar o personagem de Mel Gibson prioritariamente em locais de destaque na tela mesmo diante de sua submissão ao Castor ou ao manter a boca do ator encoberta pelo próprio fantoche em certas ocasiões, acertando também ao aproximar Walter e Parker em determinada cena, colocando-os lado a lado durante transições executadas enquanto cada um se prepara para uma noite fundamental no arco dramático geral. No entanto, a atriz-diretora não consegue escapar das armadilhas formulaicas armadas pelo roteiro mas, felizmente, acerta a mão ao conferir uma sutil melancolia ao desfecho, que provavelmente passará como um final puramente feliz e resolvido para os espectadores mais distraídos.

Afinal de contas, nos últimos segundos do filme, a narração vista logo no início retorna reafirmando que "esta é a história de Walter, um homem irremediavelmente deprimido" adicionando ainda alguns pensamentos ligeiramente ambíguos. Como se isso não bastasse para ressaltar que o protagonista não está plenamente curado (ou, como a fala sugere, nunca estará), a própria autoria da fala ratifica a idéia, já que a essa altura sabemos que esta voz não pertence a Walter, apesar de ser dita por Mel Gibson. Assim, quando sugeri que a concepção do boneco falante como indicativo da personalidade de Walter poderia até não ser tão equivocada (ainda assim, nada justifica a cena em que o homem aproveita que o Castor está dormindo para ligar para a esposa - e é pego de surpresa pelo boneco!), isso é confirmado por estes momentos finais: a incoerência exibida pelo alterego pode ser interpretada como uma representação do aspecto auto-destrutivo de Walter, mantendo a validade da hipótese da esquizofrenia e justificando a solução encontrada por ele para o conflito com o Castor. Assim, a melancolia fica mais que clara no último plano que, mostrando os personagens em uma montanha russa, sugere que aquela família ainda está sujeita a altos e baixos emocionais - mas, neste ponto, já sabemos que eles terão maior disposição para aceitar esta realidade ao invés de tentar ignorá-la, podendo então enfrentá-la com maior empenho. A convivência forçada durante um jantar vista no início da projeção não é mais uma realidade na família: agora têm, mais do que nunca, o apoio uns dos outros.

Uma nova e satisfatória abordagem para o tema, portanto.

29 de maio de 2011

As Adaptações da Rede Globo

Há algumas semanas, fui pego de surpresa enquanto assistia a televisão e surgiu uma propaganda em HD (quem assiste a Rede Globo sabe que são raras) anunciando A Mulher Invisível. A princípio, fiquei com a pulga atrás da orelha: será que estavam investindo tanto assim no anúncio da exibição do filme? Nunca antes havia acontecido nada parecido, e também nunca achei que o longa de 2009 valesse tamanho investimento em divulgação para uma única exibição. Foi então que, quando vi o anúncio pela segunda vez, conclui que não fazia o mínimo sentido a atriz Débora Falabella aparecer na divulgação de um filme do qual ela não participou. Foi então que pesquisei e descobri que, na próxima terça-feira, dia 31, estreia um seriado baseado no filme, substituindo Divã (outro seriado baseado num filme - por sua vez baseado em uma peça de teatro).


Isso me incomodou muito. Não é algo pontual e isolado a Rede Globo misturar as bolas, mas cinema é cinema, televisão é televisão. Querer que uma produção televisiva esteja nos níveis de uma cinematográfica é uma besteira tão grande quanto achar que os dois meios possuem linguagens equivalentes.

Para começo de conversa, as emissoras de TV têm que transmitir 24 horas de programação, geralmente gratuita. A maioria delas investe em narrativas das mais diversas (novelas, seriados, sitcoms) com exibição diária ou semanal, para um público volátil e com baixos níveis de concentração. Não é à toa que as situações vistas nesses programas são geralmente triviais, repetitivas e previsíveis, desprovidas de sutilezas ou nuances e repletas de diálogos expositivos que permitem que o espectador acompanhe a atração mesmo sem grande apego ou fidelidade. No cinema, todos os aspectos de produção recebem maior investimento de tempo e dinheiro e são mais bem trabalhados, tudo isso visando brindar o espectador com uma obra com um arco dramático não fragmentado, determinado por um período limitado e definido de tempo e construído de modo a valorizar a imersão completa do público e compensar, dessa forma, o preço do ingresso.

No entanto, adaptações feitas da televisão para o cinema (ou vice-e-versa), desde que respeitando as diferenças de linguagem, podem gerar grandes obras. Intrigas de Estado, Agente 86 ou Bob Esponja - O Filme são apenas alguns exemplos de boas adaptações cinematográficas de atrações televisivas de diferentes gêneros. Obviamente, há algumas que possivelmente não funcionariam: Lost, por exemplo, era altamente dependente do suspense criado entre episódios ou entre temporadas para funcionar, enquanto o cinema é uma experiência única e contínua, e por isso muito provavelmente a produção de J.J. Abrams jamais alcançaria os mesmos resultados do finado seriado. Uma sitcom enxuta como The Office, por outro lado, poderia gerar um bom filme, desde que fazendo as adaptações necessárias para que não surgisse como apenas um episódio mais extenso.


No Brasil, a história é um pouco diferente. Próximo à virada do século, duas mini-séries foram editadas e transformadas em filmes: Caramuru - A Invenção do Brasil e O Auto da Compadecida. Infelizmente, atualmente não tenho propriedade para avaliar a transição, pois não assisti nem aos filmes nem às mini-séries. Um exemplo interessante é Cidade dos Homens, seriado criado como uma versão para a televisão de Cidade de Deus, mas que acabou ganhando sua própria adaptação para os cinemas - ambos elogiados pela crítica. Porém, ao longo dos anos vimos também atrocidades como Casseta & Planeta - A Taça do Mundo é Nossa, Casseta & Planeta - Seus Problemas Acabaram!!!, Os Normais - O Filme, Os Normais 2 - A Noite Mais Maluca de Todas ganharem as telas dos cinemas. Percorrendo o caminho inverso, temos o já citado Divã, além de Ó Paí, Ó e Antônia.

E por mas que este segundo grupo seja bem menos intragável que o primeiro, o que mais me preocupa é o grande número de produções migrando dos cinemas para a TV. Explico: se um filme como O Bem Amado consegue ser transformado em uma série de televisão apenas sendo editado em episódios, isso é uma prova clara daquilo que já era possível notar ao ver o filme nos cinemas: trata-se de uma produção espisódica e sem identidade cinematográfica. Mas também, o que esperar de um filme baseado em uma novela? E o desafio nem é "xuxar" 150 capítulos em menos de duas horas (basta acompanhar qualquer uma delas para perceber que, cortando alguns personagens, é perfeitamente possível condensar a história de 8 meses em um filme), mas sim dar uma dimensão extra à história. Decisões como essa nada mais são do que um indício da tendência do cinema brasileiro de construir narrativas episódicas e rasas, mesmo que isso não seja implicado por uma possível transposição futura para a televisão (ou será que é?). São, na verdade, um reflexo do público brasileiro - afinal, Se Eu Fosse Você e De Pernas Pro Ar fizeram ou não sucesso?


O que nos trás de volta à adaptação de A Mulher Invisível para a TV. Extremamente dependente do repetitivo humor fisíco de Selton Mello e das novelescas coincidências da trama, o filme de Cláudio Torres falhava justamente por subestimar a inteligência e a concentração do público - problema que finalmente terá um fim na televisão. No entanto, ainda temos que lidar nos cinemas com lançamentos como Muita Calma Nessa Hora, que nada mais é do que uma reunião do maior número possível de comediantes e humoristas, cada um com sua breve participação (uma espécie de esquete), em uma produção com história, interpretações, trilha sonora, edição, enquadramentos e direção absolutamente constrangedores - ou seja, uma produção mais adequado a um sábado à noite na televisão. E quando Zorra Total começa a fazer escola nos cinemas, vemos que a coisa está mal das pernas.


Nesse sentido, o que resta ao público brasileiro esperar nos próximos meses? Cilada.com, adaptado da série do canal Multishow (que virou atração do Fantástico), que funcionava perfeitamente bem como uma divertida e escapista apreciação sobre a Lei de Murphy, mas que terá o imenso desafio de ser eficiente mesmo se enquadrando no desgastado sub-gênero "comédia de situações" (Mr. Bean, por exemplo, nunca foi tão eficiente no cinema quanto era na televisão); O Diário de Tati, baseado em uma personagem que teve seu auge na televisão há mais de 10 anos e já caiu no esquecimento, engavetado há quase meia década (o longa foi rodado em 2006) e que conta a história de uma adolescente interpretada por uma atriz de quase 40 anos; e o mais aguardado de todos, Giovanni Improtta, longa baseado em um personagem rico e ignorante da novela Senhora do Destino, dirigido e protagonizado por José Wilker - isso mesmo, aquele que sabe, como ninguém, que as categorias Edição de Som e Mixagem de Som são a mesma coisa.

PLIM PLIM nele!

28 de maio de 2011

Crítica | Se Beber, Não Case! Parte II

por Eduardo Monteiro

The Hangover Part II, EUA, 2011 | Duração: 1h41m48s | Lançado no Brasil em 27 de Maio de 2011, nos cinemas | Escrito por Craig Mazin & Scot Armstrong & Todd Phillips | Dirigido por Todd Phillips | Com Bradley Cooper, Ed Helms, Zach Galifianakis, Justin Bartha, Ken Jeong, Mason Lee, Paul Giamatti, Jeffrey Tambor, Jamie Chung, Sasha Barrese, Gillian Vigman, Nirut Sirichanya, Nick Cassavetes, Schnitrnunt Busarakamwong, Sondra Currie, Bryan Callen e Mike Tyson.

Quem assiste a muitos filmes, o que inclui, claro, franquias e trilogias, consegue facilmente identificar pelo menos dois padrões no que diz respeito a continuações de grandes sucessos: aquelas que exploram com inteligência os aspectos positivos do que foi feito anteriormente, tentando superar ou ao menos manter-se à altura do longa original, e aquelas que limitam-se a reprisar a proposta original, adaptando-a a uma história qualquer que permita uma overdose dos elementos bem sucedidos do original. Se Beber, Não Case! Parte II claramente se enquadra neste segundo tipo: adotando uma estrutura praticamente idêntica à do primeiro filme, vemos aqui uma tentativa atrapalhada de encaixar novas versões de cenas marcantes do original, incluindo um número ainda maior de gags e aumentando a gravidade das conseqüências do período de semi-consciência do trio de amigos. Assim, se arrancar o próprio dente e casar com um stripper durante a embriaguez do filme anterior eram atitudes marcantes - mas facilmente reversíveis - de Stu (Helms), aqui ele faz uma tatuagem definitiva no rosto e se envolve sexualmente com uma garota de programa que... bem, confira você mesmo.

Novamente dirigido por Todd Phillips e agora roteirizado por Craig Mazin, Scot Armstrong e pelo próprio diretor, o filme acompanha a ressaca vivida por Phil (Cooper), Alan (Galifianakis) e Stu nas vésperas do casamento deste último com Lauren (Chung), na Tailândia. Após acordarem desmemoriados em um quarto de um precário hotel em Bangcoc na companhia do mafioso Mr. Chow (Jeong), os três amigos precisam reunir pistas para lembrar dos acontecimentos da última noite e descobrir o paradeiro de Teddy (Lee), irmão caçula da noiva, para finalmente retornarem ao resort a tempo do casamento sem aumentar ainda mais a desconfiança de Fohn (Sirichanya), futuro sogro de Stu - mas acabam envolvidos em um conflito entre Chow e criminosos locais.

Diante da gravidade dos acontecimentos do filme anterior, é esperado que a preocupação dos personagens em evitar de todas as maneiras possíveis que incidentes semelhantes voltem a ocorrer faça parte da introdução da narrativa. De fato, o comportamento preventivo é abordado com destaque e bom humor nos primeiros minutos de projeção, o que torna ainda mais difícil o trabalho dos roteiristas em conceber um novo contexto que justifique uma repetição do estado de transe - e a coerência ou não dessa construção acaba funcionando como um termômetro revelador sobre a real necessidade de filmar uma idéia reciclada ao invés de partir para algum material novo e original. Infelizmente, nesse sentido, a produção de uma continuação de Se Beber, Não Case! se torna injustificável, já que os então precavidos amigos consomem o produto adulterado mesmo após claramente evitá-lo, num dos grandes truques que o roteiro tenta disfarçar sem sucesso. Ainda, o retorno de Chow e a ida a Bangcoc são tão absurdos que simplesmente se justificam mutuamente, enquanto a reconstituição parcial dos acontecimentos esquecidos é conduzida de forma pobre, dependente do acaso e apelando até mesmo para memórias recuperadas durante uma sessão de meditação.

Além disso, a necessidade de fazer referências ao original, que começa apenas como uma estratégia para criar uma identificação com o público e uma uniformidade dentro da franquia, acaba caindo em uma inadequada repetição, culminando em momentos que chegamos a prever o que vem a seguir - como quando deduzimos que Chow irá atacar os protagonistas pelo simples fato de estar trancado em um compartimento que remete ao porta-malas do carro visto no longa anterior - ou em outros que simplesmente não se encaixam de forma orgânica na narrativa - como o desabafo musical de Stu, que ignora a inerente aflição do personagem no contexto. Da mesma forma, o modo como o sumiço de Teddy é desvendado também segue os moldes da descoberta do paradeiro de Doug (Bartha) no longa original, mas aqui depende de um comportamento inexplicavelmente inerte do desaparecido para convencer. Não menos lamentável é ver que a aleatoriedade do comportamento de Alan seja usado para justificar furos que ficariam evidentes caso suas atitudes seguissem qualquer padrão que fosse.

O personagem de Galifianakis, aliás, surge novamente como um dos destaques do longa, mesmo que seja usado para fazer graça de forma muito mais recorrente e, consequentemente, menos eficiente (eu particularmente gosto da piada envolvendo um travesti e um truque de mágica), além de sofrer dos problemas já citados anteriormente. Assim, se no primeiro filme Alan tinha apenas um comportamento infantilizado, aqui ele age e é tratado como uma criança pelos pais, joga videogame tomando sorvete em um momento em que a apreensão deveria dominar e, é claro, enxerga (em memórias) a si mesmo e aos amigos como crianças de 12 anos. Já Stu abandona parte de suas inseguranças, que são rapidamente substituídas por um semblante preocupado e um comportamento histérico, o que é aceitável se pensarmos que, sendo o noivo (e por algumas outras razões), é ele quem vive os maiores dramas da história. Phil continua sendo o pai de família que se comporta como garotão longe dos olhos da esposa, mas que na hora do aperto surge como uma óbvia liderança, graças a seu pensamento razoavelmente mais equilibrado e racional que dos demais - mas por que diabos ele insiste em carregar um macaco achado no banheiro do hotel jamais é explicado (o macaco, por sinal, é surpreendentemente mais divertido do que o esperado). Enquanto isso, o ótimo Ken Jeong não tem as mesmas oportunidades de divertir o público, já que seu Mr. Chow, ainda que extremamente afetado, é ligeiramente mais contido do que no primeiro filme, alem de sair de cena de forma excessivamente repentina. Justin Bartha, Mason Lee, Sasha Barresse, Jeffrey Tambor e tantos outros desempenham seus pequenos papéis de forma apenas correta, enquanto Nick Cassavetes e Paul Giamatti são desperdiçados pelo roteiro com participações apagadas (especialmente esse último, que ainda recebe a função de informar o espectador que este foi feito de bobo).

Nos aspectos técnicos, Se Beber, Não Case! Parte II se sai melhor na trilha sonora (que demonstra inteligência ao incluir acordes adequados a uma cena em que Alan se comporta como um amedrontado personagem de filme de terror) do que na fotografia que, mesmo dominada por tons quentes, não consegue evocar o "calor de 38º de Bangcoc", sensação transmitida apenas pela camisa ensopada de Bradley Cooper. Inconstante também nas tentativas de humor, o filme acaba apelando para constrangimentos envolvendo nudez ou investe em piadas sem a mínima graça, como no momento em que alguém manda um "Hello" para Chow e o personagem de Galifianakis gasta demasiado tempo tentando entender a entonação correta do recado e sua consequente intenção. Não menos ineficaz é a cena em que uma lancha conduzida por Alan invade o continente e atraca em terra firme sem que haja uma única explicação plausível para que Phil, Stu e Teddy não tenham unido forças para tentar impedí-lo. No entanto, essa cena é apenas um aperitivo da afronta que vem a seguir, quando as atenções são voltadas para um discurso bobo de Stu de amolecer o coração, claramente concebido apenas para encaixar mais uma piada de constrangimento proferida por Alan, enquanto os demais presentes parecem ignorar que Stu esteja com o rosto tatuado e Teddy com um dedo faltando.

E quando a narrativa termina, finalmente descobrimos o que de fato aconteceu nas horas de memórias perdidas com as (também não originais, mas) divertidas fotos durante os créditos finais. Mas nada disso importa pois, nesse momento, minha opinião sobre o filme já estava mais do que formada: Se Beber, Não Case! Parte II é uma experiência divertida e descompromissada, que funciona muito melhor quando você assiste sem saber em qual das duas descrições do início do texto se enquadra já que, dessa forma, você pode ter uma ou outra surpresa. Isto é: se Se Beber, Não Case! Parte III de fato acontecer, já saberemos exatamente o que esperar, onde procurar pistas e o que ignorar. Aí, então, talvez a experiência não será mais tão compensadora assim.

23 de maio de 2011

Crítica | Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas

por Eduardo Monteiro

Pirates of the Caribbean: On Stranger Tides, EUA, 2011 | Duração: 2h16m23s | Lançado no Brasil em 20 de Maio de 2011, nos cinemas | Inspirado no romance de Tim Powers. Baseado nos personagens criados por Ted Elliot & Terry Rossio e Stuart Beattie e Jay Wolpert. Escrito por Ted Elliot & Terry Rossio | Dirigido por Rob Marshall | Com Johnny Depp, Penélope Cruz, Ian McShane, Geoffrey Rush, Kevin McNally, Sam Claflin, Astrid Berges-Frisbey, Stephen Graham, Richard Griffiths, Greg Ellis, Damian O'Hare, Gemma Ward, Judi Dench e Keith Richards.

O sucesso comercial de qualquer filme depende muito do boca-a-boca do público: mesmo com faraônicas campanhas de marketing, a divulgação interpessoal será sempre decisiva no resultado financeiro positivo ou negativo de uma produção. Dessa forma, esquivar-se da imprensa não realizando exibições prévias ou decretando embargos que limitem por um período a divulgação de informações e opiniões sobre um longa são sempre motivo de suspeita: se o filme é bom, o ideal é que esse fato seja rapidamente espalhado, certo?

Pois bem. Embargado mundialmente pela Walt Disney até a data de sua estreia e dirigido pelo decadente diretor Rob Marshall (da indicação ao Oscar em Chicago ao desastre em NINE, passando pelo inconsistente Memórias de uma Gueixa), o quarto Piratas do Caribe acompanha Jack Sparrow (Depp) quando este vai a Londres com o objetivo de salvar seu antigo companheiro Gibbs (McNally) da forca. Após descobrir que um impostor estava recrutando uma tripulação na capital britânica fazendo-se passar por ele, o antigo capitão do Pérola Negra reencontra Angelica (Cruz), um antigo afeto e desafeto, e acaba à bordo de um navio comandado pelo suposto pai da mulher, o maléfico Barba Negra (McShane), que anseia alcançar a Fonte da Juventude antes que seja vítima de uma (inexplicada) profecia que prevê seu assassinato.

Após o encerramento de uma trilogia bilionária dirigida pelo sempre ótimo Gore Verbinski, esse novo capítulo da franquia surge com a missão ingrata de introduzir novos personagens capazes de cativar o público (após o encerramento do arco dramático de vários outros deixados para trás) e estabelecer uma história interessante que possibilite manter os espectadores imersos naquele universo fantástico, mantendo o bom humor dos filmes anteriores - tudo isso em um ritmo industrial de produção. Infelizmente, a tarefa é mal sucedida, em partes graças ao roteiro capenga de Ted Elliot e Terry Rossio, que cria personagens desinteressantes e uma narrativa idem, e à direção inconsistente de Rob Marshall que, quando acerta, não chega nem perto de alcançar os mesmos resultados que Verbinski.

O que é uma pena, já que o início do longa parecia até promissor quando, após uma boba e deslocada introdução, apresentava uma bem conduzida perseguição em Londres após uma divertida cena de tribunal - isso desconsiderando as desnecessárias e excessivas omissões temporárias de identidades e a elaboração exageradamente premeditada da fuga de Sparrow de um palácio. Mas, a partir daí, o filme entra em um gradiente decrescente de ritmo, limitando-se a acompanhar os personagens basicamente andando por uma ilha enquanto o personagem de Depp profere o maior número possível de frases supostamente inspiradas - e por mais que muitas delas realmente sejam, não são fortes o bastante para ignorarmos que estão sendo ditas em situações tremendamente chatas. Para piorar, o roteiro investe em subtramas aborrecidas (como o romance entre uma sereia e um missionário) e não consegue criar conflitos convincentes, sendo que eram justamente os intermitentes rearranjos de parcerias entre os personagens que moviam a narrativa na trilogia inicial de forma tão eficiente. Como se não bastasse, diversos elementos dos anteriores são repetidos sem muita imaginação, como o constante anseio de Sparrow em recuperar seu amado Pérola Negra ou os zumbis da tripulação de Barba Negra, que nada mais são que uma boba releitura dos mortos-vivos do primeiro filme.

E Marshall também tem sua parcela de culpa nesses problemas. Incapaz de criar um universo instigante para suavizar o falho roteiro, o diretor não consegue conferir ritmo à narrativa, que parece se estender muito além do necessário. Além disso, ele contribui com diversos problemas pontuais, como a revelação da identidade do impostor em Londres, que é alcançada por Sparrow após identificar um movimento conhecido durante uma luta de espadas - mas sabemos disso porque o personagem o verbaliza e não pela peculiaridade do movimento em si. Em alguns outros momentos, Marshall peca pela repetição: o mergulho da câmera durante a primeira cena envolvendo sereias, os insossos planos aéreos da ilha e a piada envolvendo o macaco dos filmes anteriores são os exemplos mais óbvios.

O design de produção não apresenta nenhum avanço significativo em relação aos anteriores, além de não desenvolver nenhum elemento que chegue aos pés do deslumbrante navio comandado por Davy Jones e sua incrível tripulação no dois últimos filmes, por exemplo. A trilha de Hans Zimmer também não apresenta grandes avanços em relação ao que já vem sido feito desde o primeiro, a não ser pelos eficientes novos acordes criados para o personagem Barba Negra. Mas a decepção maior fica por conta dos efeitos especiais, que se destacam por não conseguirem conferir a mínima veracidade ou fluidez à movimentação e ao design das sereias.

Johnny Depp se estabelece como o centro inegável do longa, algo que não é exatamente positivo, já que até mesmo as tentativas de aprofundar na personalidade do protagonista são sabotadas pelo roteiro. Penélope Cruz atravessa toda a projeção de forma enigmática - e não me refiro a uma complexidade da personagem, mas sim à falta de informações que recebemos para criar uma opinião sobre Angelica. Já Ian McShane surge falho como o temível Barba Negra, especialmente pelo seu olhar que não consegue transmitir o caráter ameaçador de seu personagem (trabalho feito por falas terrivelmente expositivas como "Me sinto próximo ao Criador quando vejo o sofrimento das pessoas"). E enquanto a ponta de Judi Dench consegue ser apenas moderadamente divertida, Richard Griffiths repete com bom humor parte do excentrismo do Tio Dursley da série Harry Potter e a participação de Keith Richards rende uma boa piada aniquilada por uma profética e nada emblemática fala: "A fonte irá testá-lo. Guarde minhas palavras", que no fim acaba não se confirmando (mesmo que o roteiro tente nos convencer disso).

Em certo momento do clímax do filme, o personagem de Johnny Depp interrompe uma batalha para discorrer sobre a falta de lógica daquela situação que, na verdade deveria se limitar apenas ao confronto entre dois grandes rivais - mas, mesmo que todos concordem com as palavras do pirata, a ação é reiniciada. Vai ver os produtores também tenham percebido, assim como Sparrow naquela cena, as ilógicas opções adotadas nesta continuação de Piratas do Caribe e, mesmo assim, optaram por levá-la adiante - e quanto mais tempo demorar para que o público perceba sozinho e compartilhe com mais pessoas todos os equívocos vistos no longa, melhor para os cofres da Walt Disney, não é mesmo?

Obs.: a cena adicional pós-créditos também é tão boba quanto as dos dois primeiros filmes (a do terceiro se salva pela melancolia)  - e basta pensar um pouco para perceber que não é exatamente um chamado para uma continuação como muitos estão dizendo por aí.

21 de maio de 2011

Dormir no cinema


Quando fui ao cinema ver A Origem pela segunda vez, em uma sessão vazia de uma tarde em Agosto passado, havia uma daquelas senhoras aposentadas que vão solitárias assistir a qualquer filme que esteja passando e, entediada com a complexidade do roteiro de Christopher Nolan, tirou diversos cochilos acompanhados de um ronco perfeitamente audível. Como não era minha primeira visita ao filme, não me incomodei 100% (bote aí uns... 80%), mas me distrai mais do que o recomendável e aguardei com ainda mais ansiedade os picos da ótima e barulhenta trilha de Hans Zimmer, que mesmo assim pareciam incapazes de acordá-la.

Em outra ocasião, via Príncipe da Pérsia - As Areias do Tempo em uma sessão promocional lotada em uma tarde de sábado quando notei que o mesmo acontecia bem ao meu lado, só que dessa vez era uma mulher aparentando ser uma "cinquentona solteirona" acompanhada de outras amigas de mesmo perfil (e que não se prontificaram a alertar a companheira sobre seu incômodo ruído nasal). Obviamente ali presente motivada pelo preço reduzido do ingresso ou pelos músculos definidos de Jake Gyllenhaal (ou será que elas realmente queriam ver um filme da Disney de aventura baseado em um video game?), a mulher acabou vítima de um grupo de adolescentes que, estes sim adequados à sessão e surpreendentemente respeitosos no que diz respeito a barulhos, tentavam registrar com seus celulares a vergonhosa situação da dorminhoca. Também não me incomodei muito, graças ao humor de observar a atitude dos jovens e à quantidade deficitária de atenção que o filme exigia.

Ok, o ambiente escuro, a poltrona confortável, o horário propício e o desinteresse são motivos razoáveis para levar uma pessoa a abdicar do valor investido na entrada e ir ao sono durante uma sessão de cinema, apesar de ser algo que eu particularmente desaprovo (a única sessão que cochilei - ou quase isso - foi de O Jardineiro Fiel, que foi muito tarde e ainda começou atrasada). Mas nada justifica o desrespeito de atrapalhar os demais espectadores com quaisquer que sejam os ruídos e, dessa forma, a pessoa deveria ter o bom senso de se retirar da sessão assim que percebesse que o sono a venceria - ou, no caso de ser pega de surpresa, sair após notar a inabilidade de controlar o próprio sono e conseqüente ronco. No entanto, o esgoísmo e a falta de educação faz com que pessoas como essas insistam em permanecer nas salas de exibição para evitar o próprio prejuízo, transferindo-o para os demais espectadores ao redor.

Mas falei tudo isso apenas para introduzir o desabafo que farei a seguir. Desde que não incomode ninguém, dormir no cinema é até aceitável quando diz respeito ao espectador padrão. Mas, uma pessoa popular e que se auto-intitula crítico de cinema, dormir durante um filme e ousar dar uma opinião sobre ele é algo repulsivo - e a aberração se torna ainda pior quando o cochilo não é sequer omitido em sua publicação e é usado inclusive como argumento indicativo de qualidade, o que é absolutamente lamentável. Não há como emitir uma análise sobre um filme sem tê-lo visto por completo. Tudo o que é visto é fundamental para uma análise decente sobre o conjunto da obra. É equivalente a sair do cinema antes do filme acabar.

E acreditem: esse mesmo senhor também já fez isso. Após assistir a menos de 15 minutos de uma sessão, saiu entediado e ousou publicar sua opinião, dizendo inclusive que outros filmes com o mesmo tema ou outras obras do mesmo diretor eram superiores. Tudo isso, repito, sem ter visto o filme!

E o que vemos é essa falta de profissionalismo e ética sendo abraçada por uma audiência sedenta por informações rápidas e objetivas em detrimento de um trabalho elaborado e inteligente que outros portais possam oferecer.

Desse jeito, a discussão sobre Cinema nunca chegará ao nível extraordinário que proponho aqui no Cinema Sem Erros.

18 de maio de 2011

Crítica | Água Para Elefantes

por Eduardo Monteiro

Water for Elephants, EUA, 2011 | Duração: 1h55m27s | Lançado no Brasil em 29 de Abril de 2011, nos cinemas | Baseado no romance de Sara Gruen. Escrito por Richard LaGravenese | Dirigido por Francis Lawrence | Com Robert Pattinson, Reese Witherspoon, Christoph Waltz, Jim Norton, Mark Povinelli, Richard Brake, Stephen Monroe Taylor, Ken Foree, Scott MacDonald, Sam Anderson, James Frain, Paul Schneider e Hal Holbrook.

Se Água Para Elefantes tivesse pelo menos um ou dois números musicais, a comparação com Moulin Rouge! - Amor em Vermelho seria (ainda mais) inevitável e dominaria soberano os pensamentos de todos aqueles que tiveram a chance de assistir aos dois filmes. Contando histórias fundamentalmente de amor a partir de memórias de seus protagonistas, os dois filmes escancaram logo em seus primeiros minutos a tristeza desses homens com a morte do grande amor de suas vidas e viajam no tempo para mostrar como eles se conheceram. A partir daí, vemos um jovem caindo de pára-quedas em uma companhia de espetáculos, passando de um intruso ao principal responsável pelo novo número que promete maior público e prestígio. É então que ele se apaixona pela então inalcançável atração principal (que, a princípio, não corresponde o sentimento) e passa a ter de enfrentar a ameaça representada pelo homem responsável por sustentar a companhia, já que ele vive uma relação possessiva com a mulher. Como se não bastasse, após a descoberta do relacionamento secreto, o casal combina uma fuga que deverá ocorrer após um espetáculo final.

Mas se no filme de Baz Luhrmann a história simples e previsível era disfarçada e engrandecida por uma direção frenética e uma abordagem visual e musical excêntrica, Francis Lawrence oferece aqui uma direção burocrática limitada por um roteiro fraco e sem foco, personagens com construções equivocadas e intérpretes inexpressivos (a singularidade ou pluraridade disso será discutida mais para frente). Aqui, o escritor Christian de Ewan McGregor dá lugar ao estudante de veterinária Jacob Jancowski (Pattinson)  e passamos a acompanhá-lo, durante a Grande Depressão dos anos 30 (no musical, era o final do século XIX), ingressando no circo dos Irmãos Banzini (ao invés do bordel Moulin Rouge) após a morte de seus pais em um acidente de carro (com os velozes veículos da década de 30, só se tiver sido, sei lá, queda de um penhasco!), apaixonando-se pela domadora de cavalos Marlena (Witherspoon), e não pela cortesã Satine vivida por Nicole Kidman no longa de 2001. Após o rapaz apaixonar-se pela mulher, ele tem de lidar com o antagonismo do marido, August (Waltz), instável proprietário da companhia - e sua dualidade, aquilo que o filme tem de mais interessante, pode ser rapidamente descrita, ainda comparando com o filme de Lurhmann, observando que o personagem equivale a uma mistura do possessivo Duque, vivido por Richard Roxburgh, com o protetor Harold Zidler, dono do Moulin Rouge interpretado por Jim Broadbent.

Um dos grandes problemas do roteiro de Richard LaGravenese (P.S. Eu Te Amo), baseado no livro homônimo de Sara Gruen, reside em sua falta de foco: desse modo, a narrativa alterna sua atenção entre o romance secreto de Jacob e Marlena, os maus tratos com os animais circenses e o transtorno bipolar de August - mas acaba atirando para todos os lados sem acertar muito. Aliás, alguns dos problemas provavelmente provém do material original de Gruen que, amante e protetora dos animais, escreve romances para expressar primordialmente sua preocupação e apreço com os bichos - o que, pelo menos aqui, relega a história a um segundo plano. A própria decisão de estruturar a trama a partir de um relato de memórias se mostra falho, já que, diferentemente de longas como Forrest Gump - O Contador de Histórias, Diário de uma Paixão, À Espera de um Milagre ou Titanic, não há razões para adotar essa estrutura a não ser usá-la como um prático e preguiçoso artifício para evitar que o início e o fim sejam abruptos demais. Ainda nesse aspecto, a decisão de substituir a narração de Holbrook pela de Pattinson confere uma desfavorável jovialidade às falas, e mais parece uma estratégia boba e desnecessária de situar o espectador que, eventualmente, venha a pegar a projeção pela metade e não entenda por que uma voz de idoso narra em primeira pessoa a história de um jovem - ou, claro, pode ser apenas um pretexto para incluir mais e mais Robert Pattinson.

E já que citei o ator, vale mencionar que sua participação é outro grande problema do projeto. A única explicação plausível para a contratação de Pattinson é sua atual popularidade e o apelo para angariar público - e, neste sentido, a ironia óbvia (e acidental, claro) do nome do seu personagem é algo tão importante, agregador e distrativo para sua legião de fãs quanto a necessidade de submeter o ator a situações vexatórias, como o "batismo" do personagem  no circo ou a prenda que o faz acordar travestido e maquiado como palhaço. Ao menos livre da deplorável maquiagem da "saga" Crepúsculo, que o transformava em um boneco de cera quase literal (ainda considero a possibilidade de ele ser uma peça exibida em um dos museus de Madame Tussauds que ganhou vida e fugiu), o ator é talvez o único membro realmente comprometedor do elenco e prova que ainda não merece a responsabilidade de carregar um personagem que exija um pouco mais do que a cara de raivinha e de coitadinho de Edward Cullen, surgindo indecifrável em tentativas de expressar raiva ou constrangedor quando deve demonstrar embriaguez, por exemplo. Já Reese Witherspoon é obrigada a permanecer pelo menos dois terços da projeção apenas marcando presença para então expor parte de seu passado durante um diálogo com Jacob - e esta é a pedestre, simplista e tardia construção de sua personagem. E Christoph Waltz que, desde sua estréia em Hollywood em Bastardos Inglórios só interpretou antagonistas (os demais foram em O Besouro Verde e no ainda inédito Os Três Mosqueteiros), vive o único personagem realmente interessante da trama, expondo com talento seu temperamento ambíguo e explosivo, ao mesmo tempo que demonstra apreço pela esposa e mantém a apreensão do público no nível ideal. Já a participação de Hal Holbrook, mesmo desnecessária (como já expliquei), torna-se interessante ao elevar a persistência de Jacob em permanecer trabalhando no circo a uma espécie de homenagem ao próprio ator e sua relação com o cinema, que surge lúcido e convincente mesmo aos 86 anos de idade. E, por fim, temos a elefanta Rosie, uma previsível deus ex machina que surge mais inteligente e racional do que o ideal.

Para completar, a impressão que fica é que Francis Lawrence (Constantine, Eu Sou a Lenda) poderia ter evitado se aventurar em dramas ou procurado um projeto com um material mais interessante, que lhe permitisse demonstrar seu já comprovado talento, uma vez que ele está longe de ser o responsável pelo comprometimento do longa. No entanto, algumas seqüências pecam pela obviedade com que foram concebidas, como ao acompanhar Jacob, no trem em movimento, vendo as camas vazias de dois amigos e, em seguida, enquadrar a porta aberta do vagão, como se dissesse: "Entendeu? Eles foram jogados para fora do trem", sendo que essa possibilidade já havia sido verbalizada segundos antes por algum outro personagem. E, por influência ou não dos produtores, a cena envolvendo um incidente marcante no circo não consegue causar o impacto necessário, reservando a violência e o sangue um fato posterior, de modo que este surja ainda mais catártico. Inquestionável é direção de arte, que faz um excelente trabalho na recriação de época, tanto figurinos quanto cenários, beneficiada pela ótima fotografia de Rodrigo Pietro e por bons efeitos especiais. A homenagem ao ambiente circense também surge bastante eficiente, desde falas que sugerem sua criação até momentos peculiares, como Jacob e outros funcionários se inflitrando na multidão para, num leve empurra-empurra, pressionar os populares a ingressar no espetáculo após um anúncio enfático.

E como se todos os problemas não bastassem, a recorrente semelhança com Moulin Rouge chega a beirar o plágio quando Waltz narra uma história teoricamente fictícia mas que se encaixa com o affair de Jacob e Marlene, remetendo diretamente a toda a estrutura da obra de Lurhman, que colocava os personagens para encenar no palco do Moulin Rouge uma versão fantasiosa de sua própria história - e se você ainda não está convencido, procure comparar os cartazes dos dois filmes.

Mas se há um personagem digno de pena é o interpretado por Paul Schneider: quando ele pediu, no início do filme, para que o idoso Jacob narrasse a história do grande desastre do circo dos Irmãos Banzini, acho que ele esperava saber um pouco mais sobre como o trágico evento botou um fim na trajetória da companhia, e não como uma história de amor boba e falsa foi resolvida durante o acontecimento. Mas é a vida: nunca se deve esperar muito de quem não tem uma boa história para contar.

14 de maio de 2011

Crítica | Contracorrente

Manolo Cardona e Cristian Mercado em CONTRACORRENTE (Contracorriente)

por Eduardo Monteiro

Contracorriente, Peru/Colômbia/França/Alemanha, 2009 | Duração: 1h40 | Lançado no Brasil em 8 de Abril de 2011, nos cinemas | Escrito por Javier Fuentes-León | Dirigido por Javier Fuentes-León | Com Cristian Mercado, Manolo Cardona, Tatiana Astengo, José Chacaltana, Emilram Cossio, Aydee Cáceres, Lilinana Alegría Saavedra, Germán González, Juan Pablo Olivos, Cristian Fernández, Mónica Ross, Átila Boschetti, María Edelmira Palomino, Julio Humberto Cavero, Tomás Fernández e Alfonso Gamboa.

Pôster nacional e crítica de CONTRACORRENTE (Contracorriente)
É lamentável constatar que um filme como Contracorrente, que fala sobre a intolerância humana, esteja relacionado a tantos pequenos casos de preconceito. Além da abordagem ligeiramente contida do relacionamento entre o casal homossexual central (algo que explicarei melhor mais adiante), há algo curioso envolvendo o lançamento brasileiro do filme: ele chegou às telonas pela Filmes do Mix, selo de distribuição independente da Festival Filmes criado em 2008 pela jornalista e produtora cultural Suzy Capó com o intuito de trazer ao público brasileiro produções com temática LGBT, contando ainda com o patrocínio de empresas voltadas para o público gay que ajudam, ao mesmo tempo, a divulgar os filmes para o (suposto) público-alvo e a viabilizar economicamente seus lançamentos.

Mas será que a temática é tão anormal e delicada para merecer tamanha discriminação? A distribuidora obviamente não tem culpa: mesmo que sua logomarca apareça de forma tímida e arredia no início da projeção, como se quisesse passar despercebida, foi graças à iniciativa de Capó que tivemos a oportunidade de conferir tantos bons lançamentos, como o pioneiro De Repente, Califórnia, os ótimos Patrik 1.5 e Eu Matei Minha Mãe ou este bom Contracorrente. Mas não há nada, além da temática (tratada de forma maior ou menor em cada um), que diferencie esses longas a ponto de segregá-los e, assim, a existência de uma empresa de distribuição voltada exclusivamente para este nicho e os consequentes lançamentos restritos são, na verdade, um triste retrato do conservadorismo de boa fatia público brasileiro que, no fundo, não são tão diferentes de muitos dos personagens vistos no universo deste longa.

Ambientado na pequena e simples comunidade praieira de Cabo Blanco, no Peru, o filme acompanha Miguel (Cristian Mercado), um pescador que, mesmo às vésperas do nascimento de seu primeiro herdeiro, Miguelito, com a esposa Mariela (Tatiana Astengo), mantém um relacionamento secreto com o pintor e fotógrafo Santiago (Manolo Cardona), que mora provisoriamente na região. No entanto, em uma cidade habitada por pessoas que consideram uma má companhia para as crianças, olham torto para e jogam ovos na casa de uma pessoa diante da simples suspeita de que esta sente atração por indivíduos do mesmo sexo, Miguel opta por manter a relação em um nível superficial para não destruir seu casamento e sua reputação na comunidade, enquanto Santiago anseia por uma pronta definição que o permita decidir se permanecerá definitivamente no local ou retornará para a companhia da família. Porém, após um acidente fatal que tira a vida do pintor, Miguel passa a ver e interagir com o fantasma de Santiago, o que o leva a rever seus próprios receios e inseguranças.

E é exatamente nesse ponto que reside o diferencial do filme. Ciente do suicídio social que seria assumir sua homossexualidade em um ambiente inóspito como aquele, Miguel é obrigado a repensar seu próprio preconceito ("Eu não sou aquilo", afirma ele para Santiago, em certo momento) para resolver a angustiante situação em que se encontra. Assim, é interessante notar que ele só começa a aceitar de fato sua natureza homossexual quando consegue viver sua paixão sem julgamentos externos, o que só é alcançado na interação com o fantasma de Santiago (que não é visto por ninguém além dele). Mas, nesse ponto, é o pintor quem deseja partir (para o além, o pós-vida, sei lá), algo que, somado às fofocas surgidas depois que indícios da relação entre os rapazes foram descobertos na casa do então desaparecido, coloca Miguel em uma encruzilhada que se torna o centro da narrativa (e certamente justifica o título do longa): ou ele vai contra seus sentimentos em prol da manutenção do prestígio social, ou enfrenta suas próprias inseguranças e abraça sua verdadeira natureza para que possa viver plenamente com si mesmo e com a memória de Santiago.

Optar por esta última opção, obviamente, não é uma tarefa fácil, já que o preconceito faz parte do dia-a-dia daquelas (e de muitas outras) pessoas mais do que elas mesmas conseguem notar - o que é bem representado já na primeira cena, quando Miguel conversa com seu primogênito ainda na barriga da mãe e é censurado por ela (que acredita que os fetos escutam todos os diálogos externos ao útero), já que, como ainda desconhecem o sexo do bebê, chamá-lo de Miguelito poderia gerar uma "confusão" (leia-se: indecisão sobre sexualidade) durante seu desenvolvimento, caso a criança viesse a ser uma menina. A relação com a esposa, aliás, fornece diversos indícios sobre as reais preferências de Miguel: mesmo que goze de uma boa convivência com Mariela, o homem constantemente faz falsos juramentos à mulher, que também tem ciência da falta de credibilidade do marido ("Nunca jure por Miguelito!", esbraveja ela em certo momento), ao passo que a relação com Santiago sempre foi notadamente marcada por sinceridade, visto que em momento algum ele promete, por exemplo, tomar medidas para resolver o impasse da relação secreta, por consciência das dificuldades de cumpri-la.

Manolo Cardona, Cristian Mercado e Tatiana Astengo em CONTRACORRENTE (Contracorriente)

Ainda nesse aspecto, o diretor é inteligente ao criar um sugestivo plano em que Miguel e Mariela são vistos por trás das grades do berço de Miguelito, sugerindo que aquele ambiente familiar representa uma espécie de prisão para o protagonista, da mesma forma que, durante uma tentativa de superar o escândalo envolvendo sua suposta homossexualidade e retomar o condenado casamento com marido, Mariela muda o canal da televisão para interromper a exibição de uma telenovela, como se quisesse expurgar toda e qualquer falsidade (algo comum nessas produções televisivas, como os próprios personagens observam) que pudesse haver no relacionamento do casal e, ao mesmo tempo, forçar Miguel a esquecer seu passado com outro homem assistindo a uma partida de futebol, já que é o que um "homem de verdade" deveria fazer - sem perceber que, simbolicamente, está lhe privando o "Direito de Amar", nome da novela brasileira que estava sendo exibida.

O boliviano Cristian Mercado, por sinal, faz um ótimo trabalho no papel de Miguel e carrega o filme com segurança e sensibilidade, além de, junto com o colombiano Manolo Cardona, conferir veracidade à relação do casal, que parece bem à vontade em todas as cenas envolvendo demonstrações de afeto. O restante do elenco também apresenta boas interpretações, falhando pontualmente sem, contudo, influenciar significativamente o andamento do longa. Mas a trama também apresenta alguns problemas: a natureza das aparições de Santiago, por exemplo, ora tende ao sobrenatural, como na boba cena do jogo de cartas ou no ressurgimento de uma vela acesa, e ora parece ser apenas uma projeção da mente de Miguel, como quando o falecido afirma que não tem culpa de aparecer toda vez que o pescador pensa nele - o que também é contradito pela dificuldade que Miguel passa a ter de "encontrar" com Santiago na segunda metade do longa, quando precisa recorrer aos berros a ambientes marcantes da relação dos dois.

Não há dúvidas de que o conflito do protagonista soa muito mais interessante quando desconfiamos da segunda opção, já que a projeção que Miguel faz de Santiago diz muito sobre ele mesmo e torna o processo vivenciado ainda mais complexo. No entanto, o filme depende do aspecto sobrenatural (e dos desdobramentos das tradições locais envolvendo rituais feitos com os mortos) para que possa abraçar a estrutura adotada, o que o enfraquece por, dentre outras razões, surgir como o único aspecto efetivamente irreal da narrativa. Outro problema é o quase ausente sofrimento por parte de Miguel com a morte do parceiro, que parece compensar com facilidade a perda do amante com a companhia de sua persona fantasmagórica. Também é um insucesso a opção de representar a relação entre os dois homens de forma mais contida, cedendo aos tabus envolvendo a homossexualidade e a nudez masculina - afinal de contas, o contraste entre a escura cena de sexo com Santiago e a iluminada transa com Mariela poderia perfeitamente ser explicado como uma estratégia para ressaltar o caráter secreto do affair entre os rapazes, caso os dois não corressem nus em direção ao mar imediatamente após o ato sexual. Para completar, o desenvolvimento geral da narrativa revela-se mais convencional que o necessário, ofuscando um pouco a eficiência da mensagem.

Mas, no geral, a direção do estreante Javier Fuentes-León (também responsável pelo roteiro, com claras referências a Dona Flor e Seus Dois Maridos) é marcada por mais acertos do que erros, desde a concepção de planos que dizem muito sobre os personagens - como aquele em que o protagonista observa um galo, que no galinheiro é o macho-alfa, ou o outro em que Miguel e Santiago parecem estar separados no quadro por uma parede (mesmo que a barreira física não exista) enquanto discutem em uma casa abandonada, num reflexo dos prováveis rumos da relação - até belas transições com mensagens sutis: imediatamente após a descoberta de uma tela com o corpo nu de Miguel na casa de Santiago há um corte para a igreja, onde o padre diz "corpo de Cristo" durante a comunhão, sendo que é a partir da descoberta dessa pintura que o protagonista passa a ser "crucificado" pela população local (a barba e o cabelo do personagem apenas ajudam a reforçar a ideia). A presença da igreja, aliás, além de ressaltar o aspecto conservador da comunidade, surge como uma oportunidade perfeita de alfinetar uma instituição que, ao mesmo tempo que condena a homossexualidade, prega mensagens de aceitação e amor ao próximo (aqui, adequadamente lidas pelo próprio Miguel durante uma missa). Também não à toa, Miguel utiliza constantemente (não tira nem durante o sexo) um terço pendurado no pescoço, representando sua submissão ao conservadorismo que o cerca - e Fuentes-León demonstra inteligência ao fazer com que o personagem abandone o objeto minutos antes de alterar de vez sua postura (e também é interessante notar que Miguel passe a vestir camisas xadrez, usadas por Santiago ao longo de toda a projeção, como se incorporasse um pedaço de ex-companheiro à sua vida).

Por fim, Contracorrente ainda consegue ressaltar que, enquanto uma pessoa não parar de se importar com o que os outros pensam sobre ela, nunca conseguirá ser plenamente feliz e realizada. E, no frigir dos ovos, por mais forçada que seja a sutil mudança de comportamento do povo de Cabo Blanco, a mensagem arrematada nos minutos finais é eficiente, contundente e universal: quando se trata de ser humano (um ser sujeito a sofrimentos e imperfeições), a intolerância é nada menos que abominável.

Cristian Mercado e Manolo Cardona em CONTRACORRENTE (Contracorriente)

10 de maio de 2011

Ai ai ai, Dona PlayArte!

Observem estes dois cartazes, ambos de filmes distribuídos pela PlayArte:


Não notou a semelhança? Nem é a posição do rapaz enquanto flerta com uma loira, e sim o padrão dos títulos dos filmes que:

A) Substituem letras O por alianças;
B) Utilizam a mesma fonte (ou uma muito parecida com a outra);
C) Seguem o mesmo esquema de cores (vermelho, preto e branco);
D) Cidade ao fundo para completar.


E basta pesquisar em qualquer site de cinema para perceber que as duas artes finais não são idênticas às versões internacionais, especialmente Match Point.



E sabemos muito bem que o Big Ben ao fundo do pôster nacional de Match Point não estava lá já que, nesta cena, eles estão em frente ao prédio da personagem de Scarlett Johansson.


Ok, O Noivo da Minha Melhor Amiga tem artes parecidas em outros países, mas a aliança daqui é lisa e não tem o brilhante da versão original.



Mas, claramente, nenhum dos dois utiliza a mesma fonte que os títulos nos cartazes internacionais.

Agora, uma coisa é certa: olhando o de Match Point, você não tem idéia do final do filme. Olhando para O Noivo da Minha Melhor Amiga, você tem certeza!

Ai ai ai, Dona PlayArte! Contrate outro designer de pôster!

Crítica | Velozes & Furiosos 5 - Operação Rio

por Eduardo Monteiro

Fast Five, EUA, 2011 | Duração: 2h05m01s | Lançado no Brasil em 6 de Maio de 2011, nos cinemas | Escrito por Chris Morgan | Dirigido por Justin Lin | Com Vin Diesel, Paul Walker, Jordana Brewster, Dwayne Johnson, Tyrese Gibson, Chris 'Ludacris' Bridges, Matt Schulze, Sung Kang, Gal Gadot, Tego Calderon, Don Omar, Joaquim de Almeida, Elsa Pataky, Michael Irby.

Quando foi lançado, em 2006, Velozes e Furiosos 3: Desafio em Tóquio deixava a impressão de que a Universal Pictures estava voltando a franquia para o público jovem e encaminhando-a para o mesmo lugar que duas outras também de sua propriedade (As Apimentadas e American Pie): o mercado do home video. Com um orçamento reduzido, o longa ignorou os acontecimentos dos anteriores (salvo alguma citação ou aparição relâmpago), investiu em um elenco jovem e relativamente desconhecido e, claro, na glamourização das corridas de rua e objetificação da mulher. No entanto, o que impediu que os corredores clandestinos se juntassem às cheerleaders e à família Stifler nas prateleiras das locadoras foram os bons resultados de bilheteria, que garantiram a sobrevida da série e o retorno de Vin Diesel, Paul Walker e outros integrantes do elenco original para um quarto longa. Isso, no entanto, não amenizou a escassez de ideias por parte do roteirista Chris Morgan, que foi incapaz de criar argumentos decentes para que voltássemos a acompanhar Toretto e O'Conner nas duas últimas produções.

Começando a história a partir do ponto em que Velozes e Furiosos 4 termina, o filme acompanha um assalto realizado em uma estrada com um desfecho absurdo, que remete ao início do longa anterior ao mesmo tempo que indica de forma rápida e direta que, pelo menos, desta vez tiveram a decência de investir em efeitos especiais melhores. Após cometerem o crime e passarem a ser perseguidos pelas autoridades, o ex-policial Brian O'Conner (Walker, dos 1º, 2º e 4º filmes) e sua namorada Mia Toretto (Brewster, dos 1º e 4º filmes) se refugiam em uma favela no Rio de Janeiro, onde são acolhidos por Vince (Schulze, do 1º filme). Sem dinheiro para sobreviver, a única solução encontrada pelo brilhante casal é participar de um roubo a trem para o chefão do crime do Rio, Hernan Reis (Almeida). Durante o golpe, os dois reencontram o recém foragido Dom Toretto (Diesel, dos 1º e 4º filmes) e, após alguns imprevistos, passam a ser perseguidos por Reis, seus capangas, e pela polícia, liderada pelo implacável Luke Hobbs (Johnson).

E por que torcer pelos criminosos O'Connel e Toretto e não pela lei, representada por Hobbs? As respostas que o filme oferece são: A) porque Mia está grávida e, assim, o trio forma uma família e B) porque eles são os protagonistas e pronto. Assim, somos obrigados a ignorar o desfecho do quarto filme, quando o personagem de Vin Diesel afirmava categoricamente que não queria mais continuar foragido já que "não se tem liberdade fugindo", frase esta que ele inclusive volta a dizer aqui. Dessa forma, o que devemos pensar sobre os parceiros de Toretto quando estes o responsabilizam por estarem novamente em uma enrascada? Para completar, a relação entre os personagens é algo extremamente tedioso e o desgaste de trazer os personagens novamente envolvidos em atividades ilegais é uma decisão tão prejudicial quanto a de procurar pretextos chulos para incluir as fantasias masculinas citadas no primeiro parágrafo, que no fundo são os grandes atrativos para o público-alvo do filme.

Mas há uma parcela do público que provavelmente não ficará satisfeito com o longa, graças às decisões adotadas para ambientar o filme no Brasil: os patriotas fanáticos, que consideram a "cidade maravilhosa" algo intocável. Responsáveis por um patético boicote ao terror Turistas e claros desconhecedores do significado dos termos "ficção" e "liberdade artística", esses brasileiros provavelmente se incomodarão mais com falas como "você é a única policial no Rio que não pode ser comprada" e "todas as atividades ilegais da cidade estão relacionada a Reis" do que com atrocidades como "onde quer que ela se esconda, irei encontrá-la", já que a suposta afronta à cidade das duas primeiras falas é algo mais grave que o clichê ofensivo exibido na terceira. O que não pode ser ignorado é que a imagem criada por novelas da Rede Globo ou pela animação Rio é totalmente incompatível com a proposta do filme e as hipérboles usadas pelos personagens para ressaltar o aspecto criminoso da cidade são tão subjetivas quanto as perseguições que transcorrem em suas ruas - ou alguém aí se lembra de ter visto nos noticiários o rastro de destruição deixado pelo clímax do terceiro ato da projeção? E será que é uma heresia tão grande assim uma cena de ação ter sido gravada em um deserto do Arizona, nada parecido com nenhuma paisagem do Rio de Janeiro, mesmo que ela se revele tão eficiente? E além do mais, é possível afirmar que houve uma preocupação considerável em manter uma relativa coerência até mesmo em cenas gravadas em Porto Rico - ou fui só eu que vi um orelhão de uma famosa empresa brasileira de telefonia ser destruído durante uma das perseguições?

E então chegamos ao ponto alto do filme: a ação. Sem grandes apegos com excesso de realidade ou com as leis físicas e exibindo efeitos visuais melhores que o filme anterior (especialmente os efeitos físicos), as cenas são muito bem conduzidas pelo diretor Justin Lin que, com o auxílio dos montadores Kelly Matsumoto, Fred Raskin e Christian Wagner, permite que o espectador compreenda com clareza o que está acontecendo na maioria das cenas. A opção de associar objetos grandes e robustos às perseguições (como trem, caminhão ou cofre) revela-se um acerto, já que confere maior tensão aos embates, enquanto as cenas de perseguição e confrontos físicos entre os atores (inspiradas na trilogia Bourne) também não deixam a desejar, ainda que aquela que se passa em uma favela em O Incrível Hulk continue sendo muito superior à semelhante vista aqui. Por outro lado, os mesmos elogios não podem ser feitos sobre a corrida envolvendo quatro carros de polícia, que é sem graça e serve apenas para relembrar o espectador a natureza original da franquia - e o desastre é intensificado com a estranha escolha de um remix do Melô da Popozuda para acompanhar a cena (vale dizer que, no restante da projeção, tanto a trilha instrumental quanto a incidental são ótimas, inclusive com boas inclusões de músicas brasileiras). Mas um dos maiores problemas técnicos do filme acaba sendo a redublagem, que substitui de forma extremamente artificial algumas linhas ditas pelos atores que não sabem falar português (ou seja, praticamente todos, exceto Jordana Brewster, que já morou no Brasil, e Joaquim de Almeida, ator português).

Mas em dois aspectos Velozes & Furiosos 5 é inegavelmente bem sucedido: manter a (supostamente descolada) alternância dos estilos dos títulos originais (na ordem: The Fast and the Furious, 2 Fast 2 Furious, The Fast and the Furious: Tokyo Drift, Fast & Furious e Fast Five) e reunir o maior número possível de personagens dos filmes anteriores que incluem, além dos já citados anteriormente, Tyrese Gibson e Chris 'Ludacris' Bridges (ambos do 2º filme), Sung Kang (dos 3º e 4º), Gal Gadot, Tego Calderon e Don Omar (todos do 4º filme), e mais algumas surpresinhas em uma cena extra durante os créditos finais. Por fim, não há como ignorar as semelhâncias existentes entre este filme e Uma Saída de Mestre - e a coisa toda se torna mais suspeita quando vasculhamos a internet e descobrimos que, em 2003, foi cogitada uma continuação de The Italian Job que se chamaria The Brazilian Job e, obviamente, se passaria no Brasil. O projeto nunca saiu do papel, sob o bom argumento do diretor F. Gary Gray: "Eu acho que é tudo uma questão de produzir o material certo no tempo correto. Sequências são feitas para superar o filme original e eu acho que este é o segredo para se fazer um roteiro tão bom quanto ou até melhor do que o do primeiro filme".

Será que os produtores de Velozes e Furiosos também pensam assim? Não é muito difícil imaginar a resposta para essa pergunta. Com as bilheterias ainda em alta, pode até ter se livrado do fantasma das locadoras, mas permanecer com consecutivos lançamentos no cinema também está longe de ser sinônimo de qualidade. Não é mesmo, Jogos Mortais?

6 de maio de 2011

Análise dos rankings dos últimos anos

Enquanto procurava fotos para as postagens dos melhores e piores que publiquei recentemente tive, pela primeira vez, a chance de ver um panorama geral (antes sempre olhava para cada ranking isoladamente) dos altos e baixos dos últimos anos - e, após ver as incríveis semelhanças entre as imagens dos 1º e 2º piores de 2008 (comparação abaixo), conclui que divagar sobre certas aparições e recorrências seria um exercício divertido. E como se trata de uma análise da minha própria opinião, pode não corresponder às preferências de todos.

Uma gostosa, um protagonista barbudo e um figurante - com pilares ao fundo.

Dos 80 filmes citados, 16 foram lançados diretamente para home video. Esse número, de certa forma, demonstra que as distribuidoras têm uma boa noção de mercado, já que 13 estão bem posicionados entre os piores e provavelmente afundariam nas bilheterias brasileiras. Porém, dentre os outros 3 está Guerra ao Terror - e seu lançamento direto em DVD foi imperdoável, mesmo que tenha voltado aos cinemas quase um ano depois em função da temporada de premiações.


O badalado Judd Apatow (O Virgem de 40 Anos) aparece com duas contribuições que quase representam os extremos de sua carreira como produtor: Superbad - É Hoje, 3º melhor de 2007, e Ano Um, 7º pior de 2009.

Woody Allen, que já nos presenteou com obras admiráveis como Match Point, lamentavelmente só surgiu com uma menção - e negativa, por seu péssimo Scoop - O Grande Furo. Suas demais obras produzidas nos anos em questão (O Sonho de Cassandra, Vicky Cristina Barcelona e Tudo Pode Dar Certo) não tiveram força o bastante para se destacarem mas, pelo menos, ficaram acima da média.


Christopher Nolan, David Fincher e José Padilha se estabelecem como alguns dos melhores diretores da atualidade surgindo cada um duas vezes entre os melhores. No extremo oposto e também com duas aparições, a dupla Jason Friedberg e Aaron Seltzer prova que a onda de comédias satíricas iniciada há mais de dez anos pelos irmãos Wayans (que também surgem liderando os piores em 2010 com uma sátira a musicais) está insatisfeita com o fundo do poço, buscando ir além.

Comédias exageradas, satíricas ou românticas, terror, remakes, continuações e adaptações de séries de TV. Esta pequena lista descreve quase a totalidade dos filmes ruins. Quando desenvolvidos com seriedade e competência, exemplares que se enquadram nessas mesmas categorias alcançam um lugar ao sol, como Toy Story 3, Tropa de Elite 2, Speed Racer, Batman - O Cavaleiro das Trevas e Violência Gratuita.

Se Up - Altas Aventuras fosse um pouquinho melhor, a Pixar dominaria soberana.


Os filmes brasileiros tiveram boa presença, mas inconstante: 4 ótimos e 4 péssimos. Já obras de outras nacionalidades demonstraram mais força, surgindo sempre bem colocadas, sejam da Suécia, França, Austrália, Argentina ou Alemanha.

Em especial, 2010 permitiu uma interessante análise do cinema brasileiro. As Melhores Coisas do Mundo e High School Musical: O Desafio foram lançados no mesmo ano e abordavam a vida de alunos de Ensino Médio - com resultados diametralmente opostos. É uma experiência que recomendo: assistir aos dois e comparar intenções artísticas e narrativas, roteiros, técnicas, execuções e resultados finais.


4 de maio de 2011

Crítica | Thor

por Eduardo Monteiro

Thor, EUA, 2011 | Duração: 1h54m52s | Lançado no Brasil em 29 de Abril de 2011, nos cinemas | História de J. Michael Straczyonski e Mark Protosevich. Roteiro de Ashley Edward Miller & Zack Stentz e Don Payne | Dirigido por Kenneth Branagh | Com Chris Hemsworth, Natalie Portman, Tom Hiddleston, Anthony Hopkins, Stellan Skarsgård, Kat Dennings, Clark Gregg, Idris Elba, Colm Feore, Ray Stevenson, Tadanobu Asano, Josh Dallas, Jaimie Alexander, Rene Russo, Adriana Barraza, Jeremy Renner, Stan Lee e Samuel L. Jackson.

Quem tem o hábito de assistir a créditos finais de filmes foi presenteado, ano passado, com uma cena adicional em Homem de Ferro 2 na qual o agente Coulson (Gregg), da SHIELD, testemunhava a descoberta de um misterioso martelo em uma cratera no meio do deserto. Mesmo sem estabelecer conexão direta com aquele filme, a cena tinha tanto a função de deleitar aos fãs de quadrinhos quanto de criar conexões entre os filmes e personagens da Marvel. Assim, é coerente que exatamente um ano depois a cena se encaixe perfeitamente neste novo longa da produtora, agora responsável por apresentar o dono do martelo sem, contudo, deixar de estabelecer mais das tais conexões citadas anteriormente (incluindo presenças ilustres e uma cena sugestiva após os créditos finais). No entanto, é triste perceber que, mesmo funcionando muito bem em vários aspectos, Thor representa mais uma preparação para a grande reunião dos heróis da Marvel no confirmadíssimo Os Vingadores do que uma obra que funciona por si só.

Adaptado das HQs criadas por Stan Lee, Larry Lieber e Jack Kirby com bases na mitologia nórdica, o filme conta a história do orgulhoso deus do trovão Thor (Hemsworth) quando este é enviado para a Terra após ser banido de Asgard por seu próprio pai, Odin (Hopkins), para que aprenda lições sobre humildade. Enquanto tenta recuperar Mjolnir, seu poderoso martelo, e pensa em um modo de retornar a seu planeta natal, Thor encontra Jane Foster (Portman), Erik (Skarsgård) e Darcy (Dennings), pesquisadores que buscam entender estranhos eventos cósmicos que vêm ocorrendo periodicamente no deserto do Novo México e que, um belo dia, coincidiram com a aparição de um homem aparentemente bêbado, desorientado e lunático. Thor, então, recebe a ajuda do trio em suas ações na Terra e, em troca, oferece fornecer informações sobre o portal que o havia trazido até ali. Enquanto isso, Loki (Hiddleston), irmão de Thor, assume o trono de Asgard após Odin entrar em uma espécie de estado terminal - mas seu reinado pode compremeter seriamente a paz nos Nove Mundos, especialmente devido à ameaça representada pelos Gigantes de Gelo liderados por Laufey (Feore).

Apresentando logo de cara de forma didática e econômica o universo do personagem com o acompanhamento de uma boa trilha sonora, o diretor e os roteiristas oferecem ao público leigo condições de acompanhar a trama sem maiores problemas, mesmo que aqui ou ali peque por soar excessivamente expositivo (o que vale para toda a projeção). No entanto, o bom trabalho do diretor acaba sendo prejudicado em certas ocasiões pelos efeitos especiais irregulares, como nas cenas envolvendo Gigantes de Gelo criados digitalmente que... bem, parecem grandes bonecos digitais (também há aparições de atores com maquiagem, com resultados bem superiores). Desse modo, fica a cargo do design de som salvar o impacto de certas cenas através, por exemplo, do ruído intenso emitido pelo Destruidor ("dispositivo" que remete muito a O Dia em Que a Terra Parou) durante seus ataques. Já no que diz respeito aos acertos, vale citar o belo design de produção, responsável por criar ambientes eficientes, como a Ponte do Arco-íris, que consegue ser colorida de forma discreta, sem parecer um cenário dos Ursinhos Carinhosos.

Mantendo-se moderadamente sombrio durante boa parte do primeiro ato (incluindo cenas de batalhas épicas, que surgem artificiais pela já citada precariedade dos bonecos digitais e por alternar de forma extremamente demarcada planos em que não se entende o que está acontecendo com outros que exibem com clareza algum golpe coreografado), o filme muda radicalmente de tom assim que Thor chega à Terra e passa a investir pesado em um humor que se mostra bastante irregular, mas eficiente quando certeiro. Assim, passamos a acompanhar os choques culturais ocorridos entre o protagonista e os seres humanos (relação já explorada em filmes como Encantada), que por si só se estabelecem como os melhores e mais divertidos momentos do filme - o que provavelmente não ocorreria caso não houvesse uma boa dinâmica entre os atores.

Hemsworth como Thor mostra-se uma escolha perfeita já que, sem necessidade de exibir uma gama muito grande de emoções, vive o deus com uma expressão forte e físico imponente que inspiram respeito e conferem, ao mesmo tempo, bondade, carisma, impulsividade e inteligência ao personagem. Com os olhos de um azul intenso, quase como se o diferenciasse dos terráquios por sua natureza mítica, o ator australiano se sai homogeneamente bem, não decepcionando nas cenas de ação e nem mesmo nas de humor, já que basta se manter fiel à sua ótima caracterização para tornar hilária, por exemplo, a ida do personagem a um pet shop na tentativa de obter um cavalo. Já Natalie Portman volta a ter a chance de demonstrar seu talento (após ser sabotada pelo roteiro do péssimo Sexo Sem Compromisso) vivendo o interesse amoroso do herói e prova que os comentários sobre maldição e excesso de exposição pós-Oscar são argumentos de críticos chinfrins, mesmo que seja obrigada a viver momentos constrangedores, especialmente quando o roteiro tenta atingir, sem sucesso, um humor rápido típico de sitcoms como Friends ou ao dizer um pausado "Oh... My.... God!" quando Thor finalmente recupera seu martelo.

Enquanto isso, a Stellan Skarsgård restam as tarefas de ficar calado, estabelecer o personagem para aparições futuras em outros projetos, beber com Thor e - o mais difícil - aguentar o comportamento insuportável da personagem de Kat Dennings. No núcleo de Asgard, Hopkins vive o deus dos deuses com a autoridade e sabedoria necessária, mas é relegado a passar boa parte da projeção em coma. E se Rene Russo é o grande zero a esquerda do longa como a quase viúva de Odin, Hiddleston ao menos tem a chance de tentar conferir um pouco de profundidade ao invejoso Loki mesmo preso aos batido conflito entre irmãos do bem e do mal, enquanto Idris Elba impõe respeito e confiança com uma interpretação minimalista e satisfatória do guardião do portal Heimdall. Já os companheiros de Thor vividos por Stevenson, Asano, Dallas e Alexander, revelam-se desinteressantes e tão artificiais quanto o modo como são vistos pelos habitantes da cidade na Terra enquanto caminham pela rua principal.

Criando travellings interessantes que exploram bem o design dos planetas, (pelo menos) uma transição elegante (uma foto de um vulto humano no furgão de Jane é seguida por um plano plongée de Thor no hospital) e um excesso de planos inclinados tão aleatórios quanto as piadas de Darcy, Branagh consegue conferir um bom ritmo ao projeto e, de uma forma geral, apresenta um desempenho bom mas, limitado por um roteiro com tendências maniqueístas, acaba se entregando a algumas convenções do gênero. Assim, não se espante ao ver uma cena na qual o herói consegue convencer seus companheiros a fazer uma viagem supostamente estúpida sendo seguida por outra onde alguém imediatamente diz "Nós não deveríamos estar aqui". E no terceiro ato, o diretor não se esforça para (ou não consegue) suavizar os diversos problemas do roteiro, tornando o desfecho decepcionante em meio a mortes falsas, retornos triunfais e bastante melodrama.

Sem deixar muito claro a natureza da doença de Odin e os aspectos que conferem ao protagonista seu martelo de volta (ambos mais parecem motivados pela conveniência), Thor ao menos não decepciona no que diz respeito às referências ao universo Marvel, mesmo que a quantidade percebida varie de acordo com o conhecimento prévio do espectador (se você não souber nada, pelo menos não ache que o Thor é o Superman apenas por causa das semelhanças entre as capas e os vôos. Eu, por exemplo, consegui notar a ponta de um certo arqueiro, a menção a Dr. Donald Blake e uma citação às indústrias Stark - além, é claro, da sempre bem vinda e divertida aparição de Stan Lee e da cena adicional ao final dos créditos). Thor está longe de ser um filme ruim, mas igualmente distante de ter uma história excelente. Tempo, talento e dinheiro para contá-la não faltaram. Vai ver o que Thor precisa é de menos tempo em tela. Se for isso mesmo, então minha expectativa para Os Vingadores acaba de aumentar consideravelmente.