
por Eduardo Monteiro




State of Play, EUA/Reino Unido/França, 2009 | Duração: 2h07m07s | Lançado no Brasil em 12 de Junho de 2009, nos cinemas | Baseado na série de TV da BBC criada por Paul Abbott. Adaptado por Matthew Michael Carnahan, Tony Gilroy e Billy Ray | Dirigido por Kevin Macdonald | Com Russell Crowe, Ben Affleck, Rachel McAdams, Helen Mirren, Robin Wright Penn, Jason Bateman, Jeff Daniels, Michael Berresse, Viola Davis, Josh Mostel, Michael Weston, Barry Shabaka Henley, Maria Thayer e David Harbour.
Em uma noite escura e fria de Washington D.C., Intrigas de Estado tem início com a tranqüilidade de uma rua da periferia da cidade sendo interrompida subitamente pelo assassinato de um jovem após uma breve perseguição a pé. Poucas horas depois, Sonia Baker (Maria Thayer), assistente do deputado Stephen Collins (Ben Affleck), morre após cair nos trilhos do metrô em sua ida para o trabalho. Aparentemente desconexos, estes dois acontecimentos atraem a atenção de jornalistas do The Washington Globe, dando início a uma investigação que se desenrola nas quase duas horas seguintes de projeção e envolve diversos interesses, em especial o da PointCorp, uma grande empresa de armas.
Dirigido com competência pelo britânico Kevin Macdonald (A Vida em um Dia, Desafio Vertical), o filme acompanha Cal McAffrey (Russell Crowe), um jornalista investigativo que não mede esforços para conseguir boas informações, seguindo pistas e correndo atrás de fontes mesmo que isso apresente alguns perigos. Habilidoso e persuasivo, ele não se incomoda nem mesmo em passar por cima de regras para conseguir informações exclusivas, como ao revirar os pertences de uma vítima no necrotério, botando em risco a reputação da legista (Viola Davis), ou ao omitir da polícia fotos que ajudariam na investigação oficial (em menor grau, em certo momento, ele também estaciona em um local proibido próximo a uma cena de crime, mesmo sendo absolutamente desnecessário). Juntamente com a subestimada repórter para a internet Della Frye (Rachel McAdams), Cal corre atrás de furos de reportagem depois que uma polêmica em torno de um possível envolvimento amoroso entre Collins (que também é amigo de McAffrey) e sua falecida assistente ganha as páginas dos noticiários e desencadeia uma série de questionamentos.
A atmosfera de conspiração e suspense que domina a projeção é criada com competência por Macdonald, que, em vários momentos, utiliza a câmera na mão para conferir realismo e urgência à narrativa ou enfoca os personagens de locais distantes, como do alto de prédios (juntamente com sons de helicópteros), transmitindo a incômoda sensação de que estão sendo observados. Com a colaboração do diretor de fotografia Rodrigo Prieto (Água Para Elefantes), o diretor roda boa parte das cenas que envolvem o deputado vivido por Affleck usando câmeras digitais que, juntamente com uma profundidade de campo grande, confere uma adequada e estranha artificialidade, que parece destacar os personagens dos cenários ao fundo. Nas demais cenas, é adotada uma ótima paleta escura e fria (às vezes tomada por chuva) que aproveita bem as incomuns locações de Washington. Também merece destaque o impecável design de produção, que concebe uma redação de jornal onde pilhas e mais pilhas de papéis dividem espaço com computadores, cada vez mais presentes. Já a boa trilha sonora não foge do que tem sido tradicionalmente feito para thrillers, surgindo discreta, mas eficiente.
Mas o mais interessante é notar o cuidado com que a profissão do jornalista é apresentada pelo roteiro de Matthew Michael Carnahan, Tony Gilroy e Billy Ray, baseado na série de TV criada por Paul Abbott. Sem a preocupação de conceber personagens 100% corretos apenas para facilitar a identificação do público, o roteiro apresenta o dia-a-dia de uma redação com bastante realismo e dinamismo e, como já mencionado, traz jornalistas como profissionais que não parecem intimidados em esconder provas obtidas antes da polícia ou em chantagear um profissional de relações públicas da PointCorp para conseguir uma boa história. Assim, é interessante notar a dificuldade de Cal de separar a amizade com Stephen e sua esposa Annie (Robin Wright Penn) da profissão - e não é à toa que, em certo momento, a sofrida Annie faz uma correção emblemática em um discurso de Cal, dizendo que aquela situação complexa para ela é um "caso", uma realidade, enquanto para ele representa apenas uma "história", um trabalho.
E mesmo que pudesse parecer pouco original, a montagem que resume a trabalhosa e às vezes inconclusiva busca de Cal e Della por novas pistas funciona bem por botar a história pra frente, ao mesmo tempo que demonstra as dificuldades e complexidades da profissão. Da mesma forma, o filme também acerta ao retratar o modo como a crescente competição e a necessidade de vendas exercem influência sobre a repercussão que é dada a certos acontecimentos, transformando muitas vezes as notícias em informes fúteis, rasos e equivocados (algo bem ilustrado pela cena em que o personagem de Ben Affleck lamenta que será lembrado pelo escândalo que está envolvido, e não pelos projetos que conseguiu aprovar em sua carreira). Esse aspecto pode ser notado na abordagem inicial dada à morte de Baker ou no momento em que a editora Cameron Lynne (Helen Mirren) critica Cal por não querer publicar informações incompletas, dizendo que se determinada informação frágil gera uma notícia, desmentir essa informação gera outra notícia.
Helen Mirren (Hitchcock), por sinal, se revela uma ótima escolha para o papel, já que transmite uma autoridade impecável ao mesmo tempo que exibe uma angústia com as novas diretrizes impostas pelos investidores do jornal, que só pensam em aumentar as vendas, mesmo que isso transforme o jornal em um pequeno tabloide. Como de costume, Russel Crowe (Os Miseráveis) faz uma boa composição: surgindo gordo, com cabelos longos e barba por fazer, ele compõe Cal como um homem apaixonado pelo trabalho, ao mesmo tempo que tenta não comprometer Stephen e Annie, que, no fundo, representam suas poucas conexões humanas. Já Rachel McAdams (Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras) vive Della Frye como uma jornalista inexperiente que deve enfrentar o preconceito dos demais profissionais por trabalhar diretamente com uma tecnologia ainda mal aceita no meio, ao mesmo tempo que luta para conquistar o respeito dos colegas - e sua inexperiência é ilustrada com competência, desde a falta de hábito de ter sempre consigo material de anotação até sua relutância em largar o conforto da cama quando recebe uma boa pista a ser seguida no meio da noite. Assim, Frye aproveita a chance de trabalhar com um jornalista experiente em um caso tão importante conduzindo, de certa forma, uma investigação paralela e complementar à de Cal - e é interessante notar como, enquanto caminham juntos pela redação ao final da projeção, as silhuetas de Frye e McAffrey se assemelham, como se ela fosse agora uma versão menor dele. Enquanto isso, mesmo com pouco tempo em tela, Robin Wright Penn (Millennium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres) ilustra bem o sofrimento de sua personagem diante do desabamento iminente de seu casamento e de sua amizade com Cal. E se Ben Affleck (Argo) e Jeff Daniels usam seus déficits de falas, expressividade ou de tempo em tela para despertar no público ao mesmo tempo confiabilidade e suspeita, Michael Berresse cumpre bem o papel de assassino frio e ameaçador enquanto Jason Bateman, Viola Davis (Dezesseis Luas) e Barry Shabaka Henley são relegados a papéis secundários, mas desempenham bem suas funções.
Provando que o Macdonald é uma grande promessa (que está se cumprindo), Intrigas de Estado falha apenas por apresentar uma resolução com um impacto menor do que vinha prometendo, mas logo em seguida volta a acertar com boa uma montagem durante os créditos finais, que exibe o processo de impressão do jornal, ressaltando novamente que o enfoque do longa foi na produção da notícia, e não necessariamente em sua divulgação e repercussão. E apesar de inferior ao semelhante (e fantástico) Todos os Homens do Presidente (as aparições de Watergate e a cena da garagem são apenas algumas das referências ao longa de 1974), o fato é que ambos apresentam ótimas abordagens sobre a atividade jornalística ajudando a resolver grandes e importantes casos, cada um adaptado ao contexto político de sua época. E se o escândalo do Watergate foi um fato responsável por um antagonismo de grandes dimensões, para aquele filme, a atual ascensão da indústria de arma e privatização da segurança nacional não deixam a desejar.
Dirigido com competência pelo britânico Kevin Macdonald (A Vida em um Dia, Desafio Vertical), o filme acompanha Cal McAffrey (Russell Crowe), um jornalista investigativo que não mede esforços para conseguir boas informações, seguindo pistas e correndo atrás de fontes mesmo que isso apresente alguns perigos. Habilidoso e persuasivo, ele não se incomoda nem mesmo em passar por cima de regras para conseguir informações exclusivas, como ao revirar os pertences de uma vítima no necrotério, botando em risco a reputação da legista (Viola Davis), ou ao omitir da polícia fotos que ajudariam na investigação oficial (em menor grau, em certo momento, ele também estaciona em um local proibido próximo a uma cena de crime, mesmo sendo absolutamente desnecessário). Juntamente com a subestimada repórter para a internet Della Frye (Rachel McAdams), Cal corre atrás de furos de reportagem depois que uma polêmica em torno de um possível envolvimento amoroso entre Collins (que também é amigo de McAffrey) e sua falecida assistente ganha as páginas dos noticiários e desencadeia uma série de questionamentos.
A atmosfera de conspiração e suspense que domina a projeção é criada com competência por Macdonald, que, em vários momentos, utiliza a câmera na mão para conferir realismo e urgência à narrativa ou enfoca os personagens de locais distantes, como do alto de prédios (juntamente com sons de helicópteros), transmitindo a incômoda sensação de que estão sendo observados. Com a colaboração do diretor de fotografia Rodrigo Prieto (Água Para Elefantes), o diretor roda boa parte das cenas que envolvem o deputado vivido por Affleck usando câmeras digitais que, juntamente com uma profundidade de campo grande, confere uma adequada e estranha artificialidade, que parece destacar os personagens dos cenários ao fundo. Nas demais cenas, é adotada uma ótima paleta escura e fria (às vezes tomada por chuva) que aproveita bem as incomuns locações de Washington. Também merece destaque o impecável design de produção, que concebe uma redação de jornal onde pilhas e mais pilhas de papéis dividem espaço com computadores, cada vez mais presentes. Já a boa trilha sonora não foge do que tem sido tradicionalmente feito para thrillers, surgindo discreta, mas eficiente.
Mas o mais interessante é notar o cuidado com que a profissão do jornalista é apresentada pelo roteiro de Matthew Michael Carnahan, Tony Gilroy e Billy Ray, baseado na série de TV criada por Paul Abbott. Sem a preocupação de conceber personagens 100% corretos apenas para facilitar a identificação do público, o roteiro apresenta o dia-a-dia de uma redação com bastante realismo e dinamismo e, como já mencionado, traz jornalistas como profissionais que não parecem intimidados em esconder provas obtidas antes da polícia ou em chantagear um profissional de relações públicas da PointCorp para conseguir uma boa história. Assim, é interessante notar a dificuldade de Cal de separar a amizade com Stephen e sua esposa Annie (Robin Wright Penn) da profissão - e não é à toa que, em certo momento, a sofrida Annie faz uma correção emblemática em um discurso de Cal, dizendo que aquela situação complexa para ela é um "caso", uma realidade, enquanto para ele representa apenas uma "história", um trabalho.

E mesmo que pudesse parecer pouco original, a montagem que resume a trabalhosa e às vezes inconclusiva busca de Cal e Della por novas pistas funciona bem por botar a história pra frente, ao mesmo tempo que demonstra as dificuldades e complexidades da profissão. Da mesma forma, o filme também acerta ao retratar o modo como a crescente competição e a necessidade de vendas exercem influência sobre a repercussão que é dada a certos acontecimentos, transformando muitas vezes as notícias em informes fúteis, rasos e equivocados (algo bem ilustrado pela cena em que o personagem de Ben Affleck lamenta que será lembrado pelo escândalo que está envolvido, e não pelos projetos que conseguiu aprovar em sua carreira). Esse aspecto pode ser notado na abordagem inicial dada à morte de Baker ou no momento em que a editora Cameron Lynne (Helen Mirren) critica Cal por não querer publicar informações incompletas, dizendo que se determinada informação frágil gera uma notícia, desmentir essa informação gera outra notícia.
Helen Mirren (Hitchcock), por sinal, se revela uma ótima escolha para o papel, já que transmite uma autoridade impecável ao mesmo tempo que exibe uma angústia com as novas diretrizes impostas pelos investidores do jornal, que só pensam em aumentar as vendas, mesmo que isso transforme o jornal em um pequeno tabloide. Como de costume, Russel Crowe (Os Miseráveis) faz uma boa composição: surgindo gordo, com cabelos longos e barba por fazer, ele compõe Cal como um homem apaixonado pelo trabalho, ao mesmo tempo que tenta não comprometer Stephen e Annie, que, no fundo, representam suas poucas conexões humanas. Já Rachel McAdams (Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras) vive Della Frye como uma jornalista inexperiente que deve enfrentar o preconceito dos demais profissionais por trabalhar diretamente com uma tecnologia ainda mal aceita no meio, ao mesmo tempo que luta para conquistar o respeito dos colegas - e sua inexperiência é ilustrada com competência, desde a falta de hábito de ter sempre consigo material de anotação até sua relutância em largar o conforto da cama quando recebe uma boa pista a ser seguida no meio da noite. Assim, Frye aproveita a chance de trabalhar com um jornalista experiente em um caso tão importante conduzindo, de certa forma, uma investigação paralela e complementar à de Cal - e é interessante notar como, enquanto caminham juntos pela redação ao final da projeção, as silhuetas de Frye e McAffrey se assemelham, como se ela fosse agora uma versão menor dele. Enquanto isso, mesmo com pouco tempo em tela, Robin Wright Penn (Millennium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres) ilustra bem o sofrimento de sua personagem diante do desabamento iminente de seu casamento e de sua amizade com Cal. E se Ben Affleck (Argo) e Jeff Daniels usam seus déficits de falas, expressividade ou de tempo em tela para despertar no público ao mesmo tempo confiabilidade e suspeita, Michael Berresse cumpre bem o papel de assassino frio e ameaçador enquanto Jason Bateman, Viola Davis (Dezesseis Luas) e Barry Shabaka Henley são relegados a papéis secundários, mas desempenham bem suas funções.
Provando que o Macdonald é uma grande promessa (que está se cumprindo), Intrigas de Estado falha apenas por apresentar uma resolução com um impacto menor do que vinha prometendo, mas logo em seguida volta a acertar com boa uma montagem durante os créditos finais, que exibe o processo de impressão do jornal, ressaltando novamente que o enfoque do longa foi na produção da notícia, e não necessariamente em sua divulgação e repercussão. E apesar de inferior ao semelhante (e fantástico) Todos os Homens do Presidente (as aparições de Watergate e a cena da garagem são apenas algumas das referências ao longa de 1974), o fato é que ambos apresentam ótimas abordagens sobre a atividade jornalística ajudando a resolver grandes e importantes casos, cada um adaptado ao contexto político de sua época. E se o escândalo do Watergate foi um fato responsável por um antagonismo de grandes dimensões, para aquele filme, a atual ascensão da indústria de arma e privatização da segurança nacional não deixam a desejar.
