por Eduardo Monteiro



The Beaver, EUA, 2011 | Duração: 1h31 | Lançado no Brasil em 27 de Maio de 2011, nos cinemas | Escrito por Kyle Killen | Dirigido por Jodie Foster | Com Mel Gibson, Jodie Foster, Anton Yelchin, Jennifer Lawrence, Riley Thomas Stewart, Cherry Jones, Zachary Booth, Michael Rivera e Kelly Coffield Park.

Escrito pelo estreante Kyle Killen, o filme acompanha a inusitada tentativa de um pai de família de superar uma forte depressão quando, após ser convidado a se retirar de casa pela esposa Meredith (Foster) em função da crescente degradação do ambiente familiar, Walter Black (Gibson) passa a usar um fantoche de castor como meio de combater sua introspecção emocional. No entanto, depois de algum tempo, o que parecia apenas um exótico, autônomo, inofensivo e satisfatório tratamento psiquiátrico torna-se um problema para a família quando o alterego de pano passa a ter quase vida própria, ofuscando a personalidade, o livre-arbítrio e a própria existência de Walter.
Obviamente, por ser um filme calcado na realidade, o Castor não ganha vida própria de fato, e é justamente a estranha incompatibilidade entre o fantoche e a mente de Walter (responsável por comandá-lo) que torna a construção tão falha (ou nem tanto, o que discutirei mais adiante). Fugindo das expectativas ao trazer um retorno meteórico do personagem ao seu lar (Walter fica apenas uma noite fora de casa), o roteiro de Killen apresenta o Castor como um personagem bobo e engraçadinho capaz tanto de divertir o filho mais novo do casal (Stewart) quanto de irritar o mais velho (Yelchin), garantindo também o regresso do homem depressivo a seu lar; a seguir, o transforma em uma mente pensante e em uma liderança exemplar que salva a empresa de brinquedos administrada por seu manipulador; e por fim, torna-o um psicopata em potencial que, mesmo após ter dado sua colaboração na reaproximação familiar, se recusa a deixar de existir. Por outro lado, o fantoche apresenta-se com a fala "Eu sou o Castor e estou aqui para salvar a sua vida" para, posteriormente, alegar ser o único que ama Walter verdadeiramente (amor próprio, portanto) e, por isso, ele deveria se afastar da família. Mas qual parte da personalidade de Walter determina as ações do boneco, afinal? Qual a intenção do homem ao usar o fantoche como ponte entre seus pensamentos e o mundo exterior? Ou melhor, há alguma intenção determinada? A resposta provavelmente é não. Mesmo sendo uma criação sua, Walter parece não ter consciência nem controle sobre a real relação com o Castor (diferentemente do que ocorria com Adam Brody em Dummy - Um Amor Diferente) e tampouco abre mão dela, mesmo que de forma inconsciente, quando esta já exerceu sua função (contrapondo à morte da boneca-namorada de Ryan Gosling em momento estratégico de A Garota Ideal). Pior que isso, há ainda duas breves sugestões de que todo o processo se dá por pancadas na cabeça recebidas por Walter próximas ao início e ao fim da vida do Castor, mas nem elas se sustentam e mais parecem bobas referências a Do Que As Mulheres Gostam, comédia estrelada por Gibson.
Assim, a única explicação que resta é uma provável esquizofrenia do personagem. E, mesmo limitado pela função de dar vida ao boneco durante boa parte da projeção, contrução esta que envolve especialmente o modo como deve dizer suas falas, Mel Gibson oferece uma boa interpretação, alternando momentos em que mal lembramos da existência do boneco e tomamos as palavras ditas como sendo do próprio Walter e outros em que o ator exibe inteligência ao deixar clara a co-existência de personalidades distintas, quando conseguimos notar suas reações faciais distinguíveis durante falas do Castor, como se reagisse a elas mesmo estando saindo de sua própria boca. E enquanto, assim como Gibson, Jodie Foster tem um bom desempenho no seu papel de esposa volátil e amorosa e mãe protetora e angustiada mesmo sem grandes momentos, a trama central acaba eclipsada pelo drama vivido pelo filho mais velho, interpretado com angústia pelo carismático Anton Yelchin. Sufocado pela extenuante convivência doméstica, Parker junta dinheiro realizando trabalhos escolares de terceiros com o objetivo de passar temporadas longe de casa e compila uma lista de similaridades que tem com o pai no intuito de tentar evitá-las - e é tocante ver que uma das características de Walter que ele tenta combater em si mesmo é "odiar o próprio pai". Assim, sua complexidade não é reduzida nem mesmo pelo romance bobo vivido com a bela colega Norah (Lawrence), que funciona bem por resultar em uma curiosa inversão de papéis e por desenvolver bem os temas principais, que só se tornam mais evidentes no terceiro ato: não basear convivências em mentiras e buscar apoio no próximo para superar momentos difíceis.
Voltando a dirigir um filme após mais de 15 anos sem exercer a função, Jodie Foster acerta ao não abraçar o excesso de convencionalismo, criando planos interessante como aquele que exibe Walter entrando em um quarto de hotel visto a partir de um ângulo baixo focando apenas um pedaço da cama com pequena profundidade de campo, que permite uma série de interpretações sobre o estado de espírito do personagem. Em outros momentos, a diretora demonstra inteligência ao posicionar o personagem de Mel Gibson prioritariamente em locais de destaque na tela mesmo diante de sua submissão ao Castor ou ao manter a boca do ator encoberta pelo próprio fantoche em certas ocasiões, acertando também ao aproximar Walter e Parker em determinada cena, colocando-os lado a lado durante transições executadas enquanto cada um se prepara para uma noite fundamental no arco dramático geral. No entanto, a atriz-diretora não consegue escapar das armadilhas formulaicas armadas pelo roteiro mas, felizmente, acerta a mão ao conferir uma sutil melancolia ao desfecho, que provavelmente passará como um final puramente feliz e resolvido para os espectadores mais distraídos.
Afinal de contas, nos últimos segundos do filme, a narração vista logo no início retorna reafirmando que "esta é a história de Walter, um homem irremediavelmente deprimido" adicionando ainda alguns pensamentos ligeiramente ambíguos. Como se isso não bastasse para ressaltar que o protagonista não está plenamente curado (ou, como a fala sugere, nunca estará), a própria autoria da fala ratifica a idéia, já que a essa altura sabemos que esta voz não pertence a Walter, apesar de ser dita por Mel Gibson. Assim, quando sugeri que a concepção do boneco falante como indicativo da personalidade de Walter poderia até não ser tão equivocada (ainda assim, nada justifica a cena em que o homem aproveita que o Castor está dormindo para ligar para a esposa - e é pego de surpresa pelo boneco!), isso é confirmado por estes momentos finais: a incoerência exibida pelo alterego pode ser interpretada como uma representação do aspecto auto-destrutivo de Walter, mantendo a validade da hipótese da esquizofrenia e justificando a solução encontrada por ele para o conflito com o Castor. Assim, a melancolia fica mais que clara no último plano que, mostrando os personagens em uma montanha russa, sugere que aquela família ainda está sujeita a altos e baixos emocionais - mas, neste ponto, já sabemos que eles terão maior disposição para aceitar esta realidade ao invés de tentar ignorá-la, podendo então enfrentá-la com maior empenho. A convivência forçada durante um jantar vista no início da projeção não é mais uma realidade na família: agora têm, mais do que nunca, o apoio uns dos outros.
Uma nova e satisfatória abordagem para o tema, portanto.
Obviamente, por ser um filme calcado na realidade, o Castor não ganha vida própria de fato, e é justamente a estranha incompatibilidade entre o fantoche e a mente de Walter (responsável por comandá-lo) que torna a construção tão falha (ou nem tanto, o que discutirei mais adiante). Fugindo das expectativas ao trazer um retorno meteórico do personagem ao seu lar (Walter fica apenas uma noite fora de casa), o roteiro de Killen apresenta o Castor como um personagem bobo e engraçadinho capaz tanto de divertir o filho mais novo do casal (Stewart) quanto de irritar o mais velho (Yelchin), garantindo também o regresso do homem depressivo a seu lar; a seguir, o transforma em uma mente pensante e em uma liderança exemplar que salva a empresa de brinquedos administrada por seu manipulador; e por fim, torna-o um psicopata em potencial que, mesmo após ter dado sua colaboração na reaproximação familiar, se recusa a deixar de existir. Por outro lado, o fantoche apresenta-se com a fala "Eu sou o Castor e estou aqui para salvar a sua vida" para, posteriormente, alegar ser o único que ama Walter verdadeiramente (amor próprio, portanto) e, por isso, ele deveria se afastar da família. Mas qual parte da personalidade de Walter determina as ações do boneco, afinal? Qual a intenção do homem ao usar o fantoche como ponte entre seus pensamentos e o mundo exterior? Ou melhor, há alguma intenção determinada? A resposta provavelmente é não. Mesmo sendo uma criação sua, Walter parece não ter consciência nem controle sobre a real relação com o Castor (diferentemente do que ocorria com Adam Brody em Dummy - Um Amor Diferente) e tampouco abre mão dela, mesmo que de forma inconsciente, quando esta já exerceu sua função (contrapondo à morte da boneca-namorada de Ryan Gosling em momento estratégico de A Garota Ideal). Pior que isso, há ainda duas breves sugestões de que todo o processo se dá por pancadas na cabeça recebidas por Walter próximas ao início e ao fim da vida do Castor, mas nem elas se sustentam e mais parecem bobas referências a Do Que As Mulheres Gostam, comédia estrelada por Gibson.
Assim, a única explicação que resta é uma provável esquizofrenia do personagem. E, mesmo limitado pela função de dar vida ao boneco durante boa parte da projeção, contrução esta que envolve especialmente o modo como deve dizer suas falas, Mel Gibson oferece uma boa interpretação, alternando momentos em que mal lembramos da existência do boneco e tomamos as palavras ditas como sendo do próprio Walter e outros em que o ator exibe inteligência ao deixar clara a co-existência de personalidades distintas, quando conseguimos notar suas reações faciais distinguíveis durante falas do Castor, como se reagisse a elas mesmo estando saindo de sua própria boca. E enquanto, assim como Gibson, Jodie Foster tem um bom desempenho no seu papel de esposa volátil e amorosa e mãe protetora e angustiada mesmo sem grandes momentos, a trama central acaba eclipsada pelo drama vivido pelo filho mais velho, interpretado com angústia pelo carismático Anton Yelchin. Sufocado pela extenuante convivência doméstica, Parker junta dinheiro realizando trabalhos escolares de terceiros com o objetivo de passar temporadas longe de casa e compila uma lista de similaridades que tem com o pai no intuito de tentar evitá-las - e é tocante ver que uma das características de Walter que ele tenta combater em si mesmo é "odiar o próprio pai". Assim, sua complexidade não é reduzida nem mesmo pelo romance bobo vivido com a bela colega Norah (Lawrence), que funciona bem por resultar em uma curiosa inversão de papéis e por desenvolver bem os temas principais, que só se tornam mais evidentes no terceiro ato: não basear convivências em mentiras e buscar apoio no próximo para superar momentos difíceis.
Voltando a dirigir um filme após mais de 15 anos sem exercer a função, Jodie Foster acerta ao não abraçar o excesso de convencionalismo, criando planos interessante como aquele que exibe Walter entrando em um quarto de hotel visto a partir de um ângulo baixo focando apenas um pedaço da cama com pequena profundidade de campo, que permite uma série de interpretações sobre o estado de espírito do personagem. Em outros momentos, a diretora demonstra inteligência ao posicionar o personagem de Mel Gibson prioritariamente em locais de destaque na tela mesmo diante de sua submissão ao Castor ou ao manter a boca do ator encoberta pelo próprio fantoche em certas ocasiões, acertando também ao aproximar Walter e Parker em determinada cena, colocando-os lado a lado durante transições executadas enquanto cada um se prepara para uma noite fundamental no arco dramático geral. No entanto, a atriz-diretora não consegue escapar das armadilhas formulaicas armadas pelo roteiro mas, felizmente, acerta a mão ao conferir uma sutil melancolia ao desfecho, que provavelmente passará como um final puramente feliz e resolvido para os espectadores mais distraídos.
Afinal de contas, nos últimos segundos do filme, a narração vista logo no início retorna reafirmando que "esta é a história de Walter, um homem irremediavelmente deprimido" adicionando ainda alguns pensamentos ligeiramente ambíguos. Como se isso não bastasse para ressaltar que o protagonista não está plenamente curado (ou, como a fala sugere, nunca estará), a própria autoria da fala ratifica a idéia, já que a essa altura sabemos que esta voz não pertence a Walter, apesar de ser dita por Mel Gibson. Assim, quando sugeri que a concepção do boneco falante como indicativo da personalidade de Walter poderia até não ser tão equivocada (ainda assim, nada justifica a cena em que o homem aproveita que o Castor está dormindo para ligar para a esposa - e é pego de surpresa pelo boneco!), isso é confirmado por estes momentos finais: a incoerência exibida pelo alterego pode ser interpretada como uma representação do aspecto auto-destrutivo de Walter, mantendo a validade da hipótese da esquizofrenia e justificando a solução encontrada por ele para o conflito com o Castor. Assim, a melancolia fica mais que clara no último plano que, mostrando os personagens em uma montanha russa, sugere que aquela família ainda está sujeita a altos e baixos emocionais - mas, neste ponto, já sabemos que eles terão maior disposição para aceitar esta realidade ao invés de tentar ignorá-la, podendo então enfrentá-la com maior empenho. A convivência forçada durante um jantar vista no início da projeção não é mais uma realidade na família: agora têm, mais do que nunca, o apoio uns dos outros.
Uma nova e satisfatória abordagem para o tema, portanto.
