
por Eduardo Monteiro




Cloudy with a Chance of Meatballs, EUA, 2009 | Duração: 1h29m53s | Lançado no Brasil em 2 de Outubro de 2009, nos cinemas | Baseado no livro escrito por Judi Barrett e ilustrado por Ron Barrett. Escrito por Phil Lord e Chris Miller | Dirigido por Phil Lord e Chris Miller | Com as vozes de Bill Hader, Anna Faris, James Caan, Andy Samberg, Bruce Campbell, Mr. T, Bobb'e J. Thompson, Benjamin Bratt, Neil Patrick Harris, Al Roker, Lauren Graham e Will Forte.
Logo em seu primeiro minuto, após exibir uma banana gigante caindo do céu e atingindo a Dama da Columbia da vinheta da produtora, Tá Chovendo Hambúrguer ironiza as famosas divergências relativas à autoria de produções cinematográficas através do texto "Um filme de... várias pessoas" durante os créditos iniciais. Propositalmente ou não, estes primeiros momentos da projeção dizem muito do que está por vir: a busca prioritária pela diversão conduzida por um roteiro e uma direção que talvez não sejam os principais responsáveis pelo sucesso do projeto.
Dirigido e escrito por Phil Lord e Chris Miller a partir do livro infantil clássico criado em 1978 por Judi e Ron Barrett, o filme se inicia forçando de forma nada sutil nossa identificação com o personagem principal através de uma cena em que o pequeno Flint Lockwood (Bill Hader, de Deu a Louca na Chapeuzinho 2), após ser ridicularizado pelos colegas na escola em função de uma invenção desastrosa, ganha de sua mãe (em sua única aparição) um jaleco desproporcionalmente grande que, com uma expressão radiante no rosto, o garoto afirma ter cabido perfeitamente. Morador da cinzenta e remota Foz das Andorinhas (uma ilha localizada embaixo do A de Atlântico, como indica a divertida narração de Flint), o jovem inventor cresce buscando o reconhecimento de seu pai, Tim Lockwood (James Caan, de Este é o Meu Garoto), e de seus conterrâneos através de projetos que, em sua maioria, buscam suprir demandas específicas da população, como o "spray de sapato", que pretende diminuir a incidência de cadarços desamarrados entre as crianças - e nem os sucessivos insucessos o fazem desistir. Entretanto, quando o principal negócio da cidade (a venda de sardinhas) entra em crise (depois de as pessoas perceberem que a comida é nojenta), Flint decide testar sua mais nova invenção, que pode ajudar a contornar a situação: a FLDSMDFR, uma máquina com o poder de transformar água em comida. No entanto, o excesso de energia usada no teste acaba lançando o protótipo rumo ao céu, onde passa a funcionar de forma remota utilizando a umidade atmosférica e originando uma chuva de comida que altera a rotina da cidade.
De modo geral, Lord e Miller investem acertadamente em um tom cartunesco que se torna fundamental para que aceitemos a natureza absurda da trama. Assim, quando a repórter meteorológica Sam Sparks (Anna Farris, de Alvin e os Esquilos 3) acerta os calcanhares nos olhos de Flint, que afundam como se fossem balões, ou quando notamos que o laboratório do rapaz possui um espaço interno muito maior do que a vista externa sugere, não nos sentimos afrontados, já que tudo aquilo é aceitável e faz sentido no universo fantástico dos personagens. E a todo momento somos apresentados a elementos que seguem essa lógica: sons de pneu cantando quando personagens correndo param bruscamente, barulho de comida cortando perigosamente o ar, olhos permanecendo visíveis em um ambiente muito escuro ou carros com rodas elípticas são alguns exemplos mais óbvios. E vale apontar que essa liberdade criativa resulta em boas composições, como o palácio de gelatina (que permite que os personagens atravessem suas paredes sem maiores dificuldades e em seguida andem em seu piso sem afundar, mesmo tudo sendo feito do mesmo material), a cidade coberta com camadas e bolas de sorvete ou o fantástico furacão de macarronada com almôndegas. Em outros momentos, no entanto, o roteiro abusa dessa liberdade, como no caso das pizzas, dos frangos assados e dos ursinhos de goma mutantes vistos no terceiro ato, que surgem como um mero artifício para criar dificuldades adicionais durante o clímax. Ainda assim, é interessante que o próprio filme reconheça seus próprios absurdos em algumas ocasiões, como ao exibir o âncora do telejornal observando que "a chuva de comida segue o estranho padrão de atingir primeiramente monumentos mundialmente conhecidos", como a Torre Eiffel, a Times Square e a Grande Muralha da China.
Agregando ao design dos personagens traços que remetem a seu trabalho anterior (ainda mais notável quando o prefeito apresenta seus planos para reformular a cidade através de desenhos em 2D ou durante os créditos finais) - a série animada Projeto Clonagem -, os diretores demonstram talento na composição dos personagens, que segue uma linha mais estilizada: os movimentos são marcados por fluidez e elasticidade e o design é repleto de formas desproporcionais, que não raramente refletem traços da personalidade de cada um. O grande "Baby Brent" (Andy Samberg, de Hotel Transilvânia), eterno garoto propaganda da fábrica de sardinhas, por exemplo, surge vestindo uma roupa esportiva com zíper que pode ser facilmente retirada toda vez que o personagem vê uma oportunidade de reviver a posição "Coppertone" que o tornou celebridade local, quando ainda era um bebê. Já o visual de Tim vai mais fundo e representa com precisão a personalidade do personagem: além do uso constante do uniforme de sua loja de artigos de pesca (o único estabelecimento que não se adapta às mudanças sofridas pela cidade, sugerindo conservadorismo), o personagem exibe enormes bigode e monocelha, que cobrem, respectivamente, sua boca e seus olhos, exprimem sua introspecção e dificuldade de comunicação, já que ele se revela um homem de poucas palavras e as tentativas de diálogos com o filho são sempre sabotadas por suas próprias metáforas de pesca (e, por esse lado, é fácil deduzir que a demanda que motivou Flint a criar o Tradutor de Pensamento para Macacos seja justamente a necessidade de ter alguém com quem conversar).
Eficiente também na concepção da cidade, que surge inicialmente cinzenta e se transforma em uma profusão de cores, remetendo às luzes emitidas pela FLDSMDFR, a direção de arte confere justamente às comidas uma aparência mais realista, o que contribui para o impacto que a chuva deve causar - especialmente na ótima cena em que vemos uma avalanche de restos alimentares assolar a cidade. Também é interessante notar que as invenções de Flint incorporam partes reaproveitadas de objetos velhos, como o Tradutor de Pensamentos Para Macacos, que remete a um radinho infantil, ou o próprio FLDSMDFR, que parece feito com restos de um microondas. E mesmo que a maioria dos personagens vistam o mesmo figurino durante todo o filme (mais uma herança dos cartoons), o que poderia indicar uma unidimensionalidade, estes se revelam muito mais interessantes e complexos do que poderíamos pensar a princípio - como o próprio Flint, que, mesmo em êxtase após se tornar querido por toda a cidade (o carro que recolhe os restos de comida, criado e conduzido por ele, parece dançar, refletindo a felicidade e satisfação do personagem), não desiste de tentar obter o reconhecimento do pai, enquanto, em outros momentos, exibe uma vasta imaginação ao simular uma averiguação biométrica para entrar no laboratório e uma sinceridade cativante, como ao responder espontaneamente um "Não" após Sam perguntar se ele poderia guardar um segredo.
E se o filme se apresenta tão interessante do ponto de vista visual e estético, o mesmo não pode ser visto da história, que se apoia totalmente nos clichês de "nunca desistir dos seus sonhos" e "nunca deixar de ser quem você é", que tornam o projeto narrativamente irrelevante - embora ganhe créditos por não se prolongar na evolução do exagero que causa a sobrecarga da máquina, que é mostrada de forma econômica e eficiente. Assim, o longa funciona melhor quando foca nas boas tentativas de humor como, por exemplo, quando Flint aprende a brincar de guerra de bolas de neve, mas acaba revelando inesperados impulsos homicidas (a coragem e a sutileza com que a violência gráfica é retratada nessa cena merece aplausos), ou quando as crianças se deliciam deitadas no chão com os rostos virados para o sorvete e, em um quadro que preenche a tela com as três cores do sorvete napolitano, apenas uma criança solitária declara sua preferência pelo sabor de morango - algo aparentemente universal. Não tão felizes, por outro lado, são as recorrentes críticas a Londres, que surgem deselegantes, deslocadas e desnecessárias.
Assim, Tá Chovendo Hambúrguer junta-se a Tá Dando Onda (e espero que Tá + Gerúndio + Alguma-Coisa não se torne um padrão nas traduções) como bons expoentes do potencial da divisão de animação da Sony Pictures e ainda se torna um dos raros exemplares que não depende de animais, robôs ou monstros falantes para ser divertido (o Tradutor de Pensamentos Para Macacos, diferentemente do semelhante visto em Up - Altas Aventuras - que dava voz a cachorros -, traduz justamente a natureza irracional dos pensamentos do macaco Steve, funcionando tão bem quanto no filme da Pixar, apesar das propostas distintas) e ainda conta com um ótimo time de dubladores, marcado por participações de comediantes e veteranos. Alguns problemas de direção também podem ser vistos aqui e ali (como na cena em que um movimento de câmera é repetido para revelar a reação de todos com a aproximação da primeira chuva de hambúrguer, mas não funciona bem), mas nada que comprometa o resultado final. É só não perder a cabeça com mania de grandeza, como ocorre com o prefeito Shelbourne (Bruce Campbell), que o estúdio tem um futuro promissor pela frente.
Logo em seu primeiro minuto, após exibir uma banana gigante caindo do céu e atingindo a Dama da Columbia da vinheta da produtora, Tá Chovendo Hambúrguer ironiza as famosas divergências relativas à autoria de produções cinematográficas através do texto "Um filme de... várias pessoas" durante os créditos iniciais. Propositalmente ou não, estes primeiros momentos da projeção dizem muito do que está por vir: a busca prioritária pela diversão conduzida por um roteiro e uma direção que talvez não sejam os principais responsáveis pelo sucesso do projeto.
Dirigido e escrito por Phil Lord e Chris Miller a partir do livro infantil clássico criado em 1978 por Judi e Ron Barrett, o filme se inicia forçando de forma nada sutil nossa identificação com o personagem principal através de uma cena em que o pequeno Flint Lockwood (Bill Hader, de Deu a Louca na Chapeuzinho 2), após ser ridicularizado pelos colegas na escola em função de uma invenção desastrosa, ganha de sua mãe (em sua única aparição) um jaleco desproporcionalmente grande que, com uma expressão radiante no rosto, o garoto afirma ter cabido perfeitamente. Morador da cinzenta e remota Foz das Andorinhas (uma ilha localizada embaixo do A de Atlântico, como indica a divertida narração de Flint), o jovem inventor cresce buscando o reconhecimento de seu pai, Tim Lockwood (James Caan, de Este é o Meu Garoto), e de seus conterrâneos através de projetos que, em sua maioria, buscam suprir demandas específicas da população, como o "spray de sapato", que pretende diminuir a incidência de cadarços desamarrados entre as crianças - e nem os sucessivos insucessos o fazem desistir. Entretanto, quando o principal negócio da cidade (a venda de sardinhas) entra em crise (depois de as pessoas perceberem que a comida é nojenta), Flint decide testar sua mais nova invenção, que pode ajudar a contornar a situação: a FLDSMDFR, uma máquina com o poder de transformar água em comida. No entanto, o excesso de energia usada no teste acaba lançando o protótipo rumo ao céu, onde passa a funcionar de forma remota utilizando a umidade atmosférica e originando uma chuva de comida que altera a rotina da cidade.
De modo geral, Lord e Miller investem acertadamente em um tom cartunesco que se torna fundamental para que aceitemos a natureza absurda da trama. Assim, quando a repórter meteorológica Sam Sparks (Anna Farris, de Alvin e os Esquilos 3) acerta os calcanhares nos olhos de Flint, que afundam como se fossem balões, ou quando notamos que o laboratório do rapaz possui um espaço interno muito maior do que a vista externa sugere, não nos sentimos afrontados, já que tudo aquilo é aceitável e faz sentido no universo fantástico dos personagens. E a todo momento somos apresentados a elementos que seguem essa lógica: sons de pneu cantando quando personagens correndo param bruscamente, barulho de comida cortando perigosamente o ar, olhos permanecendo visíveis em um ambiente muito escuro ou carros com rodas elípticas são alguns exemplos mais óbvios. E vale apontar que essa liberdade criativa resulta em boas composições, como o palácio de gelatina (que permite que os personagens atravessem suas paredes sem maiores dificuldades e em seguida andem em seu piso sem afundar, mesmo tudo sendo feito do mesmo material), a cidade coberta com camadas e bolas de sorvete ou o fantástico furacão de macarronada com almôndegas. Em outros momentos, no entanto, o roteiro abusa dessa liberdade, como no caso das pizzas, dos frangos assados e dos ursinhos de goma mutantes vistos no terceiro ato, que surgem como um mero artifício para criar dificuldades adicionais durante o clímax. Ainda assim, é interessante que o próprio filme reconheça seus próprios absurdos em algumas ocasiões, como ao exibir o âncora do telejornal observando que "a chuva de comida segue o estranho padrão de atingir primeiramente monumentos mundialmente conhecidos", como a Torre Eiffel, a Times Square e a Grande Muralha da China.
Agregando ao design dos personagens traços que remetem a seu trabalho anterior (ainda mais notável quando o prefeito apresenta seus planos para reformular a cidade através de desenhos em 2D ou durante os créditos finais) - a série animada Projeto Clonagem -, os diretores demonstram talento na composição dos personagens, que segue uma linha mais estilizada: os movimentos são marcados por fluidez e elasticidade e o design é repleto de formas desproporcionais, que não raramente refletem traços da personalidade de cada um. O grande "Baby Brent" (Andy Samberg, de Hotel Transilvânia), eterno garoto propaganda da fábrica de sardinhas, por exemplo, surge vestindo uma roupa esportiva com zíper que pode ser facilmente retirada toda vez que o personagem vê uma oportunidade de reviver a posição "Coppertone" que o tornou celebridade local, quando ainda era um bebê. Já o visual de Tim vai mais fundo e representa com precisão a personalidade do personagem: além do uso constante do uniforme de sua loja de artigos de pesca (o único estabelecimento que não se adapta às mudanças sofridas pela cidade, sugerindo conservadorismo), o personagem exibe enormes bigode e monocelha, que cobrem, respectivamente, sua boca e seus olhos, exprimem sua introspecção e dificuldade de comunicação, já que ele se revela um homem de poucas palavras e as tentativas de diálogos com o filho são sempre sabotadas por suas próprias metáforas de pesca (e, por esse lado, é fácil deduzir que a demanda que motivou Flint a criar o Tradutor de Pensamento para Macacos seja justamente a necessidade de ter alguém com quem conversar).

Eficiente também na concepção da cidade, que surge inicialmente cinzenta e se transforma em uma profusão de cores, remetendo às luzes emitidas pela FLDSMDFR, a direção de arte confere justamente às comidas uma aparência mais realista, o que contribui para o impacto que a chuva deve causar - especialmente na ótima cena em que vemos uma avalanche de restos alimentares assolar a cidade. Também é interessante notar que as invenções de Flint incorporam partes reaproveitadas de objetos velhos, como o Tradutor de Pensamentos Para Macacos, que remete a um radinho infantil, ou o próprio FLDSMDFR, que parece feito com restos de um microondas. E mesmo que a maioria dos personagens vistam o mesmo figurino durante todo o filme (mais uma herança dos cartoons), o que poderia indicar uma unidimensionalidade, estes se revelam muito mais interessantes e complexos do que poderíamos pensar a princípio - como o próprio Flint, que, mesmo em êxtase após se tornar querido por toda a cidade (o carro que recolhe os restos de comida, criado e conduzido por ele, parece dançar, refletindo a felicidade e satisfação do personagem), não desiste de tentar obter o reconhecimento do pai, enquanto, em outros momentos, exibe uma vasta imaginação ao simular uma averiguação biométrica para entrar no laboratório e uma sinceridade cativante, como ao responder espontaneamente um "Não" após Sam perguntar se ele poderia guardar um segredo.
E se o filme se apresenta tão interessante do ponto de vista visual e estético, o mesmo não pode ser visto da história, que se apoia totalmente nos clichês de "nunca desistir dos seus sonhos" e "nunca deixar de ser quem você é", que tornam o projeto narrativamente irrelevante - embora ganhe créditos por não se prolongar na evolução do exagero que causa a sobrecarga da máquina, que é mostrada de forma econômica e eficiente. Assim, o longa funciona melhor quando foca nas boas tentativas de humor como, por exemplo, quando Flint aprende a brincar de guerra de bolas de neve, mas acaba revelando inesperados impulsos homicidas (a coragem e a sutileza com que a violência gráfica é retratada nessa cena merece aplausos), ou quando as crianças se deliciam deitadas no chão com os rostos virados para o sorvete e, em um quadro que preenche a tela com as três cores do sorvete napolitano, apenas uma criança solitária declara sua preferência pelo sabor de morango - algo aparentemente universal. Não tão felizes, por outro lado, são as recorrentes críticas a Londres, que surgem deselegantes, deslocadas e desnecessárias.
Assim, Tá Chovendo Hambúrguer junta-se a Tá Dando Onda (e espero que Tá + Gerúndio + Alguma-Coisa não se torne um padrão nas traduções) como bons expoentes do potencial da divisão de animação da Sony Pictures e ainda se torna um dos raros exemplares que não depende de animais, robôs ou monstros falantes para ser divertido (o Tradutor de Pensamentos Para Macacos, diferentemente do semelhante visto em Up - Altas Aventuras - que dava voz a cachorros -, traduz justamente a natureza irracional dos pensamentos do macaco Steve, funcionando tão bem quanto no filme da Pixar, apesar das propostas distintas) e ainda conta com um ótimo time de dubladores, marcado por participações de comediantes e veteranos. Alguns problemas de direção também podem ser vistos aqui e ali (como na cena em que um movimento de câmera é repetido para revelar a reação de todos com a aproximação da primeira chuva de hambúrguer, mas não funciona bem), mas nada que comprometa o resultado final. É só não perder a cabeça com mania de grandeza, como ocorre com o prefeito Shelbourne (Bruce Campbell), que o estúdio tem um futuro promissor pela frente.
